PONTIFÍCIO CONSELHO PARA AS COMUNICAÇÕES SOCIAIS
ÉTICA NAS
COMUNICAÇÕES SOCIAIS
I
INTRODUÇÃO
1.
Um grande bem e um grande mal provêm do uso que as pessoas fazem dos meios de
comunicação social. Não obstante geralmente se diga — e com frequência diremos
aqui — que os « mass media » fazem isto ou aquilo, não se trata de forças cegas
da natureza, fora do controle humano. Pois embora os actos de comunicação com
frequência tenham consequências involuntárias, contudo são as pessoas que
escolhem usar os mass media para finalidades positivas ou negativas, de modo
recto ou incorrecto.
Estas
opções, fulcrais para a questão ética, são feitas não só por aqueles que
recebem as comunicações – espectadores, ouvintes e leitores – mas especialmente
por aqueles que controlam os instrumentos de comunicação social e determinam as
suas estruturas, linhas de conduta e conteúdo.
Eles
incluem funcionários públicos e executivos empresariais, membros de repartições
governamentais, empresários, editores e responsáveis de estações de rádio,
editores, directores de noticiários, produtores, escritores, correspondentes e
outros. Para eles, a questão ética é particularmente subtil: os mass media
estão a ser utilizados para o bem ou para o mal?
2. O
impacto das comunicações sociais dificilmente pode ser exagerado. Neste
contexto as pessoas entram em contacto com os outros e com os eventos, formando
as próprias opiniões e valores. Elas não só transmitem e recebem informações e
ideias através destes instrumentos, mas com frequência identificam a própria
vida com a experiência mediática (cf. Pontifício Conselho para as Comunicações
Sociais, Aetatis novae, 2).
A
mudança tecnológica está rapidamente a tornar os meios de comunicação cada vez
mais difundidos e poderosos. « O advento da sociedade da informação é uma
verdadeira revolução cultural » (Pontifício Conselho para a Cultura, Para
uma abordagem pastoral da cultura, n. 9); e as deslumbrantes inovações do
século XX podem ter sido apenas um prólogo daquilo que este novo século vai
trazer.
A
amplitude e diversidade dos mass media acessíveis às pessoas nos países ricos
já são surpreendentes: livros e periódicos, televisão e rádio, filmes e vídeos,
gravações auditivas, comunicação electrónica transmitida por ondas etéreas, via
cabo, via satélite e via Internet. Os conteúdos desta vasta efusão vão das
notícias cruas ao mero divertimento, da oração à pornografia, da contemplação à
violência. Dependendo do uso que fazem dos mass media, as pessoas podem sentir
simpatia ou compaixão, ou isolar-se num mundo narcisista, que tem a si mesmo
como ponto de referência, feito de estímulos cujos efeitos são semelhantes aos
dos narcóticos. Nem sequer aquele que evita os mass media pode eximir-se dos
contactos com os outros que são profundamente influenciados por eles.
3.
Além destas razões, a Igreja tem motivos próprios para se interessar dos meios
de comunicação social. Considerada à luz da fé, a história da comunicação
humana pode ser vista como uma longa viagem desde Babel, lugar e símbolo da
decadência da comunicação (cf. Gn 11,4-8), até ao Pentecostes e ao dom
das línguas (cf. Act 2,5-11) — a comunicação restabelecida pelo poder do
Espírito transmitido pelo seu Filho. Enviada ao mundo para anunciar a boa nova
(cf. Mt 28,19-20; Mc 16,15), a Igreja tem a missão de proclamar o
Evangelho até ao fim dos tempos. Hoje, ela sabe que isto exige a utilização dos
mass media (cf. Concílio Vaticano II, Inter mirifica, 3; Papa Paulo VI, Evangelii
nuntiandi, 45; Papa João Paulo II, Redemptoris missio, 37;
Pontifício Conselho para as Comunicações Sociais, Communio et progressio, 126-134;
Aetatis novae, 11).
A
Igreja também sabe que ela mesma é uma communio, uma comunhão de pessoas
e de comunidades eucarísticas, « que encontra o seu fundamento na comunhão
íntima da Trindade e a reflecte » (Aetatis novae, 10; cf. Congregação
para a Doutrina da Fé, Alguns aspectos da Igreja entendida como comunhão).
Com efeito, toda a comunicação humana está assente na comunicação entre o Pai,
o Filho e o Espírito. Mais ainda, a comunhão trinitária alcança a humanidade: o
Filho é o Verbo, eternamente « pronunciado » pelo Pai; em e mediante Jesus
Cristo, Filho e Verbo que se fez homem, Deus comunica-se a si mesmo e a sua
salvação às mulheres e aos homens. « Nos tempos antigos, muitas vezes e de
muitos modos Deus falou aos antepassados por meio dos profetas. No período
final em que estamos, falou-nos por meio do Filho » (Hb 1,1-2). A
comunicação na e pela Igreja encontra o seu ponto de partida na comunhão de
amor entre as Pessoas divinas e a sua comunicação connosco.
4. A
abordagem da Igreja aos meios de comunicação social é fundamentalmente
positiva, encorajadora. Ela não se limita simplesmente a julgar e condenar;
pelo contrário, considera que estes instrumentos são não só produtos do génio
humano, mas também grandes dádivas de Deus e verdadeiros sinais dos tempos (cf.
Inter mirifica, 1; Evangelii nuntiandi, 45; Redemptoris
missio, 37). Ela deseja apoiar os indivíduos que estão profissionalmente
comprometidos na comunicação, definindo princípios positivos para os assistir
no seu trabalho, enquanto promove um diálogo em que todas as partes
interessadas — hoje, isto significa quase todos — possam participar. Estes
objectivos estão na base deste documento.
Dizemos
novamente: os mass media nada fazem por si mesmos; eles são instrumentos,
ferramentas que as pessoas utilizam como preferem. Ao reflectirmos sobre os
meios de comunicação social, devemos enfrentar honestamente a « mais essencial
» das questões levantadas pelo progresso tecnológico: se, como resultado disto,
o ser humano « se torna verdadeiramente melhor, isto é, mais amadurecido do
ponto de vista espiritual, mais consciente da dignidade da sua humanidade, mais
responsável, mais aberto para com o outros, em particular para com os mais
necessitados e os mais fracos, e mais disponível para proporcionar e prestar
ajuda a todos » (Papa João Paulo II, Redemptor hominis, 15).
Consideramos
evidente o facto de que a vasta maioria das pessoas, de alguma forma empenhadas
na comunicação social, são indivíduos conscienciosos, que querem fazer o que é
correcto. Funcionários públicos, políticos e executivos empresariais desejam
respeitar e promover o interesse público da forma que eles o compreendem. Os
leitores, ouvintes e espectadores querem utilizar bem o próprio tempo, para o
crescimento e o desenvolvimento pessoais, de maneira a poderem levar uma vida
mais feliz e mais produtiva. Os pais estão atentos por que aquilo que entra nos
seus lares através dos mass media seja para o benefício dos seus filhos. A
maioria dos comunidades profissionais deseja utilizar os próprios talentos para
servir a família humana, e sente-se irrequieta diante das crescentes pressões
económicas e ideológicas que rebaixam os padrões éticos presentes em muitos
sectores dos mass media.
