DOCUMENTO DE SANTO DOMINGO
IV CONFERÊNCIA DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO
NOVA EVANGELIZAÇÃO, PROMOÇÃO HUMANA E CULTURA CRISTÃ
“Jesus Cristo ontem, hoje e sempre” (Hb 13,8)
7ª Edição
Tradução oficial da CNBB
DISCURSO DE ABERTURA DO PAPA JOÃO PAULO II À IV
CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO EM SANTO DOMINGO
Queridos Irmãos no
Episcopado,
Amados Sacerdotes,
Religiosos, Religiosas e Leigos
l. Sob a guia do
Espírito Santo, a quem acabamos de invocar fervorosamente para que ilumine os
trabalhos desta importante Assembléia eclesial, inauguramos esta IV Conferência
Geral do Episcopado Latino-Americano, pondo nossos olhos e nosso coração em
Jesus Cristo, "o mesmo ontem, hoje e por toda a eternidade" (Hb
13,8). Ele é o Princípio e o Fim, o Alfa e o Ômega (Ap 21,6; cf. 1,8; 22,13), a plenitude da Evangelização, "o primeiro
e o maior dos evangelizadores. Ele foi isso mesmo até o fim, até a perfeição,
até ao sacrifício da sua vida terrena" (Evangelii
nuntiandi, 7).
Sentimos muito viva
nesta celebração a presença de Jesus
Cristo, Senhor da História. Em seu nome se reuniram os Bispos da América
Latina nas Assembléias anteriores - Rio de Janeiro em 1955; Medellín em 1968;
Puebla em 1979 -, e em Seu mesmo nome nos reunimos agora em Santo Domingo, para
tratar o tema "Nova Evangelização, Promoção humana, Cultura cristã",
que engloba as grandes questões que, de aqui para o futuro, deve enfrentar a
Igreja diante das novas situações que emergem na América Latina e no mundo.
Esta, queridos
Irmãos, é uma hora de graça para todos nós e para a Igreja que peregrina na
América. Na verdade, para a Igreja universal que nos acompanha com sua oração,
com essa comunhão profunda de corações que o Espírito Santo gera em todos os
membros do único Corpo de Cristo. Hora de graça e também de grande
responsabilidade. Diante dos nossos olhos já se vislumbra o terceiro milênio. E
se a Providência divina nos convocou para Lhe dar graças pelos quinhentos anos
de fé e de vida crista no Continente americano, com maior razão podemos dizer
que nos convocou também para renovar-nos interiormente, e para "distinguir
os sinais dos tempos" (cf. Ml 16,3). Na verdade, a chamada à nova
evangelização é antes de tudo uma chamada à conversão. De fato, mediante o
testemunho de uma Igreja cada vez mais fiel à sua identidade e mais viva em
todas as suas manifestações, os homens e os povos poderão continuar a
encontrar Jesus Cristo e, n'Ele, a verdade da sua vocação e da sua esperança, o
caminho em direção a uma humanidade melhor.
Olhando para
Cristo, "com o olhar fixo no autor e consumador de nossa fé, Jesus"
(Hb 12,2), seguimos a senda percorrida pelo Concílio Vaticano II, cujo XXX
aniversário da sua inauguração foi ontem lembrado. Daí que, ao inaugurar esta
magna Assembléia, desejo recordar aquelas expressivas palavras pronunciadas
pelo meu venerável predecessor, o Papa Paulo VI, na abertura da segunda sessão
conciliar:
"Cristo!
Cristo, nosso princípio,
Cristo, nossa vida
e nosso guia. Cristo, nossa esperança e nosso fim...
Que não desça sobre
esta Assembléia outra luz, a não ser a luz de Cristo, luz do mundo.
Que nenhuma outra
verdade atraia a nossa mente, fora das palavras do Senhor, único Mestre.
Que não tenhamos
outra aspiração, que não seja o desejo de Lhe sermos absolutamente fiéis.
Que nenhuma outra
esperança nos sustente, a não ser aquela que, mediante a Sua palavra, conforta
a nossa debilidade...".
I. JESUS CRISTO
ONTEM, HOJE E SEMPRE
2. Esta Conferência
reúne-se para celebrar Jesus Cristo, para
dar graças a Deus por Sua presença nestas terras americanas, donde, faz hoje
500 anos, começou a difundir-se a mensagem da salvação; reúne-se para celebrar a implantação da Igreja que,
durante estes cinco séculos, tão abundantes frutos de santidade e de amor deu
ao Novo Mundo.
Jesus Cristo é a verdade eterna que se manifestou na
plenitude dos tempos. E precisamente, para transmitir a Boa-Nova a todos os
povos, fundou a Sua Igreja com a missão específica de evangelizar: "Ide por todo o mundo, pregai o Evangelho a
toda a criatura" (Mc 16,15). Pode-se dizer que nestas palavras está
contida a solene proclamação da
evangelização. Assim, pois, desde ò dia em que os Apóstolos receberam o
Espírito Santo, a Igreja recebeu a tarefa da Evangelização. São Paulo o exprime
numa &ase lapidar e emblemática: "Evangelizarelesum
Christum'; "Evangelizar a Jesus Cristo" (G1 1,16). Foi o que
fizeram os discípulos do Senhor, em todos os tempos e em todas as latitudes do
mundo.
3. Neste singular
processo, o ano de 1492 encerra uma data
chave. Com efeito, no dia 12 de outubro - faz hoje exatamente cinco séculos
Almirante Cristóvão Colombo com suas três caravelas procedentes da Espanha,
chegou a estas terras e nelas fincou a cruz de Cristo. No entanto, a evangelização propriamente dita
começou com a segunda viagem dos descobridores, que vieram acompanhados dos
primeiros missionários. Iniciava-se assim a semeadura do dom precioso da fé. E como não dar graças a Deus por ela, junto convosco, queridos Irmãos Bispos,
que hoje tornais presentes aqui em Santo Domingo todas as Igrejas particulares
da América Latina? Como não dar graças pela semente plantada ao longo destes
cinco séculos por tantos e tão intrépidos missionários!
Com a chegada do
Evangelho à América, a história da salvação se expande, cresce a família de
Deus, multiplica-se "para a glória de Deus o número dos que Lhe dão
graças" (2Cor 4,15). Os povos do
Novo Mundo eram "povos novos...totalmente desconhecidos para o Velho Mundo
até ao ano de 1492", porém, "eram conhecidos desde toda a eternidade
por Deus, e por ele sempre abraçados com a paternidade que o Filho revelou na
plenitude dos tempos" (G1 4,4)
(Homilia, 1 de janeiro de 1992). Nos povos da América, Deus escolheu para
Si um novo povo, incorporou-o ao Seu desígnio redentor, fazendo-o participar do
Seu Espírito. Mediante a evangelização e a fé em Cristo, Deus renovou Sua
aliança com a América Latina.
Demos, pois, graças
a Deus pela plêiade de evangelizadores que deixaram sua pátria e deram sua vida
para semear no Novo Mundo a vida nova da fé, da esperança e do amor. O seu
móbil não era a lenda do "Eldorado", nem mesmo interesses pessoais,
mas a chamada urgente a evangelizar irmãos que não conheciam a Jesus Cristo.
Eles anunciaram "a bondade de Deus nosso Salvador e o seu amor pelos
homens" (Tf 3,4), a povos que ofereciam aos seus deuses inclusive
sacrifícios humanos. Eles testemunharam, com a sua vida e com a sua palavra, a
humanidade que brota do encontro com Cristo. Pelo seu testemunho e sua
pregação, o número de homens e mulheres, que se abriam à graça de Cristo, multiplicou-se
"como as estrelas do céu e inumerável como as areias das praias" (Hb
11,12). 4. Desde os primeiros passos da evangelização, a Igreja Católica,
movida pela fidelidade ao Espírito de Cristo, foi defensora infatigável dos
índios, protetora dos valores que havia em suas culturas, promotora de
humanidade diante dos abusos de colonizadores, às vezes sem escrúpulos. A
denúncia das injustiças e das violações feita por Montesinos, Las Casas,
Córdoba, Frei Juan dal Valle e muitos outros, foi como um clamor que propiciou
uma legislação inspirada no reconhecimento do valor sagrado da pessoa. A
consciência cristã aflorava com valentia profética nessa cátedra de dignidade e de liberdade que foi, na Universidade
de Salamanca, a Escola de Vitória (c£ Discurso,
14 de maio de 1991), e em tantos outros exímios defensores dos nativos, na
Espanha e na América Latina. Nomes que são bem conhecidos e que, por ocasião do
V Centenário, foram lembrados com admiração e gratidão. De minha parte, e para
precisar os perfis da verdade histórica pondo
em relevo as raízes cristãs e a identidade católica do Continente, sugeri que
se celebrasse um Simpósio Internacional sobre a História da Evangelização da
América, organizado pela Pontifícia Comissão para a América Latina. Os dados históricos
mostram que foi levada a cabo uma válida,
fecunda e admirável obra evangelizadora e que, através dela, ganhou de tal
modo espaço na América a verdade sobre Deus e sobre o homem que, de fato, ela
mesma constitui uma espécie de tribunal de acusação dos responsáveis daqueles
abusos.
Da fecundidade da
semente evangélica depositada nestas terras abençoadas, pude ser testemunha
durante as viagens apostólicas, que o
Senhor me permitiu realizar nas vossas Igrejas particulares. Como não
manifestar abertamente minha ardente gratidão a Deus, por ter-me concedido
conhecer a realidade viva da Igreja na América Latina! Nas minhas viagens ao
Continente, assim como durante as vossas visitas "ad Limina", e em
outros diversos encontros - que fortaleceram os vínculos da colegialidade
episcopal e a co-responsabilidade na solicitude pastoral por toda a Igreja -
pude comprovar repetidamente o vigor da fé das vossas comunidades eclesiais e
também medir a dimensão dos desafios para a Igreja, ligada indissoluvelmente à
mesma sorte dos povos do Continente.
5. Esta Conferência
Geral reúne-se para preparar as linhas mestras de uma ação evangelizadora, que ponha Cristo no coração e nos lábios de
todos os latino-americanos. Esta é a nossa tarefa: fazer que a verdade sobre
Cristo e a verdade sobre o homem penetrem ainda mais profundamente em todos os
segmentos da sociedade e a transformem (cf. Discurso
à Pontifícia Comissão para a América Latina, 14 de junho de 1991). Nas suas
deliberações e conclusões, esta Conferência deverá saber conjugar os três elementos
doutrinais e pastorais, que constituem como as três coordenadas da nova
evangelização: Cristologia, Eclesiologia
e Antropologia. Contando com uma profunda e adequada Cristologia (cf. Discurso à II Assembléia Plenária da Pontifícia
Comissão para América Latina, 3), e baseados numa sadia antropologia e com
uma clara e reta visão eclesiológica, deveis enfrentar os desafios que se
apresentam hoje à ação evangelizadora da Igreja na América.
Em continuação,
desejo compartilhar convosco algumas reflexões que, seguindo a pauta do tema da
Conferência e como sinal de profunda comunhão e co-responsabilidade eclesial,
vos ajudem na vossa solicitude de Pastores, dedicados generosamente ao serviço
do rebanho que o Senhor vos confiou. Trata-se de apresentar algumas
prioridades, a partir da perspectiva da nova evangelização.
II. NOVA
EVANGELIZAÇÃO
6. A nova evangelização é a idéia central de toda a
temática desta Conferência.
Desde o meu
encontro, no Haiti, com os Bispos do CELAM em 1983, venho pondo uma particular
ênfase nesta expressão, para das errar assim um novo ardor e novos esforços
evangelizadores na "América e no mundo inteiro; ou seja, para dar à ação
pastoral um novo impulso, capaz de suscitar, numa Igreja ainda mais arraigada na
força e na potência imorredouras do Pentecostes, tempos novos de
evangelização" (Evangeii nuntiandi, 2).
A nova
evangelização não consiste num "novo evangelho", que surgiria sempre de nós mesmos, da nossa cultura
ou da nossa análise, sobre as necessidades do homem. Por isso, nâo seria
"evangelho" mas pura invenção humana, e a salvação não se encontraria
nele. Nem mesmo consiste em retirar do Evangelho tudo aquilo que parece
dificilmente assimilável. Não é a cultura a medida do Evangelho, mas Jesus
Cristo é a medida de toda a cultura e de toda obra humana. Não, a nova
evangelização não nasce do desejo de "agradar aos homens" ou de
"procurar o seu favor" (cf GI 1,10), mas da responsabilidade pelo dom
que Deus nos fez em Cristo, pelo qual temos acesso à verdade sobre Deus e sobre
o homem, e à possibilidade da vida verdadeira.
A nova
evangelização tem, como ponto de partida, a certeza de que em Cristo há uma
"riqueza insondável" (Et 3,8), que não extingue nenhuma cultura de
qualquer época, e à qual nós homens sempre poderemos recorrer para
enriquecer-nos (c£ Assembléia especial do Sínodo dos Bispos da Europa, Declaração final, 3). Essa riqueza é,
antes de tudo, o próprio Cristo, sua pessoa, porque Ele mesmo é a nossa
salvação. Nós homens de qualquer época e de qualquer cultura, aproximando-nos
d'Ele mediante a fé e a incorporação ao seu Corpo, que é a Igreja, podemos
encontrar a resposta àquelas perguntas, sempre antigas e sempre novas, que se
nos apresentam, no mistério da nossa existência, e que de modo indelével
levamos gravadas em nosso coração desde a criação e desde a ferida do pecado.
7. A novidade não afeta o conteúdo da
mensagem evangélica que não muda, pois Cristo é "sempre o mesmo: ontem,
hoje e sempre". Por isso, o Evangelho há de ser proclamado em total fidelidade e pureza, assim como
foi conservado e transmitido pela Tradição da Igreja. Evangelizar é anunciar
uma pessoa, que é Cristo. De fato, "não haverá nunca evangelização
verdadeira se o nome, a doutrina, a vida, as promessas, o Reino, o mistério de
Jesus de Nazaré Filho de Deus, não forem anunciados" (Evangelii nuntiandi, 22). Por isso, as cristologias redutivas, cujos desvios
assinalei em diversas ocasiões (cf. Discurso
inaugural da Conferência de Puebla,
28 de janeiro de 1979, I,4), não podem aceitar-se como instrumentos da nova
evangelização. Ao evangelizar, a unidade da fé da Igreja tem que resplandecer
não somente no magistério autêntico dos Bispos, mas também no serviço à verdade
por parte dos pastores de almas, dos teólogos, dos catequistas, e de todos os
que estão comprometidos na proclamação e pregação da fé.
A este respeito, a
Igreja estimula, admira e respeita a vocação do teólogo, cuja "função é
adquirir uma compreensão sempre mais profunda da Palavra de Deus, contida na
Escritura inspirada e transmitida pela Tradição
viva da Igreja" (Instrução sobre a
vocação eclesial do teólogo, n. 6). Esta vocação, nobre e necessária, surge
no interior da Igreja e pressupõe a condição de crente no próprio teólogo, com
uma atitude de fé que ele mesmo deve testemunhar na comunidade. "A reta
consciência do teólogo católico supõe, portanto, a fé na Palavra de Deus
(...), o amor à Igreja, da qual ele recebe a sua missão, e o respeito pelo
Magistério divinamente assistido" (Ibid,
38). A teologia está chamada a prestar um grande serviço à nova
evangelização.
8. Certamente é a
verdade que nos torna livres (cf. Jo 8,32). Existem, porém, posições
inaceitáveis sobre o que é a verdade, a
Liberdade, a consciência. Chega-se, inclusive, a justificar a dissensão
recorrendo "ao pluralismo teológico, levado às vezes até a um relativismo,
que põe em perigo a integridade da fé". Não faltam os que pensam que
"os documentos do Magistério não seriam nada mais que o reflexo de uma
teologia opinável" (Ibid, 34); e
"surge assim uma espécie de `magistério paralelo' dos teólogos, em
oposição e em concorrência com o Magistério autêntico" (ibid. ). Por outro
lado, não podemos minimizar o fato de que "os comportamentos de oposição
sistemática à Igreja, que chegam até mesmo a constituir-se em grupos
organizados", a contestação e a discórdia, da mesma forma que "causam
graves inconvenientes para a comunhão da Igreja", são também um obstáculo
para a evangelização (cf.Ibid., 32).
A confissão da fé - "Jesus Cristo é sempre o
mesmo: ontem, hoje e sempre" (Hb 13,8) - que é como o pano de fundo do
tema desta IV Conferência, nos leva a recordar o seguinte versículo: "Não
vos deixeis seduzir pela diversidade de doutrinas estranhas" (Hb 13,9).
Vós, amados Pastores, deveis zelar sobretudo pela fé da gente simples que, em
caso contrário, se veria desorientada e confundida. 9. Todos os evangelizadores
deverão dar também uma especial
atenção à catequese. No início do meu
Pontificado quis dar um novo impulso a esta tarefa pastoral, mediante a
Exortação Apostólica Catechesi
tradendae, e recentemente aprovei o Catecismo
da Igreja Católica, que recomendo como o melhor dom que a Igreja pode fazer
aos seus Bispos e ao Povo de Deus. Trata-se de um valioso instrumento para a
nova evangelização, onde se compendia toda a doutrina que a Igreja deve
ensinar.
Confio igualmente
que o Movimento Biônico continue
desenvolvendo sua benéfica tarefa na América Latina, e que as Sagradas
Escrituras nutram cada vez mais a vida dos fiéis, para o qual faz-se imprescindível
que os agentes da pastoral aprofundem incansavelmente na Palavra de Deus,
vivendo-a e transmitindo-a aos demais com fidelidade, ou seja, "tendo em
conta a Tradição viva de toda a Igreja e a analogia da fé" (Dei herbum, 12). Da mesma forma, o Movimento litúrgico deverá dar um
renovado impulso à vivência íntima dos mistérios da nossa fé, levando ao
encontro de Cristo Ressuscitado na liturgia da Igreja. É na celebração da
Palavra e dos Sacramentos, mas sobretudo na celebração da Eucaristia, fonte e coroa
da vida da Igreja e de toda a Evangelização, que se realiza nosso encontro
salvífico com Cristo, a quem nos unimos misticamente formando a sua Igreja
(cf. Lumen gentium, 7). Por isso,
exorto-vos a dar um novo impulso à celebração digna, viva e participada das
assembléias litúrgicas, com esse profundo sentido da fé e da contemplação dos
mistérios da salvação, tão enraizado em vossos povos.
10. A
"novidade" da ação evangelizadora a que temos convocado afeta a
atitude, o estilo, o esforço e a programação ou, como 0 propus em Haiti, o ardor, os métodos e a expressão
(cf.Discurso aos Bispos do CELAM, 9 de março de 1983). Uma evangelização
nova no seu ardor supõe uma fé
sólida, uma caridade pastoral intensa e uma fidelidade a toda prova que, sob o
influxo do Espírito, gerem uma mística, um incontido entusiasmo na tarefa de
anunciar o Evangelho. Na linguagem neotestamentária é a "parresia"
que inflama o coração do apóstolo (cf. At 5,28-29; cf. Redemptoris missio, 45). Esta "parresia" há de ser também
o selo do vosso apostolado na América. Nada vos pode fazer calar. Sois arautos da verdade. A verdade de Cristo
há de iluminar as mentes e os corações com a ativa, incansável e pública
proclamação dos valores cristãos.
Por outra parte, os
novos tempos exigem que a mensagem crista chegue ao homem de hoje, mediante novos métodos de apostolado, e que seja expressada numa linguagem e forma
acessíveis ao homem latino-americano, necessitado de Cristo e sedento do
Evangelho: como tornar acessível, penetrante, válida e profunda a resposta ao
homem de hoje, sem alterar ou modificar em nada o conteúdo da mensagem
evangélica? Como chegar ao coração da cultura que queremos evangelizar? Como
falar de Deus num mundo em que está presente um processo crescente de
secularização?
11. Como o
manifestastes nos encontros e nos colóquios que mantivemos ao longo destes
anos, tanto em Roma como nas minhas visitas às vossas Igrejas particulares,
hoje a fé simples da vossa gente sofre a inves6da da secularização, com o conseqüente
enfraquecimento dos
valores religiosos e morais. Nos ambientes urbanos cresce uma modalidade
cultural que, confiando somente na ciência e nos adiantamentos da técnica, se
apresenta como hostil à fé. Transmitem-se uns "modelos" de vida, em
contraste com os valores do Evangelho. Sob a pressão do secularismo, chega-se a apresentar a fé como se fosse uma ameaça
à liberdade e à autonomia do homem.
No entanto, não
podemos esquecer que a história recente mostrou que quando, ao amparo de
certas ideologias, se negam a verdade sobre Deus e a verdade sobre o homem, é
impossível construir uma sociedade de rosto humano. Com a queda dos regimes do
chamado "socialismo real" na Europa oriental, é de se esperar que
também neste Continente se tirem as conclusões pertinentes em relação ao valor
efêmero de tais ideologias. A crise do coletivismo marxista não teve somente
raízes econômicas, como salientei na Encíclica Centesimus annus (n. 41), visto que a verdade sobre o homem está
íntima e necessariamente ligada à verdade sobre Deus.
A nova evangelização há de dar assim uma resposta
integral, pronta, ágil, que fortaleça a fé católica, nas suas verdades fundamentais,
nas suas dimensões individuais, familiares e sociais.
12. A exemplo do
Bom Pastor, deveis apascentar o rebanho que vos foi confiado e defendê-1o dos
lobos vorazes. As seitas e os movimentos
"pseudo-espirituais" de que fala o Documento de Puebla (n. 628) são
causa de divisão e de discórdia nas vossas comunidades eclesiais, e cuja
expansão e agressividade urge enfrentar. Como muitos de vós tiveram ocasião de
assinalar, o avanço das seitas põe em evidência um vazio
pastoral, que tem freqüentemente sua causa na falta de formação, que dissolve a
identidade cristã, fazendo que grandes massas de católicos sem uma adequada
atenção religiosa - entre outras razões por falta de sacerdotes - fiquem à
mercê de campanhas de proselitismo sectário muito ativas. Mas, pode também
acontecer que os fiéis não encontrem entre os agentes da pastoral aquele forte
sentido de Deus, que eles deveriam transmitir em suas vidas. "Tais
situações podem ser ocasião para que muitas pessoas, pobres e simples - como
infelizmente está ocorrendo - se convertam em fácil presa das seitas, nas
quais buscam um sentido religioso da vida que, talvez, não encontrem naqueles
que lho deveriam oferecer a mãos cheias" (Os Caminhos do Evangelho, 20).
Por outra parte,
não se pode menosprezar uma certa estratégia, cujo objetivo é enfraquecer os
fatores que unem os Países da América Latina, desenvolvendo assim as forças que
nascem da unidade. Com este objetivo, se destinam importantes recursos econômicos
para subvencionar campanhas proselitistas, que buscam desestruturar esta
unidade católica.
Ao preocupante
fenômeno das seitas, deve-se responder com uma ação pastoral que ponha no
centro de toda a pessoa a sua
dimensão comunitária e o seu anseio de uma relação pessoal com Deus. É um fato
que ali onde a presença da Igreja é dinâmica, como no caso das paróquias em que se promove uma assídua
formação na Palavra de Deus, onde existe uma liturgia ativa e participada, uma
sólida piedade mariana, uma efetiva solidariedade no campo social, uma marcada
solicitude pastoral pela família, pelos jovens e pelos doentes, as seitas ou os
movimentos para-religiosos não conseguem se instalar ou progredir.
A forte religiosidade popular de vossos fiéis,
com seus extraordinários valores de fé e de piedade, de sacrifício e de
solidariedade, convenientemente evangelizada e alegremente celebrada, orientada
em torno dos mistérios de Cristo e da Virgem Maria, pode ser, pelas suas raízes
eminentemente católicas, um antídoto contra as seitas e uma garantia de
fidelidade à mensagem da salvação.
III. PROMOÇÃO
HUMANA
13. Levando-se em
conta que a Igreja está consciente de que o homem
- não o homem abstrato, mas o homem concreto e histórico - "é o
primeiro caminho que a Igreja deve percorrer no cumprimento da sua missão"
(Redemptorhominis, 14), a promoção humana há de ser conseqüência
lógica da evangelização, para a qual tende a libertação integral da pessoa (cf.
Evangelii nuntiandi, n. 29-39).
Olhando para este
homem concreto, vós, Pastores da Igreja, constatais a difícil e delicada
realidade social pela qual atravessa hoje a América Latina, onde contemplas
camadas de população na pobreza e na marginalização. Por isso, solidários com o
clamor dos pobres, vos sentis
chamados a assumir o papel do bom samaritano (cf. Lc 10,25-37), onde o amor a
Deus se demonstra no amor à pessoa humana. É o que nos lembra o Apóstolo Tiago
com aquelas sérias palavras: "Se um irmão ou uma irmã estiverem nus e
precisarem do alimento cotidiano, e alguém de vós lhes disser: `Ide em paz,
aquecei-vos e
saciai-vos', porém não lhes der as coisas necessárias ao corpo, de que lhe
aproveitará?" (Tg 2,15-16).
A preocupação pelo
social "faz parte da missão evangelizadora da Igreja" (Sollicitudo rei socialis, 41).
"Efetivamente, para a Igreja, ensinar e difundir a doutrina social
pertence à sua missão evangelizadora e faz parte essencial da mensagem cristã,
porque essa doutrina propõe as suas conseqüências diretas na vida da sociedade
e enquadra o trabalho diário e as lutas pela justiça no testemunho de Cristo
Salvador" (Centesimus annus, 5).
Como afirma o
Concilio Vaticano II na Constituição pastoral Gaudium et spes, o problema da promoção humana não pode ser posto à
margem da relação do homem com Deus (cf. n. 43 e 45). De fato, contrapor a
promoção humana e o projeto de Deus sobre a humanidade, é uma grave distorção,
fruto de uma certa mentalidade de inspiração secularista. A genuína promoção humana
há de respeitar sempre a verdade sobre Deus e a verdade sobre o homem, os
direitos de Deus e os direitos do homem.
14. Vós, amados
Pastores, tocais de perto a situação angustiosa de tantos irmãos que carecem do
mais necessário para uma vida autenticamente humana. Apesar do progresso
registrado em alguns campos, persiste e inclusive cresce o fenômeno da pobreza.
Os problemas agravam-se com a perda do poder aquisitivo da moeda, devido à
inflação, às vezes descontrolada, e da deterioração das relações de
intercâmbio, com a conseqüente diminuição dos preços de certas matérias-primas
e com o peso insuportável da dívida externa, da qual derivam desastrosas conseqüências
sociais. A situação faz-se ainda mais dolorosa com o grave problema do
crescente desemprego, que não permite levar o pão para o lar e impede o acesso
a outros bens fundamentais (c£ Laborem
exercens, 18).
Sentindo vivamente
a gravidade desta situação, não deixei de dirigir instantes apelos a favor de
uma ativa, justa e urgente solidariedade
internacional. É um dever de justiça que afeta toda a humanidade, mas
sobretudo os países ricos que não
podem eximir-se da sua responsabilidade para com os países em vias de
desenvolvimento. Esta solidariedade é uma exigência do bem comum universal,
que deve ser respeitado por todos os integrantes da família humana (c£ Gaudium et spes, 26).
15. O mundo não
pode ficar tranqüilo e satisfeito diante da situação caótica e desconcertante
que se apresenta diante dos nossos olhos: nações, setores da populaçâo, famMias
e indivíduos cada vez mais ricos e privilegiados diante de povos, famílias e
multidões de pessoas submergidas na pobreza, vítimas da fome e das doenças,
carentes de moradias dignas, de assistência sanitária, de acesso à cultura.
Tudo isso é testemunho eloqüente de uma desordem real e de uma injustiça
institucionalizada, à qual se somam, às vezes, o atraso em tomar medidas
necessárias, a passividade e a imprudência, bem como a falta de uma séria moral
administrativa. Diante de tudo isso, impõe-se uma "mudança de
mentalidade, de comportamento e de estruturas" (Centesimus annus, 60), a fim de superar o abismo existente entre os
países ricos e os países pobres (cf. Laborem
exemens, 16; Centesimus annus, 14),
bem como as profundas diferenças existentes entre cidadãos de um mesmo país.
Numa palavra: é preciso fazer valer o
novo ideal de solidariedade diante da falaz vontade de dominar.
Por outra parte, é
desumana e falaz a solução que propõe a redução do crescimento demográfico, sem
se importar com a moralidade dos meios usados para o conseguir. Não se trata
de reduzir a todo o custo o número de convidados ao banquete da vida; o que é
preciso é aumentar os meios e distribuir com maior justiça a riqueza, para que
todos possam participar eqüitativamente dos bens da criação.
São necessárias
soluções em nível mundial, instaurando uma verdadeira economia de comunhão e participação de bens, tanto na ordem
internacional como nacional. A este respeito, um fato que pode contribuir
notavelmente para superar os problemas urgentes que afetam hoje este Continente é a integração latino-americana. É grave responsabilidade dos
governantes favorecer o já iniciado processo de integração de alguns povos cuja
mesma geografia, a fé crista, a língua e a cultura uniram definitivamente no
caminho da história.
16. Em continuidade
com as Conferências de Medellín e de Puebla, a Igreja reafirma a opção preferencial pelos pobres. Uma
opção não exclusiva nem excludente, pois a mensagem da salvação está destinada
a todos. "Uma opção, além disso, baseada especialmente na Palavra de Deus
e não em critérios retirados das ciências humanas ou de ideologias contrárias
entre si, que freqüentemente reduzem os pobres em categorias sócio-politicas e
conômicas abstratas. Mas uma opção firme e irrevogável" (Discurso aos Cardeais e Prelados da Cúria
Romang 21 de dezembro de 1984, 9).
Como afirma o
Documento de Puebla, "ao aproximar-nos do pobre para acompanhá-1o e
servi-1o, fazemos o que Cristo nos ensinou, quando se fez irmão nosso, pobre
como nós. Por isso 0 serviço dos pobres é medida privilegiada, embora não
exclusiva, de nosso seguimento de Cristo. O melhor serviço ao irmão é a evangelização,
que o dispõe a realizar-se como filho de Deus, o liberta das injustiças e o
promove integralmente" (Puebla, 1145).
Tais critérios evangélicos de serviço ao necessitado evitarão qualquer tentação
de convivência com os responsáveis das causas da pobreza, ou perigosos desvios
ideológicos, incompatíveis com a doutrina e a missão da Igreja.
A genuína praxes de
libertação há de estar sempre inspirada pela doutrina da Igreja, como se
explica nas Instruções da Congregação para a Doutrina da Fé (Libertatis nuntius, 1984, Libertatis conscientia, 1986), que
conservam todo o seu valor e devem ser tidas em conta quando se trata do tema
das teologias de libertação. Por outro lado, a Igreja não pode de maneira
nenhuma deixar que lhe seja arrebatada, por qualquer ideologia ou corrente
política, a bandeira da justiça, que
é uma das primeiras exigências do Evangelho e, ao mesmo tempo, fruto da chegada
do Reino de Deus.
17. Como já
assinalou a Conferência de Puebla, existem grupos humanos particularmente
submergidos na pobreza: é o caso dos índios (c£ 1265). A eles, e também aos
afro-americanos, quis dirigir uma mensagem especial de solidariedade e de
simpatia, que entregarei amanhã a um grupo de representantes de suas
respectivas comunidades. Como gesto de solidariedade, a Santa Sé criou
recentemente a Fundação Populorum
Progressio, que dispõe de um fundo de ajuda a favor dos camponeses, dos
índios e demais grupos humanos do setor rural, particularmente desprotegidos
na América Latina.
Nesta mesma linha
de solicitude pastoral pela situação das categorias sociais mais carentes,
esta Conferência Geral poderia considerar a oportunidade de que, num futuro
não remoto, possa realizar-se um Encontro
de representantes dos Episcopados de todo o Continente americano - que
poderia ter também caráter sinodal -, visando incrementar a cooperação entre as
diversas Igrejas particulares nos distintos campos da ação pastoral, e no
qual, no âmbito da nova evangelização e como expressão da comunhão episcopal,
se enfrentem também os problemas relativos à justiça e à solidariedade entre
todas as nações da América. A Igreja, no limiar já do terceiro milênio da era
cristã e numa época em que caíram muitas barreiras e fronteiras ideológicas,
sente como um dever iniludível unir espiritualmente ainda mais todos os povos
que formam este grande Continente e, ao mesmo tempo, a partir da missão
religiosa que lhe é própria, incentivar um espírito solidário entre todos eles,
que permita encontrar vias de solução para as dramáticas situações de amplos
setores de populações, que aspiram a um legítimo progresso integral e a
condições de vida mais justas e mais dignas.
18. Não existe
autêntica promoção humana, nem verdadeira libertação, nem opção preferencial
pelos pobres, se não se parte dos mesmos fundamentos da dignidade da pessoa e
do ambiente em que ela deve desenvolver-se, de acordo com o projeto do Criador.
Por isso, não posso não recordar, entre os temas e as opções que requerem toda
atenção da Igreja, o da família e da
vida: duas realidades que vão estreitamente unidas, dado que "a família é como o santuário da
vida" (Centesimus annus, 39). Com efeito, "o futuro da humanidade
passa pela família! É pois
indispensável e urgente que cada homem de boa vontade se empenhe em salvar e
promover os valores e as exigências da família" (Familiaris consonio, 86).
Apesar dos
problemas que afligem atualmente o matrimônio e a instituição familiar, esta,
como "célula primeira e vital da sociedade" (Apostolicam actuositatem, 11), pode gerar energias formidáveis
(c£ n. 43), necessárias para o bem da
humanidade. Por isso, é preciso "anunciar com alegria e convicção a `boa-nova'
acerca da família" (cf. Familiaris
consortio, 86). É preciso anunciá-1a aqui, na América Latina, onde, junto
ao apreço que se tem pela família, alicerçada no matrimônio, proliferam,
infelizmente, as uniões livres. Diante desse fenômeno e das crescentes pressões
divorcistas, é urgente promover medidas adequadas a favor do núcleo familiar,
em primeiro lugar para garantir a união de vida e de amor estável dentro do
matrimônio, conforme o plano de Deus, bem como a serena educação dos filhos.
Em estreita conexão
com os problemas apontados, está o grave problema das crianças que vivem
permanentemente nas ruas das grandes cidades latino-americanas, extenuadas pela
fome e pelas doenças, sem qualquer proteção, sujeitas a tantos perigos, não
excluída a droga e a prostituição. Eis aqui outra questão que deve fazer urgir
vossa solicitude pastoral, lembrando as palavras de Jesus: "Deixai que as
crianças venham a Mim" (Ml 19,14).
A vida desde a sua
concepção no seio materno até à sua natural conclusão deve ser defendida com
decisão e valentia. É necessário criar na América uma cultura da vida que frete a cultura da morte que, através do
aborto, da eutanásia, da guerra, da guerrilha, do
seqüestro, do
terrorismo e de outras formas de violência ou exploração, pretende dominar em
algumas nações. Neste espectro de atentados à vida, ocupa um lugar de destaque
o tráfico de entorpecentes, que há de ser reprimido com todos os meios licitas
à disposição.
19. Quem nos
libertará destes sinais de morte? A experiência do mundo contemporâneo tem
mostrado, cada vez mais, que as ideologias são incapazes de derrotar aquele mal
que escraviza o homem. O único que pode libertar deste mal é Cristo. Ao celebrar
o V Centenário da Evangelização, dirigimos, comovidos, nossos olhares para aquele
momento de graça em que Cristo nos foi dado de uma vez para sempre. A dolorosa
situação de tantas irmãs e irmãos latino-americanos não nos leva ao desespero.
Pelo contrário, torna mais urgente a tarefa que a Igreja tem diante de si:
reavivar no coração de cada batizado a graça recebida. "Recomendo-te -
escrevia São Paulo a Timóteo - que reanimes a graça de Deus, que está em
ti" (2Tm 1,6).
Como da acolhida do
Espírito no Pentecostes nasceu o povo da Nova Aliança, somente esta acolhida
fará surgir um povo capaz de gerar homens renovados e livres, conscientes da
sua dignidade. Não podemos esquecer que a promoção integral do homem é de importância
capital para o desenvolvimento dos povos da América Latina. Pois "o
progresso de um povo não deriva primariamente do dinheiro, nem dos auxílios
materiais, nem das estruturas técnicas, mas sobretudo da formação das
consciências, do amadurecimento das mentalidades e dos costumes. O homem é que é o protagonista do
desenvolvimento, não o dinheiro ou a técnica" (Redemptoris missio, 58). A maior riqueza da América Latina são
suas gentes. A Igreja, "despertando as consciências com o Evangelho",
contribui para despertar as energias adormecidas, a fim de as dispor a
trabalhar na construção de uma nova civilização (cf. Ibid).
IV. CULTURA CRISTA
20. Embora o
Evangelho não se identifique com nenhuma cultura em particular, deve sim
inspirá-las para, desta maneira, as transformar a partir de dentro,
enriquecendo-as com aqueles valores cristãos que derivam da fé. Na verdade, a
evangelização das culturas representa a forma mais profunda e global de
evangelizar uma sociedade, porque, através dela, a mensagem de Cristo penetra
nas consciências das pessoas e se projeta no "ethos" de um povo, nas
suas atitudes vitais, nas suas instituições e em todas as estruturas (cf. Discurso aos intelectuais e ao mundo
universitário, Medellín, 5 de julho de 1986, 2).
O tema
"cultura" foi objeto de particular estudo e reflexão por parte do
CELAM, nos últimos anos. Também a Igreja inteira concentra a sua atenção sobre
esta importante matéria, "já que a
nova evangelização deverá projetar-se sobre a cultura `emergente', sobre
todas as culturas, inclusive as culturas indígenas" (cf. Angelus, 28 de
junho de 1992). Anunciar Jesus Cristo a todas as culturas é a preocupação
central da Igreja e objeto da sua missão. Nos nossos dias, isto exige, em
primeiro lugar, o discernimento das culturas como realidade humana a
evangelizar e, conseqüentemente, a urgência de um novo tipo e alto nível de
colaboração entre todos os responsáveis pela obra evangelizadora.
21. Hoje em dia
percebe-se uma crise cultural de proporções inimagináveis. Certo é que o
substrato cultural atual apresenta um bom número de valores positivos, muitos
deles fruto da evangelização e que são perfeitamente compatíveis com o
Evangelho; ao mesmo tempo, porém, foram eliminados valores religiosos
fundamentais e introduzidas concepções insidiosas, que são inaceitáveis sob o
ponto de vista cristão.
A ausência desses
valores fundamentais cristãos na cultura moderna não apenas tem ofuscado a
dimensão transcendente, arrastando muitas pessoas para a indiferença religiosa
- também na América Latina -, mas é ainda causa determinante do desencanto
social, no qual se gerou a crise desta cultura. Após a autonomia introduzida
pelo racionalismo, tende-se hoje a assentar os valores, sobretudo, em consensos
sociais subjetivos que, não raro, conduzem a posições contrárias inclusive à
própria ética natural. Pense-se no drama do aborto, nos abusos no âmbito da
engenharia genética, nos atentados à vida e à dignidade da pessoa.
Face à pluralidade
de opções que hoje se oferecem, requer-se uma profunda renovação pastoral,
mediante o discernimento evangélico sobre
os valores dominantes, as atitudes, os comportamentos coletivos, que
seqüentemente representam um fato decisivo para optar tanto pelo bem como pelo
mal. Nos nossos dias, torna-se necessário um esforço e um tato especial para
inculturar a mensagem de Jesus, de tal modo que os valores cristãos possam
transformar os diversos núcleos culturais, purificando-os, se necessário for,
e possibilitando a consolidação de uma cultura
cristã que renove, amplie e unifique os valores históricos, passados e
presentes, para assim responder de modo adequado aos desafios do nosso tempo
(cf. Redemptoris missio, 52). Um
destes desafios à evangelização é intensificar o diálogo entre as ciências e a
fé, em ordem a criar um verdadeiro humanismo cristão. Trata-se de mostrar que
as ciências e a técnica contribuem para a civilização e a humanização do mundo,
na medida em que estão penetradas pela sabedoria de Deus. A este propósito,
desejo encorajar vivamente as Universidades e Centros de estudos superiores,
especialmente os que dependem da Igreja, a renovar o seu empenhamento no
diálogo entre fé e ciência. 22. A Igreja vê com preocupação a ruptura existente
entre os valores evangélicos e as culturas modernas, pois estas correm o risco
de fechar-se dentro de si mesmas, numa espécie de involução agnóstica e sem
referência à dimensão moral (cf. Discurso
ao Pontifício Conselho para a Cultura, 18 de janeiro de 1983). A este
respeito, conservam pleno vigor as palavras do Papa Paulo VI: "A ruptura
entre o Evangelho e a cultura é sem dúvida o drama da nossa época, como o foi
também de outras épocas. Assim, importa envidar todos os esforços no sentido de
uma generosa evangelização da cultura, ou mais exatamente das culturas. Estas
devem ser regeneradas mediante o impacto da Boa-Nova" (Evangelü nuntiandi, 20).
A Igreja, que
considera o homem como seu "caminho" (c£ Redemptor hominis, 14), há de dar uma resposta adequada à atual
crise da cultura. Frente ao complexo fenômeno da modernidade, é necessário dar
vida a uma alternativa cultural plenamente cristã. Se a verdadeira cultura é a
que exprime os valores universais da pessoa, quem pode projetar mais luz sobre
a realidade do homem, sobre a sua dignidade e razão de ser, sobre a sua
liberdade e destino do que o Evangelho de Cristo?
Neste marco
histórico do meio milênio da evangelização dos vossos povos, convido-vos, pois,
queridos Irmãos, a que, com o ardor da nova evangelização, animados pelo
Espírito do Senhor Jesus, torneis a Igreja presente na encruzilhada cultural do
nosso tempo, para impregnar com os valores cristãos as próprias raízes da
cultura emergente e de todas as culturas já existentes. Particular atenção
haveis de prestar às culturas indígenas e
afro-americanas, assimilando e pondo em relevo tudo o que nelas há de
profundamente humano e humanizador. A sua visão da vida, que reconhece a
sacralidade do ser humano e do mundo, o seu respeito profundo pela natureza, a
humildade, a simplicidade, a solidariedade são valores que hão de estimular o
esforço, por levar a cabo uma autêntica evangelização inculturada, que seja
também promotora de progresso e conduza sempre à adoração de Deus "em
espírito e verdade" (Jo 4,23). Mas o reconhecimento dos ditos valores não
vos exime de proclamar em todo o momento que "Cristo é o único salvador de
todos, o único capaz de revelar e de conduzir a Deus" (Redemptoris missio, 5).
"A
evangelização da cultura é um esforço por compreender as mentalidades e as
atitudes do mundo atual e iluminá-las a partir do Evangelho. É a vontade de
chegar a todos os níveis da vida humana, para a tornar mais digna" (Discurso ao mundo da cultura, Lima, 15
de maio de 1988, 5). Porém este esforço de compreensão e iluminação deve ser
sempre acompanhado pelo anúncio da Boa-Nova (cf. Redemptoris missio, 46), de tal maneira que a penetração do Evangelho
nas culturas não seja uma simples adaptação
externa, mas um processo profundo e
abrangente que englobe tanto a mensagem cristã como a reflexão e a práxis
da Igreja, respeitando sempre as características e a integridade da fé (Cf.
Ibid., 52).
23. Sendo a
comunicação entre as pessoas um admirável elemento gerador de cultura, os
modernos meios de comunicação social revestem
neste campo uma importância de primeira grandeza. Intensificar a presença da
Igreja no mundo da comunicação há de ser certamente uma das vossas prioridades.
Vêm-me à mente as graves palavras do meu venerado predecessor, o Papa Paulo VI:
"A Igreja viria a sentir-se culpável diante do seu Senhor, se ela não
lançasse mão destes meios potentes que a inteligência humana torna cada dia
mais aperfeiçoados" (Evangelii
nuntiandi, 45).
Por outro lado,
ocorre também vigiar sobre o uso dos meios de comunicação social na educação da fé e na difusão da cultura religiosa. Uma
responsabilidade que compete sobretudo às casas editoriais, dependentes de
Instituições Católicas, que devem "ser objeto de particular solicitude por
parte dos Ordinários locais, para que as suas publicações sejam sempre
conformes à doutrina da Igreja e contribuam eficazmente para o bem das
almas" (Instrução sobre alguns
aspectos do uso dos instrumentos de comunicação social na promoção da doutrina
da fé, 15,2).
São exemplos de
inculturação do Evangelho também certas manifestações sócio-culturais, que se
estão levantando em defesa do homem e do seu ambiente, e que têm de ser
iluminadas pela luz da fé. É o caso do
movimento ecológico a favor do respeito devido à natureza e contra a
exploração desordenada dos seus recursos, com a conseqüente deterioração da
qualidade de vida. A convicção de que "Deus destinou a terra com tudo o
que ela contém para uso de todos os homens e povos" (Gaudium et spes, 69), há de inspirar um sistema de gestão dos
recursos mais justo e melhor coordenado a nível mundial. A Igreja faz sua a
preocupação pelo meio ambiente e convida os governos a protegerem este
patrimônio, segundo os critérios do bem comum (c£ Mensagem para a XXV Jornada Mundial da Paz, 1º de janeiro de
1992).
24. O desafio que
representa a cultura "emergente", não enfraquece, no entanto, nossa
esperança, e damos graças a Deus porque na América Latina o dom da fé católica
penetrou no âmago dos seus povos, conformando nestes quinhentos anos a alma
cristã do Continente e inspirando muitas das suas instituições. De fato, a
Igreja na América Latina conseguiu impregnar a cultura do povo, soube situar a mensagem evangélica na base do
seu pensamento, nos seus princípios fundamentais de vida, nos seus critérios
de juízo, nas suas normas de ação.
Agora, é-nos
apresentado o desafio formidável da
contínua inculturação do
Evangelho nos vossos povos, tema que tereis de abordar com clarividência e profundidade,
durante os próximos dias. A América Latina, em Santa Maria de Guadalupe, oferece um grande exemplo de evangelização
perfeitamente inculturada. De fato, na figura de Mana - desde os começos da
cristianização do Novo Mundo, e à luz do Evangelho de Jesus - encarnaram-se
autênticos valores culturais indígenas. No rosto mestiço da Virgem de Tepeyac
se resume o grande princípio da inculturação: a íntima transformação dos
autênticos valores culturais, mediante a integração no cristianismo e o
enraizamento do cristianismo nas várias culturas (cf. Redemptoris missio, 52)
V. UMA NOVA ERA SOB
O SIGNO DA ESPERANÇA
25. Eis aqui,
queridos irmãos e irmãs, alguns dos desafios que se apresentam à Igreja nesta
hora da nova evangelização. Diante deste panorama, cheio de interrogações, mas
também repleto de promessas, devemos perguntar-nos qual é o caminho que deve seguir a Igreja na América Latina, para
que a sua missão dê, na próxima etapa da sua história, os frutos que espera o
Dono da messe (cf. Lc 10,2; Mc 4,20). Vossa Assembléia deverá delinear a
fisionomia de uma Igreja viva e dinâmica que cresce na fé, se santifica, ama,
sofre, se compromete e espera em seu Senhor, como nos lembra o Conc7io
Ecumênico Vaticano II, ponto de referência obrigatório na vida e na missão de
todo o Pastor (cf. Gaudium et spes, 2).
A tarefa que vos
espera nos próximos dias é árdua, mas está marcada
pelo signo da esperança que vem de Cristo Ressuscitado. Vossa missão é a de
serdes arautos da esperança, de que nos fala o Apóstolo Pedro (cf. 1Pd 3,15):
esperança que se apoia nas promessas de Deus, na fidelidade à sua palavra e
que tem como certeza inquebrantável a
ressurreição de Cristo, sua vitória definitiva sobre o pecado e a morte,
primeiro anúncio e raiz de toda a evangelização, fundamento de toda a promoção
humana, princípio de toda a autêntica cultura cristã, que não pode deixar de
ser a cultura da ressurreição e da vida, vivificada pelo sopro do Espírito de
Pentecostes.
Amados Irmãos no
Episcopado, na unidade da Igreja local, que tem origem na Eucaristia,
encontra-se todo o Colégio Episcopal com o Sucessor de Pedro à frente, como
pertencendo à própria essência da Igreja particular (cf. Carta da Congregação para a Doutrina da Fé sobre alguns aspectos da
Igreja entendida como Comunhão, 14). Em torno do Bispo e em perfeita
comunhão com ele, devem florescer as paróquias e as comunidades cristãs, como
células vivas e pujantes de vida eclesial. Por isso, a nova evangelização
requer uma vigorosa renovação de toda a vida diocesana. As paróquias, os
movimentos apostólicos e associações laicais, e todas as comunidades eclesiais
em geral, hão de ser sempre evangelizadas e evangelizadoras. De modo
particular, as Comunidades eclesiais de base
devem se caracterizar por uma decidida projeção universalista e missionária,
que lhes infunda um renovado dinamismo apostólico (cf. Evangelii nuntiandi, 58; Puebla
640-642). Elas, que devem estar sempre marcadas por uma clara identidade
eclesial, hão de ter na Eucaristia, a que preside o Sacerdote, o centro da vida
e da comunhão dos seus membros, em estreita união com seus pastores e em plena
sintonia com o Magistério da Igreja
26. Condição
indispensável para a nova evangelização é poder contar com evangelizadores
numerosos e qualificados. Por isso, a
promoção das vocações sacerdotais e religiosas, bem como de outros agentes
de pastoral, há de ser uma prioridade dos Bispos e um compromisso de todo o
Povo de Deus. É preciso dar, em toda a América Latina, um impulso decisivo à
Pastoral vocacional e enfrentar, com critérios acertados e com esperança, o
que se relacionar com os Seminários e Centros de formação dos religiosos e
religiosas, bem como com o problema da formação permanente do Clero e de uma
melhor distribuição dos sacerdotes entre as diversas Igrejas locais, em que se
deve ter em conta também o apreciável trabalho dos diáconos permanentes. Para
tudo isto, existem orientações apropriadas na Exortação Apostólica pós-sinodal
Pastores dobo vobis.
No que diz respeito
aos religiosos e às religiosas, que na
América Latina levam o peso de uma parte considerável da ação pastoral, desejo
mencionar a Carta Apostólica Os Caminhos
do Evangelho, que lhes dirigi com data de 29 de junho de 1990. Também quero
lembrar aqui os Institutos Seculares, com
sua pujante vitalidade no meio do mundo, e os membros das Sociedades de Vida Apostólica que desenvolvem uma grande atividade
missionária.
Na hora presente,
os membros dos Institutos de Vida Consagrada e das Sociedades de Vida
Apostólica, tanto masculinos como femininos, devem concentrar-se mais na tarefa
especificamente evangelizadora, desenvolvendo toda a riqueza de iniciativas e
tarefas pastorais que brotam de seus diversos carismas. Fiéis ao espírito dos
seus Fundadores, devem caraterizar-se por um profundo sentido de Igreja e pelo
testemunho de uma estreita colaboração e submissão na pastoral, cuja direção
compete aos Ordinários das dioceses e, a nível nacional, às Conferências
Episcopais.
Como recordei na
minha Carta às contemplativas da América Latina (12 de dezembro de 1989), a ação
evangelizadora da Igreja está sustentada por esses santuários da vida contemplativa, tão numerosos em toda a América,
que constituem um testemunho da radicalidade da consagração a Deus, que tem de
ocupar sempre o primeiro lugar em nossas opções.
27. Na Exortação
Apostólica pós-sinodal Christifideles
laici sobre "vocação e missão dos leigos na Igreja", quis pôr em
particular evidência que na "grande, comprometedora e magnífica empresa"
da nova evangelização é indispensável o trabalho dos leigos, especialmente dos
catequistas e "delegados da Palavra". A Igreja espera muito de todos
aqueles leigos que, com entusiasmo e eficácia evangélica, agem através dos
novos movimentos apostólicos, que hão
de estar coordenados na pastoral de conjunto e que respondem à necessidade de
uma maior presença da fé na vida social. Nesta hora em que convoquei todos para
trabalhar com ardor apostólico na vinha do Senhor, sem que ninguém ficasse
excluído, "os fiéis Ieigos devem
sentir-se parte viva e responsável desta tarefa, chamados como são a anunciar e
a viver o Evangelho ao serviço dos valores e das exigências das pessoas e da
sociedade" (n. 64). Digna de todo elogio, como transmissora da fé, é a mulher Iatino-americana, cujo papel
na Igreja e na sociedade deve ser posto na devida evidência (cf. Carta Apostólica
Mulieris dignitatem). Particular
solicitude pastoral deve-se prestar aos doentes,
tendo em vista também a força evangelizadora do sofrimento (cf. Carta
Apostólica Salvifici doloris, sobre o
sentido cristão do sofrimento humano, 11 de fevereiro de 1984). Lanço um apelo
especial aos jovens da América
Latina. Por um lado, eles - tão numerosos num Continente jovem - são os
sujeitos da nova evangelização, mas deverão ser, além disso, os protagonistas
do anúncio no novo milênio, já à porta. Eles são os jovens a quem temos de
apresentar Jesus Cristo e a beleza da vocação cristã, mas são também aqueles a
quem há que libertar das ilusões do consumismo e sobretudo oferecer-lhes
ideais altos e nobres, que os apóiem nas suas aspirações de uma sociedade mais
justa e fraterna. 28. Todos são chamados a construir a civilização do amor
neste
Continente da
esperança. Mais ainda, a América Latina, que recebeu a fé transmitida pelas
Igrejas do Velho Mundo, tem de preparar-se para difundir a mensagem de Cristo
pelo mundo inteiro, dando "da sua pobreza" (cf. Mensagem aos III e IV Congressos Missionários Latino-Americanos, Santa
Fé de Bogotá, 1987, e Lima, 1991). "Chegou o momento de empenhar todas as
forças eclesiais na nova evangelização e na missão ad gentes. Nenhum crente em
Cristo, nenhuma instituição da Igreja se pode esquivar deste dever supremo:
anunciar Cristo a todos os povos" (Redemptoris
missio, 3). Este momento chegou também para a América Latina. "É dando a fé que ela se fortalece! A nova
evangelização dos povos cristãos, também nas Igrejas da América, encontrará
inspiração e apoio no empenho pela missão universal" (ibid., 2). Para a América Latina, que recebeu Cristo há já
quinhentos anos, o maior sinal de agradecimento pelo dom recebido, e da sua
vitalidade crista, é empenhar-se ela mesma na missão.
29. Amados Irmãos
no Episcopado, como sucessores dos Apóstolos, deveis dedicar todo o desvelo à
vossa grei, "no meio da qual vos colocou o Espírito Santo para apascentardes
a Igreja de Deus" (At 20,28). Por outro lado, como membros do Colégio
Episcopal, em estreita unidade afetiva e efetiva com o Sucessor de Pedro, sois
chamados a conservar a comunhão e a solicitude por toda a Igreja. E, nesta
circunstância, como membros da IV Conferência Geral do Episcopado
Latino-Americano, incumbe-vos uma responsabilidade histórica.
Em virtude da mesma
fé, da Palavra revelada, da ação do Espírito e por meio da Eucaristia à qual
preside o Bispo, a Igreja particular mantém com a Igreja Universal uma peculiar
relação de mútua interioridade, porque nela se encontra e opera verdadeiramente
a Igreja de Cristo que é Una, Santa, Católica e Apostólica (cf. Christus Dominus, 11). Nela deve
resplandecer a santidade de vida, a
que todo o evangelizador é chamado, dando testemunho de uma intensa vivência do
mistério de Jesus Cristo, sentido e experimentado fortemente na Eucaristia, na
escuta assídua da Palavra, na oração, no sacrifício, na entrega generosa ao
Senhor, que nos Sacerdotes e demais pessoas consagradas se exprime de modo
especial pelo celibato.
Não se pode
esquecer que a primeira forma de evangelização é o testemunho (cf. Redemptoris
missio, 42-43), isto é, a proclamação da mensagem da salvação através das
obras e da coerência de vida, levando assim a cabo a sua encarnação na história
quotidiana dos homens. A Igreja, desde o princípio da sua história, fez-se
presente e operante não apenas mediante o anúncio explicito do Evangelho de
Cristo, mas também, e sobretudo, através da irradiação da vida cristã. Por
isso, a nova evangelização exige coerência de vida, testemunho sólido e
unitário de caridade, sob o signo da unidade, para que o mundo creia (cf. Jo
17,23).
30. Jesus Cristo, a
Testemunha fiel, o Pastor dos pastores, está no vosso meio, pois vos reunistes
em Seu nome (cf. Ml 18,20). Convosco está o Espírito do Senhor que guia a
Igreja para a plenitude da verdade e a rejuvenesce com a Palavra do Evangelho,
como em novo Pentecostes.
Na comunhão dos
Santos, vela sobre vossos trabalhos uma plêiade de Santos e Santas
latino-americanos, que evangelizaram este Continente com sua palavra e suas
virtudes, e muitos deles o fecundaram com seu sangue. Eles são os frutos mais
excelsos da Evangelização.
Como no Cenáculo do
Pentecostes, acompanha-vos a Mãe de Jesus, a Mãe da Igreja. Sua presença
entranhável em todos os rincões da América Latina e nos corações de seus filhos
é garantia do sentido profético e do ardor evangélico que deve acompanhar
vossos trabalhos.
31.
"Bem-aventurada és tu que acreditaste, porque se hão de cumprir as coisas
que da parte do Senhor te foram ditas" (Lc 1,45). Estas palavras, que
Isabel dirige a Maria, portadora de Cristo, são aplicáveis à Igreja, da qual a
Mãe do Redentor é tipo e modelo. Feliz és tu, América, Igreja da América,
portadora de Cristo também, que recebeste o anúncio da salvação e creste
"nas coisas que te foram ditas da parte do Senhor"! A fé é a tua
ventura, a fonte da tua alegria. Felizes vós, homens e mulheres da América
Latina, adultos e jovens, que conhecestes o Redentor! Junto com toda a Igreja,
e com Maria, podeis dizer que o Senhor "pôs os olhos na humildade de sua
serva" (Lc 1,48). Felizes vós, os pobres da terra, porque chegou para vós
o Reino de Deus!
"O que o
Senhor te disse, se cumprirá". Sê fiel ao teu batismo reaviva neste
Centenário a imensa graça recebida, dirige teu coração e teu olhar ao centro,
à origem, Àquele que é o fundamento de toda a felicidade, a plenitude de tudo!
Abre-te a Cristo, acolhe o Espírito, para que em todas as tuas comunidades
tenha lugar um novo Pentecostes! E surgirá de ti uma humanidade nova, bem-aventurada;
e experimentarás de novo o braço poderoso do Senhor, e "o que o Senhor te
disse se cumprirá". O que te disse, América, é Seu amor por ti, é Seu amor
pelos teus homens, por tuas famílias, pelos teus povos. E esse amor se cumprirá
em ti, e te encontrarás de novo a ti mesma, encontrarás teu rosto, "te
proclamarão bem-aventurada todas as gerações" (Lc 1,48).
Igreja da América,
o Senhor passa hoje ao teu lado. Chama-te. Nesta hora de graça, pronuncia de
novo teu nome, renova sua aliança contigo. Oxalá ouças hoje sua voz, para que
conheças a verdadeira e plena felicidade, e entres em seu descanso! (cf. SI
94,7.11).
Terminemos
invocando Maria, a Estrela da primeira e
da nova evangelização. A Ela, que sempre esperou, confiamos nossa esperança.
Em suas mãos, colocamos nossos cuidados pastorais e todos os trabalhos desta
Conferência, encomendando a seu coração de Mãe o êxito e a projeção da mesma
sobre o futuro do Continente. Que Ela nos ajude a anunciar Seu Filho:
"Jesus Cristo
ontem, hoje e sempre!". Amém.
DOCUMENTO DE SANTO
DOMINGO
Primeira Parte
JESUS CRISTO,
EVANGELHO DO PAI
1. Convocados pelo
Papa João Paulo II e impulsionados pelo Espírito de Deus, nosso Pai, os Bispos
participantes da IV Conferência Geral do Episcopado Latino-americano, reunido
em Santo Domingo, em continuidade às precedentes do Rio de Janeiro, Medellín e
Puebla, proclamamos nossa fé e nosso amor a Jesus Cristo. Ele é o mesmo
"ontem, hoje e sempre" (cf. Hb 13,8).
Reunidos como num
novo cenáculo, em torno de Maria, a Mãe de Jesus, damos graças a Deus pelo dom
inestimável da fé e pelos incontáveis dons de sua misericórdia. Pedimos perdão
pelas infidelidades à sua bondade. Animados pelo Espírito Santo, dispomo-nos a
impulsionar, com novo ardor, uma Nova Evangelização que se projete num maior
compromisso pela promoção integral do homem e impregne com a luz do Evangelho
as culturas dos povos latino-americanos. É o Espírito quem nos deve dar a
sabedoria para encontrar os novos métodos e as novas expressões que tornem o
único Evangelho de Jesus Cristo mais compreensível hoje a nossos irmãos, para
assim responder aos novos desafios.
2. Ao contemplar,
com um olhar de fé, a implantação da Cruz de Cristo neste continente, ocorrida
há cinco séculos, compreendemos que foi Ele, Senhor da história, quem estendeu
o anúncio da salvação a dimensões insuspeitadas. Cresceu assim a famílias de
Deus e se multiplicou para a glória de Deus o número dos que dão graças (cf. 2Cor
4,15; c£ João Paulo II, Discurso
inaugural, 3). Deus escolheu um novo povo entre os habitantes destas terras
que, mesmo desconhecidos para o Velho Mundo, eram "bem conhecidos por Deus
desde toda a eternidade e por Ele sempre abraçados com a paternidade que o
Filho revelou na plenitude dos tempos" (DI 3). p
3. Jesus Cristo é,
na verdade, o centro do desígnio amoroso de Deus. Por isso repetimos com a
epístola aos Efésios:
"Bendito seja
Deus, o Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que nos abençoou com toda a sorte de
bênçãos espirituais, nos céus em Cristo; n'Ele ele nos escolheu antes da
fundação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis diante dele no amor.
Ele nos predestinou para ser 'seus filhos adotivos por Jesus Cristo" (Et
1,3-5).
Celebramos Jesus
Cristo, morto por nossos pecados e ressuscitado para nossa justificação (cf.
Rm 4,25), que vive entre nós e é nossa "esperança da glória" (Cl
1,27). Ele é a imagem de Deus invisível, primogênito de toda criatura em quem
foram criadas todas as coisas. Ele mantém a criação, para Ele convergem todos
os caminhos do homem, é o Senhor dos tempos. Em meio às dificuldades e às
cruzes, queremos continuar a ser em nosso continente testemunhas do amor de
Deus e profetas da esperança que não falha. Queremos iniciar "uma nova
era sob o signo da esperança" (DI V).
1. PROFISSÃO DE FÉ
4. Bendizemos a
Deus que, em seu amor misericordioso, "enviou seu Filho, nascido de
mulher" (G1 4,4) para salvar a todos os homens. Assim Jesus Cristo se fez
um de nós (Hb 2,17). Ungido pelo Espírito Santo (Lc 1,15) proclama na plenitude
dos tempos a Boa Nova dizendo: "Cumpriu-se o tempo e o Reino de Deus está
próximo. Arrependei-vos e crede no Evangelho" (Mc 1,15). Este Reino
inaugurado por Jesus nos revela primeiramente o próprio Deus como "um Pai
amoroso e cheio de compaixão" (RMi 13), que chama a todos, homens e
mulheres a nele ingressar.
Para ressaltar esse
aspecto, Jesus se aproximou sobretudo daqueles que, por suas misérias, estavam
à margem da sociedade, anunciando-lhes a Boa Nova. No início de seu ministério
proclama ter sido enviado para "anunciar aos pobres a Boa Nova" (Lc
4,18). A todas as vítimas da rejeição e do desprezo, conscientes de suas
carências, Jesus lhes disse: "Bem-aventurados os pobres" (Lc 6,10;
cf. RMi 14). Assim, pois, os necessitados e pecadores podem sentir-se amados
por Deus, e objeto de sua imensa ternura (cf. Lc 15,1-32).
5. A entrada no
Reino de Deus se realiza mediante a fé na Palavra de Jesus, selada pelo
batismo, testemunhada no seguimento, no compartilhar sua vida, morte e
ressurreição (cf. Rm 6,9). Isto exige uma profunda conversão (cf. Mc 1,15; Mt
4,17), uma ruptura com toda forma de egoísmo num mundo marcado pelo pecado (cf
Mt 7,21; Jo 14,15; RMi 13), ou seja, uma adesão ao anúncio das bem-aventuranças
(Mt 5,1-10).
O mistério do
Reino, oculto durante séculos e gerações em Deus (cf. Cl 1,2b) e presente na
vida e nas palavras de Jesus, identificado com sua pessoa, é dom do Pai (cf.
I,c 12,32; Mt 20,23) e consiste na comunhão, gratuitamente oferecida, do ser
humano com Deus (cf. EN 9; cf. Jo 14,23), começando nesta vida e alcançando
plena realização na eternidade (EN 27).
Do amor de Deus
dá-se testemunho no amor fraterno (cf. 1Jo 4,20) do qual não pode separar-se:
"Se nos amamos uns aos outros, Deus permanece em nós, e o seu amor em nós
é levado à perfeição" (1Jo 4,12). "Portanto, a natureza do Reino é a
comunhão de todos os seres entre si e com Deus" (RMi 15).
6. Para a
realização do Reino, "Jesus instituiu Doze, para que ficassem com Ele,
para enviá-los a pregar" (Mc 3,18), aos quais revelou os
"mistérios" do Pai fazendo deles seus amigos (cf. Jo 15,15) e
continuadores da mesma missão que Ele recebera de seu Pai (cf. Jo 20,21), e
estabelecendo Pedro como fundamento da nova comunidade (cf. Ml 16,18).
Antes de sua ida ao
Pai, Jesus instituiu o sacramento do seu amor, a Eucaristia (cf. Mc 14,22),
memorial do seu sacrifício. Assim o Senhor permanece no meio do seu povo para
alimentá-1o com seu Corpo e com seu Sangue, fortalecendo e expressando a
comunhão e a solidariedade que deve reinar entre os cristãos, enquanto
peregrinam pelos caminhos da terra na esperança do encontro pleno com Ele.
Vítima sem mancha oferecida a Deus (H6 9,24), Jesus é igualmente o sacerdote
que tira o pecado com uma única oferenda (H6 10,14).
Ele, e somente Ele,
é nossa salvação, nossa justiça, nossa paz e nossa reconciliação. Nele fomos
reconciliados com Deus e por
Ele nos foi
confiado o "Ministério da Reconciliação" (2Cor 5,19). Ele derruba
todo o muro que separa os homens e os povos (cf. Et 2,14). Por isso hoje, nesse
tempo de Nova Evangelização, queremos repetir com o apóstolo São Paulo:
"Reconciliai-vos com Deus" (2Cor 5,20).
7. Confessamos que
Jesus, verdadeiramente ressuscitado e elevado ao céu, é Senhor, consubstanciai
ao Pai, "nele reside toda a plenitude da divindade" (Cl 2,9), sentado
a sua direita, merece o tributo de nossa adoração. "A ressurreição confere
um alcance universal à mensagem de Cristo, a sua ação e a toda a sua
missão" (RMi 16). Cristo ressuscitou para nos comunicar a sua vida. De sua
plenitude todos recebemos a graça (cf. Jo 1,16). Jesus Cristo, que morreu para
nos libertar do pecado e da morte, ressuscitou para, em Si, fazer-nos filhos de
Deus. Se não tivesse ressuscitado, vã seria nossa pregação e vazia seria nossa
fé (lCor 15,14). Ele é nossa esperança (cf. 1Tm 1,l; 3,14-16), uma vez que pode
salvar os que se aproximam de Deus e vive para sempre, para interceder a nosso
favor (cf. Hb 7,25).
Conforme a promessa
de Jesus, o Espírito Santo foi derramado sobre os apóstolos reunidos com Maria
no cenáculo (c£ At 1,12-14; 2,1). Com a doação do Espírito em Pentecostes, a
Igreja foi enviada para anunciar o Evangelho. A partir desse dia, ela, novo
povo de Deus (1Pd 2,9-10) e corpo de Cristo (cf. lCor 12,27; Ef 4,12), está
ordenada ao Reino, do qual é germe, sinal e instrumento (cf. RMi 18) até o fim
dos tempos. A Igreja, desde então e até os nossos dias, gera, pela pregação e
pelo batismo, novos filhos de Deus, concebidos pelo Espírito Santo e nascidos
de Deus (LG 64).
8. Na comunhão da
fé apostólica, que pela boca de Pedro confessou na Palestina: "Tu és
Cristo, o Filho de Deus vivo" (Ml 16,16), hoje fazemos nossas as palavras
de Paulo VI que, ao começar nossos trabalhos, João Paulo II nos recordava:
"Cristo! Cristo, nosso princípio. Cristo, nossa vida e nosso guia. Cristo,
nossa esperança e nosso fim... Que não desça sobre esta assembléia outra luz a
não ser a luz de Cristo, luz do mundo. Que nenhuma outra verdade atraia a nossa
mente fora das palavras do Senhor, único Mestre. Que não tenhamos outra
aspiração que não seja o desejo de lhe ser absolutamente fiéis. Que nenhuma
outra esperança nos sustente, a não ser aquela que, mediante a Sua palavra,
conforta a nossa debilidade..” (DI 1).
Sim, confessamos
que Jesus Cristo é verdadeiro Deus e verdadeiro homem. Ele é o Filho único do
Pai feito homem no seio da Virgem Maria, por obra do Espírito Santo, que veio
ao mundo para nos livrar de toda escravidão do pecado, dar-nos a graça da
adoção filial e reconciliar-nos com Deus e com os homens. Ele é o Evangelho
vivo do amor do Pai. Nele a humanidade tem a medida de sua dignidade e o
sentido do seu desenvolvimento.
9. Reconhecemos a
dramática situação a que o pecado leva o homem. Porque o homem criado bom, à
imagem do próprio Deus, senhor responsável da criação, ao pecar, caiu em
inimizade com Ele. Dividido em si mesmo, rompeu a solidariedade com o próximo e
destruiu a harmonia da natureza. Nisso reconhecemos a origem dos males
individuais e coletivos que lamentamos na América Latina: as guerras, o
terrorismo, a droga, a miséria, as opressões e injustiças, a mentira
institucionalizada, a marginalizado de grupos étnicos, a corrupção, os ataques
à família, o abandono de crianças e idosos, as campanhas contra a vida, o
aborto, a instrumentalização da mulher, a depredação do meio ambiente, enfim,
tudo o que caracteriza uma cultura de morte. Quem nos livrará dessas forças de
morte? (cf.. Rm 7,24). Só a graça de Nosso Senhor Jesus Cristo, oferecida uma
vez mais aos homens e mulheres da América Latina, como chamado à conversão do
coração. A renovada evangelização que agora empreendemos deve ser, pois, um
convite a converter, ao mesmo tempo, a consciência pessoal e coletiva dos
homens (DI 18), para que nós, cristãos, sejamos como que a alma em todos os
ambientes da vida social (carta a Diogneto 6).