Os
conteúdos de inumeráveis opções feitas por todas estas pessoas, a respeito dos
mass media, são diferentes de um grupo para outro e de um indivíduo para outro,
mas todas as opções têm um peso ético e são sujeitas a uma avaliação ética. A
fim de que estas opções sejam justas, é necessário que se « conheçam e levem à
prática neste campo as normas de ordem moral » (Inter mirifica, 4).
5. A
Igreja contribui de várias formas para este diálogo.
Ela
oferece uma longa tradição de sabedoria moral, arraigada na revelação divina e
na reflexão humana (cf. Papa João Paulo II, Fides et ratio, 36-48). Uma
parte disto é um substancial e crescente corpo de doutrina social, cuja
orientação teológica é um importante correctivo para « a solução
"ateia", que priva o homem de uma das suas componentes fundamentais,
a espiritual [e]... no que diz respeito às soluções permissivas e consumistas
que buscam, sob vários pretextos, convencê-lo da sua independência de toda a
lei e de Deus » (Papa João Paulo II, Centesimus annus, 55). Mais do que
simplesmente apresentar um juízo, esta tradição oferece-se a si mesma ao
serviço dos mass media. Por exemplo, « a cultura eclesial da sabedoria pode
salvar a cultura mediática da informação, a fim de que não se torne um
amontoar-se de factos sem significado » (Papa João Paulo II, Mensagem por
ocasião do XXXIII Dia Mundial das Comunicações Sociais, 1999, n. 3).
A
Igreja contribui ainda mais para o diálogo. A sua especial contribuição nas
questões humanas, inclusive no mundo das comunicações sociais, é « precisamente
aquela visão da dignidade da pessoa, que se revela em toda a sua plenitude no
mistério do Verbo encarnado » (Centesimus annus, 47). Segundo as
palavras do Concílio Vaticano II, « Cristo Senhor, Cristo novo Adão, na mesma
revelação do mistério do Pai e do seu amor, manifesta perfeitamente o homem ao
próprio homem e descobre-lhe a sublimidade da sua vocação » (Gaudium et
spes, 22).
II
COMUNICAÇÃO SOCIAL
AO SERVIÇO DA PESSOA HUMANA
6.
Seguindo a Constituição pastoral do Concílio sobre a Igreja no mundo
contemporâneo Gaudium et spes (cf. nn. 30-31), a Instrução pastoral
sobre a Comunicação social Communio et progressio esclarece que os mass
media são chamados ao serviço da dignidade humana, ajudando os indivíduos a
viverem bem e a agirem como pessoas em comunidade. Os mass media fazem-no,
encorajando os homens e as mulheres a estarem conscientes da própria dignidade,
a entrarem nos pensamentos e nos sentimentos dos outros, a cultivarem um
sentido de responsabilidade recíproca e a crescerem na liberdade pessoal, no
respeito pela liberdade do próximo e na capacidade de dialogar.
A
comunicação social tem o imenso poder de promover a felicidade e a realização
humanas. Sem a pretensão de fazermos mais do que uma breve análise, salientamos
aqui, como fizemos noutras partes (cf. Pontifício Conselho para as Comunicações
Sociais, Ética da publicidade, 4-8) alguns dos seus benefícios
económicos, políticos, culturais, educativos e religiosos.
7. Económicos.
O mercado não é uma norma de moralidade ou uma fonte de valor moral, e a
economia de mercado pode ser alvo de abusos; mas o mercado pode servir a pessoa
(cf. Centesimus annus, 34), e os mass media desempenham um papel
indispensável numa economia de mercado. A comunicação social apoia os negócios
e o comércio, ajuda a estimular o crescimento económico, o emprego e a
prosperidade, encoraja os aperfeiçoamentos na qualidade dos bens e serviços
existentes e o desenvolvimento de outros novos, promove a concorrência
responsável que serve o interesse público e torna as pessoas capazes de fazerem
opções informadas, falando-lhes acerca da disponibilidade e das características
dos produtos.
Em
síntese, os complexos sistemas nacionais e internacionais hodiernos não
poderiam funcionar sem os mass media. A sua eliminação provocaria a decadência
das estruturas económicas fundamentais, com grande prejuízo para inúmeras
pessoas e para a sociedade.
8. Políticos.
A comunicação social beneficia a sociedade, facilitando a participação de
cidadãos informados no processo político. Os mass media aproximam as pessoas na
busca de objectivos e metas comuns, ajudando assim a formar e sustentar
comunidades políticas genuínas.
Os
mass media são indispensáveis nas sociedades democráticas de hoje. Eles
oferecem informações sobre temas e eventos, sobre os detentores dos cargos e os
candidatos aos mesmos. Tornam os governantes capazes de se comunicarem rápida e
directamente com o público acerca de questões urgentes. São importantes
instrumentos de confiabilidade, põem em evidência a incompetência, a corrupção
e os abusos de confiança, enquanto chamam a atenção para instâncias de
competência, animação pública e devoção ao dever.
9. Culturais.
Os meios de comunicação social oferecem às pessoas o acesso à literatura,
ao teatro, à música e às artes, que diversamente não lhes são disponíveis, e
assim promovem o desenvolvimento humano no que concerne à ciência, à sabedoria
e à beleza. Falamos não só de apresentações de obras clássicas e dos frutos da
cultura, mas também do divertimento sadio popular e das informações úteis que
reúnem as famílias, ajudam as pessoas a resolver os problemas quotidianos,
animam o espírito dos enfermos, dos inválidos e dos idosos, e aliviam o tédio
da vida.
Os
mass media também fazem com que os grupos étnicos festejem e celebrem as tradições
culturais, compartilhando-as com os outros e transmitindo-as às novas gerações.
Em particular, introduzem as crianças e os jovens na herança cultural que lhes
é própria. Assim como os artistas, os comunicadores servem o bem comum,
preservando e enriquecendo a herança cultural das nações e dos povos (cf. Papa
João Paulo II, Carta aos Artistas, 4).
10. Educativos.
Os mass media são importantes instrumentos de educação em muitos contextos,
das escolas aos lugares de trabalho, e em muitas etapas da vida. As crianças
haurem deles os rudimentos da leitura e da matemática, antes de frequentarem a
escola, os jovens buscam a formação ou gradação vocacional, os idosos procuram
novos conhecimentos na idade avançada — através de tais meios, estes e muitos
outros têm acesso a uma rica e crescente diversidade de recursos educativos.
Os
mass media são instrumentos modelos de educação em muitas salas de aula. E para
além das paredes das salas de aula, os instrumentos de comunicação,
inclusivamente a Internet, superam barreiras de distância e de isolamento,
levando oportunidades de conhecimento a áreas remotas, aos religiosos
enclaustrados, a quem está em casa, aos prisioneiros e a muitos outros.