10. Identificados
com Cristo que vive em cada um (cf.Gl 2,20) e conduzidos pelo Espírito Santo,
os filhos de Deus recebem em seu coração a lei do amor. Desta maneira podem
responder à exigência de serem perfeitos como o Pai que está no céu (cf. Ml
5,48), seguindo a Jesus Cristo e carregando a própria cruz, a cada dia, até dar
a vida por Ele (cf. Mc 8,34-36).
11. Cremos na
Igreja una, santa, católica e apostólica e a amamos. Fundada por Jesus Cristo
"sobre o fundamento dos Apóstolos" (cf. Ef 2,20), cujos sucessores,
os bispos, presidem as distintas Igrejas particulares. Em comunhão entre si e
presididos na caridade pelo Bispo de Roma, servem a suas Igrejas particulares,
de modo que em cada uma delas se torne viva e atuante a Igreja de Cristo. Ela é
a primeira beneficiária da Salvação. Cristo a adquiriu com seu sangue (At
20,28), dela fazendo sua colaboradora na obra da salvação universal" (cf.
RMi 9).
Peregrina neste
continente, está presente e se realiza como comunidade de irmãos sob a
condução dos bispos. Fiéis e pastores, congregados pelo Espírito Santo (c£ CD
11) em torno à Palavra de Deus e à mesa da Eucaristia, são, por sua vez,
enviados a proclamar o Evangelho, anuuciando Jesus Cristo e dando testemunho
de amor fraterno.
12. "A Igreja
peregrina é missionária por natureza, uma vez que procede da missão do Filho e
da missão do Espírito Santo, segundo o desígnio de Deus Pai" (AG 2). A
evangelização é a sua razão de ser; ela existe para evangelizar (cf. EN 15).
Para a América Latina, providencialmente animada com um novo ardor evangélico,
chegou a hora de levar a sua fé aos povos que ainda não conhecem Cristo, na
certeza convicta de que "a fé se fortalece, doando-a" (DI 28).
A Igreja quer
realizar nestes tempos uma Nova Evangelização que transmita, consolide e
amadureça, em nossos povos, a fé em `Deus, Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Esta evangelização deve conter sempre - como base, centro e, mesmo tempo, cume
do seu dinamismo - uma clara proclamação de que em Jesus Cristo, Filho de Deus
feito homem, morto e ressuscitado, a salvação é oferecida a todos os homens,
como dom da graça e da misericórdia de Deus" (EN 27).
13. O anúncio
cristão, por seu próprio vigor, tende a curar, firmar e promover o homem, para
constituir uma comunidade fraterna, renovando a própria humanidade e dando-lhe
sua plena dignidade humana, com a novidade do batismo e da vida segundo o
Evangelho (cf. EN 18). A Evangelização promove o desenvolvimento integral,
exigindo de todos e de cada um o pleno respeito a seios direitos e a plena
observância de seus deveres, a fim de criar uma sociedade justa e solidária, a
caminho de sua plenitude no Reino definitivo. O homem é chamado a colaborar e
ser instrumento com Jesus Cristo na Evangelização. Na América Latina,
continente religioso e sofrido, urge uma Nova Evangelização que proclame
inequivocamente o Evangelho da justiça, do amor e da misericórdia.
Sabemos que, em
virtude da encarnação, Cristo se uniu de certo modo a todo homem (cf. GS 22).
Ele é a perfeita revelação do homem ao próprio homem e revela a sublimidade de
sua vocação (GS 22). Jesus Cristo se insere no coração da humanidade e convida
todas as culturas a se deixar levar por seu espírito à plenitude, elevando
nelas o que é bom e purificando o que se encontra marcado pelo pecado. Toda
evangelização há de ser, portanto, inculturação do Evangelho. Assim toda
cultura pode chegar a ser cristã, ou seja, a fazer referência a Cristo e
inspirar-se nele e em sua mensagem (João Paulo II, Discurso à II Assembléia da Pontifícia Comissão para a América Latina, de
junho de 1991, 4). Jesus Cristo é, com efeito, a medida de toda cultura e de
toda obra humana. A inculturação do Evangelho é um imperativo do seguimento de
Jesus e é necessária para restaurar o rosto desfigurado do mundo (LG 8).
Trabalho que se realiza no projeto de cada povo, fortalecendo sua identidade e
libertando-o dos poderes da morte. Por isso podemos anunciar com confiança:
homens e mulheres da América Latina, abri os corações a Jesus Cristo. Ele é o
caminho, a verdade e a vida, quem o segue não anda nas trevas (cf. Jo 14,6;
8,12).
14. Cremos que
Cristo, o Senhor, há de voltar para levar à plenitude o Reino de Deus e
entregá-1o ao Pai (cf. lCor 15,24), transformada então a criação inteira em
"novos céus e nova terra onde habita a justiça" (2Pd 3,13). Lá
alcançaremos a comunhão perfeita do céu, no gozo da visão eterna da Trindade.
Homens e mulheres que se tenham mantido fiéis ao Senhor, vencidos finalmente o
pecado, o diabo e a morte, chegarão a sua plenitude humana, participando da
própria natureza divina (2Pd 1,4). Então Cristo recapitulará e reconciliará
plenamente a criação, tudo será dele e Deus será tudo em todos (cf. lCor
15,28).
15. Confirmando a
fé de nosso povo, queremos proclamar que a Virgem Maria, Mãe de Cristo e da
Igreja, é a primeira redimida e a primeira crente. Maria, mulher de fé, foi
plenamente evangelizada, é a mais perfeita discípula e evangelizadora (cf. Jo
2,1-12). É o modelo de todos os discípulos e evangelizadores por seu testemunho
de oração, de escuta da Palavra de Deus e de pronta e fiel disponibilidade ao
serviço do Reino até a cruz. Sua figura materna foi decisiva para que os homens
e mulheres da América Latina se reconhecessem em sua dignidade de filhos de
Deus. Maria é o selo distintivo da cultura do nosso continente. Mãe e educadora
do nascente povo latino-americano, em Santa Maria de Guadalupe, através do
Beato Juan Diego, "é oferecido um grande exemplo de evangelização
perfeitamente inculturada" (DI 24). Ela nos precedeu na peregrinação da fé
e no caminho da glória, e acompanha os nossos povos que a invocam com amor até
que nos encontremos definitivamente com seu Filho. Com alegria e gratidão
acolhemos o dom imenso de sua maternidade, ternura e proteção, e aspiramos a
amá-1a do mesmo modo como Jesus a amou. Por isso a invocamos como estrela da
Primeira e da Nova Evangelização.
2. NOS 500 ANOS DA
PRIMEIRA EVANGELIZAÇÃO
16. "Nos povos
da América, Deus escolheu para Si um novo povo, fazendo-o participar do seu
Espírito. Mediante a Evangelização e a fé em Cristo, Deus renovou sua aliança
com a América latina" (DI 3).
O ano de 1492 foi
um ano-chave no processo de pregação da Boa Nova. Com efeito, "o que a
Igreja celebra nessa comemoração não são acontecimentos históricos mais ou
menos discutíveis, mas uma realidade esplêndida e permanente cujo valor não se
pode subestimar: a chegada da fé, a proclamação e difusão da mensagem
evangélica no continente (americano). E o celebra no sentido mais profundo e
teológico do termo: como se celebra Jesus Cristo, Senhor da história e dos
destinos da humanidade" (João Paulo II, Alocução dominical, 5 de janeiro
de 1992, 2).
17. A presença
criadora, providente e salvadora de Deus, já acompanhava a vida desses povos. As
"sementes do Verbo", presentes no profundo sentido religioso das
culturas pré-colombianas, esperavam o orvalho fecundante do Espírito. Tais
culturas ofereciam em sua base, junto a outros aspectos necessitados de
purificação, aspectos positivos como a abertura à ação de Deus, o sentido da
gratidão pelos frutos da terra, caráter sagrado da vida humana e valorização da
família, o sentido da solidariedade e a co-responsabilidade no trabalho comum,
a importância do culto, a crença em uma vida ultraterrena e tantos outros
valores que enriquecem a alma latino-americana (cf. João Paulo II, Mensagem aos indígenas, 13.10.92, n.1).
Esta religiosidade natural predispunha os indígenas americanos a uma mais
pronta recepção do Evangelho, mesmo que tenha havido evangelizadores nem
sempre em condições de reconhecer esses valores.
18. Como
conseqüência, o encontro do catolicismo ibérico com as culturas americanas deu
lugar a um processo peculiar de mestiçagem que, embora tenha tido aspectos
conflituosos, pôs em relevo as raízes católicas, assim como a singular
identidade do continente. Tal processo de mestiçagem, também perceptível nas
múltiplas formas de religiosidade popular e da arte mestiça, é conjunção do
elemento perene cristão com o próprio da América, e desde a primeira hora se
estendeu de um lado a outro do continente.
A história nos
mostra "que foi levada a cabo uma válida, fecunda e admirável obra
evangelizadora e que, através dela, ganhou de tal modo espaço na América a
verdade sobre Deus e sobre o homem que, de fato, ela mesma constitui uma
espécie de tribunal de acusação dos responsáveis daqueles abusos (de colonizadores,
às vezes, sem escrúpulos)" (DI 4).
19. A obra
evangelizadora, inspirada pelo Espírito Santo, que no começo teve como
generosos protagonistas sobretudo membros de ordens religiosas, foi uma obra
conjunta de todo o povo de Deus, dos Bispos, sacerdotes, religiosos, religiosas
e fiéis leigos. Entre estes últimos, é importante assinalar também a colaboração
dos próprios indígenas batizados, aos quais se somaram, no correr do tempo,
catequistas latino-americanos.
Aquela primeira
evangelização teve como instrumentos privilegiados homens e mulheres de vida
santa. Os meios pastorais foram uma incansável pregação da Palavra, a
celebração dos sacramentos, a catequese, o culto mariano, a prática das obras
de misericórdia, a denúncia das injustiças, a defesa dos pobres e a especial
solicitude pela educação e promoção humana.
20. Os grandes
evangelizadores defenderam os direitos e a dignidade dos aborígenes, e
censuraram "os atropelos cometidos contra os índios na época da
conquista" (João Paulo II, Mensagem
aos indígenas, 2). Os Bispos, por sua vez, em seus concílios e outras
reuniões, em cartas aos Reis da Espanha e Portugal e nos decretos de visita pastoral,
revelam também essa atitude profética de denúncia, unida ao anúncio do
Evangelho.
Assim pois, "a
Igreja, que com os seus religiosos, sacerdotes e bispos, esteve sempre ao lado
dos indígenas, como poderia esquecer neste V Centenário os enormes sofrimentos
infligidos às populações deste continente durante a época da conquista e
colonização? Deve-se reconhecer, com toda a verdade, os abusos cometidos devido
à falta de amor das pessoas que não souberam ver nos indígenas irmãos e filhos
do mesmo Deus Pai" (João Paulo II, Mensagem
aos indígenas, 2). Lamentavelmente estas
dores se prolongaram, em algumas formas, até os nossos dias. Um dos
episódios mais tristes da história latino-americana e caribenha foi o translado
forçado, como escravos, de um enorme número de africanos. Do tráfico de negros
participaram entidades governamentais e particulares de quase todos os países
da Europa atlântica e das Américas. O desumano tráfico escravista, a falta de
respeito à vida, à identidade pessoal e familiar e às etnias são uma ofensa
escandalosa para a história da humanidade. Queremos, com João Paulo II, pedir
perdão a Deus por este "holocausto desconhecido" do qual
"participaram batizados que não viveram sua fé" (Homilia na Ilha de Goreia, Senegal, 21.2.92; Mensagem aos afro-americanos, Santo Domingo, 12.10.92 2). '
21. Olhando a época
histórica mais recente continuamos a nos encontrar com pegadas vivas de uma
cultura de séculos, em cujo núcleo está presente o Evangelho. Esta vida é
testemunhada particularmente pela vida dos santos americanos, os quais, ao
viver em plenitude o Evangelho, têm sido as testemunhas mais autênticas,
fidedignas e qualificadas de Jesus Cristo. A Igreja proclamou as virtudes
heróicas de muitos deles, desde o beato índio Juan Diego, Santa Rosa de Lima e
São Martim de Porres até Santo Ezequiel Moreno em nossos dias.
Neste V Centenário,
queremos agradecer aos inumeráveis missionários, agentes de pastoral e leigos
anônimos, muitos dos quais têm atuado em silêncio, e especialmente àqueles que
chegaram até ao testemunho do sangue, por amor de Jesus.
Segunda Parte
JESUS CRISTO
EVANGELIZADOR VIVO EM SUA IGREJA
22. "Ide,
pois, e fazei discípulos a todas as gentes..., batizando-as em nome do Pai, do
Filho e do Espírito Santo, e ensinando-lhes a guardar tudo o que eu vos tenho
mandado. Eis que estou convosco todos os dias até o fim do mundo" (Ml 28,
19-20). "Nesta palavras está contida a solene proclamação da
evangelização" (DI 2).
O Santo Padre nos
convocou para comprometer a Igreja da América latina e do Caribe numa Nova
Evangelização e "traçar agora, para os próximos anos, uma nova estratégia
evangelizadora, um plano global de evangelização" (DCAL, nº 4). Queremos
apresentar alguns elementos que nos servirão de base para concretizar estas
orientações nas Igrejas locais do Continente.
A partir da Nova
Evangelização, "o elemento englobante" ou "idéia central"
que iluminou nossa Conferência, entenderemos, em sua verdadeira dimensão, a
Promoção Humana, resposta à "delicada e difícil situação em que se encontram
os países latino-americanos" (Carta do Cardeal Gantin, 12-12-90) e
enfocaremos o desafio do diálogo entre o Evangelho e os distintos elementos que
conformam nossas culturas para purificá-las e aperfeiçoá-las desde dentro, com
o ensinamento e o exemplo de Jesus, até chegar a uma cultura crista.
CAPITULO I
A NOVA
EVANGELIZAÇÃO
23. Toda
evangelização parte do mandato de Cristo a seus apóstolos e sucessores,
desenvolve-se na comunidade dos batizados, no seio de comunidades vivas que
compartilham a sua fé e se orienta ao fortalecimento da vida de adoção filial
em Cristo, que se expressa principalmente no amor fraterno.
Depois de nos
perguntarmos o que é a Nova Evangelização, podemos compreender melhor que ela
tem seu ponto de partida na Igreja, na força do Espírito, em contínuo p acesso
de conversão, que busca testemunhar a unidade dentro da diversidade de
ministérios e carismas e que vive intensamente seu compromisso missionário. Só
uma Igreja evangelizada é capaz de evangelizar. As trágicas situações de
injustiça e sofrimento de nossa América, que se tornaram mais agudas depois de
Puebla, pedem respostas que só uma Igreja sinal de reconciliação e portadora de
vida e de esperança que brotam do Evangelho poderá dar.
24. O que é Nova
Evangelização?
"A Nova Evangelização
tem, como ponto de partida, a certeza de que em Cristo há uma riqueza
insondável' (Et 3,8) que nenhuma cultura, de qualquer época, extingue, e à qual
nós homens sempre poderemos recorrer para enriquecer-nos" (DI 6). Falar de
Nova Evangelização é reconhecer que existiu uma antiga ou primeira. Sena
impróprio falar de Nova Evangelização de tribos ou povos que nunca receberam o
Evangelho. Na América Latina pode-se falar assim, porque aqui se realizou uma
primeira evangelização nos últimos 500 anos.
Falar de Nova
Evangelização não significa que a anterior tenha sido inválida, infrutuosa ou
de curta duração. Significa que hoje novos desafios, novas interpelações se
fazem aos cristãos e aos quais é urgente responder.
Falar de Nova
Evangelização, como advertiu o Papa no Discurso inaugural desta IV Conferência,
não significa propor um novo Evangelho diferente do primeiro: há um só e único
Evangelho do qual se podem tirar luzes novas para problemas novos.
Falar de Nova
Evangelização não quer dizer reevangelizar. Na América Latina, não se trata de
prescindir da primeira evangelização, mas partir dos ricos e abundantes
valores que ela deixou para aprofundá-los e complementa-los, corrigindo as
deficiências anteriores. A Nova Evangelização surge na América Latina como
resposta aos problemas apresentados pela realidade de um Continente no qual se
dá um divórcio entre fé e vida ao ponto de produzir clamorosas situações de
injustiça, desigualdade social e violência. Implica enfrentar a grandiosa
tarefa de infundir energias ao cristianismo da América latina.
Para João Paulo II,
a Nova Evangelização é algo atuante, dinâmico. É, antes de tudo, chamado à
conversão (cf. DI 1) e à esperança que se apóia nas promessas de Deus e que tem
como certeza inquebrantável a Ressurreição de Cristo, primeiro anúncio e raiz
de toda a evangelização, fundamento de toda promoção humana, princípio de toda
autêntica cultura crista (cf. ibid., 25). É também um novo, âmbito vital, um
novo Petencostes (c£ ibidem, 30-31) em que o acolhimento do Espírito Santo fará
surgir um povo renovado, constituído de homens livres, conscientes de sua
dignidade (cf. ibid.,l9) e capazes de forjar uma história verdadeiramente
humana. É o conjunto de meios, ações e atitudes aptos para pôr o Evangelho em
diálogo ativo com a modernidade e o pós-moderno, seja para interpreta-los, seja
para deixar-se interpelar por eles. Também é o esforço por inculturar o
Evangelho na situação atual das culturas de nosso Continente.
25. O sujeito da
Nova Evangelização é toda a comunidade eclesial segundo sua própria natureza:
nós, os Bispos, em comunhão com o Papa, nossos presbíteros e diáconos, os
religiosos e religiosas, e todos os homens e mulheres que constituímos o Povo
de Deus.
26. A Nova
Evangelização tem como finalidade formar pessoas e comunidades maduras na fé e
dar respostas à nova situação que vivemos, provocada pelas mudanças sociais e
culturais da modernidade. Há de ter em conta a urbanização, a pobreza e a
marginalização. Nossa situação está marcada pelo materialismo, a cultura da
morte, a invasão das seitas e propostas religiosas de diversas origens.
Esta situação nova
traz consigo também novos valores, a ânsia da solidariedade, de justiça, a
busca religiosa e a superação de ideologias totalizantes.
Destinatários da
Nova Evangelização são também as classes médias, os grupos, as populações, os
ambientes de vida e de trabalho, marcados pela ciência, pela técnica e pelos
meios de comunicação social.
A Nova
Evangelização tem a tarefa de suscitar a adesão pessoal a Jesus Cristo e à
Igreja de tantos homens e mulheres batizados que vivem sem energia o
cristianismo, "tendo perdido o sentido vivo da fé, inclusive já não se
reconhecendo como membros da Igreja e levando uma existência distanciada de
Cristo e de seu Evangelho" (RMi, 33).
27. O conteúdo da
Nova Evangelização é Jesus Cristo, Evangelho do Pai, que anunciou com gestos e
palavras que Deus é misericordioso para com todas as suas criaturas, que ama o
homem com um amor sem limites e que quis entrar na sua história por meio de
Jesus Cristo, morto e ressuscitado por nós, para libertar-nos do pecado e de
todas as suas conseqüências e para
fazer-nos participar de sua vida divina (c£ João Paulo II, Homilia em Veracruz,
México, 7.5.90). Em Cristo tudo adquire sentido. Ele rompe o horizonte estreito
em que o secularismo encerra o homem, devolve-lhe a verdade e dignidade de
Filho de Deus e não permite que nenhuma realidade temporal, nem os estados nem
a economia nem a técnica se convertam para os homens na realidade última a que
devam submeter-se. Nas palavras de Paulo VI, evangelizar é anunciar "o nome, a doutrina, a vida, as promessas,
o Reino, o mistério de Jesus de Nazaré, Filho de Deus" (EN 22).
Esta Evangelização
terá força renovadora na fidelidade à Palavra de Deus, seu lugar de acolhida na
comunidade eclesial, seu alento criador no Espírito Santo, que cria a unidade
na diversidade, alimenta a riqueza carismática e ministerial, e se projeta ao
mundo mediante o compromisso missionário.
28. Como deve ser
esta Nova Evangelização? O Papa nos respondeu: nova em seu ardor, em seus
métodos e em sua expressão. Nova em seu ardor. Jesus Cristo nos chama a renovar
nosso ardor apostólico. Para isso envia o seu Espírito que inflama hoje o
coração da Igreja. O ardor apostólico da Nova Evangelização brota de uma
radical conformação com Jesus Cristo, o primeiro evangelizador. Assim o melhor
evangelizador é o santo, o homem das bem-aventuranças (RMi 90-91). Uma
evangelização nova em seu ardor supõe uma fé sólida, uma caridade pastoral intensa
e uma forte fidelidade que, sob a ação do Espírito, gere uma mística, um
entusiasmo incontido na tarefa de anunciar o Evangelho e capaz de despertar a
credibilidade para acolher a Boa Nova da Salvação.
29. Nova em seus
métodos. Novas situações exigem novos caminhos para a evangelização. O
testemunho e o encontro pessoal, a presença do cristão em todo o humano, assim
como a confiança no anúncio salvador de Jesus (querigma) e na atividade do
Espírito Santo, não podem faltar.
F necessário
empregar, sob a ação do Espírito criador, a imaginação e a criatividade para
que, de maneira pedagógica e convincente, o Evangelho chegue a todos. Já que
vivemos numa cultura da imagem, devemos ser audazes para utilizar os meios que
a técnica e a ciência nos proporcionam, sem jamais depositar neles toda a nossa
confiança.
Por outro lado, é
necessário utilizar aqueles meios que façam chegar o Evangelho ao centro da
pessoa e da sociedade, às raízes mesmas da cultura, "não de uma maneira
decorativa, como um verniz superficial" (EN 20).
30. Nova em sua
expressão. Jesus Cristo nos pede proclamar a Boa Nova com uma linguagem que
torne o Evangelho de sempre mais próximo das novas realidades culturais de
hoje. A partir da riqueza inesgotável de Cristo, se hão de buscar as novas
expressões que permitam evangelizar os ambientes marcados pela cultura urbana
e inculturar o Evangelho nas formas de cultura adveniente. A Nova Evangelização
tem que inculturar-se mais no modo de ser e de viver de nossas culturas,
levando em conta as particularidades das diversas culturas, especialmente as
indígenas e afro-americanas. (Urge aprender a falar segundo a mentalidade e
cultura dos ouvintes, de acordo com suas formas de comunicação e os meios em
uso). Assim a Nova Evangelização continuará na linha da encarnação do Verbo. A
Nova Evangelização exige a conversão pastoral da Igreja. Tal conversão deve
ser coerente com o concílio. Ela diz respeito a tudo e a todos: na consciência
e na práxis pessoal e comunitária, nas rela es de igualdade e de autoridade;
com estruturas e dinamismo que tornem a Igreja presente com cada vez mais
clareza, enquanto sinal eficaz, sacramento de salvação universal.
1.l. A Igreja
convocada à santidade
Iluminação doutrinal
31. Durante nossa
IV Conferência estivemos, como Maria, à escuta da Palavra, para comunicá-1a a
nossos povos. Sentimos que o Senhor Jesus repetia o chamamento a uma vida santa
(c£ Ef l, fundamento de toda nossa ação missionária.
A Igreja, como
mistério de unidade, encontra sua fonte em Jesus Cristo. Só n'Ele pode dar os
frutos de santidade que Deus espera dela. Só participando de seu Espírito pode
transmitir aos homens a autêntica Palavra de Deus. Somente a santidade de vida
alimenta e orienta uma verdadeira promoção humana e cultura cristã. Só com
Ele, por Ele e n'Ele se pode dar a Deus, Pai onipotente, a honra e a glória
pelos séculos dos séculos.
Chamado à santidade
32. A Igreja é
comunidade santa (cf. 1Pd 2,9), em primeiro lugar, pela presença nela do
Cordeiro que a santifica por seu Espírito (cf. Ap 21,22s; 22,1-5; Ef 1,18; lCor
3,16; 6,19; LG 4). Por isso, seus membros devem esforçar-se cada dia por viver,
no seguimento de Jesus e em obediência ao Espírito, "como santos e
imaculados em sua presença pelo amor" (Et 1,4). Estes são os homens e
mulheres novos de que a América Latina e o Caribe necessitam: os que escutaram
com coração bom e reto (cf. Lc 8, 15) o chamado à conversão (cf. Mc 1,15) e
renasceram pelo Espírito Santo segundo a imagem perfeita de Deus (cf. Cl 1,15;
Rm 8,29), chamam a Deus "Pai" e expressam seu amor a Ele no
reconhecimento de seus irmãos (cf. P 32'. São bem-aventurados porque
participam da alegria do Reino dos céus. São livres com a liberdade que dá a
Verdade e solidários com todos os homens, especialmente com os que mais sofrem.
A Igreja alcançou na Santíssima Virgem a perfeição em virtude da qual não tem
mancha nem ruga. A santidade "é a chave do ardor renovado da
Nova
Evangelização" (João Paulo II, Homilia em Salto, Uruguai, 09-OS-88, 4).
Convocada pela Palavra
33. A Igreja, comunidade
santa, convocada pela Palavra, tem como uma de suas principais tarefas a de
pregar o Evangelho (cf. LG 25). Os Bispos das Igrejas particulares que
peregrinam na América Latina e no Caribe e todos os participantes reunidos em
Santo Domingo, queremos assumir com o renovado ardor que os tempos exigem, o
chamado que o Papa, sucessor de Pedro, nos tem feito para empreender uma Nova
Evangelização, muito conscientes de que evangelizar é necessariamente anunciar
com alegria o nome, a doutrina, a vida, as promessas, o Reino e o mistério de
Jesus de Nazaré, Filho de Deus (cf. EN 22). Querigma e catequese. A partir da
situação generalizada de muitos batizados na América Latina, que não deram sua
adesão pessoal a Jesus Cristo pela conversão primeira, se impõe, no ministério
profético da Igreja, de modo prioritário e fundamental, a proclamação vigorosa
do anúncio de Jesus morto e ressuscitado (querigma, cf. RMi 44), "raiz de
toda a Evangelização, fundamento de toda promoção humana e princípio de toda
autêntica cultura crista" (DI 25).
Este ministério
profético da Igreja compreende também a catequese que, atualizando
incessantemente a revelação amorosa de Deus manifestada em Jesus Cristo, leva a
fé inicial à sua maturidade e educa o verdadeiro discípulo de Jesus Cristo (c£
CT 19). Ela deve nutrir-se da Palavra de Deus, lida e interpretada na Igreja e
celebrada na comunidade, para que, ao esquadrinhar o mistério de Cristo, ajude
a apresentá-1o como Boa Nova nas situações históricas de nossos povos.
Igualmente pertence
ao ministério profético da Igreja o serviço que os teólogos prestam ao povo de
Deus (cf. DI 7). Sua tarefa, enraizada na Palavra de Deus, realizada no diálogo
aberto com os pastores, em plena fidelidade ao magistério, é nobre e necessária.
Seu trabalho, assim realizado, pode contribuir para a inculturação da fé e a
evangelização das culturas, como também para nutrir uma teologia que impulsione
a pastoral, que promova a vida cristã integral, até a busca da santidade. Um
trabalho teológico assim compreendido impulsiona a ação em favor da justiça
social, dos direitos humanos e da solidariedade com os mais pobres. Não
esquecemos, sem embargo, que a função profética de Cristo é participada por
todo o "povo santo de Deus" e que este a exerce, em primeiro lugar,
"difundindo seu testemunho vivo sobretudo com a vida de fé e
caridade" (LG 12). O testemunho doe vida crista é a primeira e
insubstituível forma de evangelização, como o fez presente vigorosamente Jesus
em várias ocasiões (cf. Mt 7, 21-23; 25, 31-46; Lc 10, 37; 19, 1-10) e o
ensinaram também os apóstolos (c£ Tg 2, 14-18).
Celebração litúrgica
34. A Igreja santa
encontra o sentido último de sua convocação na vida de oração, louvor e ação de
graças que o céu e a terra dirigem a Deus por "suas obras grandes e
maravilhosas" (Ap 15,3s; 7, 9-17). Esta é a razão pela qual a liturgia
"é o cume ao qual tende a atividade da Igreja e, ao mesmo tempo, é a fonte
de onde emana a sua força" (SC 10). A liturgia é a ação do Cristo total,
Cabeça e membros, e, como tal, deve expressar o sentido mais profundo de sua
oblação ao Pai pelos homens. Assim como a celebração da Última Ceia está
essencialmente unida à vida e ao sacrifício de Cristo na Cruz e o faz
cotidianamente presente pela salvação de todos os homens, assim também, os que
louvam a Deus reunidos em torno do Cordeiro, são os que mostram em suas vidas
os sinais testemunhais da entrega de Jesus (cf. Ap 7,13s . Por isso, o culto
cristão deve expressar a dupla vertente da obediência ao Pai (glorificação) e
da caridade com os irmãos (redenção), pois a glória de Deus é que o homem viva.
Com o qual longe de alienar aos homens, os liberta e os faz irmãos.
35. O serviço
litúrgico, assim realizado na Igreja, tem, por si mesmo, um valor evangelizador
que a Nova Evangelização deve situar em lugar
de grande destaque. Na liturgia se faz presente hoje Cristo Salvador. A
liturgia é o anúncio e realização (cf. SC 6) dos feitos salvíficos que nos chegam a tocar sacramentalmente; por isso, convoca, celebra e envia. É exercício
da fé, útil tanto para quem tem uma fé robusta como para j em tem fé débil, e
inclusive ara o não-crente (cf. lCor
14,24-25). Sustenta o compromisso com a promoção
humana, enquanto orienta os fiéis a assumir sua responsabilidade na construção
do Reino, "para que se ponha de manifesto
que os fiéis cristãos, sem ser deste mundo, são a luz do mundo" (SC 9). A
celebração não pode ser algo separado ou paralelo
à vida (c£ 1Pd 1,15). por último, é especialmente pela liturgia que o Evangelho penetra no coração mesmo das culturas. Toda
a cerimônia litúrgica de cada sacramento tem também um valor pedagógico; a
linguagem dos signos é o melhor veículo para que "a mensagem de Cristo
penetre nas consciências das pessoas e (daí) se projete no ethos de um povo, em suas atitudes vitais, em suas instituições e
em todas as suas estruturas" (DI 20 e; cf. João Paulo II, Disc. aos intelectuais, Medellín,
OS-07-86, 2). Por isto as formas da celebração litúrgica devem ser aptas para
expressar o mistério que se celebra e, por sua vez, ser claras e inteligíveis
para os homens e mulheres ( João Paulo II, Discurso à UNESCO, 02-06-80, 6).
Religiosidade popular
36. A religiosidade
popular é uma expressão privilegiada da inculturação da fé. Não se trata só de
expressões religiosas mas também de valores, critérios, condutas e atitudes que
nascem do dogma católico e constituem a sabedoria de nosso povo, formando-lhe
a matriz cultural. Esta celebração da fé, tão importante na vida da Igreja da
América Latina e do Caribe, está presente em nossa preocupação pastoral. As
palavras de Paulo VI (EN 48), recebidas e desenvolvidas pela Conferência de
Puebla, em propostas claras, são ainda hoje válidas (cf. Puebla, nº 444s). É
necessário que reafirmemos nosso propósito de continuar os esforços por
compreender cada vez melhor e acompanhar com atitudes pastorais, as maneiras de
sentir e viver, compreender e expressar o mistério de Deus e de Cristo por
parte de nossos povos, para que purificadas de suas possíveis limitações e
desvios cheguem a encontrar seu lugar próprio em nossas Igrejas locais e em sua
ação pastoral.
Contemplação e compromisso
37. Queremos
concluir estas palavras acerca da Igreja como mistério de comunhão que se
realiza plenamente na santidade de seus membros, recordando e agradecendo a
Deus a vida contemplativa e monástica presente hoje na América Latina. A
santidade, que é desenvolvimento da vida de fé, de esperança e de caridade,
recebida no batismo, busca a contemplação do Deus que ama e de Jesus Cristo,
seu Filho. A oração profética não se entende, nem é verdadeira e autêntica,
senão a partir de um real e amoroso encontro com Deus que atrai
irresistivelmente (cf. Am 3,8; Jr 20,7-9; Os 2,16s). Sem uma capacidade de
contemplação, a liturgia, que é acesso a Deus através de sinais, se converte em
ação carente de profundidade. Agradecemos a Deus a presença de homens e
mulheres consagrados à contemplação em uma vida segundo os conselhos
evangélicos. São um sinal vivo da santidade de todo o povo de Deus e um chamado
poderoso a todos os cristãos a crescer na oração, como expressão de fé ardente
e comprometida, de amor fiel que contempla a Deus em sua vida íntima Trinitária
e em sua ação salvífica na história, e de inquebrantável esperança naquele que
há de voltar para introduzir-nos na glória de seu Pai, que é também nosso Pai
(cf. Jo 20,17).
Desafios pastorais
38. As
considerações acima acerca da santidade da Igreja, de seu caráter profético e
de sua vocação celebrativa, levam-nos a reconhecer alguns desafios que nos
parecem fundamentais, aos quais é preciso responder para que a Igreja seja na
América Latina e no Caribe plenamente o mistério da comunhão dos homens com
Deus e entre si.
Na Igreja se
multiplicam os grupos de oração, os movimentos apostólicos, formas novas de
vida e de espiritualidade contemplativa, além de diversas expressões da
religiosidade popular. Muitos leigos tomam consciência de sua responsabilidade
pastoral em suas diversas formas. Cresce o interesse pela Bíblia, que exige
uma pastoral bíblica adequada que dê aos fiéis leigos critérios para responder
às insinuações de uma interpretação fundamentalista ou a um afastamento da vida
na Igreja para refugiar-se nas seitas.
39. Entre nós,
católicos, o desconhecimento da verdade sobre Jesus Cristo e das verdades
fundamentais da fé é um fato muito freqüente e, em alguns casos, essa
ignorância está vinculada a uma perda do sentido do pecado. Freqüentemente a
religiosidade popular, apesar de seus imensos valores, não está purificada de
elementos alheios à autêntica fé cristã, nem leva sempre à adesão pessoal a
Cristo morto e ressuscitado.
40. Pregamos pouco
a respeito do Espírito que atua nos corações e os converte, fazendo assim
possível a santidade, o desenvolvimento das virtudes e o vigor para tomar, a
cada dia, a cruz de Cristo (cf. Ml 10,38; 16,24).
41. Tudo isto nos
obriga a insistir na importância do primeiro anúncio (querigma) e na catequese.
Damos graças a Deus pelos esforços de tantas e tantos catequistas que cumprem
seu serviço eclesial com sacrifício, selado, às vezes, com suas vidas. Contudo,
devemos reconhecer como pastores que ainda há muito por fazer. Existe ainda
muita ignorância religiosa, a catequese não chega a todos e muitas vezes chega
em forma superficial, incompleta quanto a seus conteúdos, ou puramente intelectual,
sem força para transformar a vida das pessoas e de seus ambientes.
42. É notória a
perda da prática da "direção espiritual", que seria muito necessária
para a formação dos leigos mais comprometidos, além de ser condição para que
amadureçam vocações sacerdotais e religiosas.
43. Quanto à
liturgia muito resta a ser feito tanto para assimilar em nossas celebrações a
renovação litúrgica desencadeada pelo Concílio Vaticano II, como para ajudar os
fiéis a fazer da celebração eucarística a expressão de seu compromisso pessoal
e comunitário com o Senhor. Ainda não se alcançou plena consciência do que
significa a centralidade da liturgia como fonte e cume da vida eclesial.