11. Religiosos.
A vida religiosa de muitas pessoas é grandemente enriquecida através dos
mass media. Eles transmitem notícias e informações acerca de eventos, ideias e
personalidades religiosas: servem como veículo para a evangelização e a
catequese. Todos os dias, oferecem inspiração, encorajamento e oportunidades de
culto a pessoas confinadas na própria casa ou em instituições.
Por
vezes os mass media também contribuem de maneira extraordinária para o
enriquecimento espiritual das pessoas. Por exemplo, enormes auditórios no mundo
inteiro assistem e, num certo sentido, participam em importantes eventos na
vida da Igreja, regularmente transmitidos de Roma por via satélite. E ao longo
dos anos os mass media levaram as palavras e as imagens das visitas pastorais
do Santo Padre a inúmeros milhões de pessoas.
12.
Em todos estes contextos — económico, político, cultural, educativo e religioso
— assim como em outros ainda, os mass media podem ser utilizados para construir
e apoiar a comunidade humana. Efectivamente, toda a comunicação deve ser aberta
à comunidade entre as pessoas.
«
Para nos tornarmos irmãos e irmãs, é necessário conhecermo-nos. Para nos
conhecermos... é muito importante comunicarmo-nos de forma mais ampla e
profunda » (Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades
de Vida Apostólica, A vida fraterna em comunidade, 29). A comunicação
que serve a comunidade genuína « não é apenas exprimir ideais ou manifestar
sentimentos; no seu mais profundo significado, é doação de si mesmo, por amor »
(Communio et progressio, 11).
Uma
comunicação como esta busca o bem-estar e a realização dos membros da
comunidade, no respeito pelo bem comum de todos. Mas são necessários a
consultação e o diálogo para discernir este bem comum. Portanto, é imperativo
que os participantes na comunicação social se empenhem neste diálogo e se
sujeitem à verdade acerca do que é bom. Este é o modo como os mass media podem
assumir a sua obrigação, no « testemunho da verdade acerca da vida, da
dignidade humana, do significado autêntico da nossa liberdade e
interdependência recíproca » (Papa João Paulo II, Mensagem por ocasião do
XXXIII Dia Mundial das Comunicações Sociais, 1999, n. 2).
III
COMUNICAÇÃO SOCIAL
QUE VIOLA O BEM DA PESSOA
13.
Os mass media podem também ser usados para obstruir a comunidade e prejudicar o
bem integral das pessoas: alienando os indivíduos ou marginalizando-os e
isolando-os; atraindo-os para comunidades perversas, organizadas à volta de
valores falsos e destruidores; fomentando a hostilidade e o conflito,
exorcizando os outros e criando uma mentalidade de « nós » contra « eles »;
apresentando o que é vil e degradante numa luz fascinante, e ao mesmo tempo
ignorando ou menosprezando aquilo que exalta e enobrece; difundindo informações
erróneas e desinformação; promovendo a trivialidade e a banalização. Os
estereótipos — assentes em factores de raça e de etnia, de sexo e de idade, bem
como em outros ainda, inclusive de religião — são tristemente comuns nos mass
media. Além disso, a comunicação social subestima com frequência o que é
genuinamente novo e importante, também a boa nova do Evangelho, e concentra-se
na moda e nos caprichos.
Existem
abusos em cada uma das áreas que acabámos de mencionar.
14. Económica.
Às vezes os mass media são utilizados para edificar e sustentar sistemas
económicos que promovem a adquiribilidade e a avareza. O neoliberalismo é um
bom exemplo: « Apoiado numa concepção economista do homem », ele « considera o
lucro e as leis de mercado como parâmetros absolutos em prejuízo da dignidade e
do respeito da pessoa e do povo » (Papa João Paulo II, Ecclesia in America, 56).
Nestas circunstâncias os meios de comunicação, que devem beneficiar todos, são
explorados em vantagem de poucos.
O
processo de globalização « pode criar ocasiões extraordinárias de maior
bem-estar » (Centesimus annus, 58); mas ao ao mesmo tempo e até como
parte disto, algumas nações e povos sofrem explorações e marginalização,
decaindo cada vez mais na luta pelo desenvolvimento. Estes bolsões de privação
que se propagam no meio da abundância são focos de inveja, ressentimento,
tensão e conflito. Isto sublinha a necessidade de « válidos organismos
internacionais de controle e orientação que encaminhem a economia para o bem
comum » (Ibid.).
Diante
de graves injustiças, não é suficiente que os comunicadores digam que o seu
trabalho consiste em narrar as coisas como elas são. Sem dúvida, este é o seu
trabalho. Mas algumas instâncias do sofrimento humano são amplamente ignoradas
pelos mass media, enquanto outras são difundidas; enquanto isto reflecte uma
decisão dos comunicadores, espelha também uma selecção injustificável. De forma
ainda mais fundamental, as estruturas e políticas da comunicação e a colocação
da tecnologia são factores que ajudam a tornar algumas pessoas « ricas de
informação » e outras « pobres de informação », numa época em que a
prosperidade e até mesmo a sobrevivência dependem da informação.
Desta
forma os mass media contribuem com frequência para as injustiças e os
desequilíbrios que dão origem aos sofrimentos por eles mesmos narrados. «
Torna-se necessário quebrar as barreiras e os monopólios que deixam tantos
povos à margem do progresso, e garantir a todos os indivíduos e Nações as
condições basilares que lhes permitam participar no desenvolvimento » (Centesimus
annus, 35). A tecnologia das comunicações e da informação, juntamente com a
formação para o seu uso, constitui uma destas condições fundamentais.
15. Política.
Políticos inescrupulosos utilizam os mass media para a demagogia e o
engano, em benefício de políticas injustas e de regimes opressivos. Desvirtuam
os adversários e sistematicamente deturpam e suprimem a verdade mediante a
propaganda e a « manipulação ». Assim, em vez de aproximar as pessoas, os mass
media servem para as separar, criando tensões e suspeitas que preparam o campo
para o conflito.
Até
mesmo em países dotados de sistemas democráticos, é demasiado comum que os
líderes políticos manipulem a opinião pública através dos mass media, em vez de
promoverem uma participação informada no processo político. As convenções da
democracia são observadas, mas as técnicas emprestadas da publicidade e das
relações públicas são utilizadas em vantagem das políticas que exploram
particulares grupos e violam os direitos internacionais, inclusivamente o
direito à vida (cf. Evangelium vitae, 70).
Também
com muita frequência os mass media popularizam o relativismo e o utilitarismo
éticos subjacentes à actual cultura da morte. Participam na contemporânea «
conjura contra a vida », « abonando junto da opinião pública aquela cultura que
apresenta o recurso à contracepção, à esterilização, ao aborto e à própria
eutanásia como sinal do progresso e conquista da liberdade, enquanto descrevem
como inimigas da liberdade e do progresso as posições incondicionalmente a
favor da vida » (João Paulo II, Evangelium vitae, 17).
16. Cultural.
Não raro os críticos desvalorizam a superficialidade e o mau gosto dos mass
media, e embora eles não devam ser obrigatoriamente sombrios e inexpressivos,
também não podem ser mesquinhos e humilhantes. Não é uma desculpa dizer que os
mass media reflectem os padrões populares, pois também esses influem
vigorosamente os modelos populares, e assim têm o grave dever de os elevar, não
de os degradar.
O
problema adquire várias formas. Em vez de explicar questões complexas de modo
cuidadoso e verdadeiro, os noticiários evitam-nas ou então simplificam-nas
demasiadamente. Os mass media voltados para o entretenimento apresentam
programas de corrupção e desumanização, inclusive tratamentos exploradores da
sexualidade e da violência. É enormemente irresponsável ignorar ou rejeitar o
facto de que « a pornografia e a violência sádica depreciam a sexualidade,
pervertem as relações humanas, exploram os indivíduos — especialmente as
mulheres e as crianças — destroem o matrimónio e a vida familiar, inspiram
atitudes anti-sociais e debilitam a fibra moral da sociedade » (Pontifício
Conselho para as Comunicações Sociais, Pornografia e violência nas
comunicações sociais: uma resposta pastoral, 10).
A
nível internacional, a dominação cultural imposta através dos meios de
comunicação social é também um problema sério e grave. Nalgumas partes as
expressões culturais tradicionais são virtualmente excluídas do acesso aos mass
media populares e ameaçadas de extinção; entretanto, os valores das sociedades
opulentas e secularizadas suplantam os valores tradicionais das sociedades
menos ricas e poderosas. Quando se consideram estas questões, deve-se prestar
especial atenção em oferecer às crianças e jovens programas mediáticos que os
coloquem em contacto vivo com a própria herança cultural.
É
para desejar que a comunicação se verifique ao longo de directrizes culturais.
As sociedades podem e devem aprender umas das outras. Mas a comunicação
transcultural não deve ser em desvantagem dos menos poderosos. Hoje, « mesmo as
culturas menos difundidas já não estão isoladas. Elas beneficiam de um aumento
de contactos, mas também padecem as pressões de uma tendência poderosa para a
uniformidade » (Para uma abordagem pastoral da cultura, 33). O facto de
hoje tanta comunicação fluir numa só direcção — das nações desenvolvidas para
os países em vias de desenvolvimento e pobres — levanta sérios problemas
éticos. Os ricos nada têm a aprender dos pobres? Os poderosos são surdos às
vozes dos frágeis?
17. Educativa.
Em vez de promover o conhecimento, os mass media podem distrair as pessoas
e fazê-las perder tempo. Desta forma as crianças e os jovens são
particularmente prejudicados, mas também os adultos sofrem ao serem expostos a
programas banais e desprezíveis. Entre as causas deste abuso de confiança por
parte dos comunicadores está a ganância que coloca o lucro antes das pessoas.
Às
vezes os mass media são também utilizados como instrumentos de doutrinação, com
a finalidade de controlar o que as pessoas sabem e de lhes negar o acesso à
informação que as autoridades não querem que elas recebam. Isto é uma perversão
da educação genuína, que procura aumentar o conhecimento e as habilidades das
pessoas, ajudando-as a perseguir objectivos dignos, e não a estreitarem os seus
horizontes e a dedicarem as suas energias ao serviço da ideologia.
18. Religiosa.
Na relação entre os meios de comunicação e a religião há tentações de ambos
os lados.
Da
parte dos mass media, elas incluem: ignorar ou marginalizar as ideias e a
experiência religiosas; abordar a religião com incompreensão, talvez até mesmo
com desdém, como um objecto de curiosidade que não merece atenção séria;
promover as modas religiosas, em desvantagem da fé tradicional; abordar os
grupos religiosos legítimos com hostilidade; medir a religião e a experiência
religiosa mediante parâmetros seculares daquilo que é apropriado, e favorecer
pontos de vista religiosos que são conformes aos gostos seculares, sobre
aqueles que não o são; e procurar encerrar a transcendência nos limites do
racionalismo e do cepticismo. Os mass media de hoje frequentemente reflectem o
estado pós-moderno de um espírito humano fechado « dentro dos limites da
própria imanência, sem qualquer referência ao transcendente » (Papa João Paulo
II, Fides et ratio, 81).
As
tentações da parte da religião incluem: julgar os mass media de maneira
exclusivamente negativa; o facto de não se conseguir compreender os padrões
sensatos da prática dos meios de comunicação bons, como a objectividade e a
imparcialidade, pode impedir um tratamento especial dos interesses
institucionais da religião; apresentar as mensagens religiosas com um estilo
emocional e manipulador, como se fossem produtos em concorrência num mercado
ávido; usar os mass media como instrumentos para o controle e a dominação;
promover um sigilo desnecessário ou então ofender a verdade; subestimar a
exigência evangélica da conversão, arrependimento e emendamento da vida,
substituindo-a por uma religiosidade branda que exige pouco das pessoas;
encorajar o fundamentalismo, o fanatismo e o exclusivismo religioso, que
fomentam o desprezo e a hostilidade em relação aos outros.
19.
Em síntese, os mass media podem ser utilizados para o bem ou para o mal — é uma
questão de escolha. « Nunca se deve esquecer que a comunicação transmitida
através dos mass media não é um exercício utilitarista, com a simples
finalidade de solicitar, persuadir ou vender. Tampouco é um veículo para
ideologias. Os meios de comunicação social, por vezes, podem reduzir os seres
humanos a unidades de competição entre si, ou manipular telespectadores,
leitores e ouvintes como meras cifras das quais se esperam vantagens, quer elas
estejam relacionadas com um apoio de tipo político ou com a venda de produtos;
são estes factos que destroem a comunidade. A comunicação tem a tarefa de unir
as pessoas e de enriquecer a sua vida, e não de as isolar e explorar. Se forem
usados de maneira correcta, os meios de comunicação social podem contribuir
para criar e manter uma comunidade humana baseada na justiça e na caridade e,
na medida em que o fizerem, tornam-se sinais de esperança » (Papa João Paulo
II, Mensagem para o XXXII Dia Mundial das Comunicações, 1998, n. 4).
IV
ALGUNS PRINCÍPIOS ÉTICOS
RELEVANTES
20.
Os princípios e normas éticas, relevantes nos outros campos, também se aplicam
à comunicação social. Os princípios da ética social como a solidariedade,
subsidiariedade, justiça, equidade e credibilidade no uso dos recursos públicos
e no desempenho de cargos públicos de confiança são sempre aplicáveis. A
comunicação deve ser sempre sincera, dado que a verdade é essencial para a
liberdade individual e para a autêntica comunidade entre as pessoas.