Perdeu-se para muitos o sentido do "dia do senhor" e da conseqüente
exigência eucarística. Persiste a pouca participação da comunidade cristã, e
surge quem queira se apropriar da liturgia sem considerar seu verdadeiro
sentido eclesial. Descuidou-se da séria e permanente formação litúrgica segundo
as instruções e documentos do magistério (cf. Carta apostólica Vicesimus quintos annus, 4), em todos os
níveis. Ainda não se dá atenção ao processo de uma sã inculturação da liturgia.
Isto faz com que as celebrações sejam ainda, para muitos, algo ritualista e
privado a ponto de não se fazerem conscientes da presença transformadora de
Cristo e de seu Espírito nem de traduzirem-na em um compromisso solidário para
a transformação do mundo.
44. A conseqüência
de tudo isto é uma falta de coerência entre a fé e a vida em muitos católicos,
incluídos, às vezes, nós mesmos ou alguns de nossos agentes pastorais. A falta
de formação doutrinal e de profundidade na vida de fé faz de muitos católicos
presa fácil do secularismo, do hedonismo e do consumismo que invadem a cultura
moderna e, em todo caso, os incapacita de evangelizá-1a.
Linhas pastorais
45. A Nova
Evangelização exige uma renovada espiritualidade que, iluminada pela fé que se
proclama, anime, com a sabedoria de Deus, a autêntica promoção humana e seja o
fermento de uma cultura cristã. Pensamos que é preciso continuar a acentuar a
formação doutrinal e espiritual dos fiéis cristãos, e, em primeiro lugar, do
clero, religiosos e religiosas, catequistas e agentes pastorais, destacando
claramente a primazia da graça de Deus que salva por Jesus Cristo na Igreja,
por meio da caridade vivida e através da eficácia dos sacramentos.
46. É preciso
anunciar de tal maneira a Jesus que o encontro com Ele leve ao reconhecimento
do pecado na própria vida e à conversão, em uma experiência profunda da graça
do Espírito recebido no batismo e na confirmação. Isto supõe uma revalorização
do sacramento da penitência, cuja pastoral deveria prolongar-se na direção
espiritual de quem mostra maturidade sufuciente para aproveitá-la.
47. Devemos zelar
para que todos os membros do povo de Deus assumam a dimensão contemplativa de
sua consagração batismal e "aprendam a orar", imitando o exemplo de
Jesus Cristo (c£ Lc 11,1), de maneira que a oração esteja sempre integrada com
a missão apostólica da comunidade cristã e do mundo. Diante de muitos -
inclusive cristãos - que buscam, em práticas alheias ao cristianismo, respostas
às suas ânsias de vida interior, devemos saber oferecer a rica doutrina e a
larga experiência que tem a Igreja.
48. Uma tal
evangelização de Cristo e de sua vida divina em nós deve mostrar a exigência
iniludível de acomodar a conduta ao modelo que Ele nos oferece. A coerência da
vida dos cristãos com sua fé é condição da eficácia da Nova Evangelização. Para
isso é necessário conhecer bem as situações concretas vividas pelo homem
contemporâneo para oferecer-lhe a fé como elemento iluminador. Isto supõe
também uma clara pregação da moral crista que abrange tanto a conduta pessoal e
familiar quanto a social. A prática de pequenas comunidades pastoralmente bem
assistidas constitui um bom meio para aprender a viver a fé em estreita
comunhão com a vida e com a perspectiva missionária. Neste campo é muito
significativamente, também, a contribuição dos movimentos apostólicos.
49. A Nova
Evangelização deve acentuar uma catequese querigmática e missionária.
Requerem-se, para a vitalidade da comunidade eclesial, mais catequistas e
agentes pastorais, dotados de sólido conhecimento da Bíblia, que os capacite
para lê-1a, à luz da Tradição e de Magistério da Igreja e para iluminar, a
partir da Palavra de Deus, sua própria realidade pessoal, comunitária e social.
Eles serão instrumentos especialmente eficazes da inculturação do Evangelho.
Nossa catequese tem de ter um itinerário contínuo que vá desde a infância até à
idade adulta, utilizando os meios mais adequados para cada idade e situação.
Os catecismos são subsídios muito importantes para a catequese. São, ao mesmo
tempo, caminho e fruto de um processo de inculturação da fé. O Catecismo da Igreja católica, já anunciado
pelo Papa João Paulo II, orientará a elaboração de nossos futuros catecismos.
50. A função
profética da Igreja, que anuncia Jesus Cristo, deve mostrar sempre os sinais da
verdadeira "valentia" (parresía: cf. At 4,13; 1Ts 2,2) em total
liberdade diante de qualquer poder deste mundo. Parte necessária de toda
pregação e de toda catequese deve ser a Doutrina Social da Igreja, que
constitui a base e o estímulo da autêntica opção preferencial pelos pobres.
51. Nossas Igrejas
locais, que se expressam plenamente na liturgia e em primeiro lugar na
Eucaristia, devem promover uma séria e permanente formação litúrgica do povo de
Deus em todos os seus níveis, a fim de ele que possa viver a liturgia
espiritual, consciente e ativamente. Esta formação deverá ter em conta a presença
viva de Cristo na celebração, seu valor pascal e festivo, o papel ativo que
cabe à Assembléia e seu dinamismo missionário. Uma preocupação especial deve
ser promover e dar uma séria formação a quem esteja encarregado de dirigir a
oração e a celebração da Palavra na ausência do sacerdote. Parece-nos, enfim,
que é urgente dar ao domingo, aos tempos litúrgicos e à celebração da Liturgia
das Horas todo seu sentido e força evangelizadora.
52. A celebração
comunitária deve ajudar a integrar em Cristo e em seu mistério os
acontecimentos da própria vida, deve fazer crescer na fraternidade e na
solidariedade, deve atrair a todos.
53. Temos de
promover uma liturgia, que em total fidelidade ao espírito que o Concílio
Vaticano II quis recuperar em toda sua pureza, busque, dentro das normas dadas
pela Igreja, a adoção das formas, sinais e ações próprios das culturas da
América Latina e Caribe. Nesta tarefa dever-se-á dar uma especial atenção à
valorização da piedade popular, que encontra sua expressão especialmente na
devoção à Santíssima Virgem, nas peregrinações aos santuários e nas festas
religiosas, iluminadas pela Palavra de Deus. Se nós, os pastores, não nos
empenhamos a fundo em acompanhar as expressões de nossa religiosidade popular,
purificando-as e abrindo-as a novas situações, o secu1arismo impor-se-á mais
fortemente em nosso povo latino-americano e a inculturação do Evangelho será
mais difícil.
1.2. Comunidades
aclesiais vivas e dinâmicas
54. "Que todos
sejam um. Como tu, Pai, estás em mim e eu em Ti, que eles estejam em Nós, para
que o mundo creia que Tu me enviaste" (Jo 17,21). Esta é ai oração de
Jesus Cristo por sua Igreja. Ele pediu pra ela que viva a unidade, segundo o
modelo da unidade trinitária (cf. GS 24). Assim procuraram viver os primeiros
cristãos em Jerusalém.
Conscientes de que
o momento histórico que vivemos exige que delineemos "o rosto de uma
Igreja viva e dinâmica que cresce na fé, se santifica, ama, sofre, se
compromete e espera em seu Senhor" (João Paulo II, DI 25), queremos voltar
a descobrir o Senhor Ressuscitado que hoje vive em sua Igreja, se entrega a
ela, santifica-a (cf, Ef 5,25-26) e a faz sinal da união de todos os homens
entre si e destes com Deus (cf. LG 1).
Queremos refletir
este "rosto" em nossas Igrejas particulares, paróquias e demais
comunidades cristas. Buscamos dar impulso evangelizador a nossa Igreja a partir
de uma vivência de comunhão e participação que já se experimenta em diversas
formas de comunidades existentes em nosso continente.
1.2.1. A Igreja particular
55. As Igrejas
particulares têm como missão prolongar para as diversas comunidades "a
presença e a ação evangelizadora de Cristo (P
224) já que estão "formadas à imagem da Igreja universal nas quais e,
a partir das quais, existe uma só e única Igreja Católica (LG23).
A Igreja particular
e chamada a viver o dinamismo de comunhão missão, "a comun5ão e a missão
estão profundamente unidas entre si; se compenetram e se implicam mutuamente,
ao ponto de a comunhão representar, ao mesmo tempo, a fonte e o fruto da missão...
sempre o único e idêntico Espírito o que convoca e une a Igreja e o que a envia
a pregar o Evangelho até os confins da terra ChL 32),
A Igreja particular
igualmente "comunhão orgânica.,. caracterizada pela simultânea presença
da diversidade e da complementaridade das vocações e condições de vida, dos
mistérios, dos carismas e das responsabilidades" (Ch L 20).
"Na unidade da
Igreja local, que tem origem na Eucaristia, se encontra todo o Colégio
episcopal com o Sucessor de Pedro à frente, como pertencendo à própria essência
da Igreja particular. Em torno do Bispo e em perfeita comunhão com ele, devem
florescer as paróquias e as comunidades cristãs como células vivas e pujantes
de vida eclesial" (João Paulo II, DI 25).
A Igreja
particular, conforme o seu ser e a sua missão, por congregar o povo de Deus de
um lugar ou região, conhece de perto a vida, cultura, os problemas de seus
integrantes e é chamada a gerar ali com todas as forças, sob a ação do
Espírito, a Nova Evangelização, a promoção humana, a inculturação da fé (cf.
RMi 54).
56. Em geral,
nossas dioceses carecem de suficientes e qualificados agentes de pastoral.
Muitas delas ainda não possuem um claro e verdadeiro planejamento pastoral. É
urgente avançar no caminho da comunhão e participação, que, muitas vezes, é
dificultado pela falta do sentido de Igreja e do autêntico espírito
missionário. 57. Por isso é indispensável:
- Promover o
aumento e a adequada formação dos agentes para os diversos campos da ação
pastoral, conforme a eclesiologia do Vaticano II e o Magistério posterior.
- Impulsionar
processos globais, orgânicos e planificados que facilitem e promovam a
integração de todos os membros do povo de Deus, das comunidades e dos diversos
carismas, e os oriente à Nova Evangelização, inclusive a missão ad gentes.
1.2.2. A paróquia
58. A paróquia,
comunidade de comunidades e movimentos, acolhe as angústias e esperanças dos
homens, anima e orienta a comunhão, participação e missão. "Não é
principalmente uma estrutura, um território, nem edifício, é a família de
Deus, como uma fraternidade animada pelo Espírito de unidade"... "A
paróquia se funda sobre uma realidade teológica porque ela é uma comunidade
eucarística"... "A paróquia é comunidade de fé e uma comunidade
orgânica... na qual o pároco, que representa o bispo diocesano, é o vínculo
hierárquico com toda a Igreja particular" (ChL 26).
Se a paróquia é a
Igreja que se encontra entre as casas dos homens, então ela vive e trabalha
profundamente inserida na sociedade humana e intimamente solidária com suas as
ira es e dificuldades.
A paróquia tem a
missão de evangelizar, de celebrar a liturgia, de fomentar a promoção humana,
de fazer progredir a inculturação da fé nas famílias, nas CEBs, nos grupos e
movimentos apostólicos, e através deles em toda a sociedade.
A paróquia,
comunhão orgânica e missionária, é assim uma rede de comunidades.
59. Mas ainda é
lento o processo de renovação da paróquia em seus agentes de pastoral e na
participação dos fiéis leigo .
É urgente e
indispensável dar solução às interrogações que apresentam às paróquias urbanas,
para que estas possam responder aos desafios da Nova Evangelização. Há
defasagem entre o ritmo da vida moderna e os critérios que ordinariamente
animam 60. Temos que pôr em prática estas grandes linhas:
- Renovar as
paróquias a partir de estruturas que permitam setorial a pastoral, mediante
pequenas comunidades eclesiais nas quais apareça a responsabilidade dos fiéis
leigos.
- Qualifica a
formação e participa dos leigos, capacitando-os alho nas situações específicas
onde vivem ou atuam.
- Nas Paróquias
urbanas, se devem privilegiar planos de conjunto em zonas homogêneas para
organizar serviços ágeis que facilitem a Nova Evangelização.
- Renovar sua
capacidade de acolhida e seu dinamismo missionário com os fiéis marginalizados
e multiplicar a presença física da paróquia mediante a criação de capelas e
pequenas comunidades.
1.2.3. As Comunidades Eclesiais de Base
61. A Comunidade
Eclesial de Base é célula viva da paróquia entendida esta como comunhão orgânica
e missionária.
CEB, em si mesma,
ordinariamente integrada por nucas amplias, é chamada a viver como comunidade
de fé, de culto e de amor, será animada por leigos, homens e mulheres adequadamente
preparados no mesmo processo comunitário; os animadores estarão em comunhão
com o pároco respectivo e o bispo. "As Comunidades Eclesiais de Base devem
caracterizar-se, sempre, por uma decidida projeção universal e missionária que
lhes inspire um renovado dinamismo apostólico" (João Paulo II, DI 25).
"São sinal da vitalidade da Igreja, instrumento de formação e de
evangelização, um ponto de partida válido para uma nova sociedade fundada sobre
a civilização do amor" (RM 51).
62. Quando não
existe uma clara fundamentação eclesiológica e uma busca sincera de comunhão,
estas comunidades deixam de ser eclesiais e podem ser vítimas de manipulação
ideológica e política.
63. Consideramos
necessário:
- Ratificar a
validade das Comunidades Eclesiais de Base, fomentando nelas um espírito
missionário e solidário, e buscando sua integração com a paróquia, com a
diocese e com a Igreja universal, em conformidade com os ensinamentos da Evangelii Nuntiandi (58).
- Elaborar planos
de ação pastoral que assegurem a preparação dos animadores leigos que assistem
a estas comunidades, em íntima comunhão com o pároco e o bispo.
1.2.4. A família cristã
64. A família
cristã é a "igreja doméstica", primeira comunidade evangelizadora.
"Apesar do problemas que em nossos dias afligem o matrimônio e a
instituição familiar, esta, como célula primeira e vital da sociedade, pode
gerar grandes energias que são necessárias para o bem da humanidade" (DI
18). É necessário fazer da pastoral familiar uma prioridade básica, sentida,
real e atuante. Básica, como fronteira da Nova Evangelização. Sentida, isto é,
acolhida e assumida por toda a comunidade diocesana. Real, porque será
respaldada, concreta e decididamente no acompanhamento do bispo diocesano e
seus párocos. Atuante significa que deve estar inserida numa pastoral orgânica.
Esta pastoral deve estar em sincronia com instrumentos pastorais e científicos.
Necessita ser acolhida a partir de seus próprios carismas pelas comunidades
religiosas e os movimentos em geral.
1.3. Na unidade do
Espírito e com diversidade de ministérios e carismas
65. O batismo nos
constitui povo de Deus, membros vivos da Igreja. Pela ação do Espírito Santo
participamos de todas as riquezas da graça que o Ressuscitado nos doa.
É o espírito que
nos dá a possibilidade de reconhecer Jesus como Senhor e nos leva a construir a
unidade da Igreja, a partir de distintos carismas que Ele nos confia para
"proveito comum" (cf. lCor 12,3-11). Eis nossa grandeza e nossa
responsabilidade. Ser portadores da mensagem salvadora para os demais.
66. Assim, o
ministério salvífico de Cristo (cf. Ml 20,28; Jo 10,10) se atualiza através do
serviço de cada um de nós. Existimos e servimos a uma Igreja rica em
ministérios.
1.3.1. Os ministérios ordenados
67. O ministério
dos bispos, em comunhão com o sucessor de Pedro, e o dos presbíteros e diáconos
é essencial para que a Igreja responda ao desígnio salvífico de Deus pelo
anúncio da palavra, pela celebração dos sacramentos e pela guia pastoral. O
ministério ordenado é sempre um serviço à humanidade com vistas ao Reino.
Recebemos "a força do Espírito Santo" (c£ At 1,8) para sermos
testemunhas de Cristo e instrumentos de vida nova. Voltemos a escutar hoje a
voz do Senhor que, com os desafios do momento atual, nos chama e envia;
queremos permanecer fiéis ao Senhor e aos homens e mulheres, sobretudo os mais
pobres, para cujo serviço fomos consagrados.
a) O desafio da unidade
68. O Concílio nos
recordou a dimensão comunitária de nosso ministério: colegialidade episcopal,
comunhão presbiteral, unidade entre os diáconos. A nível continental e em cada
uma de nossas Igrejas particulares, já existem organismos de integração e
coordenação. É notório o esforço de unidade com os religiosos que partilham os
esforços pastorais em cada diocese. Reconhecemos, sem dúvida, causas de
preocupação em nossas Igrejas particulares: divisões e conflitos que nem sempre
refletem a unidade querida pelo Senhor.
Por outro lado, a
escassez de ministros e a sobrecarga de trabalho que o exercício do ministério
impõe a alguns fazem com que muitos permaneçam isolados.
Faz-se portanto
necessário viver a reconciliação na Igreja, percorrer ainda o caminho de
unidade e de comunhão de nós, os pastores, entre nós e com as pessoas e
comunidades a nós confiadas.
69. Por isso nos
propomos:
- Manter as
estruturas a serviço da comunhão entre os ministros ordenados, prestando
especial atenção aos respectivos papéis subsidiários, sem detrimento das
competência próprias, em conformidade com o direito da Igreja. Segundo as
necessidades e o que ensina a experiência, tais estruturas podem ser revistas e
redimensionadas pelo esclarecimento de sua competência e natureza. Entre estas
instâncias estão as conferências episcopais, as províncias e regiões
eclesiásticas, os conselhos presbiterais e, em nível continental, o CELAM.
- Na formação
inicial dos futuros pastores e na formação permanente dos bispos, presbíteros
e diáconos queremos impulsionar, muito especialmente, o espírito de unidade e
comunhão.
b) A exigência de uma vida espiritual profunda
70. O sacerdócio
procede da profundidade do inefável mistério de Deus. Nossa existência
sacerdotal nasce do amor do Pai, da graça de Jesus Cristo e da ação
santificadora e unificante do Espírito Santo; esta mesma existência se vai
realizando para o serviço de uma comunidade, a fim de que todos se façam dóceis
à ação salvadora de Cristo (cf. Ml 20,28, PDV 12).
O Sínodo Episcopal
de 1990 e a exortação pós-sinodal Pastores
dobo vobis, delinearam claramente as notas características de uma
espiritualidade sacerdotal, insistindo profundamente sobre na caridade pastoral
(cf. PDV, cap 3).
71. Por estas
razões nos propomos:
- Buscar em nossa
oração litúrgica e particular e em nosso ministério uma permanente e profunda
renovação espiritual para que nos lábios, no coração e na vida de cada um de
nós Jesus Cristo esteja sempre presente.
- Crescer no
testemunho de santidade de vida a que somos chamados com a ajuda dos meios que
já temos em nossas mãos:
"Os encontros
de espiritualidade sacerdotal, como os exercícios espirituais, os dias de
retiro ou de espiritualidade" (PDV 80) e outros recursos assinalados no
Documento Pontifício pós-sinodal.
c) A urgência da formação permanente
72. São Paulo
recomenda a seu discípulo que reavive o dom que recebeu pela imposição das mãos
(c£ 2Tm 1,6). João Paulo II nos lembrou que a Igreja necessita apresentar
modelos fidedignos de sacerdotes que sejam ministros convencidos e fervorosos
da Nova Evangelização (cf. PDV 8 e cop. 6).
Há uma consciência
crescente de necessidade e integralidade da formação permanente, entendida e
aceita como caminho de conversão e meio para a fidelidade. As implicações
concretas desta formação para o compromisso do sacerdote com a Nova
Evangelização exigem criar laços concretos que a possam assegurar. Cada vez
aparece com mais clareza a necessidade de acompanhar o processo de crescimento,
tentando fazer com que os desafios, que o secularismo e a injustiça suscitam
possam ser assimilados e respondidos a partir da caridade pastoral. Igual
atenção temos de prestar aos sacerdotes idosos ou enfermos.
73. Consideramos
importante:
- Elaborar projetos
e programas de formação permanente para bispos, sacerdotes e diáconos, as
comissões nacionais do clero e os conselhos presbiterais.
- Motivar e apoiar
todos os ministros ordenados para uma formação permanente estruturada conforme
as orientações do magistério pontifício.
d) A indispensável aproximação a nossas comunidades
74. O Bom Pastor
conhece suas ovelhas e por elas é conhecido (cf. Jo 10,14). Servos da comunhão,
queremos velar por nossas comunidades com entrega generosa, sendo modelos para
o rebanho (cf. 1Pd 5,1-5). Queremos que nosso serviço humilde faça sentir a
todos que fazemos presente a Cristo Cabeça, Bom Pastor e Esposo da Igreja (cf.
PDV 10).
A aproximação com
cada uma das pessoas permite aos pastores partilhar com elas as situações de
dor e ignorância, de pobreza e marginalização, as aspirações de justiça e
libertação. É todo um programa para viver melhor nossa condição de ministros da
reconciliação (cf. 2Cor 5,18), dando a cada um motivos de esperança (cf. 1Pd
3,15), pelo anúncio salvador de Jesus Cristo (cf. G1 5,1).
75. - Nós, bispos,
nos propomos organizar melhor uma pastoral de acompanhamento de nossos
presbíteros e diáconos, para apoiar os que se encontram em ambientes
especialmente difíceis. Todos os ministros queremos conservar uma presença
humilde e acessível no meio de nossas comunidades, para que todos possam sentir
a misericórdia de Deus. Queremos ser testemunhas de solidariedade com nossos
irmãos.
e) A atenção aos
diáconos permanentes
76. O ministério
dos diáconos é de importância para o serviço de comunhão na América Latina.
Eles são, de forma muito privilegiada, sinais do Senhor Jesus "que não
veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por
muitos" (Ml 20,28). Seu serviço será o testemunho evangélico diante de uma
história em que a iniqüidade se faz presente cada vez mais e se esfria a
caridade (cf. Ml 24,12).
Para uma Nova Evangelização que, pelo
serviço da Palavra e a Doutrina
Social da Igreja, responda às necessidades de promoção humana e vá gerando uma
cultura de solidariedade, o diácono permanente, por sua condição de ministro
ordenado e inserido nas complexas situações humanas, tem um amplo campo de
serviço em nosso Continente.
77. - Queremos
reconhecer nossos diáconos mais pelo que são do que pelo que fazem.
- Queremos
acompanhar a nossos diáconos no discernimento para que tenham uma formação
inicial e permanente, adequada a sua condição.
- Continuaremos
nossa reflexão sobre a espiritualidade própria dos diáconos, fundamentada em
Cristo servo, para que vivam com profundo sentido de fé sua entrega à Igreja e
sua integração com o presbitério diocesano.
- Queremos ajudar
aos diáconos casados para que sejam fiéis a sua dupla sacramentalidade: a do
matrimônio e a da ordem e para que suas esposas e filhos vivam e participem com
eles na diaconia. A experiência de trabalho e seu papel de pais e esposos,
constituem-nos colaboradores muito qualificados para abordar diversas
realidades urgentes em nossas Igrejas particulares.
- Propomo-nos criar
os espaços necessários para que os diáconos colaborem na cação dos serviços na
Igreja, detectando e promovendo lideres, estimulando a corresponsabilidade de
todos para uma cultura da reconciliação e solidariedade. Há situações e
lugres, principalmente nas zonas rurais distantes, e nas grandes áreas urbanas
densamente povoadas, onde só através do diácono o ordenado se faz presente.
1.3.2. As vocações
ao ministério presbiteral e os seminários
78. "Naqueles
dias, ele foi à montanha para orar e passou a noite inteira em oração a Deus.
Depois que amanheceu, chamou os discípulos e dentre eles escolheu doze, aos
quais deu o nome de apóstolos” (Lc 6,12-13;Mc 3,13-14).
"Ao ver a
multidão teve compaixão dela, porque estava cansada e abatida como ovelhas sem
pastor" (Ml 9,36-38).
No marco de uma
Igreja "comunhão para a missão", o Senhor, que nos chia todos à
santidade, chama todos à santidade, chama alguns para o serviço sacerdotal.
a) A pastoral vocacional uma prioridade
79. Estamos diante
de fatos inegáveis: há um aumento das vocações sacerdotais, cresceu o interesse
por uma pastoral que apresente aos jovens, m clareza, a possibilidade de um
chamado do Senhor.
Mas os jovens
chamados não podem escapar às mudanças familiares, culturais, econômicos
e sociais do momento. A desintegração
familiar pode impedir uma experiência de amor que prepara para a entrega
generosa de toda a vida. O contágio de uma sociedade lesiva" e consumiste
não favorece uma vida de austeridade e sacrifício. Pode acontecer que a
motivação vocacional esteja, sem que o candidato o queira, viciada por razões
não evangélicas.
88- Por isso
apoderamos muito importante:
- Estruturar uma
pastoral vocacional inserida na pastoral orgânica da diocese, em estreita
vinculação com a pastoral familiar e a da juventude. É agente preparar agentes
e encontrar recursos para este campo de pastoral e apoiar o compromisso dos
leigos na promoção de vocações consoada
- Fundamentar a
pastoral vocacional na oração, na freqüência dos sacramentos da Eucaristia e da
Penitência, na catequese da confirmação, na devoção mariana no acompanhamento
com a direção espiritual e num compromisso missionário concreto: estes são os
principais meios que auxiliarão os jovens em seu discernimento.
- Procurar
estimular as vocações provenientes de todas as culturas presentes em nossas
Igrejas particulares. O Papa nos convidou a prestar atenção de vocações
indígenas (Mensagem aos indígenas, 6) e
(Mensagem aos afro-americanos, 5).
81. Mantêm sua
validade os seminários menores e centros afins devidamente adaptados às
condições da época atual para os jovens dos últimos anos do curso médio, nos
quais começa a manifestar-se um forte desejo de optar pelo sacerdócio. Em
alguns países e em ambientes familiares deteriorados, são necessárias estas instituições
para que os jovens cresçam em sua vivência cristã e possam fazer uma opção
vocacional mais duradoura.
82. Ante o
ressurgimento de vocações entre os adolescentes, é tarefa nossa uma adequada
promoção, discernimento e formação.
- Em nossa pastoral
vocacional teremos muito em conta as palavras do Santo Padre: "Condição
indispensável para a Nova Evangelização é poder contar' com evangelizadores
numerosos e qualificados. Por isso, a promoção das vocações sacerdotais e
religiosas... há de ser uma prioridade dos bispos e um compromisso de todo o
povo de Deus" (DI 26).
b) Os seminários
83. Sinal de
alegria e de esperança é o nascimento de seminários maiores em nosso continente
e o aumento do número de alunos neles.
Em geral,
trabalha-se por um ambiente favorável à direção espiritual e procura-se
atualizar a formação, especialmente pastoral, dos futuros sacerdotes.
Preocupa, no
entanto, a dificuldade para reunir a equipe de formadores adequada às
necessidades de cada seminário, em detrimento da qualidade da formação.
Em muitos casos, o
meio social do qual provêm os candidatos "os marca" com modos de vida
muito secularizados ou os faz chegar ao seminário com limitações em sua
formação humana ou intelectual quando não nos fundamentos de sua fé cristã.
84. Diante destas
realidades nos propomos:
- Assumir
plenamente as diretrizes da exortação pós-sinodal Pastores dobo vobis e rever, a partir dela, nossas "Normas
básicas para a formação sacerdotal" (Ratio
fundamentalis) em cada país. - Selecionar e preparar formadores,
aproveitando os cursos oferecidos pelo CELAM e outras instituições. Antes de
abrir um seminário é necessário assegurar a presença da equipe de formadores.
- Rever a
orientação da formação oferecida em cada um dos nossos seminários para que corresponda
às exigências da Nova Evangelização, com suas conseqüências para a promoção
humana e a inculturação do Evangelho. Sem atenuar as exigências de uma séria
formação integral, dispensar particular interesse ao desafio representado pela
formação sacerdotal daqueles candidatos provindos de culturas indígenas e
afro-americanas.
- Procurar uma
formação integral que desde o seminário disponha para a formação permanente do
sacerdote.
1.3.3. A vida consagrada
85. A vida
consagrada, que como dom do Espírito Santo, pertence à vida íntima e santa da
Igreja (LG 44; EN 69), é manifestada pelo testemunho heróico de muitos
religiosos e religiosas que a partir de sua singular aliança com Deus fazem
presente, em todas as situações, até as mais difíceis, a força do Evangelho.
Pela vivência fiel
dos conselhos evangélicos, participam do mistério e da missão de Cristo,
irradiam os valores do Reino, glorificam a Deus, animam a própria comunidade
eclesial e interpelam à sociedade (cf. Lc 4,14-21; 9,1-6). Os conselhos evangélicos
têm uma profunda dimensão pascal, já que supõem uma identificação com Cristo,
em sua morte e ressurreição (João Paulo II, Os caminhos do Evangelho, n. 7).
Por sua experiência
testemunhal, a vida religiosa "há de ser sempre evangelizadora para que os
necessitados da luz da fé acolham com alegria a Palavra da Salvação; para que
os pobres e mais desprezados sintam a proximidade da solidariedade fraterna;
para que os marginalizados e abandonados experimentem o clamor de Cristo; para que os sem voz se sintam escutados; para que os tratados injustamente
encontrem defesa e ajuda" (João Paulo II, Homilia na Catedral de Santo
Domingo, 10.10.92, n. 8). A Virgem Maria, que pertence tão profundamente à
identidade cristã de nossos povos latino-americanos (cf. Puebla 283), é modelo
de vida para os consagrados e apoio seguro de sua fidelidade.
Na base do Concílio
Vaticano II e sob o impulso de Medellín e Puebla, houve um esforço de renovação
dos religiosos, uma "volta às fontes" e à primitiva inspiração dos
institutos (cf. Per fectae Caritatis, n.
2). As conferências de Superiores Maiores desempenham importante papel para a
vida consagrada; respeitando o fim e o espírito de cada instituto, tratam de
assuntos comuns e estabelecem a conveniente cooperação com os pastores da
Igreja (cf. CIC 708).
A vida consagrada,
dom peculiar de Deus à sua Igreja, é necessariamente eclesial e enriquece as
Igrejas particulares. Os religiosos da América Latina renovam sua adesão ao
Papa. A partir das disposições de Mutuae
relationes, é preciso um esforço de maior conhecimento recíproco entre as
diversas formas de vida consagrada nas Igrejas particulares.
86. De singular
fecundidade evangelizadora e missionária é a vida contemplativa; ela dá
testemunho com toda a sua vida da primazia do absoluto de Deus. Com alegria
constatamos o aumento de suas vocações e o envio a outros países.
87. A experiência
dos institutos seculares é significativa e eles estão em crescimento. Por sua
consagração buscam harmonizar os valores autênticos do mundo contemporâneo com
o seguimento de Jesus vivido a partir da secularidade; hão de ocupar, pois, um
lugar de destaque no trabalho da Nova Evangelização para a promoção humana e a
inculturação do Evangelho.
88. As sociedades
de vida apostólica também contribuem generosamente com esta tarefa de
evangelização e são chamadas a manter suas características específicas de vida
apostólica.
89. Outra forma de
consagração é a das virgens consagradas a Deus pelo bispo diocesano, esposas
místicas de Jesus Cristo, que se entregam ao serviço da Igreja (cf. CIC 604,1).
90. A mulher
consagrada contribui para impregnar de Evangelho nossos processos de promoção
humana integral e dinamiza a pastoral da Igreja. Ela é freqüentemente
encontrada nos lugares de missão que oferecem maior dificuldade e é
especialmente sensível ao clamor dos pobres. Por isto é necessário dar-lhe mais
responsabilidade na programação da ação pastoral e caritativa.
91. "A obra de
evangelização (disse o Papa) na América Latina tem sido, em grande parte, fruto
do vosso serviço missionário... Também em nossos dias, os religiosos e
religiosas representam uma força evangelizadora e apostólica primordial no
continente latino-americano" (João Paulo II, Os caminhos do Evangelho, 29.6.90, n. 2.3).
Em sua carta aos
religiosos da América Latina (29.6.9(j), o Santo Padre lhes apresenta os
seguintes pontos: seguir "na vanguarda da pregação, dando sempre
testemunho do Evangelho da Salvação" (n. 24). "Evangelizar a partir
de uma profunda experiência de Deus " (n. 25). "Manter vivos os
carismas dos fundadores" (n. 26). "Evangelizar em estreita
colaboração com os bispos, com os sacerdotes e com os leigos, dando exemplo de
renovada comunhão" (n. 27). Estar na vanguarda da evangelização das
culturas (n. 28). Responder à necessidade de evangelizar para além de nossas
fronteiras.
Linhas pastorais
92. A respeito da
vida consagrada, esta IV Conferência assinala os seguintes compromissos e
linhas de ação pastoral:
- Reconhecer a vida
consagrada como um dom para nossas Igrejas particulares.
- Fomentar a
vocação à santidade nas religiosas e religiosos, valorizando sua vida por sua
própria existência e testemunho. Por isso queremos respeitar e fomentar a
fidelidade a cada carisma fundacional como contribuição à Igreja.
- Dialogar nas
comissões mistas e em outros organismos previstos no Documento da Santa Sé Mutuae relationes para responder às
diversas tensões e conflitos a partir da comunhão eclesial. Queremos que em
nossos seminários se fomente o conhecimento da teologia da vida religiosa e
que, nas casas de formação dos religiosos, se dê especial importância à
teologia da Igreja particular presidida pelo bispo e, além disso, o
conhecimento da espiritualidade específica do sacerdote diocesano.
- Queremos apoiar
as iniciativas dos Superiores Maiores em favor de uma formação inicial e
permanente e de um acompanhamento espiritual dos religiosos e religiosas para
que estes possam responder aos desafios da Nova Evangelização. Trataremos de
estimular um espírito missionário que desperte nos religiosos o desejo de
servir para além de "nossas fronteiras."
- Apoiar e assumir
o ser e a presença missionária dos religiosos na Igreja particular sobretudo
quando sua opção pelos pobres os leva a postos de vanguarda de maior
dificuldade ou de inserção mais comprometida.
93. Procurar que os
religiosos e religiosas que se encontram trabalhando pastoralmente na Igreja
particular o façam sempre em perfeita comunhão com o bispo e os presbíteros.
1.3.4. Os fiéis leigos na Igreja e no mundo
94. O Povo de Deus
está constituído em sua maioria por fiéis leigos. Eles são chamados por Cristo
como Igreja, agentes e destinatários da Boa Nova da Salvação, a exercer no
mundo, vinha de Deus, uma tarefa evangelizadora indispensável. A eles se
dirigem hoje as palavras do Senhor "Ide também vós para a vinha" (Ml
20, 3-4) e estas outras: “Ide por todo o mundo, proclamai o Evangelho a toda
criatura"(Mc 16,15; tf ChL33).
Como conseqüência
do batismo os fiéis estão inseridos em Cristo e são chamados a viver o tríplice
ministério sacerdotal, profético e real. Esta vocação deve ser fomentada
constantemente pelos pastores das Igrejas particulares.
a) Os leigos hoje em nossas Igrejas
95. Hoje, como
sinal dos tempos, vemos um grande número de leigos comprometidos com a Igreja que
exercem diversos ministérios, serviços e funções nas comunidades eclesiais de
base ou atividades nos movimentos eclesiais. Cresce sempre mais a consciência
de sua responsabilidade no mundo e na missão ad gentes. Os pobres evangelizam os pobres.
Os fiéis leigos
comprometidos manifestam uma sentida necessidade de formação e de
espiritualidade.