A
ética na comunicação social não está interessada unicamente naquilo que aparece
nos écrans do cinema e da televisão, nas transmissões radiofónicas, nas páginas
impressas e na Internet, mas em muitas outras coisas. A dimensão ética está
relacionada não só ao conteúdo da comunicação (a mensagem) e o processo de
comunicação (o modo de comunicar), mas nas questões fundamentais das estruturas
e sistemas, que com frequência incluem grandes problemas de política que
dependem da distribuição de tecnologia e produtos sofisticados (quem serão os
ricos de informação e os pobres de informação?). Estes interrogativos indicam
outras questões com implicações económicas e políticas para a propriedade e o
controle. Pelo menos nas sociedades abertas, dotadas de economia de mercado, a
principal questão ética pode dizer respeito ao modo de equilibrar o lucro em
relação ao serviço de interesse público, compreendido segundo uma concepção
global do bem comum.
Mesmo
para sensatas pessoas de boa vontade, nem sempre é imediatamente claro o modo
de aplicar os princípios e as normas éticas a casos específicos; são
necessários reflexão, debate e diálogo. Oferecemos o que segue, na esperança de
encorajar tais reflexão e diálogo — entre os responsáveis pelas políticas da
comunicação, os comunicadores profissionais, os promotores da ética e os
moralistas, os receptores da comunicação e outras pessoas interessadas.
21.
Nestas três áreas — mensagem, processo e problemas de estrutura e de sistema —
o princípio ético fundamental é este: a pessoa e a comunidade humanas são a
finalidade e a medida do uso dos meios de comunicação social; a comunicação
deveria fazer-se de pessoa a pessoa, para o desenvolvimento integral das
mesmas.
O
desenvolvimento integral exige suficiência de bens e produtos materiais, mas
requer também atenção à « dimensão interior » (Sollicitudo rei socialis, 29;
cf. n. 46). Todos merecem a oportunidade de crescer e florescer em relação à
inteira variedade de bens físicos, intelectuais, emocionais, morais e
espirituais. Os indivíduos têm uma dignidade e importância irredutíveis, e
jamais podem ser sacrificados aos interesses colectivos.
22.
O segundo princípio é complementar do primeiro: o bem das pessoas não pode
realizar-se sem o bem comum das comunidades às quais elas pertencem. Este bem
comum deveria compreender-se em termos globais, como a soma total de objectivos
comuns dignos, em cuja busca os membros da comunidade se comprometem
conjuntamente e os quais a comunidade mesma existe para servir.
Assim,
enquanto a comunicação social justamente considera as necessidades e interesses
dos grupos particulares, não deveria fazê-lo de maneira a colocar um grupo
contra o outro — por exemplo, em nome da luta de classe, do nacionalismo
exasperado, da supremacia racial, da purificação étnica e outros semelhantes. A
virtude da solidariedade, « a determinação firme e perseverante de se empenhar
pelo bem comum » (Sollicitudo rei socialis, 38) deve governar todos os
sectores da vida social — económico, político, cultural e religioso.
Os
comunicadores e os responsáveis pelas políticas da comunicação devem servir as
necessidades e interesses reais tanto dos indivíduos como dos grupos, a todos
os níveis e de todos os géneros. Existe a premente necessidade de equidade a
nível internacional, onde a distribuição inadequada dos bens materiais entre o
Norte e o Sul é exacerbada pela má distribuição dos recursos de comunicação e
da tecnologia informática, dos quais a produtividade e a prosperidade dependem
em grande medida. Problemas análogos também existem no seio dos países ricos, «
onde a transformação incessante das modalidades de produção e consumo
desvaloriza certos conhecimentos já adquiridos e capacidades profissionais
consolidadas » e « aqueles que não conseguem acompanhar os tempos podem
facilmente ser marginalizados » (Centesimus annus, 33).
Então,
é claro que há necessidade de uma maior participação nos actos decisórios, não
só acerca das mensagens e dos processos de comunicação social, mas também dos
problemas de sistema e de distribuição dos recursos. Os responsáveis pelas
decisões têm o sério dever moral de reconhecer as necessidades daqueles que são
particularmente vulneráveis — os pobres, os idosos e os nascituros, as crianças
e os jovens, os oprimidos e os marginalizados, as mulheres e as minorias, os
enfermos e os portadores de deficiências — assim como as famílias e os grupos
religiosos. Especialmente hoje, a comunidade internacional e os interesses das
comunicações internacionais deveriam considerar de forma generosa e global as
nações e regiões onde os meios de comunicação social são — ou não são —
partícipes na culpa pela perpetuação de males como a pobreza, o analfabetismo,
a repressão política e as violações dos direitos humanos, os conflitos entre os
grupos e entre as religiões, e a supressão das culturas indígenas.
23.
Mesmo assim, continuamos a acreditar que « a solução dos problemas que nasceram
desta comercialização e privatização não regulamentadas não reside, todavia, no
controle dos mass media por parte do Estado, mas numa maior regulamentação,
conforme às normas do serviço público, assim como numa maior responsabilidade
pública. É necessário relevar a este propósito que, se os quadros jurídicos e
políticos, nos quais funcionam as comunicações de alguns países, estão
actualmente em nítido melhoramento, outros lugares há onde a intervenção
governamental permanece um instrumento de opressão e exclusão » (Aetatis
novae, 5).
A
presunção deveria ser sempre favorável à liberdade de expressão, pois « sempre
portanto que os homens, segundo a tendência da sua natureza, comunicam entre si
opiniões ou conhecimentos, não exercem apenas um direito pessoal, mas um dever
para com toda a sociedade » (Communio et progressio, 45). Além disso,
considerada a partir de uma perspectiva ética, esta presunção não é uma norma
absoluta e irrevocável. Existem instâncias óbvias — por exemplo, a calúnia e a
difamação, mensagens que procuram fomentar o ódio e o conflito entre indivíduos
e grupos, a obscenidade e a pornografia, a descrição mórbida da violência —
onde não existe o direito à comunicação. Naturalmente, também a livre expressão
deveria observar princípios como a verdade, a justiça e o respeito pela privacidade.
Os
comunicadores profissionais deveriam estar activamente comprometidos no
desenvolvimento e no revigoramento de códigos éticos de comportamento para a
sua profissão, em cooperação com os representantes públicos. Os organismos
religiosos e outros grupos merecem igualmente ser parte integrante deste
esforço contínuo.
24.
Outro princípio relevante, já mencionado, diz respeito à participação pública
nos actos decisórios acerca da política das comunicações. A todos os níveis,
esta participação deveria ser organizada, sistemática e genuinamente
representativa, não inclinada ao favorecimento de grupos particulares. Este
princípio aplica-se até mesmo, e talvez de modo especial, onde os mass media
são privadamente possuídos e operados em vista do lucro.
No
interesse da participação pública, os comunicadores « devem procurar
comunicar-se com as pessoas, e não apenas falar a elas. Isto exige um interesse
pelas necessidades delas, a consciência das suas lutas e a apresentação de
todas as formas de comunicação com a sensibilidade que a dignidade humana exige
» (Papa João Paulo II, Discurso aos Especialistas da Comunicação, Los
Angeles, 15 de Setembro de 1987).