%. Comprova-se,
porém, que a maior parte dos batizados ainda não tomou plena consciência de sua
pertença à Igreja. Sentem-se católicos, mas não Igreja. Poucos assumem os
valores cristãos cromo elemento de sua identidade cultural, não sentindo a
necessidade de um compromisso eclesial e evangelizador. Como conseqüência
disto, o mundo do trabalho, da política, da economia, d.e ciência, da arte, da
literatura e dos meios de comunicação social não são guiados por critérios
evangélicos. Assim se explica a incoerência entre a fé que dizem professar e o
compromisso real na vida (cf. Puebla 783).
Também se comprova
que os leigos nem sempre são adequadamente acompanhados pelos Pastores no
descobrimento e amadurecimento de sua própria vocação.
A persistência de
certa mentalidade clerical nos numerosos agentes de pastoral, clérigos e
inclusive leigos (cf. Puebla 784), a dedicação preferencial de muitos leigos a
tarefas intra-eclesiais e -uma deficiente formação, privam-nos de dar respostas
eficazes aos desafios atuais da sociedade.
b) Os desafios para os leigos
97. As urgências do
momento presente na América Latina e no Caribe reclamam:
Que todos os leigos
sejam protagonistas da Nova Evangelização, da Promoção Humana e da Cultura
Cristã. É necessária a constante promoção do laicado, livre de todo
clericalismo e sem te dação ao intra-eclesial.
Que os batizados
não evangelizados sejam os principais destinatários da Nova Evangelização.
Esta só será efetivamente levada a cabo se os leigos, conscientes de seu
batismo, responderem ao chamado de Cristo a que se convertam em protagonistas
da Nova Evangelização.
No marco da
comunhão eclesial, urge um esforço de favorecer, a busca de Santidade dos
leigos e o exercício de sua missão.
c) Principais linhas pastorais
98. Incrementar uma
vivência da Igreja-comunhão, que nos leve à co-responsabilidade na ação da
Igreja. Fomentar a participação dos leigos nos Conselhos Pastorais, nos
diversos níveis da estrutura eclesial. Evitar que os leigos reduzam sua ação
ao âmbito intra-eclesial, impulsionando-os a penetrar os ambientes sócio
culturais e a serem eles os protagonistas da transformação da sociedade à luz
do Evangelho e da Doutrina Social da Igreja. Promover os conselhos de leigos,
em plena comunhão com os pastores e adequada autonomia, como lugares de
encontro, diálogo e serviço, que contribuam ao fortalecimento da unidade, da
espiritualidade e da organização do laicato. Estes conselhos de leigos também
são espaços de formação e podem estabelecer-se em cada diocese na Igreja de
cada pais e abarcar tanto os movimentos de apostolado como os leigos que,
estando comprometidos com a Evangelização, não estão integrados em grupos
apostólicos.
99. Incentivar uma
formação integral, gradual e permanente dos leigos mediante organismos que
facilitem "a formação de formadores" e programem cursos e escolas
diocesanas e nacionais, dispensando particular atenção à formação dos pobres
(cf. ChL 63).
Os pastores
procuraremos, como objetivo pastoral imediato, fomentar a preparação de leigos
que se sobressaiam no campo da educação, da política, dos meios de comunicação
social, da cultura e do trabalho. Estimularemos uma pastoral específica para
cada um destes campos, de maneira que os que nelas estiverem presentes sintam
todo o respaldo de seus pastores. Estarão incluídos também os militares a quem
corresponde sempre estar a serviço da liberdade, da democracia e da paz dos
povos (cf. GS 79).
Tendo presente que
a santidade é um chamado a todos os cristãos, os pastores procurarão os meios
adequados que favoreçam aos leigos uma autêntica experiência de Deus.
Incentivarão também publicações específicas de espiritualidde laical.
100. Favorecer a
organização dos leigos em todos os níveis da estrutura pastoral, baseada nos
critérios de comunhão e participação, respeitando "a liberdade de
associação dos fiéis leigos na Igreja" cf. ChL 29-30)
d) Ministérios conferidos aos leigos
101· O documento de
Puebla recolheu a experiência do Continente no que diz respeito aos ministérios
conferidos aos leigos e deu orientações claras para que, de acordo com os
carismas de cada pessoa e as necessidades de cada comunidade, se fomentasse
"uma especial criatividade no estabelecimento de ministérios e serviços
que possam ser exercidos por leigos, de acordo com as necessidades da
evangelização" (P 833; c£ 804-805; 811-817).
O Sínodo dos Bispos
em 1987 e a Exortação apostólica Christifideles
laici têm insistido na importância de mostrar que estes ministérios
"têm seu fundamento sacramental no batismo e na confirmação" (ChL
23).
Fiéis às
orientações do Santo Padre, queremos continuar fomentando estas experiências
que dão ampla margem de participação aos leigos (cf. ChL 21-23) e respondem às
necessidades de muitas comunidades que, sem esta valiosa colaboração,
careceriam de todo acompanhamento na catequese, na oração e na animação de seus
compromissos sociais e caritativos.
Consideramos que
"novas expressões e novos métodos" para nossa missão evangelizadora
encontram amplos campos de realização em "ministérios, oficias e
funções" (ChL 23) que possam desempenhar alguns leigos cuidadosamente
escolhidos e preparados. Uma forma adequada poderia ser que a uma família
completa se entregasse à tarefa pastoral de animar outras famílias,
preparando-se devidamente para este ofício.
e) Os movimentos e associações de Igreja
102. Como resposta
às situações de secularismo, ateísmo, indiferença religiosa e como fruto da
aspiração e necessidade do religioso (cf. ChL 4), o Espírito Santo tem
impulsionado o nascimento de movimentos e associações de leigos que já têm
produzido muitos frutos em nossas Igrejas.
Os movimentos dão
importância fundamental à Palavra de Deus, à oração em comum e atenção especial
à ação do Espírito. Há casos também em que a experiência de uma fé
compartilhada segue sempre como uma necessidade de comunhão cristã de bens como
primeiro passo para uma economia de solidariedade.
As associações de
apostolado são legítimas e necessárias (cf. AA 18); seguindo a orientação do
Concílio, confere-se um lugar especial para a ação católica por sua vinculação
profunda à Igreja particular (cf. AA 20; ChL 31).
Ante os riscos de
alguns movimentos e associações que possam chegar a fecharem-se sobre si mesmos,
é particularmente urgente ter em conta os "critérios de
eclesialidade" indicados na exortação pós-sinodal Christifideles Iaici n.30. É necessário acompanhar os movimentos
em um processo de inculturação mais definido e alentar a formação de movimentos
com perfil mais latino-americano.
"A Igreja
espera muito de todos os leigos que com entusiasmo e eficácia evangélica agem
através dos novos movimentos apostólicos, que estejam sendo coordenados na
pastoral de conjunto e que respondam "à necessidade de uma maior presença
da fé na vida social" (João Paulo II, DI 27).
f) Leigos, Linha pastoral prioritária
103. A importância
da presença dos leigos na tarefa da Nova Evangelização que conduz à promoção
humana e chega a informar todo o âmbito da cultura com a força do Ressuscitado,
nos permite afirmar que uma linha prioritária de nossa pastoral, fruto desta IV
Conferência, há de ser a de uma Igreja na qual os fiéis cristãos leigos sejam
protagonistas. Um laicato, bem estruturado com uma formação permanente, maduro
e comprometido, é o sinal de Igrejas particulares que têm tomado muito a sério
0 compromisso da Nova Evangelização
1.3.5. As mulheres
104. Em Cristo,
plenitude dos tempos, a igualdade e complementaridade com que o homem e a
mulher foram criados (cf. Gn 1,27) se faz possível, já que "não há homem
nem mulher, porque todos vós sois um em Cristo Jesus"(Gl 3, 26-29). Jesus
acolheu as mulheres, lhes devolveu a dignidade e lhes confiou, depois de sua
ressurreição, a missão de anunciá-1o. (cf. MD 16). Cristo, "nascido de
mulher" (G1 4,4) nos dá Maria que "precede a Igreja mostrando em
forma eminente e singular o modelo de virgem e de mãe" (LG 63). Ela é
protagonista da história por sua cooperação livre, levada à máxima
participação com Cristo (cf. P 283). Maria tem representado um papel muito
importante na evangelização das mulheres latino-americanas e tem feito delas
evangelizadoras eficazes, como esposas, mães, religiosas, trabalhadoras,
camponesas, profissionais. Continuamente lhes inspira a fortaleza para dar a
vida, debruçar-se ante a dor, resistir e dar esperança quando a vida está mais
ameaçada, encontrar alternativas quando os caminhos se fecham, como
companheira ativa, livre e animadora da sociedade.
I. Situação
105. Em nosso
tempo, a sociedade e a Igreja têm crescido em consciência da igual dignidade e
missão da mulher e do homem. Ainda que teoricamente se reconheça esta
igualdade, na prática freqüentemente é ela desconhecida. A Nova Evangelização
deve ser promotora decidida e ativa da dignidade da mulher. Isto supõe
aprofundar o papel da mulher na Igreja e na Pastoral. Hoje se difundem diversas
posições reducionistas sobre a natureza e missão da mulher: nega-se sua
específica dimensão feminina, reduz-se a mulher em sua dignidade e direitos,
converte-se a mulher em objeto de prazer, com um papel secundário na vida
social. Ante isto queremos propor a doutrina evangélica sobre a dignidade e
vocação da mulher, sublinhando seu papel "como mãe, defensora da vida e
educadora do lar" (cf. P 846).
106. Na família e
na construção do mundo, hoje, ganha terreno uma maior solidariedade entre
homens e mulheres, mas fazem falta passos mais concretos rumo à igualdade real
e à descoberta de que ambos se realizam na reciprocidade.
Tanto na família
como nas comunidades eclesiais e nas diversas organizações de um país, as
mulheres são quem mais se comunicam, sustentam e promovem a vida, a fé e os
valores. Elas têm sido durante séculos "o anjo da guarda da alma cristã do
continente" (João Paulo II, Homilia em S. Domingo, 11.10.92 n.9). Este
reconhecimento se choca escandalosamente com a freqüente realidade de sua
marginalização, dos perigos aos quais se submete sua dignidade, da violência da
qual muitas vezes é objeto. Àquela que dá e defende a vida é negada uma vida
digna. A Igreja se sente chamada a estar do lado da vida e defendê-1a na
mulher.
2. Compromissos pastorais
107. Consideramos
urgentes estas linhas de ação:
Denunciar
abertamente as violações às mulheres latino-americanas e caribenhas, sobretudo
as camponesas, indígenas, afro-amencanas, migrantes e operárias, inclusive as
violências que se cometem pelos meios de comunicação social contra sua dignidade.
Promover a formação integral para que haja verdadeira conscientização da
dignidade comum do homem e da mulher. Anunciar profeticamente o ser verdadeiro
da mulher, retirando do Evangelho a luz e a esperança do que ela é em
plenitude, sem reduzi-1a a modalidades culturais transitórias. Criar espaços
para que a mulher possa descobrir seus próprios valores, apreciá-los e
oferecê-los abertamente à sociedade e à Igreja.
108. Desenvolver a
consciência dos sacerdotes e dirigentes leigos para que aceitem e valorizem a
mulher na comunidade eclesial e na sociedade, não só pelo que elas fazem, mas,
sobretudo, pelo que elas são. Fomentar uma atitude de análise crítica ante as
mensagens dos meios de comunicação sobre os estereótipos que tais meios
apresentam sobre a feminilidade. Discernir à luz do Evangelho de Jesus os
movimentos que lutam pela mulher partindo de distintas perspectivas, para
potenciar seus valores, iluminar o que pode parecer confuso e denunciar o que
resulta contrário à dignidade humana. Ao ler as escrituras, anunciar com força
o que o Evangelho significa para a mulher e desenvolver uma leitura da Palavra
de Deus que descubra os traços que a vocação feminina confere ao plano da
salvação.
109. Criar na
educação novos símbolos e linguagens que não reduzam ninguém à categoria de
objeto, mas que resgatem o valor de cada um como pessoa, e evitar nos programas
educativos conteúdos que discriminem a mulher, reduzindo sua dignidade e identidade.
É importante pôr em prática programas de educação para o amor e educação sexual
na perspectiva cristã, buscar caminhos para que se dêem entre o homem e a
mulher relações interpessoais baseadas no mútuo respeito e apreço, o reconhecimento
das diferenças, o diálogo e a reciprocidade. É preciso incorporar as mulheres
no processo de decisões responsáveis em todos os âmbitos: na fama e na
sociedade. Urge contar com a liderança feminina e promover a presença da mulher
na organização e animação da Nova Evangelização da América Latina e do Caribe.
É necessário estimular uma pastoral que promova as mulheres indígenas no campo
social, educativo e político.
110. Denunciar tudo
aquilo que atentando contra a vida afete a dignidade da mulher como o aborto, a
esterilização, os programas antinatalistas, a violência nas relações sexuais;
favorecer os meios que garantam uma vida digna para as mulheres mais expostas:
empregadas domésticas, migrantes, camponesas, indígenas, afro-americanas,
trabalhadoras humildes e exploradas; intensificar e renovar o acompanhamento
pastoral a mulheres em situações difíceis: separadas, divorciadas, mães
solteiras, meninas e mulheres prostituídas por causa da fome, do engano e do
abandono.
1.3.6. Os adolescentes e os jovens
111. Jesus
percorreu as etapas da vida de toda pessoa humana: infância, adolescência,
juventude, idade adulta. Ele se revela como o caminho, a verdade e a vida (Jo
14,S). Ao nascer assumiu a condição de menino pobre e submisso a seus pais,
recém-nascido foi perseguido (Ml 2,13). Jesus, revelação do Pai que quer a
vida em abundância (cf. Jo 10,10), devolve a vida a seu amigo Lázaro (Jo 11),
ao jovem filho da viúva de Naim (cf. Lc 7,17) e à jovem filha de Jairo (cf. Mc
5,21-43). Ele continua hoje chamando os jovens para dar sentido a suas vidas.
A missão dos
adolescentes e jovens na América Latina "que caminham para o terceiro
milênio cristão é preparar-se para ser os homens e mulheres do futuro,
responsáveis e ativos nas estruturas sociais, culturais e eclesiais, para que
incorporados pelo Espírito de Cristo e por seu talento em conseguir soluções
originais, contribuam para a conquista de um desenvolvimento cada vez mais
humano e mais cristão" (c£ Discurso do Papa em Higuey, 4).
1. Situação
112. Muitos jovens
são vítimas do empobrecimento e da marginalização social, do desemprego e do
subemprego, de uma educação que não responde às exigências de suas vidas, do
narcotráfico, da guerrilha, das gangues, da prostituição, do alcoolismo, de
abusos sexuais. Muitos vivem adormecidos pela propaganda dos meios de
comunicação social e alienados por imposições culturais, e pelo pragmatismo
imediatista que tem gerado novos problemas no processo de amadurecimento
afetivo dos adolescentes e dos jovens.
Por outro lado,
constatamos que há adolescentes e jovens que reagem ao consumismo imperante e
se sensibilizam com as fraquezas das pessoas e com a dor dos mais pobres.
Buscam inserir-se na sociedade, repudiando a corrupção e gerando espaços de
participação genuinamente democráticos. Cada vez são mais os que se reúnem em
grupos, movimentos e comunidades eclesiais para orar e realizar distintos
serviços de ação missionária e apostólica. Os adolescentes e os jovens estão
povoados de interrogações vitais e representam o desafio de montar um projeto
de vida pessoal comunitário que dê sentido a suas vidas, para assim
lograr a realização
de suas capacidades. Encarnam o desafio de ser acompanhados em seus caminhos de
crescimento na fé e trabalho eclesial e preocupações de transformação
necessária da sociedade por meio de uma pastoral orgânica.
113. Na Igreja da
América Latina, os jovens católicos organizados em grupos, pedem aos pastores
acompanhamento espiritual e apoio em suas atividades, mas necessitam sobretudo
em cada país de linhas pastorais claras que contribuam para uma pastoral
juvenil orgânica.
2. Compromissos pastorais
114. Nós nos
propomos executar as seguintes ações pastorais:
- Reafirmar a
"opção preferencial" pelos jovens proclamada em Puebla, não só de
modo afetivo mas também efetivamente; isto deve significar uma opção concreta
por uma pastoral juvenil orgânica, onde haja um acompanhamento e apoio real com
diálogo mútuo entre jovens, pastores e comunidades. A efetiva opção pelos
jovens exige maiores recursos pessoais e materiais por p3rte das paróquias e
das dioceses. Esta pastoral juvenil deve ter sempre uma dimensão vocacional.
115. Para cumpri-1a
propomos uma ação pastoral:
- Que responda às necessidades
de amadurecimento afetivo e à necessidade de acompanhar os adolescentes e
jovens em todo 0 processo de formação humana e crescimento da fé. Será preciso
dar especial importância ao sacramento da Confirmação, para que sua celebração
leve os jovens ao compromisso apostólico e a ser evangelizadores de outros
jovens.
- Que capacite para
conhecer e responder criticamente aos impactos culturais, sociais que recebem e
os ajude a comprometer-se na pastoral da Igreja, nas necessárias
transformações da sociedade.
116. - Que dinamize
uma espiritualidade do seguimento de Jesus que propicie o encontro entre a fé e
a vida, que seja promotora da justiça, da solidariedade e que anime um projeto
promissor e gerador de uma nova cultura de vida.
117. - Que assuma as
novas formas celebrativas da fé, próprias da cultura dos jovens; fomente a
criatividade e a pedagogia dos sinais, respeitando sempre os elementos
essenciais da liturgia.
118. - Que anuncie
nos compromissos assumidos e na vida cotidiano que o Deus da vida ama aos
jovens e quer para eles um futuro diferente sem frustrações nem
marginalizações, onde a vida plena seja fruto acessível a todos.
119. - Que abra aos
adolescentes e jovens espaços da participação na Igreja. Que o processo
educativo se realize através de uma pedagogia experiencial, participativa e
transformadora. Que promova o protagonismo através da metodologia do ver,
julgar, agir, revisar e celebrar. Tal pedagogia tem de integrar o crescimento
da fé no processo de crescimento humano, tendo em conta os diversos elementos,
como o esporte, a festa, a música, o teatro. - Esta pastoral deve pretender
fortalecer todos os processos orgânicos válidos e definidamente analisados pela
Igreja, desde Puebla até hoje. Cuidará especialmente de dar relevância à pastoral
juvenil de meios específicos, onde vivem e atuam os adolescentes e os jovens:
camponeses, indígenas, afro-americanos, trabalhadores, estudantes, habitantes
de periferias urbanas marginalizados, militares e jovens em situações críticas.
- A Igreja, com sua
palavra e seu testemunho, deve antes de tudo apresentar Jesus Cristo aos
adolescentes e aos jovens de modo atrativo e motivador, de modo que seja para
eles o caminho, a verdade e a vida que responda a seus anseios de realização
pessoal e a suas necessidades de encontrar sentido na mesma vida.
120. Para responder
à realidade cultural atual, a pastoral juvenil deverá apresentar, com força e
de um modo atraente e acessível à vida dos jovens, os ideais evangélicos.
Deverá favorecer a criação e animação de grupos, comunidades juvenis vigorosas
e evangélicas, que assegurem a continuidade e perseverança dos processos
educativos dos adolescentes e jovens, e os sensibilizem e comprometam a
responder aos desafios da promoção humana, da solidariedade e da construção da
civilização do amor.
1.4. Para anunciar
o Reino a todos os povos
121. Cristo nos
revela o Pai e nos introduz no Mistério da vida trinitária pelo Espírito. Tudo
passa por Cristo, que se faz caminho, verdade e vida. Pelo batismo recebemos a
filiação divina. Tendo sido feitos filhos de Deus, todos os povos da América
Latina fomos feitos também irmãos entres nós.
Fomos introduzidos
no Mistério da comunhão trinitária, porque Cristo se fez um de nós, assumindo a
condição de servo e tudo o que a nossa condição humana implica, menos o pecado,
para transformá-1a, vivificá-1a, fazê-la cada vez mais humana e divina. Desta
maneira, Cristo agora entra no coração de nossos povos, assume-os e
transforma-os.
Ao incorporar-nos a
Ele, comunica-nos sua vida amorosa, como a videira aos ramos, infundindo-nos
seu Espírito, que nos faz capazes de perdoar, de amar a Deus sobre todas as
coisas e a todos os irmãos sem distinção de raça, nação ou situação econômica.
Jesus Cristo é assim a semente de uma nova humanidade reconciliada.
122. Na América
Latina, são muitos os que vivem na pobreza, que com frequência desce a níveis
escandalosos. Entretanto, inseridos em situações-limite, somos capazes de
amar-nos, de viver unidos apesar de nossas diferenças e de comunicar ao mundo
inteiro nossa acendrada experiência de fraternidade.
123. Com alegria
testemunhamos que em Jesus Cristo temos a libertação integral para cada um de
nós e para nossos povos; libertação do pecado, da morte e da escravidão feita
de perdão e reconciliação.
Jesus Cristo nos
convoca em sua Igreja, que é sacramento de comunhão evangelizadora. Nela
devemos viver a unidade de nossas Igrejas na caridade, comunicando e anunciando
essa comunhão a todo o mundo com a Palavra, com a Eucaristia e com os demais sacramentos. A Igreja vive para
evangelizar, sua vida e vocação se realizam quando se faz testemunho, quando
provoca a conversão e conduz os homens e as mulheres à salvação (cf. EN 15).
"Assim, pois, desde o dia em que os Apóstolos receberam o Espírito Santo,
a Igreja recebeu a tarefa de evangelização (DI2).
124. Jesus Cristo
nos dá a vida para comunicá-1a a todos. Nossa missão exige de nós, que, unidos
a nossos povos, estejamos abertos para receber esta vida em plenitude, para
comunicá-la abundantemente às Igrejas a nós encomendadas, e também
além de nossas fronteiras. Pedimos perdão por nossas fragilidades e imploramos
a graça do Senhor, para cumprir, mais eficazmente, a missão que recebemos.
Convidamos a todos para que, renovados no Espírito, anunciem também a Jesus
Cristo e se convertam em missionários da vida e da esperança para todos nossos
irmãos.
A Nova
Evangelização tem que ser capaz de despertar um novo fervor missionário em uma
Igreja cada vez mais arraigada "na força e no poder perene de
Pentencostes" (cf. EN 41).
1.4.1. Que se lance à missão "ad gentes"
125. Nascida do
amor salvífico do Pai, a missão do Filho com a força do Espírito Santo (cf. Lc
4,18), essência da Igreja (cf. AG 2) e objeto fundamental desta IV Conferência,
é para nós nosso principal objetivo.
João Paulo II, em
sua encíclica missionária, levou-nos a discernir três modos de realizar essa
missão: a atenção pastoral em situações de fé viva, a Nova Evangelização e a
ação missionária "ad gentes" (cf. RMi 33).
Renovamos este
último sentido da missão, sabendo que não pode haver Nova Evangelização sem
projeção para o mundo não cristão, pois, como nota o Papa: "A Nova
Evangelização dos povos cristãos encontrará inspiração e apoio no compromisso
pela missão universal" (RMi 2).
Podemos dizer com
satisfação que o desafio da missão "ad gentes", proposta por Puebla,
foi assumido a partir de nossa pobreza, compartilhando a riqueza da fé com que
o Senhor nos tem abençoado. Reconhecemos, porém, que a consciência missionária
"ad gentes" ainda é insuficiente ou &ágil.
Os Congressos
Missionários Latino-americanos (COMLAS), os Congressos missionários nacionais,
os grupos e movimentos missionários e a ajuda de Igrejas irmãs, têm sido um
incentivo para tomar consciência desta exigência evangélica.
Desafios pastorais
126. - Não se tem
insistido o suficiente em que sejamos melhores evangelizadores.
- Nós nos fechamos
em nossos próprios problemas locais, esquecendo nosso compromisso apostólico
com o mundo não cristão. - Descarregamos nosso compromisso missionário em
alguns de nossos irmãos e irmãs, que os cumprem por nós.
127. Causa do que
se descreveu é a carência de um explicito programa de formação missionária na
maioria dos seminários e casas de formação.
Linhas pastorais
128. Convidamos
cada Igreja particular do continente latino-americano para que:
- Introduza em sua
pastoral ordinária a animação missionária, apoiada em um centro missionário
diocesano, sustentado por uma equipe missionária, movido por uma
espiritualidade viva para uma ação missionária, criativa e generosa.
- Estabeleça uma
relação positiva com as Obras Missionárias Pontifícias, que devem ter um
responsável eficaz e o apoio da Igreja particular.
- Promova a
cooperação missionária de todo o Povo de Deus, traduzida em oração, sacrifício,
testemunho de vida cristã e ajuda econômica.
- Integre nos
programas de formação sacerdotal e religiosa cursos específicos de missiologia
e instrua os candidatos ao sacerdócio sobre a importância da inculturação do
Evangelho. - Forme agentes de pastoral autóctones, com espírito missionário na
linha assinalada pela Encíclica Redemptoris
Missio.
- Assuma com
valentia o envio missionário, tanto de sacerdotes como de religiosos e leigos.
Coordene os recursos humanos e materiais que fortaleçam os processos de formação,
envio, acompanhamento e reinserção dos missionários.
1.4.2. Que vivifique a fé dos batizados afastados
129. Nosso Deus é o
Pai rico em misericórdia. Ele respeita a liberdade de seus filhos e filhas e
espera o tempo do retorno saindo ao encontro daqueles que se afastaram de sua
casa (cf. Lc 15).
Desafios pastorais
130. Na América
Latina e no Caribe, numerosos batizados não orientam sua vida segundo o
Evangelho.
Muitos deles se
afastam da Igreja, ou não se identificam com ela. Entre esses, ainda que não exclusivamente,
há muitos jovens e pessoas mais críticas da ação da Igreja. Há outros que,
tendo imigrado de suas regiões de origem, se desenraízam de seu ambiente
religioso.
Linhas pastorais
131. Como pastores
da Igreja isto nos preocupa. Ao mesmo tempo nos dói ver como muitos de nossos
fiéis não são capazes de comunicar aos demais a alegria de sua fé. Jesus Cristo
nos pede que sejamos o sal da terra , o fermento na massa. Por isso, a Igreja,
pastores e fiéis, sem descuidar da atenção aos mais próximos, deve sair ao
encontro dos que estão afastados.
Muitas portas
destes irmãos afastados esperam o chamado do Senhor (cf. Ap 3,20) através dos
cristãos que, assumindo missionariamente seu batismo e confirmação, saem ao
encontro daqueles que se afastaram da casa do Pai. Por isso sugerimos:
- Promover um novo
impulso missionário em direção a estes fiéis, indo-lhes ao encontro. A Igreja
não deve ficar tranqüila com os que a aceitam e a seguem com maior facilidade.
- Pregar-lhes o
querigma de uma forma viva e alegre.
- Organizar
campanhas missionárias que descubram a novidade sempre atual de Jesus Cristo,
dentre as quais podem-se destacar as visitas domiciliares e as missões
populares.
- Aproveitar os
momentos de contato que os batizados mantêm com a Igreja, tais como o batismo
de seus filhos, a primeira comunhão, a confirmação, a enfermidade, o
matrimônio, as exéquias, para manifestar-lhes a novidade sempre atual de Jesus
Cristo.
- Buscar através
dos meios de comunicação social proximidade com aqueles que não podem ser
alcançados diretamente.
- Motivar e animar
as comunidades e movimentos eclesiais para que redobrem seu serviço
evangelizador dentro da orientação pastoral da Igreja local.
1.4.3. Que reúne a todos os irmãos em Cristo
132. "Pai, que
todos sejam um como Tu e eu somos um, para que o mundo creia que Tu me
enviaste" (Jo 17,21). Esta súplica de Cristo justifica a denúncia do
concílio Vaticano II, ao apontar o escândalo da divisão dos cristãos (cf. UR
1), e exige que encontremos os caminhos mais eficazes para alcançar a unidade
na verdade.
Desafios pastorais
133. - O grande
desafio em que nos encontramos é a divisão entre os cristãos, divisão que se
agravou por diversos motivos ao longo da história.
- A existência de
uma confusão sobre este tema, fruto de uma deficiente formação religiosa e de
outros fatores.
- O fundamentalismo
proselitista de grupos cristãos sectários que dificultam o são caminho do
ecumenismo.
134. Em situação
similar à dos cristãos separados, podemos situar todo o povo judeu. Também com
eles o diálogo é desafio para a nossa Igreja.
Linhas pastorais
135. - Por isso
também nós, com o Papa João Paulo II, dizemos: "O ecumenismo é uma
prioridade na pastoral da Igreja do nosso tempo". Para dar uma resposta
adequada a este desafio sugerimos:
- Consolidar o
espírito e o trabalho ecumênico na verdade, na justiça e na caridade.
Aprofundar as relações de convergência e diálogo com as Igrejas que rezam
conosco o Credo Niceno-Constantinopolitano, partilham dos mesmos sacramentos e
da veneração por Santa Maria, a Mãe de Deus, ainda que não reconheçam o primado
do Romano Pontífice.
- Intensificar o
diálogo teológico ecumênico.
- Avivar a oração
em comum pela unidade dos cristãos e, de modo particular, a semana de oração
pela unidade dos que crêem.
- Promover a
formação ecumênica em cursos de formação para agentes de pastoral,
principalmente nos seminários.
- Estimular o
estudo da Bíblia entre os teólogos e estudiosos da Igreja e das denominações
cristãs.
- Manter e reforçar
programas e iniciativas de cooperação conjunta no campo social e na promoção
dos valores comuns.
- valorizar a seção
de Ecumenismo do CELAM (SECUM) e colaborar com suas iniciativas.
1.4.4. Diálogo com as religiões não-cristãs
136. "Deus,
num diálogo que dura ao longo dos séculos, ofereceu e continua oferecendo a
salvação à humanidade. Para ser fiel à iniciativa divina, a Igreja deve entrar
no diálogo da salvação com todos" (Diálogo e Anúncio, 38). Ao promover
esse diálogo, a Igreja sabe bem que ele tem um caráter de testemunho dentro do
respeito à pessoa humana e à identidade do interlocutor (cf. P 1114)).
Desafios pastorais
137. A importância
de aprofundar um diálogo com as religiões não-cristãs presentes em nosso
continente, particularmente as indígenas e afro-americanas, durante muito tempo
ignoradas ou marginalizadas.
A existência de
preconceitos e incompreensões como obstáculo para o diálogo.
Linhas pastorais
138. Para
intensificar o diálogo inter-religioso consideramos importante:
- Levar a cabo uma
mudança de atitude de nossa parte, deixando para trás preconceitos históricos,
para criar um clima de coo fiança e proximidade.
- Promover o
diálogo com judeus e muçulmanos, em que pesem as dificuldades que sofre a
Igreja nos países onde essas religiões são majoritárias.
-Aprofundar nos agentes
de pastoral o conhecimento do judaísmo e do islamismo.
- Favorecer nos
agentes de pastoral o conhecimento das outras religiões e formas religiosas
presentes no Continente.
- Promover ações em
favor da paz, da promoção e defesa da dignidade humana, bem como a cooperação
em defesa da criação e do equilíbrio ecológico, como uma forma de encontro com
outras religiões.
- Buscar ocasiões
de diálogo com as religiões afro-americanas e dos povos indígenas, atentos a
descobrir nelas as "sementes do Verbo", com verdadeiro discernimento
cristão, oferecendo-lhes o anúncio integral do Evangelho e evitando qualquer
forma de sincretismo religioso.
1.4.5. As seitas fundamentalistas
139. O problema das
seitas adquiriu proporções dramáticas e chega a ser verdadeiramente preocupante
sobretudo pelo crescente proselitismo.
140. As seitas
fundamentalistas são grupos religiosos que insistem que somente a fé em Jesus
Cristo salva e que a única base da fé é a Sagrada Escritura, interpretada de
modo pessoal e fundamentalista, com exclusão da Igreja, portanto, e
insistência na iminência do fim do mundo e juízo próximo.
Caracterizam-se por
seu afã proselitista mediante insistentes visitas domiciliares, grande difusão
de Bíblias, revistas e livros; a presença e ajuda oportunista em momentos
críticos da vida das pessoas ou da
Família e uma grande capacidade técnica no uso dos meios de comunicação social.
Contam com uma poderosa ajuda financeira proveniente do estrangeiro e do dízimo
obrigatoriamente pago por todos os adeptos.
Distinguem-se por
um moralismo rigoroso, por reuniões de oração com um culto participativo e
emotivo, baseado na Bíblia, e por sua agressividade contra a Igreja, valendo-se
freqüentemente da calúnia e do suborno. Ainda que seu compromisso com o
temporal seja débil, orientam-se para a participação política em vista à tomada
do poder.
A presença dessas
seitas religiosas fundamentalistas na América Latina aumentou de maneira
extraordinária de Puebla até os nossos dias.
Desafios pastorais
141. Dar uma
resposta pastoral eficaz ante o avanço das seitas, tornando mais presente a
ação evangelizadora da Igreja nos setores mais vulneráveis, como migrantes,
populações sem atenção sacerdotal e com grande ignorância religiosa, pessoas
simples ou com problemas materiais e familiares.
Linhas pastorais
142. Que a Igreja
seja cada vez mais comunitária e participativa, e com comunidades eclesiais,
grupos de famílias, círculos bíblicos, movimentos e associações eclesiais,
fazendo da paróquia uma comunidade de comunidades.
- Provocar nos
católicos a adesão pessoal a Cristo e à Igreja pelo anúncio do Senhor
ressuscitado.
- Desenvolver uma
catequese que instrua devidamente o povo, explicando o mistério da Igreja,
sacramento de salvação e comunhão, a mediação da Virgem Maria e dos santos e a
missão da hierarquia.
- Promover uma
Igreja ministerial com o aumento de ministros ordenados e a promoção de
ministros leigos devidamente formados para impulsionar o serviço evangelizador
em todos os setores do Povo de Deus.
143. - Garantir a
identidade da Igreja, cultivando aspectos que lhe são característicos como:
a) A devoção ao
Mistério da Eucaristia, sacrifício e banquete P;
b) A devoção à
Santíssima Virgem, Mãe de Cristo e Mãe da Igreja;
c) A comunhão e a
obediência ao Romano Pontífice e ao próprio bispo;
d) A devoção à
Palavra de Deus lida na Igreja.
144. - Procurar que
em todos os planos de pastoral a dimensão contemplativa e a santidade sejam
prioridade, a fim de que a Igreja possa fazer-se presença de Deus para o homem
contemporâneo que tem tanta sede dele.
145. - Criar
condições para que todos os ministros do Povo de Deus dêem testemunho de vida e
caridade, espírito de serviço, capacidade de acolhida, sobretudo em momentos
de dor e de crise.
- Promover uma
liturgia viva, participativa e com repercussão na vida.
146. - Instruir o
povo amplamente, com serenidade e objetividade, sobre as características e
diferenças das diversas seitas e sobre as respostas às injustas acusações
contra a Igreja.
- Promover visitas
familiares com leigos preparados e organizar a pastoral do retorno para acolher
os católicos que regressam à Igreja.
1.4.6. Novos movimentos religiosos ou movimentos
religiosos Livres
147.
Fenomenologicamente, trata-se de fatos sócio-culturais protagonizados por
setores marginalizados e também camadas médias e abastadas na América Latina,
que através de formas religiosas geralmente sincréticas conseguem expressar sua
identidade e aspirações humanas. Do ponto de vista da fé católica, esses
fenômenos podem ser considerados como sinais dos tempos, e também como
advertência de que existem ambientes humanos dos quais a Igreja está ausente e
onde deve rearticular sua ação evangelizadora.