A
circulação, os índices de transmissão e a « bilheteria », juntamente com a
sondagem de mercado, são por vezes considerados como os melhores indicadores do
sentimento público — com efeito, são os únicos necessários para fazer a lei de
mercado funcionar. Não há dúvida de que a voz do mercado pode ser ouvida desta
maneira. Todavia, as decisões sobre o conteúdo e a política dos mass media não
devem ser deixadas unicamente aos factores do mercado e da economia — do lucro
— uma vez que não se pode contar com eles para a salvaguarda do interesse
público em geral ou, de forma especial, dos interesses legítimos das minorias.
Num
certo sentido, a esta objecção pode-se responder com o conceito do « nicho »,
de acordo com o qual especiais periódicos, programas, estações e canais estão
orientados para auditórios particulares. Até a um certo ponto, a abordagem é
legítima. Mas a diversificação e a especialização — a organização dos mass
media para corresponderem a auditórios desmembrados em segmentos cada vez
menores, assentes em grande medida sobre factores e padrões de consumo — não
devem ser demais prolongadas. Os meios de comunicação social hão-de permanecer
como um « Areópago » (cf. Redemptoris missio, 37) — um fórum de
intercâmbio de ideias e de informações, aproximando indivíduos e grupos,
promovendo a solidariedade e a paz. Em particular, a Internet levanta preocupações
acerca de algumas das « consequências radicalmente novas que ela traz consigo:
a perda do valor intrínseco de possibilidades de informação, uma uniformidade
indiferenciada em mensagens que se reduzem à pura informação, a falta de base
responsável e um certo desencorajamento das relações interpessoais » (Para
uma abordagem pastoral da cultura, 9).
25.
Os comunicadores profissionais não são os únicos que têm deveres éticos. Os
auditórios — os receptores — também têm obrigações. Os comunicadores que procuram
assumir as próprias responsabilidades merecem auditórios conscienciosos acerca
das próprias obrigações.
O
primeiro dever dos receptores da comunicação social consiste em discernir e
seleccionar. Eles hão-de informar-se acerca dos mass media — das suas estruturas,
dos modos de operar, dos seus conteúdos — e fazer opções responsáveis, de
acordo com critérios eticamente sólidos, sobre o que ler, assistir ou escutar.
Hoje, todos precisam de algumas formas de educação mediática permanente,
mediante o estudo pessoal ou a participação num programa organizado, ou ambos.
Mais do que meramente ensinar técnicas, a educação mediática ajuda as pessoas a
formarem padrões de bom gosto e de verdadeiro juízo moral, um aspecto da
formação da consciência.
Através
das suas escolas e programas de formação, a Igreja deve oferecer uma educação
mediática deste género (cf. Aetatis novae, 28; Communio et
progressio, 107). Destinadas originariamente aos Institutos de vida
consagrada, as seguintes palavras possuem uma aplicação mais vasta: « A
comunidade, portanto, consciente do seu influxo, educa-se para os utilizar [os
mass media] para o crescimento pessoal e comunitário, com a clareza evangélica
e a liberdade interior de quem aprendeu a conhecer a Jesus Cristo (cf. Gl 4,17-23).
[Os mass media], de facto, propõem, e muitas vezes impõem, uma mentalidade e um
modelo de vida em constante contraste com o Evangelho. A este respeito, de
muitas partes pede-se uma aprofundada formação para a recepção e para o uso
crítico e fecundo de tais meios » (Congregação para os Institutos de Vida
Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica, A vida fraterna em
comunidade, 34).
Analogamente,
os pais têm o grave dever de ajudar os próprios filhos a aprenderem a avaliar e
usar os mass media, formando a própria consciência de maneira correcta e
desenvolvendo as suas faculdades críticas (cf. Familiaris consortio, 76).
Por amor dos seus filhos e deles mesmos, os pais hão-de adquirir e praticar a
capacidade de discernir os espectadores, ouvintes e leitores, agindo como
modelos de um uso prudente dos mass media em casa. De acordo com a sua idade e
as circunstâncias, as crianças e os jovens devem abrir-se à formação
concernente aos mass media, resistindo ao caminho fácil da passividade
desprovida de critérios, à pressão dos coetâneos e à exploração comercial. As
famílias — os pais juntamente com os filhos — verão que é útil reunir-se em
grupos para estudar e debater os problemas e as oportunidades criadas pela
comunicação social.
26.
Além de promoverem a educação mediática, as instituições, agências e programas
da Igreja têm outras responsabilidades importantes no que concerne à
comunicação social. Primeiro e sobretudo, a prática eclesial da comunicação
deve ser exemplar, reflectindo os padrões mais elevados de verdade,
credibilidade e sensibilidade aos direitos humanos e a outros importantes
princípios e normas. Além disso, os mass media da própria Igreja devem
comprometer-se em comunicar a plenitude da verdade acerca do significado da
vida e história humanas, especialmente enquanto contida na palavra de Deus,
revelada e expressa pelo ensinamento do Magistério. Os pastores devem encorajar
o uso dos mass media para propagar o Evangelho (cf. cânone 822 § 1).
Aqueles
que representam a Igreja hão-de ser honestos e rectos nas suas relações com os
jornalistas. Não obstante as perguntas que eles levantam sejam « às vezes
incómodas ou decepcionantes, especialmente quando não correspondem de modo
algum à mensagem que devemos transmitir », há que ter em mente que « estes interrogativos
desconcertantes são com frequência levantados pela maioria dos nossos
contemporâneos » (Para uma abordagem pastoral da cultura, 34). A fim de
que a Igreja fale de maneira credível às pessoas de hoje, quem fala por ela
deve dar respostas críveis e genuínas a estes interrogativos aparentemente
embaraçosos.
Assim
como os outros cidadãos, os católicos têm o direito à livre expressão,
inclusivamente o direito de acesso aos mass media para esta finalidade. O
direito à expressão inclui a manifestação de opiniões acerca do bem da Igreja,
com a devida atenção à integridade da fé e da moral e ao respeito pelos
pastores, bem como a consideração pelo bem comum e a dignidade das pessoas (cf.
cânone 212 § 3; cf. cânone 227). Contudo, ninguém tem o direito de falar pela
Igreja, ou supor que alguém o possa ter, a não ser quando é oportunamente
designado; e as opiniões pessoais não devem ser apresentadas como o ensinamento
da Igreja (cf. cânone 227).
A
Igreja seria bem servida se um maior número de pessoas que ocupam cargos e
desempenham funções no nome dela fossem formados em comunicação. Isto é verdade
não só para os seminaristas, as pessoas que se formam nas comunidades
religiosas e os jovens leigos católicos, mas para o pessoal da Igreja em geral.
Considerando que são « neutros, abertos e honestos », os mass media oferecem
aos cristãos bem preparados « um papel missionário de vanguarda », e é
importante que eles sejam « bem formados e apoiados » (Ibid.). Os
pastores também devem oferecer ao seu povo uma orientação no que diz respeito
aos mass media e às suas mensagens às vezes contrastantes e até mesmo
destrutivas (cf. cânone 822 §§ 2 e 3).