Cabe distinguir várias correntes ou tipos de fenômeno:
- formas
paracristãs ou semicristãs, como Testemunhas de Jeová e Mórmons. Cada um destes
movimentos tem suas caraterísticas, mas em comum manifestam um proselitismo, um
milenarismo e traços organizativos empresariais;
- formas esotéricas
que buscam uma iluminação especial e compartilham conhecimentos secretos e um
ocultismo religioso. Tal é o caso de correntes espíritas, Rosas-cruzes,
gnósticos, teósofos, etc.;
- filosofias e
cultos com facetas orientais mas que rapidamente estão adequando-se ao nosso
continente, tais como Hare Krishna, a Luz Divina, Ananda Marga e outros, que
trazem um misticismo e uma experiência de comunhão;
- grupos derivados
das grandes religiões asiáticas, quer seja do budismo (seicho no lê, etc.), do
hinduísmo (yoga, etc.) ou do islã (baha'i) que não só atingem migrantes da Ásia,
mas também plantam raízes em setores de nossa sociedade;
- empresas
sócio-religiosas, como a seita Moon ou a Nova Acrópolis, que têm objetivos
ideológicos e políticos bem precisos, junto com suas expressões religiosas,
levadas a cabo mediante meios de comunicação e campanhas proselitistas, que
contam com apoio ou inspiração do primeiro mundo, e que religiosamente
insistem na conversão imediata e na cura; é onde estão as chamadas
"igrejas eletrônicas";
- uma multidão de
centros de "cura divina" ou atendimento aos mal-estares espirituais e
físicos de gente com problemas e de pobres. Esses cultos terapêuticos atendem
individualmente a seus clientes.
148. Diante da
multiplicidade de novos movimentos religiosos, com expressões muito diversas
entre si, queremos centrar nossa atenção sobre as causas de seu crescimento
(cf. P 1122) e os desafios pastorais que levantam.
149. São muitas e
variadas as causas que explicam o interesse que despertam em alguns. Entre elas
se devem assinalar:
- A permanente e
progressiva crise social que suscita certa angústia coletiva, a perda de
identidade e o desenraizamento das pessoas.
- A capacidade
destes movimentos para adaptar-se às circunstâncias sociais e para satisfazer,
momentaneamente, algumas necessidades da população. Em tudo isto não deixa de
ter certa presença a curiosidade pelo inédito.
- O distanciamento
da Igreja de setores-populares ou abastados - que buscam novos canais de
expressão religiosa, nos quais não se deve descartar uma evasão dos
compromissos da fé. Sua habilidade para oferecer aparente solução aos desejos
de "cura" por parte dos atribulados.
Desafios pastorais
150. Nosso maior
desafio está em avaliar a ação evangelizadora da Igreja e em determinar desse
modo a quais ambientes humanos chega ou não essa ação.
- Como dar uma
resposta adequada às perguntas que as pessoas se fazem sobre o sentido de sua
vida, sobre o sentido da relação com Deus, em meio à permanente e progressiva
crise social.
- Adquirir um maior
conhecimento das identidades e culturas dos nossos povos.
Linhas pastorais
151. Diante desses
desafios propomos estas linhas
pastorais:
- Ajudar no
discernimento dos problemas da vida à luz da fé. Nesse sentido, é preciso
revalorizar o sacramento da penitência e a orientação espiritual.
- Procurar adaptar
nossa evangelização e celebrações de fé às culturas e necessidades subjetivas
dos fiéis, sem falsear o Evangelho.
- Fazer uma revisão
profunda de nosso trabalho pastoral, a fim de melhorar a qualidade de nossos
meios e de nosso testemunho.
- Dar um tratamento
diferenciado aos movimentos religiosos, segundo sua índole e suas atitudes para
com a Igreja.
152. Promover uma
liturgia viva, na qual os fiéis se introduzam no mistério.
- Apresentar uma
antropologia cristã que dê o sentido da potencialidade humana, o sentido da
ressurreição e o sentido das relações com o universo (horóscopos). Não esquecer
que o indiferentismo deve ser combatido através de uma apresentação adequada do
sentido último do homem, ao que muito ajudará a apresentação dos novíssimos.
1.4.7 Chamado aos sem Deus e aos indiferentes
153. O fenômeno da
descrença cresce na América Latina e no Caribe hoje e preocupa a Igreja
sobretudo por aqueles que vivem como se não fossem batizados (cf. EN 56).
Uma modalidade é o
"secularismo" que nega a Deus, ou porque sustenta que todas as
realidades se explicam por si mesmas sem recorrer a Deus, ou porque se
considera a Deus como inimigo, alienação do homem. Esta posição secularista
deve-se distinguir do processo chamado "secularização". Este sustenta
legitimamente que as realidades materiais da natureza e do homem são em si
"boas", e suas leis devem ser respeitadas, e que a liberdade é para a
auto-realização humana e é respeitada por Deus (cf. GS 36).
O outro é o
"indiferentismo" daqueles que ou repelem toda religião porque a
consideram inútil e nociva para a vida humana e por isso não se interessam por
ela, ou sustentam que todas as religiões se equivalem e, portanto, nenhuma pode
apresentar-se como única e verdadeira.
Desafios pastorais
154. O secularismo
é um sério desafio à Nova Evangelização por considerar a Deus incompatível com
a liberdade humana (DI 11) e a religião como atitude anti-humana e alienante,
porque separa o homem de sua atividade. Além disso, negando a dependência do
Criador, conduz às idolatrias do ter, do poder e do prazer, e faz perder o
sentido da vida, reduzindo o ser humano somente ao valor material.
- O indiferentismo
oferece também um desafio à Nova Evangelização porque suprime pela raiz a
relação da criatura com Deus, ou seja, nega todo o interesse pela religião e
com isso o compromisso da fé, ou porque reduz a figura de Cristo a um mestre
de moral ou um fundador de religiões entre outras igualmente válidas,
negando-lhe o caráter de salvador único, universal e definitivo dos homens.
- Ademais, tanto o
indiferentismo como o secularismo minam a moral porque deixam o comportamento
humano sem fundamento para seu valor ético, e, por isso, facilmente caem no
relativismo e permissivismo que caracterizam a sociedade atual.
155. Muitos
movimentos pseudo-religiosos de caráter orientalista e ocultista, adivinhação e
espiritismo minam a fé e causam desconcerto nas mentes, dando soluções falsas
para as grandes interrogações do homem, seu destino, sua liberdade e o sentido
da vida. Linhas pastorais
156. A Nova
Evangelização exige de nós:
- Que nos formemos
em uma fé que se faça vida, iniciando-a com o anúncio do querigma aos que estão
no mundo descristianizado (cf. EN Sl e 52) e promovendo-a com o testemunho
alegre de autênticas comunidades de fé, nas quais nossos leigos vivam o
significado dos sacramentos.
- Que cultivemos
uma sólida consciência moral para que, nas complexas circunstâncias da vida
moderna, nossos fiéis saibam interpretar acertadamente a voz de Deus em matéria
moral e desenvolvam um evangélico sentido do pecado.
- Que eduquemos os
cristãos para ver a Deus em sua própria pessoa, na natureza, na história
global, no trabalho, na cultura, em todo o secular, descobrindo a harmonia que,
no plano de Deus, deve haver entre a ordem da criação e a da redenção.
- Que desenvolvamos
um estilo de celebração da liturgia que integre a vida dos homens numa profunda
e respeitosa experiência do insondável mistério divino da riqueza inefável.
- Que impulsionemos
uma pastoral adequada para evangelizar os ambientes universitários, onde se
formam os que irão plasmar decisivamente a cultura.
CAPÍTULO 2
A PROMOÇÃO HUMANA
157. "Entre
evangelização e promoção humana - desenvolvimento, libertação - existem de fato
laços profundos: laços de ordem antropológica,
dado que o homem que há de ser evangelizado não é um ser abstrato, mas é sim um
ser condicionado pelo conjunto dos problemas sociais e econômicos; laços de
ordem teológica, porque não se pode nunca dissociar o plano da Criação do plano
da Redenção, um e outro a abrangerem as situações bem concretas da injustiça
que há de ser combatida e da justiça a ser restaurada; laços da ordem
eminentemente evangélica, qual seja a ordem da caridade: como se poderia,
realmente, proclamar o
mandamento novo sem promover na justiça e na paz o verdadeiro e o autêntico
progresso do homem?" (EN 31).
O sentido último do
compromisso da Igreja com a promoção humana, reiteradamente pregado em seu
magistério social, está na
firme convicção de que "a verdadeira união social externa decorre da união
dos espíritos e dos corações, isto é, da fé e da caridade" (G.S. 42).
"Com a mensagem evangélica, a Igreja oferece uma força libertadora e
criadora do desenvolvimento, exatamente porque leva à conversão do coração e da
mentalidade, faz reconhecer a dignidade de cada pessoa, predispõe à
solidariedade, ao compromisso e ao serviço dos irmãos" (RMi 59),
"mantendo sempre firme a prioridade das realidades transcendentais e
espirituais, premissas da salvação escatológica" (RMi 20). Assim procedendo,
a Igreja oferece a sua participação específica à promoção humana, dever de
todos.
158. A doutrina
social da Igreja é o ensinamento do Magistério em matéria social e contém
princípios, critérios e orientações para a atuação do crente na tarefa de
transformar o mundo segundo o projeto de Deus. O ensino do pensamento social da
Igreja "faz arte da missão evangelizadora (SRS 41) e tem "o valor de
um instrumento de evangelização" (CA 54), porque ilumina a vivência
concreta de nossa fé.
2.1. A promoção
humana, dimensão privilegiada da Nova Evangelização
159. Jesus ordenou
a seus discípulos que distribuíssem o pão multiplicado à multidão necessitada,
de modo que "todos comeram e ficaram saciados" (cf Mc 6,34-44). Curou
ou os enfermos, passou a vida fazendo o bem (At 10,38 . No final dos tempos,
nos julgará no amor (cf. Ml 25).
Jesus é o bom
samaritano (Lc 10, 25-37) que encarna a caridade e não só se comove, mas se
transforma em ajuda eficaz, Sua ação é motivada pela dignidade de todo homem,
cujo fundamento está em Jesus Cristo como Verbo criador (Jo 1,3), encarnado
(cf. Jo 1,14). Como indicava a Gaudium et
Spes: "O mistério do homem só se torna claro verdadeiramente no
mistério do Verbo encarnado. Com efeito, Adão o primeiro homem era figura
daquele que haveria de vir, isto é, de Cristo Senhor. Novo Adão, na mesma
revelação do mistério do Pai e de seu amor Cristo manifesta Plenamente o homem
ao próprio homem e lhe descobre a sua altíssima vocação" (GS 22).
Dignidade que não
se perdeu pela ferida do pecado, mas que foi exaltada pela compaixão de Deus,
que se revela no coração de Jesus Cristo (cf. Mc 6,34). A solidariedade cristã
é certamente serviço aos necessitados, mas é, sobretudo, fidelidade a Deus.
Isto fundamenta a relação entre a evangelização e a promoção humana (EN 31).
160. Nossa fé no
Deus de Jesus Cristo e o amor aos irmãos têm de traduzir-se em obras concretas.
O seguimento de Cristo significa comprometer-se a viver segundo seu estilo.
Esta preocupação de coerência entre a fé e a vida sempre esteve presente nas
comunidades cristãs. Já o apóstolo Tiago escrevia: "Meus irmãos, se
alguém disser que tem fé, mas não tem obras, que lhe aproveitará isso Acaso a
fé poderá salvá-1o? Se um irmão ou uma irmã não tiverem o que vestir e lhes
faltar o necessário para a subsistência de cada dia, e alguém dentre vós lhes
disser: `Ide em paz, aquecei-vos e saciai-vos', e não lhes der o necessário
para a sua manutenção, que proveito haverá nisso? Assim também a fé, se não
tiver obras, está morta em seu isolamento. Com efeito, como o corpo sem o sopro
da vida é morto, assim também é morta a fé sem obras" (Tg 2,14-17.26).
161. A falta de
coerência entre a fé que se professa e a vida cotidiano é uma das várias causas
que geram pobreza em nossos países, porque os cristãos não souberam encontrar
na fé a força necessária para penetrar os critérios e as decisões dos setores
responsáveis pela liderança ideológica e pela organização da convivência
social, econômica e política de nossos povos. "Em povos de arraigada fé cristã
impuseram-se estruturas geradoras de injustiça" (P 437).
162. A promoção,
como indica a Doutrina Social da Igreja, deve levar o homem e a mulher a passar
de condições menos humanas para condições cada vez mais humanas, até chegar ao
pleno conhecimento de Jesus Cristo (Populorum Progressio 14-L5). Em sua raiz,
descobrimos, pois, que se trata de um verdadeiro canto à vida, de toda vida,
desde o não-nascido até o abandonado.
163. Maria, a
mulher solicita ante a necessidade surgida nas bodas de Caná, é modelo e figura
da Igreja ante toda forma de necessidade humana (cf. Jo 2,3ss). À Igreja,
assim como a Maria, Jesus lhe recomenda preocupar-se pelo cuidado maternal da
humanidade, sobretudo dos que sofrem (cf. Jo 19,26-27).
2.2. Os novos
sinais dos tempos no campo da promoção humana
2.2.1. Direitos humanos
164. A igualdade
entre os seres humanos em sua dignidade, por serem criados à imagem e
semelhança de Deus, se afirma e aperfeiçoa em Cristo. Desde a Encarnação, ao
assumir o Verbo nossa natureza e sobretudo sua ação redentora na cruz, mostra o
valor de cada pessoa. Por isso mesmo Cristo, Deus e homem, é a fonte mais
profunda que garante a dignidade da pessoa e de seus direitos. Toda violação
dos direitos humanos contradiz o Plano de Deus e é pecado.
165. A Igreja, ao
proclamar o evangelho, raiz profunda dos direitos humanos, não se arroga uma
tarefa alheia à sua missão, mas, ao moral utilitarista e individualista.
Postula a aceitação do princípio do destino universal dos bens da criação e a
promoção da justiça e solidariedade como valores indispensáveis.
Linhas pastorais:
Os cristãos, como
integrantes da sociedade, não estão isentos de responsabilidade em relação aos
modelos de desenvolvimento, que provocaram os atuais desastres ambientais e
sociais.
- Partindo das
crianças e dos jovens, empreender uma tarefa de reeducarão de todos diante do
valor da vida e da interdependência dos diversos ecossistemas.
- Cultivar uma
espiritualidade que recupere o sentido de Deus, sempre presente na natureza.
Explicitar a nova relação estabelecida pelo mistério da encarnação, pela qual
Cristo assumiu tudo o que foi criado.
- Valorizar a nova
plataforma de diálogo que a crise ecológica criou, e questionar a riqueza e o
desperdício.
- Aprender dos
pobres a viver com sobriedade e a partilhar e valorizar a sabedoria dos povos
indígenas no tocante à preservação da natureza como ambiente de vida para
todos.
170. - Aprofundar
as mensagens do Santo Padre por ocasião da jornada mundial da paz,
especialmente dentro de uma configuração de "ecologia humana".
- Levar os cristãos
a assumir o diálogo com o Norte através dos canais da Igreja católica, assim
como de outros movimentos ecológicos e ecumênicos.
- São Francisco de
Assis, em seu amor aos pobres e à natureza, pode inspirar este caminho de
reconciliação com a criação e com todos os homens entre si, caminho de justiça
e de paz.
2.2.3. A terra: dom de Deus
171. Os cristãos
não olham o universo, somente como natureza considerada em si mesma, mas como
criação e primeiro dom do amor do Senhor por nós.
"De Iahweh é a
terra e o que nela existe, o mundo e seus habitantes" (S1 24,1) é a
afirmação de fé que percorre toda a Bíblia e confirma a crença de nossos povos
de que a terra é o
primeiro sinal da
Aliança de Deus com o homem. De fato, a revelação bíblica nos ensina que,
quando Deus criou o homem, o colocou no jardim do Éden para que o cultivasse e
o cuidasse (Gn 2,15) e dele fizesse uso (Gn 2,16), indicando-lhe `alguns
limites (Gn 2,17) que recordariam sempre ao homem que Deus é o Senhor e
criador, e dele é a terra e tudo que nela existe" e que ele a pode usar,
não como dono absoluto, mas como administrador.
Estes limites no
uso da terra buscam preservar a justiça e o direito de todos de aceder aos bens
da criação, que Deus destinou ao serviço de todo homem que vem a este mundo.
172. Em nosso
continente deve-se considerar duas mentalidades opostas com relação à terra,
ambas distintas da visão cristã:
a) A terra, dentro
do conjunto de elementos que formam a comunidade indígena, é vida, é lugar
sagrado, centro integrador de vida da comunidade. Nela vivem e com ela
convivem, através dela se sentem em comunhão com seus antepassados e em harmonia
com Deus; por isso mesmo a terra, sua terra, forma parte substancial de sua
experiência religiosa de seu próprio projeto histórico. Nos indígenas existe um
sentido natural de respeito pela terra; ela é a mãe terra, que alimenta a seus
filhos, por isso há que cuidá-1a, pedir permissão para cultivá-1a e não
matá-1a. b) A visão mercantilista: considera a terra numa relação exclusiva com
a exploração e o lucro, chegando até ao desalojamento e à expulsão de seus
legítimos donos.
Esse mesmo
mercantilismo leva à especulação do solo urbano, tornando a terra inacessível à
habitação dos pobres, cada vez mais numerosos em nossas grandes cidades.
Além dos tipos
anteriores, não podemos esquecer a situação dos camponeses que trabalham sua
terra e ganham o sustento de sua família com tecnologias tradicionais.
173. A mentalidade
própria da visão cristã tem seu fundamento na Sagrada Escritura que considera
sempre a terra e os elementos da natureza antes de tudo como aliados do povo de
Deus e instrumentos de nossa salvação. A ressurreição de Jesus Cristo ressitua
a humanidade, em face da missão de libertar toda a criação, que há de ser
transformada em novo céu e em nova terra, onde a justiça tenha sua morada (cf.
2Pd 3,13).
Desafios pastorais:
174. - Desafia-nos
a situação problemática da terra na América Latina e no Caribe, já que
"cinco séculos de presença do Evangelho... não instauraram ainda uma
eqüitativa distribui o dos bens da terra", que "infelizmente ainda
está nas mãos de uma minoria". Os antigos aborígenes foram, em geral,
despojados de suas terras e os afro-americanos tiveram dificuldades por causa
da legislação que dá acesso à propriedade da terra. Os atuais camponeses sofrem
o peso da desordem institucional e as conseqüências das crises econômicas.
- Nos últimos anos
esta crise se fez sentir com mais força onde a modernização de nossas
sociedades trouxe a expansão do comércio agrícola internacional, a crescente
integração de países, o maior uso da tecnologia e a presença transnacional.
Isto, não poucas vezes, favorece os setores econômicos fortes, mas à custa dos
pequenos produtores e trabalhadores.
175. A situação da
apropriação, administração e utilização da terra na América Latina e no Caribe
é um dos apelos mais urgentes à Promoção Humana.
Linhas pastorais:
176. - Promover
transformação da mentalidade sobre o valor da terra com base na cosmovisão
cristã, que se liga às tradições culturais dos setores pobres e camponeses.
- Recordar aos
fiéis leigos que devem influir nas políticas agrárias dos governos (sobretudo
nas de modernização) e nas organizações de camponeses e indígenas, visando
formas justas, mais comunitárias e participativas no uso da terra.
177.-Apoiar todas
as pessoas e instituições que estão buscando seja da parte dos governos, seja dos que possuem os meios de produção, a
criação de uma justa e humana reforma e política agrária, que legisle, programe
e acompanhe uma distribuição mais justa da terra e sua utilização eficaz.
- Dar apoio
solidário às organizações de camponeses e indígenas que lutam, por meios justos
e legítimos, para conservar ou readquirir suas terras.
- Promover
progressos técnicos indispensáveis para que a terra produza, tendo em conta
também as condições do mercado, e para tanto, a necessidade de fomentar a
consciência da importância da tecnologia.
- Favorecer uma
reflexão teológica em torno da problemática da terra, dando ênfase à
inculturação e a uma presença efetiva dos agentes de pastoral nas comunidades
de camponeses.
- Apoiar a
organização de grupos intermédios, por exemplo, cooperativas, que sejam
instância de defesa dos direitos humanos, de participação democrática e de
educação comunitária.
2.2.4. Empobrecimento e solidariedade
178. Evangelizar é
fazer o que Jesus Cristo fez, quando mostrou na sinagoga que veio para
"evangelizar" os pobres (cf. Lc 4,18-19). Ele "se fez pobre,
embora fosse rico, para nos enriquecer com sua pobreza" (2 Cor 8,9). Ele
nos desafia a dar testemunho autêntico de pobreza evangélica em nosso estilo de
vida e em nossas estruturas eclesiais, tal qual Ele fez.
Esta é a
fundamentação que nos compromete numa opção evangélica e preferencial pelos
pobres, firme e irrevogável, mas não exclusiva e nem excludente, tão
solenemente afirmada nas Conferências de Medellín e Puebla. Sob a luz desta
opção preferencial, a exemplo de Jesus, nos inspiramos para toda ação
evangelizadora comunitária e pessoal (cf. SRS 42; RM 14; João Paulo II, Santo
Domingo, 16). Com o "potencial evangelizador dos pobres" (P 1147), a
Igreja pobre quer impulsionar a evangelização de nossas comunidades.
Descobrir nos
rostos sofredores dos pobres o rosto do Senhor (Ml 25,31-46) é algo que desafia
todos os cristãos a uma profunda conversão pessoal e eclesial. Na fé
encontramos os rostos desfigurados pela fome, conseqüência da inflação, da
dívida externa e das injustiças sociais; os rostos desiludidos pelos políticos
que prometem, mas não cumprem; os rostos humilhados por causa de sua própria
cultura, que não é respeitada, quando não desprezada; os rostos angustiados
dos menores abandonados que caminham por nossas ruas e dormem sob nossas
pontes; os rostos sofridos das mulheres humilhadas e desprezadas; os rostos cansados
dos migrantes que não encontram digna acolhida; os rostos envelhecidos pelo
tempo e pelo trabalho dos que não têm o mínimo para sobreviver dignamente (cf.
CECAM, DT 163). O amor misericordioso é também voltar-se para os que se encontram
em carência espiritual, moral, social e cultural.
Desafios pastorais:
179.-O crescente
empobrecimento a que estão submetidos milhões de irmãos nossos, que chega a
intoleráveis extremos de miséria, é o mais devastador e humilhante flagelo que
vive a América Latina e Caribe. Assim o denunciamos tanto em Medellín como em
Puebla e hoje voltamos a fazê-1o com preocupação e angústia. - As estatísticas
mostram com eloqüência que na última década as situações de pobreza cresceram
tanto em números absolutos como em relativos. A nós, pastores, comove-nos até
as entranhas ver continuamente a multidão de homens e mulheres, crianças e
jovens e anciãos que sofrem o insuportável peso da miséria assim como diversas
formas de exclusão social, étnica e cultural; são pessoas humanas concretas e
irredutíveis que vêem seus horizontes cada vez mais fechados e sua dignidade
desconhecida.
- Vemos o
empobrecimento de nosso povo não só como um fenômeno econômico e social,
registrado e quantificado pelas ciências sociais. N6s o vemos dentro da
experiência de muita gente com quem compartilhamos, como pastores, sua luta
cotidiana pela vida.
- A política de
corte neoliberal que predomina hoje na América Latina e no Caribe aprofunda
ainda mais as conseqüências negativas destes mecanismos. Ao desregular
indiscriminadamente o mercado, eliminar partes importantes da legislação
trabalhista e despedir empregados, ao reduzir os gastos sociais que protegiam
as famílias dos trabalhadores, foram aumentadas ainda mais as distâncias na
sociedade.
- Temos de aumentar
a lista dos rostos sofridos que já havíamos assinalado em Puebla (cf. P 31-39),
todos eles desfigurados pela fome, aterrorizados pela violência, envelhecidos
por condições de vida infra-humanas, angustiados pela sobrevivência familiar. O
Senhor nos pede que saibamos descobrir seu próprio rosto nos rostos sofridos
dos irmãos.
- Por outro lado,
comprovamos com alegria os múltiplos esforços que diversos grupos e
instituições da América Latina e do Caribe estão fazendo a fim de transformar
esta realidade. A Igreja, chamada a ser cada vez mais fiel à sua opção
preferencial pelos pobres, tem tido crescente participação nos mesmos. Damos
graças a Deus por isto e convocamos a alargar o caminho já aberto, porque muito
mais são os que ainda têm de caminhar por ele.
Linhas pastorais
180. - Assumir com
decisão renovada a evangélica opção preferencial pelos pobres, seguindo o
exemplo e as palavras do Senhor Jesus, com plena confiança em Deus, austeridade
de vida e partilha de bens.
- Privilegiar o
serviço fraterno aos mais pobres entre os pobres e ajudar as instituições que
cuidam deles: os deficientes, enfermos, idosos solitários, crianças
abandonadas, presos, aidéticos e todos aqueles que requerem a proximidade
misericordiosa do "bom samaritano".
- Corrigir atitudes
e comportamentos pessoais e comunitários, bem como as estruturas e métodos
pastorais, a fim de que não afastem os pobres, mas que propiciem a proximidade
e a partilha com eles.
-Promover a
participação social junto ao Estado, pleiteando leis que defendam os direitos
dos pobres.
181. - Fazer de
nossas paróquias um espaço para a solidariedade.
- Apoiar e
estimular as organizações de economia solidária com as quais nossos povos
tratam de responder às angustiantes situações de pobreza.
- Urgir respostas
dos Estados para as difíceis situações agravadas pelo modelo econômico
neoliberal, que afeta principalmente os mais pobres. Entre estas situações é
importante destacar os milhões de latino-americanos que lutam para sobreviver
na economia informal.
2.2.5. O trabalho
182. Uma das
realidades que mais nos preocupa em nossa ação pastoral é o mundo do trabalho,
por sua significação humanizadora e salvífica, que tem sua origem na vocação
co-criadora do homem como "filho de Deus" (Gn 1,26) e que foi
resgatado e elevado por Jesus, trabalhador e "filho de carpinteiro"
(Ml 13,55 e Mc 6,3).
A Igreja como
depositária e servidora da mensagem de Jesus, , sempre via o homem como sujeito
que dignifica o trabalho realizando-se a si mesmo e aperfeiçoando a obra de
Deus, para fazer dela um louvor ao Criador e um serviço aos irmãos.
O permanente ensino
do magistério da Igreja sobre o trabalho como "chave da questão
social" tem sido confirmado e desenvolvido nas recentes encíclicas
sociais de João Paulo II (LE; SRS; CA). E de modo especial sublinha "a
dimensão subjetiva do trabalho" (LE 6) que é a expressão mais eloqüente da
dignidade do trabalhador.
Desafios pastorais:
183. - A realidade
desafia uma cultura do trabalho e da solidariedade, partindo da fé em Deus
Pai, que nos faz irmãos em Jesus Cristo. No que se refere ao mundo dos
trabalhadores, alerta-se para uma deteriorização em suas condições de vida e no
respeito aos seus direitos; um escasso ou nulo cumprimento de normas
estabelecidas para os setores mais débeis (p.ex. crianças, aposentados...);
uma perda de autonomia por parte das organizações de trabalhadores devido a
dependências ou autodependências de diversos gêneros; abuso do capital que
desconhece ou nega a primazia do trabalho; poucas ou nulas oportunidades de
trabalho para os jovens. Alerta-se para a alarmante falta de trabalho ou
desemprego com toda a insegurança econômica e social que isso implica. O mundo
do trabalho reclama o crescimento da economia e o aumento da produtividade, de
modo a tornar possível, mediante uma justa e eqüitativa distribuição, o maior
bem-estar do homem e de sua família.
184. Cs direitos do
trabalhador são um patrimônio moral da sociedade que deve ser tutelado por uma
adequada legislação social e sua necessária instância judicial, que assegure a
continuidade confiável nas relações de trabalho.
Linhas pastorais:
185. - Impulsionar
e sustentar uma pastoral do trabalho em todas as nossas dioceses, a fim de
promover e defender o valor humano do trabalho.
- Apoiar as
organizações próprias dos homens do trabalho para a defesa de seus legítimos
direitos, em especial de um salário suficiente e de uma justa proteção social
para a velhice, a doença e o desemprego (cf. CA 34 e 35).
- Favorecer a
formação de trabalhadores, empresários e governantes em seus direitos e em
seus deveres, e propiciar espaços de encontro e mútua colaboração.
2.2.6. A mobilidade humana
186. O Verbo de
Deus se faz carne para reunir em um só povo os que andavam dispersos e para
fazer deles cidadãos do céu (F1 3,20; Hb 11,13-16).
Assim o Filho de
Deus se faz peregrino, passa pela experiência dos que não têm lugar (cf. Ml
2,13-23), como migrante radicado numa insignificante aldeia (cf. Jo 1,46).
Educa a seus discípulos para serem missionários, fazendo-os passar pela
experiência do que migra a fim de confiar somente no amor de Deus, de cuja boa
nova são portadores (cf. Mc 6,6b-12).
Desafios pastorais:
187. - Tem havido,
nos últimos anos, um forte incremento da migração para os grandes países no Norte,
e também- ainda que em menor escala - para outros países latino-americanos mais
ricos. Surgem também fenômenos como a repatriação voluntária e a deportação dos
que não obtêm visto de permanência. O auge das viagens e o turismo, e inclusive
as peregrinações religiosas e dos que vivem do mar, interpelam a solicitude
especial da Igreja. - Nos países com especiais problemas de migração por causas
sócio-econômicas existe em geral ausência de medidas sociais para detê-1a; e
nos países receptores, uma tendência a impedir seu ingresso. Isto traz graves
conseqüências de desintegração familiar e dispersão de forças produtivas em
nossos povos, junto com o desenraizamento, a insegurança, a discriminação e a
degradação moral e religiosa dos migrantes. Não obstante, em alguns casos,
conseguem inserir-se em comunidades católicas e ainda as revitalizam.
Linhas pastorais:
188.-Reforçar a
pastoral da mobilidade humana reunindo esforços entre dioceses e conferências
episcopais das regiões afetadas, e cuidando que, na acolhida e demais serviços
em favor dos migrantes, se respeitem suas riquezas espirituais e religiosas.
- Conscientizar os
setores públicos sobre o problema das migrações, tendo em vista a eqüidade das
leis sobre o trabalho e a seguridade social, e o cumprimento de convênios
internacionais.
189.-Oferecer aos
migrantes uma catequese adaptada a sua cultura e assessoria legal para proteger
seus direitos.
- Apresentar
alternativas aos camponeses para que não se sintam obrigados a migrar para a
cidade.
2.2.7. A ordem democrática
190. - Cristo, o
Senhor, enviado pelo Pai para a redenção do mundo, veio para anunciar a boa
notícia e iniciar o Reino e, mediante a conversão das pessoas, obter uma nova
vida segundo Deus e um novo tipo de convivência e relação social. À Igreja,
fiel à missão que lhe outorgou seu fundador, corresponde constituir a comunidade
dos filhos de Deus e ajudar na construção de uma sociedade onde primam os
valores cristãos evangélicos.
- A Igreja respeita
a legítima autonomia da ordem temporal e não tem um modelo específico de regime
político. "A Igreja encara com simpatia o sistema da democracia, à medida
que assegura a participaçâo dos cidadãos nas opções políticas e garante aos
governados a possibilidade quer de eleger e controlar os próprios governantes,
quer de os substituir pacificamente, quando tal se torne oportuno" (CA
46).
- Durante os
últimos anos deste processo, a Igreja tem desempenhado na América Latina um
papel de protagonista. Em muitos países sua ação assentou as bases para uma
convivência baseada no diálogo e no respeito à pessoa humana. Apoiada no
magistério de sua doutrina social, a Igreja vem acompanhando o povo em suas
lutas e anseios de uma maior participação e pelo estado de direito.
191.-A liberdade,
inerente à pessoa humana e posta em relevo pela modernidade, vem sendo
conquistada pelo povo em nosso continente e tem possibilitado a instauração da
democracia como 0 sistema de governo mais aceito, ainda que seu exercício seja
mais formal que real.
Desafios pastorais:
192. - A convivência
democrática, que se afirmou depois de Puebla, em alguns países, vem-se
deteriorando, entre outros fatores, pelos seguintes: corrupção administrativa,
distanciamento das lideranças partidárias com relação aos interesses das bases
e às reais necessidades da comunidade; vazios programáticos e desatenção do
social e ético-cultural da parte das organizações partidárias; governos
eleitos pelo povo que não se orientam eficazmente para o bem comum; muito
clientelismo político e populismo, porém pouca participaçâo.
Linhas pastorais:
193.-Proclamar
insistentemente à sociedade civil os valores de uma genuína democracia
pluralista, justa e participativa.
- Iluminar e animar
o povo para um real protagonismo.
- Criar as
condições para que os leigos se formem segundo a Doutrina Social da Igreja, em
ordem a uma atuação política dirigida ao saneamento e ao aperfeiçoamento da
democracia, e ao serviço efetivo da comunidade.
- Orientar a
família, a escola e as diversas instâncias eclesiais, para que eduquem nos valores
que fundam uma autêntica democracia: responsabilidade, corresponsabilidade,
participação, respeito da dignidade das pessoas, diálogo, bem comum.
2.2.8. Nova ordem econômica
194. Consciente da
gestação de uma nova ordem econômica mundial que afeta a América Latina, a
Igreja a partir de sua perspectiva é obrigada a fazer um sério esforço de
discernimento. Temos de nos perguntar: até onde deve chegar a liberdade de
mercado? Ove características deve ter para que sirva ao desenvolvimento das
grandes maiorias?
195. Segundo o
recente ensinamento de João Paulo II (cf. CA), é licita a livre atividade dos
indivíduos no mercado. Isto não significa que o mercado possa oferecer todos os
bens que requer a sociedade nem que esta possa pagar muitos bens necessários. A
economia de mercado deve ter em conta estes limites.
Por isso os
ensinamentos do Santo Padre assinalam a necessidade de ações concretas dos
poderes públicos para que a economia de mercado não se converta em algo
absoluto ao qual se sacrifique tudo, acentuando a desigualdade e a
marginalizado das grandes maiorias. Não pode haver uma economia de mercado
criativa e ao mesmo tempo socialmente justa, sem um sólido compromisso de toda
a sociedade e seus atores com a solidariedade através de um marco jurídico que
assegure o valor da pessoa, a honra, o respeito à vida e a justiça distribu6va,
e a preocupação efetiva com os mais pobres.
196. Os ajustes
econômicos, ainda que possam ser benéficos a longo prazo, ao frear a inflação e
estabilizar a economia, costumam produzir uma grave deterioração do nível de
vida dos pobres. Por isso, o Estado é obrigado, na medida do possível, porém
sincera e generosamente, a compensar os custos sociais dos mais pobres.
197. O problema da
dívida externa não é só, nem principalmente, econômico, mas humano, porque leva
a um empobrecimento cada vez maior e impede o desenvolvimento e retarda a promoção
dos mais pobres. Perguntamo-nos por sua validade quando por seu pagamento a
sobrevivência dos povos corre sério perigo, quando a população não foi
consultada antes de contrair a dívida, e quando esta foi usada para fins nem
sempre licitas. Por isso
, como pastores,
fazemos nossa a preocupação de João Paulo II quando afirma que "é
necessário encontrar modalidades para mitigar, reescalonar ou até cancelar a
dívida, compatíveis com o direito fundamental dos povos à subsistência e o
progresso" (CA 35).
Desafios pastorais:
198. - Os anos
oitenta se caracterizaram pelo flagelo da inflação agravado pelo déficit
fiscal, pelo peso da dívida externa e pela desordem monetária, pela destruição
das economias estatais em razão da perda de recursos fiscais, da inflação e da
corrupção, pela queda das inversões tanto nacionais quanto estrangeiras, entre
outros fenômenos.
- A relação dos
preços, em nível internacional, entre as matérias-primas e os produtos
manufaturados, tornou-se cada vez mais desigual e discriminatória, afetando
muito desfavoravelmente a economia de nossos países. Esta situação persiste e
tende a se agravar.
199. - O
empobrecimento e a agudização da brecha entre ricos e pobres golpeiam de modo
grave as grandes maiorias de nossos povos devido à inflação, à redução dos
salários reais e à falta de acesso a serviços básicos, ao desemprego e ao
aumento da economia informal e da dependência científico-tecnológica.
- Difunde-se uma
mentalidade e um estilo de vida consumiste e egoísta, amplamente divulgados
pelos meios de comunicação social. Isto dificulta ou impede uma organização
social mais justa e digna.
- Diante da crise
de sistemas econômicos que conduziram a fracassos e frustrações, costuma
apresentar-se como solução uma economia de livre mercado, assumida por não
poucos sob o rótulo de neoliberalismo e com um alcance que vai além do puro
campo econômico, e que parte de interpretações estreitas ou reducionistas da
pessoa e da sociedade.
Linhas pastorais:
200. - Robustecer o
conhecimento, difusão e prática da Doutrina Social da Igreja nos distintos
ambientes.
- Impulsionar nos
diversos níveis e setores da Igreja uma pastoral social que parta da opção
evangélica preferencial pelos pobres, atuando nas frentes do anúncio, da
denúncia e do testemunho, promovendo iniciativas de cooperação, no contexto de
uma economia de mercado.
- Educar nos
valores da laboriosidade e da partilha, da honestidade e da austeridade, do
sentido ético-religioso da vida, para que desde a família - primeira escola -
se formem homens novos para uma sociedade mais fraterna, onde se viva a
destinação universal dos bens em contexto de desenvolvimento integral.
201. - Assentar as
bases de uma economia solidária, real e eficiente, sem esquecer a
correspondente criação de modelos sócio-econômicos em nível local e nacional.
- Fomentar a busca
e implementação de modelos sócio-econômicos que conjuguem a livre iniciativa, a
criatividade de pessoas e grupos, a função moderadora do Estado, sem deixar de
dar atenção especial aos setores mais necessitados. Tudo isto, orientado para a
realização de uma economia da solidariedade e da participação, expressa em
diversas formas de propriedade.
202. - Promover
relações econômicas internacionais que facilitem a transferência da tecnologia
em um ambiente de reciprocidade social.
- Denunciar os
mecanismos da economia de mercado que prejudicam fundamentalmente os pobres.
Não podemos estar ausentes numa hora na qual não há quem vele por seus
interesses.
203. - Constatar
que a economia informal obedece a uma necessidade de sobrevivência, ainda que
seja susceptível de naufrágio em caso de enfermidades, inflação, etc.
- Recordar aos
fiéis leigos que devem influir para que o Estado alcance uma maior estabilidade
das políticas econômicas, elimine a corrupção administrativa e aumente a
descentralização administrativa, econômica e educacional.
- Reconhecer o
papel fundamental da empresa, do mercado, da propriedade privada e da
conseqüente responsabilidade para com os meios de produção, da criatividade
humana, no marco jurídico de uma justiça social (CA 42).
2.2.9. Integração latino-americana
204. A experiência
nos tem mostrado que nenhuma nação pode viver e desenvolver-se com solidez de
maneira isolada. Todos sentimos a urgência de integrar o disperso e de unir
esforços para que a interdependência se torne solidariedade e esta possa transformar-se
em fraternidade. Por isto destacamos estes valores ao falar da realidade
econômica e social do mundo e dos anseios de humanização nelas latentes.
Os cristãos
encontram motivações muito profundas para continuar este esforço. Jesus Cristo
tornou presente o Reino de Deus, um reino de justiça, de amor e de paz.
Realizou a fraternidade de todos fazendo-se irmão nosso e ensinando-nos a nos
reconhecermos como filhos de um mesmo Pai (cf. Mc 14,36). Ele mesmo nos chamou
à unidade: "Que todos sejam um como Eu e o Pai somos um" (Jo 17,21).
A Igreja tem
consciência de seu singular protagonismo e de seu papel orientador quanto à
formação de uma mentalidade de pertença à humanidade e ao fomento de uma
cultura solidária e de reconciliação.
205. A necessária
interdependência das pessoas e das nações para uma autêntica solidariedade são
características humanas. Também constatamos o dinamismo mundial das nações,
que se associam, como sinal dos tempos, ainda na América Latina e Caribe.
206. João Paulo II
tem insistido na necessidade de transformar as estruturas que não respondem às
necessidades dos ovos e antes
" P de tudo em
que as nações mais fortes devem oferecer às mais
débeis oportunidade
de inserção na vida internacional" (CA 35). Ante o espetáculo de países
cada vez mais ricos junto a outros cada vez mais pobres, expressou: "São necessárias
soluções em nível mundial, instaurando uma verdadeira economia de comunhão e participação de bens, tanto na ordem
internacional como nacional. A este respeito, um fato que pode contribuir
notavelmente para superar os problemas angustiantes que afetam hoje este
continente é a integração
latino-americana. q grave responsabilidade dos governantes favorecer o já
iniciado processo de integração de alguns povos cuja mesma geografia, a fé
cristã, a língua e a cultura uniram definitivamente no caminho da história (DI
15).
Desafios pastorais:
207. -
Experimentam-se um isolamento e uma fragmentação de nossas nações, ao mesmo
tempo em que se incrementa uma globalização da economia planetária junto à
formação e/ou reformulação de grandes blocos.
208. - A formação
de grandes blocos que ameaçam deixar isolado a todo o continente, enquanto não
responde a seus interesses econômicos.
- Dá-se uma
desintegração no interior de nossos países como efeito de discriminações
raciais ou grupais e do predomínio econômico-politico-cultural de interesses
particulares, que dificultam também uma abertura a espaços mais amplos.
- A própria falta
de comunhão entre as Igrejas particulares de uma nação com as de outra, ou
entre nações vizinhas do continente, debilita a força integradora da própria
Igreja.
Linhas pastorais:
209. - Fomentar e
acompanhar os esforços em prol da integração
latino-americana
como "pátria grande", partindo de uma perspectiva de solidariedade
que exige, além disso, uma nova ordem mternacional.
- Promover a
justiça e a participaçâo no interior de nossas nações, educando nestes valores,
denunciando situações que os contradizem e dando testemunho de relação
fraterna. Animar iniciativas e fortalecer as estruturas e organismos de
colaboração intra-eclesial que sejam necessários ou úteis, respeitando as
diversas competência. Assumir neste sentido a sugestão do Santo Padre relativa
a um encontro dos Episcopados de todo o continente americano.
23. A Fam7ia e a
Vida: desafios de especial urgência na Promoção Humana
2.3.1. A Família santuário da vida
210. A Igreja
anuncia com alegria e convicção a Boa Nova sobre a família na qual se forja o
futuro da humanidade e se concretiza a fronteira decisiva da Nova
Evangelização. Assim o proclamamos, aqui na América Latina e no Caribe, num
momento histórico em que a família é vítima de muitas forças que buscam
destruí-1a ou deformá-1a.
É certo que o lugar
mais indicado para falar da família é aquele em que se trata da Igreja
particular, paróquia e comunidades eclesiais, uma vez que a família é a Igreja
doméstica. Porém, por causa dos tremendos problemas que hoje afetam a vida
humana, incluímos este tema na parte que trata da Promoção Humana.
Evidentemente reconhecemos a diversidade de famílias rurais e urbanas, cada uma
dentro de seu contexto cultural; mas em todas as partes a família é fermento e
sinal do amor divino e da Igreja e, portanto, deve estar aberta ao plano de
Deus.
211. O matrimônio e
a família no projeto original de Deus são instituições de origem divina e não
produtos da vontade humana. Quando o Senhor disse "no começo não foi
assim" (Ml 19,8) se refere à verdade sobre o matrimônio, que, segundo o
plano de Deus, exclui o divórcio.
212. O homem e a
mulher, sendo imagem e semelhança de Deus (Gn 2,16), que é amor, são chamados a
viver no matrimônio, o mistério da comunhão e relação trinitária. "Deus
inscreve na pessoa humana a vocação e conseqüentemente a capacidade e a responsabilidade
do amor e da comunhão" (FC 11). Homem e mulher são chamados ao amor na
totalidade de seu corpo e espírito.
213. Jesus Cristo é
a Nova Aliança, nele o matrimônio adquire sua verdadeira dimensão. Por sua
Encarnação e por sua vida em família por Maria e José no lar de Nazaré se
constitui um modelo de toda família. O amor dos esposos por Cristo chega a ser
como o dele: total, exclusivo, fiel e fecundo. A partir de Cristo e por sua
vontade, proclamada pelo Apóstolo, o matrimônio não só volta à perfeição primeira mas se enriquece com
novos conteúdos (Et 5,25-33). O
matrimônio cristão é um sacramento em que o amor humano é santificante e
comunica a vida divina por obra de Cristo;
um sacramento em que os esposos significam e realizam o amor de Cristo e de sua
Igreja, amor que passa pelo caminho da
cruz, das limitações, do perdão e dos defeitos para chegar à alegria da ressurreição. É necessário ter
presente que "entre batizados não pode haver contrato matrimonial válido,
senão por esse mesmo
sacramento" (CIC 1055,2).
214. No plano de
Deus Criador e Redentor a família descobre não só sua identidade senão também
sua missão: cuidar, revelar e comunicar o amor e a vida, através de quatro atos
fundamentais (FC 17):
a) A missão da
família é viver, crescer e aperfeiçoar-se como comunidade
de pessoas que se caracteriza pela unidade e indissolubilidade. A família é o
lugar privilegiado para a realização pessoal junto com os seres amados.
b) Ser "como o
santuário da vida" (CA 39), serva da vida, já que o direito à vida é a
base de todos os direitos humanos. Este serviço não se reduz só à procriação, é
antes auxilio eficaz para transmitir e educar em valores autenticamente humanos
e cristãos.
c) Ser "célula
primeira e vital da sociedade" (FC 42). Por sua natureza e vocação, a
família deve ser promotora do desenvolvimento, protagonista de uma autêntica política
familiar.
d) Ser "Igreja
doméstica" que acolhe, vive, celebra e anuncia a Palavra de Deus, é
santuário onde se edifica a santidade e a partir de onde a Igreja e o mundo
podem ser santificados (FC 55).
Não obstante as
graves crises da família, constatamos que muitas famílias latino-americanas e
do Caribe se esforçam e vivem cheias de esperança e com fidelidade o projeto de
Deus Criador e Redentor, a fidelidade,
a abertura à vida, a educação cristã dos filhos e o compromisso com a Igreja e
o mundo.
215. Deus é o
Senhor da vida. A vida é dom seu. O homem não é, nem pode ser árbitro ou dono
da vida. O filho deve ser responsavelmente acolhido na família como dom
preciosíssimo e irrepetível de Deus. A criança, concebida, não nascida é o ser
mais pobre, vulnerável e indefeso que se há de defender e tutelar. Vê-se hoje,
com maior clareza, a relação tão estreita, subjetiva e objetiva entre
anticoncepção e aborto. Separa-se de modo drástico o significado unitivo do
procriativo no ato conjugal, o que vem a ser traição do próprio sentido da
vida.
2.3.2 Os desafios d
família e à vida hoje
216. A mudança
histórico-cultural tem causado impacto na imagem tradicional da família. Cada
vez são mais numerosas as uniões consensuais livres, os divórcios e os abortos.
A novidade é que estes problemas familiares se tornaram um problema de ordem
ético-Política, e uma mentalidade "laicizante" e os meios de
comunicação social têm contribuído para isto.
217. Com demasiada
freqüência, se desconhece que o matrimônio e a família são um projeto de Deus,
que convida o homem e a mulher criados por amor a realizar seu projeto de amor
em fidelidade até a morte, devido ao secularismo reinante, à imaturidade
psicológica e a causas sócio-econônicas e políticas, que levam a quebrantar os
valores morais e éticos da família. Disso resultam a dolorosa realidade de
famílias incompletas, casais em situação irregular e o crescente matrimônio
civil sem celebração sacramental e uniões consensuais.
218. Um número
crescente de famílias da América Latina e do Caribe interpela governos,
sociedade e organismos internacionais, partindo de sua situa o de miséria e
fome em razão do desemprego, da carência da vida digna, de serviços educativos
e sanitários, de salários baixos; a partir do abandono das idosos e do
crescente número de mães solteiras.
219. A cultura da
morte nos desafia. Com tristeza humana e preocupação cristã, somos testemunhas
das campanhas antivida, que se difundem na América Latina e no Caribe,
perturbando a mentalidade do nosso povo com uma cultura da morte. O egoísmo, o
medo ao sacrifício e à cruz unidos às dificuldades da vida moderna geram uma
rejeição do filho que não é responsável e alegremente acolhido na família, mas
considerado como um agressor. Atemorizam-se as pessoas com um verdadeiro
"terrorismo demográfico" que exagera o perigo que pode representar o
crescimento da população &ente à qualidade de vida.
Existe uma
distribuição massiva de anticoncepcionais, em sua grande maioria abortivos.
Imensos setores de mulheres são vítimas de programas de esterilizações
massivas. Também os homens sucumbem ante estas ameaças. Nosso continente sofre
as causa do "imperialismo contraceptivo, que consiste em impor a povos e
culturas toda forma de contracepção, esterilização e aborto, que se considera efetiva
sem respeito às tradições religiosas, étnicas e familiares de um povo ou
cultura" (Carta da Santa Sé à Reunião da OMS em Bangcoc).
Cada dia é maior o
massacre do aborto que produz milhões de vítimas em nossos povos
latino-americanos. A mentalidade antivida, além da eutanásia pré-natal, leva à
eliminação de crianças recém-nascidas e dos anciãos e enfermos estimados como
inúteis, defeituosos, ou "carga" para a sociedade. Outras expressões
de anticultura da morte são a eutanásia, a guerra, a guerrilha, o seqüestro, o
terrorismo, o narcotráfico.
220. Os cristãos
fiéis se sentem perplexos ante as contradições e falta de coerência dos agentes
de pastoral familiar, quando não seguem o Magistério da Igreja (Humanae vitae; Familiaris consortio;
Reconciliatio et poenitentia).
221. A América
Latina e o Caribe têm uma população infantil crescente. As crianças,
adolescentes e jovens são mais da metade da população do continente (55%). Esta
"emergência silenciosa" vivida pela América Latina e Caribe é
desafiante não só do ponto de vista numérico mas muito especialmente do ponto
de vista humano e pastoral. Com efeito, em muitas cidades têm aumentado os
"meninos de rua" que perambulam dia e noite sem lugar nem futuro. Em
alguns países têm sido vítimas de campanhas de extermínio, realizadas por
organismos policiais e privados; crianças sem família, sem amor, sem acesso à
educação, isto é, crianças em extrema miséria física e moral, muitas vezes
conseqüência da desintegração familiar. Detecta-se, inclusive, um aberrante comércio
de meninos e meninas, tráfico de órgãos e até utilização de crianças em cultos
satânicos. Do ponto de vista da educação da fé, se percebe um forte descuido
quanto à recepção de sacramentos e à catequese.
2.3.3. Linhas pastorais
222. 1. Enfatizar a
prioridade e centralidade da pastoral familiar na Igreja diocesana. Para isto é
necessário capacitar agentes. Os movimentos apostólicos que têm por objetivo o
matrimônio e a família podem oferecer apreciável cooperação às Igrejas particulares,
dentro de um plano orgânico integral.
- A pastoral
familiar não pode limitar-se a uma atitude meramente protetora, deve ser
provisora, audaz e positiva. Há de discernir com sabedoria evangélica os
desafios que as mudanças culturais apresentam à família. Há de denunciar as
violações contra a justiça e a dignidade da família. Ha de acompanhar às
famílias dos setores mais pobres, rurais e urbanos, promovendo a solidariedade.
- A pastoral
familiar há de cuidar da formação dos futuros esposos e o acompanhamento dos
cônjuges, sobretudo, nos primeiro anos de sua vida matrimonial. Como
preparação imediata têm reconhecido valor os cursos para noivos antes da
celebração sacramental.
223. 2. Proclamar
que Deus é o único Senhor da vida, que o homem não é, nem pode ser amo ou
árbitro da vida humana. Condenar e rejeitar qualquer violação exercida por
autoridades em favor da anticoncepção, a eutanásia, a esterilização e o aborto
provocado. Igualmente, as políticas de alguns governos e organismos
internacionais que condicionam a ajuda econômica aos programas contra a vida.
224. Buscar,
seguindo o exemplo do Bom Pastor, caminhos e formas para conseguir uma pastoral
orientada a casais em situações irregulares, especialmente os divorciados e
pessoas que de novo se casaram civilmente.
225. Fortalecer a
vida da Igreja e da sociedade a partir da família: enriquecê-1a a partir da
catequese familiar, a oração no lar, a Eucaristia, a participação no sacramento
da Reconciliação, o conhecimento da Palavra de Deus, para ser fermento na Igreja
e na sociedade.
226. 3. Convidar os
teólogos, cientistas e casais cristãos a colaborar com o magistério hierárquico
para iluminar melhor os fundamentos bíblicos, as motivações éticas e as razões
científicas para a paternidade responsável, para a decisão livre, de acordo com
uma consciência bem formada, segundo os princípios da moral, q to no que tange
ao número de filhos que se pode educar, quanto aos métodos segundo uma
autêntica paternidade responsável. O fruto desses trabalhos será a promoção de
programas e serviços que difundem os métodos naturais de planejamento e
elaborem manuais de educação para a sexualidade e o amor, dirigidos a crianças,
adolescentes e jovens.
- Ante os equívocos
de alguns programas "demográficos", temos de recordar as palavras do
Papa no seu Discurso inaugural dessa Conferência: "O que é preciso é
aumentar os meios e distribuir com maior justiça a riqueza, para que todos
possam participar eqüitativamente dos bens da criação" (n. 15).
227. 4. Exercer o
ministério profético da Igreja: denunciando toda violação contra as crianças
nascidas e não-nascidas. Difundir e exigir o cumprimento da "convenção dos
direitos da criança" com as observações da Santa Sé, e ainda a carta da
Santa Sé sobre os direitos da família. Orientar os leigos para que promovam nos
diversos países legislações que tutelem os direitos das crianças e urgir seu
cumprimento. Acompanhar e apoiar efetivamente os pais de família, educadores,
catequistas e institutos religiosos que se dedicam à educação da infância, prestando
especial atenção ao crescimento na fé. Fomentar a mística pelo trabalho a favor
das crianças e promover a pastoral da infância, através de ações proféticas e
caritativas que testemunhem o amor de Cristo pelas crianças mais pobres e
abandonadas.
CAPÍTULO 3
A CULTURA CRISTÃ
Introdução
228. A vinda do
Espírito Santo em Pentecostes (c£ At 2,1-11) põe de manifeste a universalidade
do mandato evangelizador: pretende chegar a toda cultura. Manifesta também a
diversidade cultural dos fiéis, quando ouviam falar cada um dos apóstolos na
sua própria língua.
Nasce a cultura com
o mandato inicial de Deus aos seres humanos: crescer e multiplicar-se, encher
a terra e submetê-1a (Gn 1,28-30). Dessa maneira a cultura é cultivo e
expressão de todo o humano em relação amorosa com a natureza e na dimensão
comunitária dos povos.
Quando Jesus
Cristo, na encarnação, assume e exprime todo 0 humano, exceto o pecado, então o
Verbo de Deus entra na cultura. Assim, Jesus Cristo é a medida de todo o humano
e portanto também da cultura. Ele, que se encarnou na cultura de seu povo, traz
para cada cultura histórica o dom da purificação e da plenitude. Todos os
valores e expressões culturais que possam dirigir-se a Cristo promovem o
autêntico humano. O que não passa pelo Cristo não poderá ficar redimido.
229. Por nossa
adesão radical a Cristo no batismo, comprometemo-nos a fazer com que a fé,
plenamente anunciada, pensada e vivida, chegue a fazer-se cultura. Assim,
podemos falar de uma cultura cristã quando o sentir comum da vida de um povo
tem sido penetrado interiormente, até "situar a mensagem evangélica na
base de seu pensamento, nos seus princípios fundamentais de vida, nos seus
critérios de juízo, nas suas normas de ação" (DI 24) e dali "projeta-se no
ethos de um povo... nas suas instituições e em todas as estruturas"
(ibid. 19).
Esta evangelização
da cultura, que a invade até seu núcleo dinâmico, manifesta-se no processo de
inculturação, que João Paulo II chamou de "centro, meio e objetivo da Nova
Evangelização" (Discurso ao Conselho
Internacional de Catequese, 26.9.92). Os autênticos valores culturais,
discernidos e assumidos pela fé, são necessários para encarnar nessa mesma
cultura a mensagem evangélica e a reflexão e práxis da Igreja.
A Virgem Maria
acompanha os apóstolos quando o Espírito de Jesus ressuscitado penetra e
transforma os povos das diversas culturas. Maria, que é modelo da Igreja,
também é modelo da evangelização da cultura. É a mulher judia que representa o
povo da Antiga Aliança com toda sua realidade cultural. Mas abre-se à novidade
do Evangelho e está presente nas nossas terras como Mãe comum, tanto dos
aborígines como daqueles que para cá vieram, propiciando desde o princípio a
nova síntese cultural que é a América Latina e do Caribe.
230. Inculturação
do Evangelho
Posto que
"hoje em dia estamos diante de uma crise cultural de proporções
inimagináveis" (DI 21) na qual vão desaparecendo valores evangélicos e
ainda humanos fundamentais, apresenta-se à Igreja um desafio gigantesco para
uma nova evangelização, ao qual se pretende responder com o esforço da
inculturação do Evangelho. É necessário inculturar o Evangelho à luz dos três
grandes mistérios da salvação: a Natividade, que mostra o caminho da
Encarnação e move o evangelizador a partilhar sua vida com o evangelizado; a
Páscoa, que conduz através do sofrimento à purificação dos pecados, para que
sejam redimidos; e Pentecostes, que pela força do Espírito possibilita a todos
entender, na sua própria língua, as maravilhas de Deus.
A inculturação do
Evangelho é um processo que supõe reconhecimento dos valores evangélicos que
se têm mantido mais ou menos puros na atual cultura; e o reconhecimento de
novos valores que coincidem com a mensagem de Cristo. Mediante a inculturação,
busca-se que a sociedade descubra o caráter cristão desses valores, os aprecie
e os mantenha como tais. Além disso, pretende a incorporação de valores
evangélicos que estão ausentes da cultura, ou porque se tenham obscurecido ou
porque tenham chegado a desaparecer. "Pela inculturação, a Igreja encarna
o Evangelho nas diversas culturas e simultaneamente introduz os povos com as
suas culturas na sua própria comunidade, transmitindo-lhes os seus próprios
valores, assumindo o que de bom nelas existe, e renovando-as a partir de
dentro" (RMi 52). A fé, ao se encarnar nessas culturas, deve corrigir seus
erros e evitar sincretismos. A tarefa da inculturação da fé é própria das
Igrejas particulares sob a direção dos seus pastores, com a participação de
todo o povo de Deus. Os critérios fundamentais neste processo são a sintonia
com as exigências objetivas da fé e a abertura à comunhão com a Igreja
universal (cf. RMi 54).
3.1 Valores
culturais: Cristo, medida de nossa conduta moral
231. - Criados à
imagem de Deus, temos a medida de nossa conduta moral em Cristo, Verbo
encarnado, plenitude do homem. Já a conduta ética natural, essencialmente
ligada à dignidade humana e seus direitos, constitui a base para um diálogo
com os não-crentes.
Pelo batismo
nascemos a uma vida nova e recebemos a capacidade de nos aproximarmos do
modelo que é Cristo. Caminhar em direção a Ele é a moral cristã; é a forma de
vida própria do homem de fé, que com a ajuda da graça sacramental segue a Jesus
Cristo, vive a alegria da salvação e abunda em frutos de caridade para a vida
do mundo (c£ Jo 15; OT 16).
- Consciente da
necessidade de seguir este caminho, o cristão se empenha na formação da própria
consciência. Desta formação, tanto individual como coletiva, da maturidade de
mentalidade, do seu sentido de responsabilidade e da pureza dos costumes
depende o desenvolvimento e a riqueza dos povos (cf. DI 19). A moral cristã só
se entende dentro da Igreja e se planifica na Eucaristia. Tudo o que nela
podemos oferecer é vida; o que não se pode oferecer é o pecado.
Desafios pastorais
232. - Graças a
Deus, na América Latina e no Caribe, há muita gente que segue com fidelidade a
Jesus Cristo, mesmo em circunstâncias adversas. Todavia, observa-se na nossa
realidade social o crescente desajuste ético-moral, em especial a deformação da
consciência, a ética permissiva e uma sensível queda do sentido do pecado.
Decresce o influxo da fé, perde-se o valor religioso, desconhece-se a Deus como
sumo bem e último juiz. Diminui a prática do sacramento da reconciliação. É
deficiente a apresentação do magistério moral da Igreja.
233. - A corrupção
tem-se generalizado. Há um mau emprego dos recursos econômicos públicos;
progridem a demagogia, o populismo, a "mentira política" nas
promessas eleitorais; burla-se a justiça, generaliza-se a impunidade e a
comunidade se sente impotente e indefesa diante do delito. Com tudo isso,
fomenta-se a insensibilidade social e o cepticismo ante a falta de aplicação da
justiça, emitem-se leis contrárias aos valores humanos e cristãos
fundamentais. Não há uma eqüitativa distribuição dos bens da terra, abusa-se da
natureza e se danifica o ecossistema.
234.-Fomentam-se a
mentalidade e as ações contra a vida mediante campanhas anti-natalistas, de
manipulação genética, do abominável crime do aborto e da eutanásia. Muda-se o
sentido da vida como conquista do forte sobre o fraco, que propicia ações de
ódio e destruição, e impede a construção e o crescimento do homem.
235. - Assiste-se
assim à crescente deterioração da dignidade humana. Crescem a cultura da
morte, a violência e o terrorismo, a toxicomania e o narcotráfico.
Desnaturaliza-se a dimensão integral da sexualidade humana, faz-se de homens e
mulheres, inclusive de crianças, uma indústria de pornografia e prostituição;
no âmbito da permissividade e promiscuidade sexual cresce o terrível mal da
AIDS e aumentam as doenças venéreas.
236.-Introduz-se
como norma de moralidade a chamada "ética civil ou cidadã", na base
de um consenso mínimo de todos com a cultura reinante, sem necessidade de
respeitar a moral natural e as normas cristãs. Observa-se uma "moral de
situação" segundo a qual algo mau em si deixaria de sê-1o segundo as
pessoas, circunstâncias e interesses em jogo. Freqüentemente os meios de
comunicação social se fazem eco de todos estes critérios e os difundem.
Linhas pastorais
237. - Trabalhar na
formação cristã das consciências e resgatar os valores perdidos da moral
cristã. Voltar a tomar consciência do pecado (do pecado original e dos pecados
pessoais) e da graça de Deus como força para poder seguir nossa consciência
cristã.
Despertar em todos
a experiência do amor que o Espírito Santo derrama nos corações, como força de
toda Moral cristã.
238. - Zelar para
que os meios de comunicação social nem manipulem nem sejam manipulados ao
transmitir, sob pretexto de pluralismo, o que destrói o povo latino-americano.
Fortalecer a unidade da família e sua influência na formação da consciência
cristã.
239. - Apresentar a
vida moral como um seguimento de Cristo, frisando a vivência das
Bem-aventuranças e a freqüente prática dos sacramentos. Difundir as virtudes
morais e sociais que nos convertam em homens novos, criadores de uma nova
humanidade. Este anúncio tem que ser vital e querigmático, especialmente onde
mais se houver introduzido o secularismo, apresentando na catequese a conduta
cristã como o autêntico seguimento de Cristo. Cuidar que, no campo moral, a
justa aplicação de critérios de gradualidade não diminua as exigências
peremptórias da conversão.
240. - Favorecer a
formação permanente dos bispos e presbíteros, dos diáconos, dos religiosos,
religiosas e leigos, especialmente dos agentes de pastoral segundo o
ensinamento do Magistério. A liturgia deve expressar mais claramente os
compromissos morais que comporta. A religiosidade popular, especialmente nos
Santuários, deve voltar-se para a conversão. É mister fomentar e facilitar o
acesso ao sacramento da reconciliação.
241. - Quanto ao
problema da droga, implementar ações de prevenção na sociedade e de atenção e
cura dos toxicômanos; denunciar com coragem os males que o vício e o tráfico da
droga produzem em nossos povos, e o gravíssimo pecado que significa a sua
produção, comercialização e consumo. Chamar especialmente a atenção sobre a
responsabilidade dos poderosos mercados consumidores. Promover a solidariedade
e a cooperação nacional e internacional no combate a este flagelo.
242. - Orientar e
acompanhar pastoralmente os construtores da sociedade na formação de uma
consciência moral em suas tarefas e na atuação política.
Estar sempre
abertos ao diálogo com aqueles que guiam suas vidas por caminhos diferentes da
ética cristã. Comprometer-nos efetivamente na consecução da justiça e da paz
dos nossos povos.
3.2. Unidade e
pluralidade das culturas indígenas, afro-americanas e mestiças
Iluminação teológica
243. - A ação de
Deus, através do seu Espírito, dá-se permanentemente no interior de todas as
culturas. Na plenitude dos tempos, Deus enviou seu Filho Jesus Cristo, que
assumiu as condições sociais e culturais dos povos e se fez "em tudo como
nós, com exceção do pecado" (Hb 4,15; cf. GS 22).
- A analogia entre
a encarnação e a presença cristã no contexto sócio-cultural e histórico dos
povos suscita para nós o problema teológico da inculturação. Esta inculturação
é um processo que vai do Evangelho ao coração de cada povo e comunidade com a
mediação da linguagem e dos símbolos compreensíveis e apropriados segundo o
juízo da Igreja.
- Uma meta da
Evangelização inculturada será sempre a salvação e libertação integral de um
determinado povo ou grupo humano, que fortaleça sua identidade e confie em seu
futuro específico, contrapondo-se aos poderes da morte, adotando a perspectiva
de Jesus Cristo encarnado, que salvou a vida de todos partindo da fraqueza, da
pobreza e da cruz redentora. A Igreja defende os autênticos valores culturais
de todos os povos, especialmente dos oprimidos, indefesos e marginalizados,
diante da força esmagadora das estruturas de pecado manifestas na sociedade
moderna.
Desafios pastorais
244. - A América
Latina e o Caribe configuram um continente multiétnico e pluricultural. Nele
convivem, em geral, povos aborígines, afro-americanos, mestiços e descendentes
de europeus e asiáticos, cada qual com sua própria cultura que os situa em sua
respectiva identidade social, segundo a cosmovisão de cada povo. Eles buscam,
porém, uma unidade a partir da identidade católica.
245. - Os povos
indígenas de hoje cultivam valores humanos de grande significação. Eles têm,
nas palavras de João Paulo II, a certeza de que o mal se identifica com a morte
e o bem com a vida" (João Paulo IIs Mensagem
aos indígenas, 2). Estes valores e convicções são fruto das "sementes
do Verbo" que estavam já presentes e atuastes nos seus antepassados, para
que fossem descobrindo a presença do Criador em todas suas criaturas: o sol, a
lua, a mãe terra etc. (c£ ibid.).
A Igreja, ao se
encontrar com estes povos nativos, desde o princípio tratou de acompanha-los na
luta pela própria sobrevivência, ensinando-lhes o caminho de Cristo Salvador,
a partir da injusta situação de povos vencidos, invadidos e tratados como
escravos. Na primeira evangelização, junto a enormes sofrimentos, houve grandes
acertos e intenções pastorais valiosas, cujos frutos perduram até os nossos
dias.
246. - As culturas
afiro-americanas, presentes na América Latina e no Caribe, estão marcadas por
uma constante resistência à escravidão. Estes povos, que somam milhões de
pessoas, têm também nas suas culturas valores humanos que expressam a presença
do Deus criador.
Durante os quatro
séculos passados, é indubitável que vários milhões de africanos negros foram
transportados como escravos, violentamente arrancados de suas terras, separados
de suas famílias e vendidos como mercadoria. A escravidão dos negros e a
matança dos índios foram o maior pecado da expansão colonial do Ocidente.
Infelizmente, no que se refere à escravidão, ao racismo e à discriminação,
houve batizados que não se mantiveram alheios a essa situação.
247. - Como o
assinalou vigorosamente o Documento de Puebla, nos povos que são fruto da
mestiçagem racial, tem-se desenvolvido uma cultura "mestiça"
particular, na qual está muito vigente a religiosidade popular, como forma
inculturada do catolicismo. Coexistem, no entanto, o descumprimento de deveres
cristãos ao lado de admiráveis exemplos de vida cristã e um desconhecimento da
doutrina ao lado de vivências católicas enraizadas nos princípios do Evangelho.
Nas expressões
culturais e religiosas de camponeses e de habitantes das periferias urbanas,
reconhece-se grande parte do patrimônio cristão do continente e uma fé
arraigada dos valores do Reino de Deus.
Linhas pastorais: Evangelização incultura
248. - Depois de
ter pedido perdão com o Papa aos nossos irmãos indígenas e afro-americanos
"perante a infinita santidade de Deus, pelos fatos marcados pelo pecado, pela
injustiça e pela
violência"
(Audiência geral, quarta feira 21 de outubro de 1991), queremos desenvolver uma
evangelização inculturada:
1. Para com nossos
irmãos indígenas:
- Oferecer o
evangelho de Jesus com o testemunho de uma atitude humilde, compreensiva e
profética, valorizando sua palavra através de um diálogo respeitoso, franco e
fraterno e esforçar-nos por conhecer suas próprias línguas.
- Crescer no
conhecimento crítico de suas culturas para apreciá-las à luz do Evangelho.
- Promover uma
inculturação da liturgia, acolhendo com apreço seus símbolos, ritos e
expressões religiosas compatíveis com o claro sentido da fé, mantendo o valor
dos símbolos universais e em harmonia com a disciplina geral da Igreja.
- Acompanhar sua
reflexão teológica, respeitando suas formulações culturais, que os auxiliem a
dar razão de sua fé e de sua esperança.
- Crescer no
conhecimento de sua cosmovisão, que faz da globalidade de Deus, homem e mundo,
uma unidade que impregna todas as relações humanas, espirituais e transcendentais.
- Promover nos
povos indígenas seus valores culturais autóctones mediante uma inculturação da
Igreja, para atingir uma maior realização do Reino.
249. 2. Para com
nossos irmãos afro-americanos:
- Conscientes do
problema da marginalização e do racismo que pesa sobre a população negra, a
Igreja, na sua missão evangelizadora, quer participar dos seus sofrimentos e
acompanhá-los em suas legítimas aspirações em busca de uma vida mais justa e
digna para todos (cf. ibid.).
- Pela mesma razão,
a Igreja na América Latina e no Caribe quer apoiar os povos afro-americanos na
defesa de sua identidade e no reconhecimento de seus próprios valores; como
também ajudá-los a manter vivos seus usos e costumes compatíveis com a doutrina
cristã (Discurso do Papa João Paulo II aos Afro-americanos em Santo Domingo).
- Da mesma forma,
comprometemo-nos a dedicar especial atenção à causa das comunidades
afro-americanas no campo pastoral, favorecendo a manifestação das expressões
religiosas próprias de suas culturas (ibid.).
250. 3. Desenvolver a consciência da mestiçagem, não
só a nível racial mas também cultural, que caracteriza as grandes maiorias em
muitos dos nossos povos, pois está vinculada à inculturação do Evangelho.