Considerações
análogas são válidas para a comunicação no interior da Igreja. Uma corrente
bilateral de informação e de pontos de vista entre os pastores e os fiéis, a
liberdade de expressão sensível ao bem-estar da comunidade e ao papel do
Magistério na promoção do mesmo, e a opinião pública responsável constituem
importantes expressões do « direito [fundamental] ao diálogo e à informação no
seio da Igreja » (Aetatis novae, 10; cf. Communio et progressio, 12).
O
direito à expressão deve exercer-se com deferência à verdade revelada e ao
ensinamento da Igreja, e no respeito pelos direitos eclesiais dos outros (cf.
cânone 212 §§ 1-3; cf. cânone 220). Assim como outras comunidades e
instituições, a Igreja às vezes tem necessidade — na realidade, por vezes é
obrigada — de praticar o sigilo e a confidencialidade. Mas isto não se deve
fazer em vista da manipulação e do controle. No interior da comunhão de fé, «
os ministros que são revestidos do poder sagrado estão ao serviço dos seus
irmãos, para que todos os que pertencem ao Povo de Deus e gozam portanto da
verdadeira dignidade cristã, tendam livre e ordenadamente para o mesmo fim e cheguem
à salvação » (Lumen gentium, 18). A prática correcta na comunicação é um
dos modos de concretizar esta visão.
V
CONCLUSÃO
27.
Ao começar o terceiro milénio da era cristã, a humanidade encontra-se a um bom
ponto na criação de uma rede global para a transmissão instantânea de
informações, de ideias e de juízos valiosos nos sectores da ciência, do
comércio, da educação, do divertimento, da política, das artes, da religião e
em todos os outros campos.
Esta
rede já é directamente acessível a muitas pessoas nas suas casas, escolas e
lugares de trabalho — enfim, onde quer que seja. É um lugar-comum assistir a
eventos, dos desportos às guerras, que acontecem em tempo real no antípodas do
planeta. As pessoas podem aceder directamente a uma enorme quantidade de dados,
que até a pouco tempo atrás estavam fora do alcance de muitos estudiosos e
estudantes. O indivíduo pode ascender aos píncaros do génio e da virtude
humanos, ou descer às profundidades da degradação humana, enquanto se encontra
sentado sozinho, diante de um teclado e de um écran. A tecnologia mediática
conquista constantemente novas fronteiras, com enormes potenciais para o bem e
o mal. Enquanto aumenta a interactividade, matiza-se a distinção entre os
comunicadores e os receptores. Diante do impacto e sobretudo das implicações
éticas dos novos e nascentes mass media, há necessidade de uma investigação
contínua.
28.
Mas apesar do seu imenso poder, os meios de comunicação são e serão apenas mass
media — ou seja: instrumentos, ferramentas disponíveis para o uso do bem e do
mal. A opção é nossa. Os mass media não exigem uma nova ética; requerem a
aplicação de princípios consolidados às novas circunstâncias. E esta é uma
tarefa em que todos têm um papel a desempenhar. A ética nos mass media não
concerne unicamente aos especialistas, quer eles sejam peritos em comunicação
social ou em filosofia moral; pelo contrário, a reflexão e o diálogo que este
documento procura encorajar e assistir deve ser vasto e global.
29.
A comunicação social pode reunir as pessoas em comunidades de simpatia e de
interesse comum. Serão estas comunidades informadas pela justiça, decência e
respeito pelos direitos humanos, comprometendo-se no bem comum? Ou serão elas
egoístas e voltadas para si mesmas, empenhadas no benefício de grupos particulares
— económicos, raciais, políticos e até mesmo religiosos — em detrimento dos
outros? A nova tecnologia servirá todas as nações e povos, respeitando as
tradições culturais de cada um, ou será um instrumento para enriquecer os ricos
e potenciar os poderosos? Devemos escolher.
Os
meios de comunicação também podem ser usados para separar e isolar. A
tecnologia permite cada vez mais que as pessoas formem blocos de informação e
serviços destinados exclusivamente a elas mesmas. Existem vantagens reais nisto,
mas levanta-se um interrogativo inevitável: o auditório do futuro será uma
grande quantidade de auditórios de um só? Enquanto pode conceder a autonomia
individual, a nova tecnologia possui outras implicações menos desejáveis. Em
vez de ser uma comunidade global, pode a « teia » (web ») do futuro tornar-se
um vasta rede fragmentada de indivíduos isolados — abelhas humanas nas suas
células — interagindo com os dados e não uns com os outros? O que seria da
solidariedade — o que seria do amor — num mundo como esse?
Na
melhor das hipóteses, a comunicação humana tem sérias limitações, é mais ou
menos imperfeita e está em perigo de fracassar. É difícil que as pessoas se
comuniquem consistentemente de modo honesto umas com as outras, de maneira a
não causar prejuízos e a servir os melhores interesses de todos. De resto, no
mundo dos mass media as dificuldades inerentes à comunicação são com frequência
enaltecidas pela ideologia, pela avidez do lucro e do controle político, pelas
rivalidades e conflitos entre os grupos, e por outros males sociais. Os mass
media de hoje alargam o alcance da comunicação social — a sua quantidade e
velocidade; não tornam a comunicação de mente a mente, de coração a coração,
menos frágil, menos sensível e menos destinada a falhar.
30.
Como dissemos, as contribuições especiais que a Igreja oferece para a abordagem
destas matérias são uma visão das pessoas humanas, da sua dignidade
incomparável e dos seus direitos invioláveis, e uma visão da comunidade humana
cujos membros estão vinculados pela virtude da solidariedade na busca do bem
comum de todos. A necessidade destas duas visões é particularmente premente «
quando se é obrigado a constatar o carácter fragmentário de propostas que
elevam o efémero ao nível de valor, iludindo assim a possibilidade de se
alcançar o verdadeiro sentido da existência »; na ausência dessas, « muitos
arrastam a sua vida quase até à borda do precipício, sem saber o que os espera
» (Papa João Paulo II, Fides et ratio, 6). Diante desta crise, a Igreja
mostra-se como « perita em humanidade », cuja capacidade « a impele
necessariamente a alargar a sua missão religiosa aos vários campos » do esforço
humano (Sollicitudo rei socialis, 41; cf. Papa Paulo VI, Populorum
progressio, 13). Ela não pode conservar para si mesma a verdade acerca da
pessoa e da comunidade humanas, pois deve compartilhá-la livremente, sempre
consciente de que as pessoas podem dizer não à verdade — e a ela. Procurando
promover e apoiar elevados padrões éticos no uso dos meios de comunicação social,
a Igreja busca o diálogo e a colaboração com os outros: com os funcionários
públicos, que têm o especial dever de proteger e promover o bem comum da
comunidade política; com os homens e mulheres do mundo da cultura e das artes;
com os estudiosos e professores empenhados na formação dos comunicadores e dos
auditórios do futuro; com os membros das outras Igrejas e grupos religiosos,
que compartilham o seu desejo de que os mass media sejam utilizados para a
glória de Deus e o serviço da raça humana (cf. Pontifício Conselho para as
Comunicações Sociais, Critérios para a cooperação ecuménica e
inter-religiosa nas comunicações); e especialmente com os comunicadores
profissionais — escritores, editores, repórteres, correspondentes, actores,
produtores, pessoal técnico — além dos proprietários, administradores e
responsáveis pelas decisões neste campo.
31.
Além das suas limitações, a comunicação humana contém em si algo da actividade
criadora de Deus. « Com amorosa condescendência, o Artista divino transmite ao
artista humano » — e, podemos dizer, também ao comunicador — « uma centelha da
sua própria sabedoria transcedente, chamando-o a partilhar do Seu poder criador
»; quando entendem isto, os artistas e os comunicadores « podem compreender-se
profundamente a si mesmos e à sua vocação e missão » (João Paulo II, Carta
aos Artistas, 1).
O
comunicador cristão em particular tem uma tarefa profética, uma vocação: falar
contra os falsos deuses e ídolos do nosso tempo — materialismo, hedonismo,
consumismo, nacionalismo exasperado, etc. — anunciando a todos o compêndio da
verdade moral assente na dignidade e nos direitos humanos, na opção
preferencial pelos pobres, no destino universal dos bens, no amor pelos
inimigos e no respeito incondicional por toda a vida humana desde a concepção
até à morte natural; e procurando a realização mais perfeita do Reino neste
mundo, enquanto permanece consciente de que, no fim dos tempos, Jesus
recapitulará todas as coisas e as restituirá ao Pai (cf. 1 Cor 15,24).
32.
Enquanto estas reflexões são dirigidas a todas as pessoas de boa vontade, e não
só aos católicos, ao concluí-las é oportuno falar de Jesus como de um modelo
para os comunicadores. « No período final », Deus Pai « falou-nos por meio do
Filho » (Hb 1,2); e o seu Filho comunica-nos agora e sempre o amor do
Pai e o significado último da nossa vida.
«
Durante a sua permanência na terra, Cristo manifestou-se como perfeito
comunicador. Pela "Encarnação", fez-se semelhante àqueles que haviam
de receber a sua mensagem; mensagem que comunicava com a palavra e com a vida.
Não falava como que "de fora", mas "de dentro", a partir do
seu povo; anunciava-lhe a palavra de Deus, com coragem e sem compromissos; e no
entanto adaptava-se à sua linguagem e mentalidade, encarnado como estava na
situação a partir da qual falava » (Communio et progressio, 11).
Ao
longo da vida pública de Jesus, as multidões aglomeravam-se para ouvi-lo pregar
e ensinar (cf. Mt 8,1 e 18; cf. Mc 2,2; 4,1; Lc 5,1; etc.)
e Ele ensinou-os « como alguém que tem autoridade » (Mt 7,29; cf. Mc 1,22;
Lc 4,32). Narrou-lhes acerca do Pai e ao mesmo tempo referiu-se-lhes,
explicando: « Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida » (Jo 14,6) e « Quem
me viu, viu o Pai » (Jo 14,9). Não perdeu tempo em discursos inúteis ou
em defender-se, nem sequer quando foi acusado e condenado (cf. Mt 26,63;
27,12-14; cf. Mc 15,5; 15,61). Pois o seu « alimento » consistia em
fazer a vontade do Pai que O enviou (cf. Jo 4,34) e tudo o que Ele fazia
e falava era pronunciado e feito com referência a isso.
Com
frequência o ensinamento de Jesus adquiria a forma de parábolas e histórias
vívidas, expressando verdades profundas com termos simples, quotidianos. Não só
as suas palavras, mas também as suas obras, especialmente os seus milagres,
eram actos de comunicação, que indicavam a sua identidade e manifestavam o
poder de Deus (cf. Evangelii nuntiandi, 12). Nas suas comunicações,
demonstrava respeito pelos seus ouvintes, simpatia pela sua condição e
necessidades, compaixão pelos seus sofrimentos (cf., por exemplo, Lc 7,13),
e determinação decidida em dizer-lhes o que eles precisavam de ouvir, de
maneira a chamar a sua atenção e a ajudá-los a receber a sua mensagem, sem
coerção nem compromisso, sem decepção nem manipulação. Ele convidava os outros
a abrirem-lhe a própria mente e coração, consciente de que este era o modo de
os atrair a Ele e ao seu Pai (cf., por exemplo, Jo 3,1-15; 4,7-26).Jesus
ensinou que a comunicação é um acto moral: « Pois a boca fala aquilo de que o
coração está cheio. O homem bom tira coisas boas do seu bom tesouro, e o homem
mau tira coisas más do seu mau tesouro. Eu digo-vos: no dia do julgamento,
todos devem prestar contas de cada palavra inútil que tiverem falado. Porque tu
serás justificado pelas tuas próprias palavras, e serás condenado pelas tuas
próprias palavras » (Mt 12,34-37). Ele admoestava severamente contra o
escândalo dos « pequeninos », e repreendia que quem o fizesse « seria melhor
que fosse lançado no mar com uma pedra de moinho amarrada ao pescoço » (Mc 9,42;
cf. Mt 18,6; Lc 17,2). Ele era totalmente cândido, um homem de
quem se podia dizer que « nenhuma mentira foi encontrada na sua boca »; além
disso: « Quando era insultado, não revidava; ao sofrer, não ameaçava. Antes,
depositava a sua causa nas mãos daquele que julga com justiça » (1 Pd 2,22-23).
Insistia sobre a pureza e a verdade nos outros, enquanto condenava a hipocrisia
e a desonestidade — qualquer tipo de comunicação que fosse tendenciosa e
perversa: « Dizei apenas "sim", quando é "sim"; e
"não", quando é "não". O que disserdes além disso, vem do
Maligno » (Mt 5,37).
33.
Jesus é o modelo e o paradigma da nossa comunicação. Para aqueles que estiverem
comprometidos na comunicação social, quer como responsáveis pelas políticas,
como comunicadores profissionais, como receptores, quer em qualquer outra
função, a conclusão é óbvia: « Por isso, abandonai a mentira: cada um diga a
verdade ao seu próximo, pois somos membros uns dos outros... Que nenhuma
palavra inconveniente saia da vossa boca; ao contrário, se for necessário,
dizei uma boa palavra, que seja capaz de edificar e fazer o bem aos que ouvem »
(Ef 4,25.29). O serviço à pessoa humana, a edificação da comunidade
humana assente na solidariedade, na justiça e no amor, e o anúncio da verdade
acerca da vida humana e da sua derradeira realização em Deus estavam, estão e
permanecerão no cerne da ética nos mass media.
Cidade do Vaticano, 4 de Junho
de 2000, Dia Mundial das Comunicações Sociais, Jubileu dos Jornalistas.
John P. Foley
Presidente
Pierfranco
Pastore
Secretário