Promoção humana das etnias
251. Para uma autêntica
promoção humana, a Igreja quer apoiar os esforços que estes povos fazem para
ser reconhecidos como tais pelas leis nacionais e internacionais, com pleno
direito à terra, às suas próprias organizações e vivências culturais, a fim de
garantir o direito que têm de viver segundo sua identidade, sua própria língua
e seus costumes ancestrais, e de se relacionar com plena igualdade com todos os
povos da terra.
Portanto assumimos
os seguintes compromissos:
- Superar a
mentalidade e a práxis do desenvolvimento induzido do exterior, em favor do
autodesenvolvimento, a fim de que estes povos sejam artífices do seu próprio
destino.
- Contribuir
eficazmente para deter e erradicar as políticas tendentes a fazer desaparecer
as culturas autóctones como meios de forçada integração; ou pelo contrário,
políticas que queiram manter os indígenas isolados e marginalizados da
realidade nacional.
- Impulsionar a
plena vigência dos direitos humanos dos indígenas e afro-americanos, incluindo
a legítima defesa de suas terras. - Como um gesto concreto de solidariedade em
favor dos camponeses, indígenas e afro-americanos, apoiar a Fundação Populorum Progressio, instituída pelo
Santo Padre.
- Rever
completamente nossos sistemas educacionais, para eliminar definitivamente todo
aspecto discriminatório no que diz respeito a métodos educativos, volume e
investimento de recursos.
- Fazer o possível
para que se garanta aos indígenas e afro-americanos uma educação adequada a
suas respectivas culturas, começando inclusive com a alfabetização bilingüe.
3.3 Nova cultura
3.3.1 Cultura moderna
Situação
252. - Embora
realidade pluricultural, a América Latina e o Caribe estão profundamente
marcados pela cultura ocidental, cuja memória, consciência e projeto se
apresentam sempre no nosso predominante estilo de vida comum. Daí o impacto que
a cultura moderna e as possibilidades a nós oferecidas por seu período
pós-moderno produziram em nossa maneira de ser.
A cultura moderna
se caracteriza pela centralidade do homem; os valores da personalização, da
dimensão social e da convivência; a absolutização da razão, cujas conquistas
científicas e tecnológicas e informáticas têm satisfeito muitas das
necessidades do homem, ao mesmo tempo que têm buscado uma autonomia em relação
à natureza, a qual domina; em relação à história, cuja construção ele assume; e
inclusive em relação a Deus, do qual se desinteressa ou relega à consciência
pessoal, privilegiando exclusivamente a ordem temporal.
- A pós-modernidade
é o resultado do fracasso da pretensão reducionista da razão moderna, que leva
o homem a questionar tanto alguns êxitos da modernidade como a confiança no
progresso indefinido, embora reconheça, como o faz também a Igreja (GS 57),
seus valores.
- Tanto a
modernidade, com seus valores e contravalores, como a pós-modernidade enquanto
espaço aberto à transcendência, apresentam sérios desafios à evangelização da
cultura.
Desafios pastorais
253. - Ruptura
entre fé e cultura, conseqüência do fechamento do homem moderno à
transcendência, e da excessiva especialização que impede a visão de conjunto.
- Escassa
consciência da necessidade de uma verdadeira inculturação como caminho para a
evangelização da cultura.
- Incoerência entre
os valores do povo, inspirados em princípios cristãos, e as estruturas sociais
geradoras de injustiças, que impedem o exercício dos direitos humanos.
- O vazio ético e o
individualismo reinante, que reduzem a fundamentação dos valores a meros
consensos sociais subjetivos. - O poder massivo dos meios de comunicação
social, com freqüência a serviço de contravalores.
- A escassa presença da Igreja no campo
das expressões dominantes da arte, do pensamento filosófico e
antropológico-social, no universo da educação.
- A nova cultura
urbana, com seus valores, expressões e estruturas características, com seu
espaço aberto e, ao mesmo tempo, diversificado, com sua mobilidade, em que
predominam as relações funcionais.
Linhas pastorais
254. - Apresentar
Jesus Cristo como paradigma de toda atitude pessoal e social, e como resposta
aos problemas que afligem às culturas modernas: o mal, a morte, a falta de
amor.
- Intensificar o
diálogo entre fé e ciência, fé e expressões, fé e instituições, que são grandes
âmbitos da cultura moderna.
- Cuidar dos sinais
e da linguagem cultural que assinala a presença cristã e permite introduzir a
originalidade da mensagem evangélica no coração das culturas, especialmente no
campo da liturgia.
- Promover e formar
o laicado para exercer no mundo sua tríplice função: a profética, no campo da
Palavra, do pensamento, de sua expressão e valores; a sacerdotal no mundo da
celebração e do sacramento, enriquecida pelas expressões da arte, e da comunicação;
a régia no universo das estruturas sociais, políticas, econômicas.
- Promover o
conhecimento e discernimento da cultura moderna visando a uma adequada
inculturação.
3.3.2 A cidade
Desafios pastorais
255. - A América
Latina e o Caribe acham-se hoje num processo acelerado de urbanização. A cidade
pós-industrial não representa só uma variante do tradicional habitat humano,
mas constitui, de fato, a passagem da cultura rural à cultura urbana, sede e
motor da nova civilização universal (cf. P 429). Nela altera-se a forma com a
qual num grupo social, num povo, numa nação, os homens cultivam sua relação
consigo mesmo, com os outros, com a natureza e com Deus.
- Na cidade, as
relações com a natureza se limitam, quase sempre e pelo próprio ser da cidade,
ao processo de produção de bens de consumo. As relações entre as pessoas se
tornam amplamente funcionais e as relações com Deus passam por uma acentuada
crise, porque falta a mediação da natureza tão importante na religiosidade
rural e porque a modernidade tende a fechar o homem dentro da imanência do
mundo. As relações do homem urbano com ele mesmo também mudam, porque a cultura
moderna faz com que valorize principalmente sua liberdade, sua autonomia, a
racionalidade científico-tecnológica e, de modo geral, sua subjetividade, sua
dignidade humana e seus direitos. Com efeito, na cidade encontram-se os grandes
centros geradores da ciência e tecnologia moderna.
- Nossas metrópoles
latino-americanas têm também como característica atual periferias de pobreza e
miséria, que quase sempre constituem a maioria da população, fruto de modelos
econômicos exploradores e excludentes. Até o campo se urbaniza pela
multiplicação das comunicações e transportes.
- Por sua vez, o
homem urbano atual apresenta um tipo diverso do homem rural: confia na ciência
e na tecnologia; é influenciado pelos grandes meios de comunicação social; é
dinâmico e projetado em direção do novo; consumiste, audiovisual, anônimo na
massa e desarraigado.
Linhas pastorais
256. - Realizar uma
pastoral urbanamente inculturada com relação à catequese, à liturgia, e à
organização da Igreja. A Igreja deverá inculturar o Evangelho na cidade e no
homem urbano, discernir seus valores e antivalores; captar sua linguagem e seus
símbolos. O processo de inculturação abrange o anúncio, a assimilação e a
reexpressão da fé.
257. - Reprogramar
a paróquia urbana. A Igreja na cidade deve reorganizar as suas estruturas
pastorais. A paróquia urbana deve ser mais aberta, flexível e missionária,
permitindo uma ação pastoral transparoquial e supraparoquial. Além disso, a
estrutura da cidade exige uma pastoral especialmente pensada para essa
realidade. Lugares privilegiados da missão deveriam ser as grandes cidades,
onde surgem novas formas de cultura e comunicação.
258. - Promover a
formação de leigos para a pastoral urbana, com formação bíblica e espiritual;
criar ministérios conferidos aos leigos para a evangelização das grandes
cidades.
259. - Multiplicar
as pequenas comunidades, os grupos e
movimentos eclesiais, e as comunidades eclesiais de base. Iniciar a chamada
"pastoral dos edifícios", mediante a ação de leigos comprometidos que
vivam neles.
260. - Programar
uma pastoral ambiental e funcional, diferenciada segundo os espaços da cidade.
Uma pastoral de acolhida, dado o fenômeno das migrações. Uma pastoral para os
grupos marginalizados. Assegurar a assistência religiosa aos habitantes das
grandes cidades durante os meses de verão e férias; dispensar atenção pastoral
aos que passam habitualmente os fins de semana fora da cidade, onde não têm
possibilidade de cumprir o preceito dominical.
261. - Incentivar a
evangelização dos grupos de influência e dos responsáveis da cidade, no sentido
de fazer da mesma, principalmente nos bairros populares, um habitat digno do
homem.
262.-Promover no
âmbito continental (CELAM), nacional e regional, encontros e cursos sobre
evangelização das grandes metrópoles.
3.4 A ação
educativa da Igreja
Iluminação teológica
263. - Reafirmamos
o que dissemos em Medellín e Puebla (c£ Documento de educação, Medellín,
Puebla) e a partir dali assinalamos alguns aspectos importantes para a
educação católica nos nossos dias.
- A educação é a
assimilação da cultura. A educação cristã é a assimilação da cultura cristã. F
a inculturação do Evangelho na própria cultura. Seus níveis são bem diversos,
podem ser escolares ou não escolares, elementares ou superiores, formais ou
não-formais. Em todo caso, a educação é um processo dinâmico que dura a vida
toda da pessoa e dos povos. Recolhe a memória do
passado, ensina a viver hoje e se projeta para o futuro. Por isto, a educação cristã é indispensável na nova
evangelização.
264. - A educação cristã desenvolve e assegura
a cada cristão a sua vida de fé e faz
com que verdadeiramente nele sua vida seja Cristo (cf. F1 1,21). Por ela, ecoam
no homem as "palavras de vida eterna" (Jo 6,68), realiza-se em cada
pessoa a "nova criatura" (2 Cor
5,17) e se leva a cabo o projeto do Pai de "recapitular em Cristo todas as
coisas" (Et 1,10). Assim a educação cristã se funda numa verdadeira
antropologia cristã que significa a abertura do homem para Deus como Criador e
Pai, para os outros como seus irmãos, e para o mundo como àquilo que lhe foi
entregue para potenciar suas virtualidades e não para exercer sobre ele um domínio despótico que destrua a natureza.
265. - Nenhum mestre educa sem saber para que
educa e em que direção educa. Há um projeto de homem encerrado em qualquer
projeto educativo; e este projeto vale ou não segundo construa ou destrua o
educando. Este é o valor educativo. Quando falamos de uma educação cristã,
queremos dizer que o mestre educa para um projeto de homem no qual viva Jesus Cristo.
Há muitos aspectos nos quais educar e muitos que constam do projeto educativo do homem; há muitos valores; mas
estes valores nunca estão sós, sempre formam uma constelação ordenada explicita
ou implicitamente. Se a estruturação tem como fundamento e termo a Cristo, tal educação recapitulará
tudo em Cristo e será uma verdadeira educação cristã; caso contrário, pode
falar de Cristo, mas não é educação cristã.
- O mestre cristão deve ser considerado como
sujeito eclesial que evangeliza, que catequiza e educa cristãmente. Tem uma
identidade definida na comunidade eclesial. Seu papel deve ser reconhecido na
Igreja.
266. - Na situação
atual encontramos uma pluralidade de valores que nos interpelam e que são
ambivalentes. Daí surge a necessidade de confrontar os novos valores
educacionais com Cristo revelador do mistério do homem. Na nova educação,
trata-se de fazer crescer e
amadurecer a pessoa segundo as exigências dos novos valores; a isto deve
agregar-se a harmonização com a tipologia própria do contexto latino-americano.
- Geralmente nos pedem, com base em critérios
secularistas, que eduquemos o homem técnico, o homem apto para dominar seu
mundo e viver num intercâmbio de bens produzidos sob certas normas políticas;
as mínimas. Esta realidade nos interpela fortemente para podermos ser
conscientes de todos os valores que estão nela e podê-los recapitular em
Cristo; interpela-nos para continuar a linha da Encarnação do Verbo na nossa
educação cristã, e para chegar ao projeto de vida para todo homem, que é Cristo
morto e ressuscitado.
Desafios pastorais
267. - A partir de
outros aspectos a realidade latino-americana nos interpela pela exclusão de
muita gente da educação escolar, mesmo a básica, pelo grande analfabetismo que
existe em vários dos nossos países; interpela-nos pela crise da família, a
primeira educadora, pelo divórcio existente entre o Evangelho e a cultura;
pelas diferenças sociais e econômicas que fazem com que para muitos seja
dispendiosa a educação católica, especialmente nos níveis superiores.
Interpela-nos também a educação informal que se recebe através de tantos
comunicadores não propriamente cristãos, p.ex., na televisão.
268.-Um grande
desafio é a Universidade católica e a Universidade de inspiração cristã, já que
o seu papel é especialmente o de
realizar um projeto cristão de homem e portanto, tem de estar em diálogo vivo,
contínuo e progressivo com o Humanismo e com a cultura técnica, de maneira que
saiba ensinar a autêntica Sabedoria cristã pela qual o modelo de "homem
trabalhador", aliado ao de "homem sábio", culmine em Jesus
Cristo. Só assim poderá apontar soluções para os complexos problemas não resolvidos
da cultura emergente e para as novas estruturações sociais, como a dignidade da
pessoa humana, os direitos invioláveis da vida, a liberdade religiosa, a
família como primeiro espaço para o compromisso social, a solidariedade nos
seus distintos níveis, o compromisso próprio de uma sociedade democrática, a
complexa problemática econômico-social, o fenômeno das seitas, a velocidade da
mudança cultural.
269. - No campo
escolar, outro desafio é o que representa em vários países o espinhoso problema
das relações entre a educação estatal e a educação cristã. Embora em outras
nações se tenha produzido uma maior viabilidade das mesmas, há países em que
ainda não se compreende que a educação católica é um direito inalienável dos
pais católicos e dos seus filhos e neles não se recebem os recursos necessários
para ela, ou simplesmente é proibida.
270. - Outros
desafios significativos são a ignorância religiosa da juventude, a educação
extra-escolar e a educação informal. Também é um desafio a educação adequada
às diferentes culturas, em especial às culturas indígenas e afro-americanas;
não só no sentido de que não se adapta à sua maneira de ser, mas no de não
marginalizá-las nem excluí-las do progresso, da igualdade de oportunidades e da
capacidade de construir a unidade nacional.
Linhas pastorais
271. - Nossos
compromissos no campo educacional se resumem, sem dúvida, à linha pastoral da
inculturação: a educação é a mediação metodológica para a evangelização da
cultura. Portanto pronunciamo-nos por uma educação cristã desde e para a vida
no âmbito individual, familiar e comunitário e no âmbito do ecossistema; que
fomente a dignidade da pessoa humana e a verdadeira solidariedade; educação a
ser integrada por um processo de formação cívico-social inspirado no Evangelho
e na Doutrina Social da Igreja. Comprometemo-nos com uma educação
evangelizadora.
272.-Apoiamos os
pais de família para que decidam de acordo com suas convicções o tipo de
educação para seus filhos e denunciamos todas as intromissões do poder civil
que coorte este direito natural. Deve garantir-se o direito da formação
religiosa para cada pessoa, e, portanto, o do ensino religioso nas escolas em
todos os níveis.
273. - Apoiamos os
educadores cristãos que trabalham em instituições da Igreja, as congregações
que se dedicam ao trabalho educativo e os professores católicos que trabalham
em instituições não católicas. Devemos promover a formação permanente dos
educadores católicos no que concerne ao crescimento de sua fé e à capacidade de
comunicá-1a como verdadeira Sabedoria, especialmente na educação católica.
274. - Urge uma
verdadeira formação cristã sobre a vida, o amor, a sexualidade, que corrija os
desvios de certas informações que se recebem nas escolas. Urge uma educação
para a liberdade, um dos valores fundamentais da pessoa. É também necessário
que a educação cristã se preocupe de educar para o trabalho, especialmente nas
circunstâncias da cultura atual.
275. - Os carismas
das ordens e congregações religiosas, postos a serviço da educação católica nas
diversas igrejas particulares do nosso Continente, nos auxiliam sobremodo a
cumprir o mandato recebido do Senhor de ir e ensinar a todas as gentes (Ml
28,1820), especialmente na evangelização da cultura. Conclamamos os religiosos
e religiosas que abandonaram este campo tão importante da educação católica a
que se reincorporem à sua tarefa; recordando que a opção preferencial pelos
pobres inclui a opção preferencial pelos meios a que as pessoas saiam da sua
miséria, e um dos meios privilegiados para isto é a educação católica. A opção
preferencial pelos pobres se manifesta também em que os religiosos educadores
continuem seu trabalho educativo em tantas regiões rurais tão afastadas como
necessitadas.
276. - Devemos
também nos esforçar para que a educação católica escolar em todos seus níveis
esteja ao alcance de todos e não se veja restrita a alguns, mesmo em vista dos
problemas econômicos que isso implica. Deve-se promover a responsabilidade da
comunidade paroquial na escola e sua gestão. Pedimos que se garantam os
recursos públicos destinados à educação católica. Cremos particularmente que a
universidade católica, a partir da Constituição apostólica Ex carde Ecclesiae, é chamada a uma importante missão de diálogo
entre o Evangelho e as culturas e de promoção humana na América Latina e
Caribe.
277. - Cientes da
extensão planetária da cultura atual formaremos a partir da educação católica e
em todo nível uma consciência crítica diante dos meios de comunicação social.
Urge dotar a família de critérios de verdade para capacitá-1a para o uso da TV,
da imprensa e do rádio.
278. - Transformar
a escola católica numa comunidade que seja centro de irradiação evangelizadora,
mediante alunos, pais e mestres. Empenhamo-nos em fortalecer a comunidade
educativa e nela um processo de formação cívico-social, inspirado no Evangelho
e no magistério social da Igreja que responda às verdadeiras necessidades do
povo. Reforça-se-á outrossim a organização dos estudantes, docentes, pais de
alunos e ex-alunos, como método de educação cívico-social e política que
possibilite a formação democrática das pessoas. Solicitamos aos governos que
sigam em seus esforços para promover cada vez mais a democratização da
educação.
Comunicação social
e cultura
Iluminação teológica
279.-A
evangelização, anúncio do Reino, é comunicação, para que vivamos em comunhão
(cf. P 1063): "O que vimos e ouvimos vo-1o anunciamos para que estejais
também em comunhão conosco. E a nossa comunhão é com o Pai e com o seu Filho
Jesus Cristo" (1 Jo 1,3). Cada pessoa e cada grupo humano desenvolve sua
identidade no encontro com os outros (alteridade). Esta comunicação é caminho
necessário para chegar à comunhão (comunidade). A razão é que o homem foi feito
à imagem de Deus Uno e Trino, e no coração da Revelação encontramos seu
mistério trinitário como a comunicação eternamente interpessoal, cuja palavra
se faz diálogo, entra na história por obra do Espírito e inaugura assim um
mundo de novos encontros, intercâmbios, comunicação e comunhão. Esta
comunicação é importante não só com o mundo, mas também ao interior da Igreja.
- No gesto de
comunicação do Pai, através do Verbo feito carne, "a palavra se faz
libertadora e redentora para toda a humanidade na pregação e na ação de Jesus.
Este ato de amor pelo qual Deus se revela, associado à resposta de fé da
humanidade, gera um diálogo profundo" (AN 6). Assim Cristo é o modelo de
comunicador, n'Ele, Deus, o totalmente Outro, sai ao nosso encontro e espera
nossa resposta livre. Este encontro de comunhão com Ele é sempre crescimento. É
o caminho da santidade.
- Assim dá-se uma
relação muito íntima entre evangelização, promoção humana e cultura, fundada na
comunicação, o que impõe à Igreja tarefas e desafios concretos no campo da
comunicação social. Disse-o o Papa no discurso inaugural desta Conferência:
"Intensificar a presença da Igreja no mundo da comunicação há de ser
certamente uma das vossas prioridades" (DI 23).
- Sabemos que nos
encontramos na nova cultura da imagem, e que a Mensagem evangélica deve
inculturar-se nessa cultura, levando-a a ser expressão de Cristo, a máxima
comunicação.
Compreendemos a
importância dos inumeráveis meios eletrônicos que agora estão ao nosso alcance
para anunciar o Evangelho. Damos graças a Deus por este novo dom que nos deu na
cultura atual.
Desafios pastorais
280.- O
desenvolvimento tecnológico em matéria de comunicações, especialmente na
televisão oferece à evangelização amplas perspectivas de comunicação nos mais
diversos níveis e facilita à sociedade, em geral, uma interrelação também
planetária. Este é um fato positivo, mas também no contexto atual apresenta
desafios muito sérios pela orientação secularista de muitas programações.
Damo-nos conta do
desenvolvimento da indústria da comunicação na América Latina e Caribe que
mostra o crescimento de grupos econômicos e políticos que concentram cada vez
mais em poucas mãos e com enorme poder a propriedade dos diferentes meios e
chegam a manipular a comunicação, impondo uma cultura que estimula o hedonismo
e o consumismo e atropela nossas culturas com os seus valores e identidades.
- Vemos como a
publicidade freqüentemente introduz falsas expectativas e cria necessidades
fictícias; vemos também como especialmente na programação televisiva sobejam a
violência e a pornografia que penetram agressivamente no seio das famílias.
Também constatamos que as seitas fazem uso cada vez mais intensivo e extensivo
dos meios de comunicação.
- Por outro lado, a
presença da Igreja no sistema de meios é ainda insuficiente e se carece de
suficientes agentes com a preparação devida para enfrentar o desafio; além
disso, falta por parte dos diferentes episcopados um adequado planejamento da pastoral
das comunicações.
A telemática e a
informática são novos desafios para a integração da Igreja no seu mundo.
Linhas pastorais
281. - Apoiar e
estimular os esforços daqueles que, com o uso dos meios defendem a identidade
cultural, assumem o desafio do encontro com realidades novas e distintas e
procuram que se dê lugar a um diálogo
autêntico. Articular a comunicação massiva com a comunitária e grupai.
Esforçar-se para ter meios próprios e ao menos uma produtora de vídeo a serviço
da América Latina e do Caribe.
282. - Ajudar a
discernir e orientar as políticas e estratégias da comunicação, que devem
encaminhar-se a criar condições para o
encontro entre as pessoas, para a vigência de uma autêntica e responsável
liberdade de expressão, para fomentar os valores culturais próprios e para
buscar a integração latino-americana.
283. - Dar aos
profissionais católicos da comunicação o apoio suficiente para cumprir sua
missão. Procurar uma crescente relação de comunhão eclesial com as organizações
internacionais (OCIC-AL, UNDA-AL, UCLAP) "cujos membros podem ser
colaboradores valiosos e competentes das Conferências episcopais e dos
diferentes bispos" (AN 17). As comissões episcopais de comunicação de cada
país e o próprio DECOS-CELAM e o SERTAL hão de aumentar e melhorar sua presença
neste campo.
284. - Deve-se pôr
todo empenho na formação técnica, doutrinal e moral de todos os agentes de
pastoral que trabalham em e com os meios de comunicação social. Ao mesmo tempo,
é necessário um Plano de educação orientado para a percepção crítica, especialmente
nos lares, como para a capacidade de utilizar ativa e criativamente os meios e
sua linguagem, empregando os símbolos culturais do nosso povo.
285. - É necessário
levar as Universidades católicas a oferecer formação do melhor nível humano,
acadêmico e profissional em comunicação social. Nos seminários e casas de
formação religiosa se ensinarão as linguagens e técnicas de comunicação, que
garantam uma preparação sistemática suficiente.
É hoje
imprescindível usar a informática para otimizar nossos recursos
evangelizadores. Deve-se avançar na instalação da rede de informática da Igreja
nas diferentes Conferências episcopais.
286. - Que as
editoras católicas ajam coordenadamente dentro da pastoral orgânica.
Terceira parte
JESUS CRISTO, VIDA
E ESPERANÇA DA AMÉRICA LATINA
LINHAS PASTORAIS
PRIORITÁRIAS
287. De nossas
igrejas particulares viemos a Santo Domingo. Éramos portadores das
"alegrias e das esperança, das tristezas e das angústias" (GS 1) dos
nossos povos Acompanharam-nos os anseios de vida e esperança para o Continente.
Nosso encontro com
o Santo Padre nos confirmou na fé, na esperança e no amor ao Senhor e à Igreja.
A companhia espiritual de tantos irmãos que oraram por nós e nos ofereceram seu
apoio, nos deu fortaleza.
A celebração diária
da Eucaristia, a meditação da Palavra de Deus e o trabalho comum realizado com
a confiança posta no Senhor, permitiram-nos uma autêntica experiência da
presença de "Jesus no meio de nós" (Ml 18,20) e na ação do Espírito. "Jesus
Cristo, o mesmo ontem, hoje e sempre" fez-nos sentir que Ele faz de nós
"criaturas novas" (2 Cor 5,17); que nos dá "vida abundante"
(Jo 10,10); que nos promete "vida eterna" (Jo 6,54). Ele é
"nossa esperança" (1Tm 1,1).
Agora regressamos
aos diferentes campos do nosso ministério. Anunciaremos o Evangelho da vida.
Continuaremos dando "razão dessa mesma esperança" (1 Pd 3,15) a cada
uma das pessoas que o Senhor colocar em nossos caminhos.
288. - Ao finalizar
nossas reflexões, com o coração agradecido a Deus, voltamos nosso olhar ao
trabalho realizado para identificar as principais linhas pastorais que
encontramos e para continuar caminhando guiados pelos três temas que o Santo
Padre nos convidou a estudar, aprofundar e aplicar a partir desta IV Conferência.
Revendo nosso
caminho proclamamos com novo ardor nossa fé em Jesus Cristo, Filho de Deus
vivo, única razão da nossa vida e fonte da nossa missão. Ele é o caminho, a
verdade e a vida. Ele nos dá a vida que desejamos comunicar plenamente a nossos
povos para que tenham todos um espírito de solidariedade, reconciliação e
esperança.
289.- Fazemos esta
profissão de fé sob a proteção de Nossa Senhora de Guadalupe, Padroeira da
América Latina, que esteve conosco neste encontro episcopal e que nos acompanha
sempre na missão que o Senhor nos confia.
290. - Renovamos
nossa intenção de levar adiante as orientações pastorais do Concílio Vaticano
II, aplicadas nas Conferências Gerais de Medellín e Puebla, atualizando-as
através das linhas pastorais traçadas na presente Conferência.
291. - Os três
temas propostos pelo Santo Padre constituem para nós três grandes linhas
pastorais que assumimos para nossas Igrejas. Cada Igreja Particular e cada
Conferência Episcopal poderá encontrar, nas orientações de Santo Domingo, os
desafios e as linhas pastorais que mais respondam a suas exigências concretas.
292. - Em nome de
nossas Igrejas particulares da América Latina e do Caribe comprometemo-nos a
trabalhar em:
1. Uma nova
evangelização dos nossos povos.
2. Uma promoção
integral dos povos latino-americanos e caribenhos.
3. Uma
Evangelização inculturada.
- Neste sentido,
ressaltamos os elementos que durante a Conferência foram indicados com
especial ênfase e aprovados para impulsionar e concretar as três linhas
pastorais principais.
1. UMA NOVA
EVANGELIZAÇÃO DOS NOSSOS POVOS
293. 1.l O
compromisso é de todos a partir de comunidades vivas. Um especial protagonismo
corresponde aos leigos em continuidade com as orientações da Exortação
apostólica Christifideles Laici. Entre eles, seguindo o convite constante do
Papa, convocamos mais uma vez os jovens para que sejam força renovadora da
Igreja e esperança do mundo.
A fim de suscitar
presbíteros, diáconos permanentes, religiosos religiosas e membros dos
Institutos seculares para a nova evangelização, impulsionaremos uma vigorosa
pastoral de vocações.
294. 1.2 Somos
todos chamados à santidade (cf. LG 39-42). Numa Igreja, comunidade missionária,
nos urge um decidido empenho pela continua educação da fé, por meio da
catequese, que tem seu fundamento na Palavra de Deus e o Magistério da Igreja,
e permite aos católicos dar razão de sua esperança em toda ocasião e frente às
seitas e aos novos movimentos religiosos.
A celebração da fé
na liturgia, cume da vida da Igreja, há de realizar-se com alegria e de forma a
permitir uma participação mais viva, ativa e comprometida na realidade dos
nossos povos.
295. 1.3 É a hora
missionária da América. Dirigimos a todos um anúncio forte e entusiasta para a
Evangelização, não só no seio de nossas igrejas, mas para além de nossas
fronteiras. Esta será a resposta segundo o exemplo dos missionários que de
outras partes chegaram à América, para nos comunicar sua fé e será também fonte
de generosidade para nossos jovens e bênção para nossas igrejas.
2. PROMOÇÃO HUMANA
INTEGRAL DOS POVOS LATINO AMERICANOS E CARIBENHOS
296. 2.1 Fazemos
nosso o clamor dos pobres. Assumimos com renovado ardor a opção evangélica
preferencial pelos pobres, em continuidade com Medellín e Puebla. Esta opção
não exclusiva nem excludente, iluminará, à imitaçâo de Jesus Cristo, toda nossa
ação evangelizadora.
A essa luz
convidamos a promover uma nova ordem econômica, social e política, conforme à
dignidade de todas e cada uma das pessoas, implantando a justiça e a
solidariedade e abrindo para todas elas horizontes de eternidade.
297. 2.2 Dizemos
sim à vida e à família. Diante das graves agressões à vida e à família,
agravadas nos últimos anos, propomos uma decidida ação para defender e promover
a vida e a família, Igreja doméstica, e santuário da vida, desde sua concepção
até o final natural de sua etapa temporal. Toda vida humana é sagrada.
3. UMA
EVANGELIZAÇÃO INCULTURADA
É o terceiro
compromisso que assumimos na perspectiva de novos métodos e expressões para
viver hoJe a mensagem evangélica.
298. 3.1 As grandes
cidades da América Latina e do Caribe, com os seus múltiplos problemas, têm-nos
interpelado. Atenderemos à evangelização desses novos centros onde vive a maior
parte da nossa população. Nossa solicitude dirigir-se-á também às áreas rurais;
nelas já se sente o impacto das mudanças culturais.
299. 3.2 Queremos
aproximar nos dos povos indígenas e afro-americanos, a fim de que o Evangelho
encarnado em suas culturas manifeste toda a sua vitalidade e entrem eles em
diálogo de comunhão com as demais comunidades cristãs para o mútuo
enriquecimento.
300. 3.3 Buscaremos
também impulsionar uma eficaz ação educativa e um decidido empenho por uma
moderna comunicação.
301. Colocamo-nos
sob a ação do Espírito Santo que desde Pentecostes conduz a Igreja no amor. Ele
nos concedeu a graça do Concílio Vaticano II e de nossas Conferências Gerais do
Rio de Janeiro, Medellín e Puebla.
Estamos certos de
que não nos há de faltar seu auxilio para continuarmos, a partir de São
Domingos, mais unidos entre nós sob a orientação e guia do Santo Padre,
sucessor de Pedro e, apesar dos nossos limites, possamos impulsionar com
entusiasmo na América Latina e Caribe o anúncio de Jesus Cristo e do seu Reino.
LINHAS PASTORAIS
PRIORITÁRIAS
302. A Igreja na
América Latina e Caribe proclama sua fé: "lesos
Cristo: ontem, hoje e sempre" (cf Hb 13,8)
Nossas Igrejas
particulares, unidas na esperança e no amor, sob a proteção de Nossa Senhora de
Guadalupe, em comunhão com o Santo Padre e em continuidade com as orientações
pastorais das Conferências Gerais de Medellín e Puebla, comprometem-se a
trabalhar em:
1. Uma nova
Evangelização de nossos povos - À qual TODOS estão chamados
- Com ênfase na
PASTORAL VOCACIONAL
- com especial
protagonismo dos LEIGOS e, entre eles, dos JOVENS
- mediante a educação
contínua da fé e sua celebração" a CATEOUESE e a LITURGIA
- Para além de
nossas próprias fronteiras:
AMÉRICA LATINA
MISSIONÁRIA.
2. Uma promoção
integral do povo latino-americano e caribenho
- A partir de uma
evangélica e renovada opção pelos POBRES
- A serviço da VIDA
e da FAMÍLIA
3. Uma
evangelização inculturada
- Que penetre os
ambientes marcados pela CULTURA URBANA
- Que se encarne
nas CULTURAS INDÍGENAS e AFRO-AMERICANAS
- Com uma eficaz
AÇÃO EDUCATIVA e uma MODERNA COMUNICAÇÃO
303. ORAÇÃO
Senhor Jesus
Cristo, Filho de Deus vivo,
Bom Pastor e irmão
nosso,
nossa única opção é
por Ti.
Unidos no amor e na
esperança
sob a proteção de
Nossa Senhora de Guadalupe,
Estrela da
Evangelização,
pedimos o Teu
Espírito.
Dá-nos a graça,
em continuidade com
Medellín e Puebla,
de nos empenhar
numa Nova Evangelização, à qual todos somos chamados,
com o especial
protagonismo dos leigos, particularmente dos jovens,
comprometendo-nos
numa educação contínua da fé,
celebrando teu
louvor,
e anunciando-te
para além das nossas próprias
fronteiras,
numa igreja
decididamente missionária.
Aumenta nossas
vocações para que não faltem operários
na tua messe.
Anima-nos a nos
comprometer
numa promoção
integral
do povo
latino-americano e caribenho,
a partir de uma
evangélica e renovada
opção preferencial
pelos pobres
e a serviço da vida
e da família.
Ajuda-nos a
trabalhar
por uma
evangelização inculturada
que penetre os
ambientes de nossas cidades,
que se encarne nas
culturas indígenas e afro-americanas
por meio de uma
eficaz ação educativa
e de uma moderna
comunicação.
Amém.
MENSAGEM AOS POVOS
DA AMÉRICA LATINA E CARIBE
I. APRESENTAÇÃO
1. Convocados pelo
Santo Padre João Paulo II para a IV Conferência Geral do Episcopado
Latino-Americano e presididos por ele na sua inauguração, reunimo-nos, em Santo
Domingo, representantes dos Episcopados da América Latina e Caribe, e colaboradores
do Papa na Cúria Romana. Participaram também outros Bispos convidados de
diversas partes do mundo e igualmente sacerdotes, diáconos, religiosos,
religiosas e leigos, além de observadores pertencentes a outras Igrejas
cristãs.
2. Uma sugestiva
efeméride sugeriu a data desta IV Conferência: os 500 anos do início da
evangelização do Novo Mundo. A partir de então, a Palavra de Deus fecundou as
culturas dos nossos povos, chegando a constituir parte integrante da sua
história. Por isso, depois de uma longa preparação que incluiu uma novena de
anos, inaugurada aqui mesmo em Santo Domingo pelo Santo Padre, congregamo-nos
com a atitude assumida pelo próprio Santo Padre, ou seja, com a humildade da
verdade, dando graças a Deus pelas muitas e grandes luzes e pedindo perdão
pelas inegáveis sombras que cobriram este período.
3. A IV Conferência
Geral do Episcopado Latino-Americano quis traçar as linhas fundamentais de um
novo impulso evangelizador, que ponha Cristo no Coração e nos lábios, na ação e
na vida de todos os latino-americanos. É esta a nossa tarefa: fazer com que a
verdade sobre Cristo, a Igreja e o homem penetre mais profundamente em todas
as camadas da sociedade, em busca da sua progressiva transformação. A NOVA EVANGELIZAÇÃO foi a preocupação
do nosso trabalho.
4. A nossa reunião
está em estreita relação e continuidade com as anteriores da mesma natureza: a
primeira celebrada no Rio de Janeiro, em 1955; a seguinte em Medellín, em 1968;
e a terceira em Puebla, em 1979. Assumimos plenamente as opções que assinalaram
aqueles encontros e encarnaram as suas conclusões mais substanciais.
5. Estes eventos
constituem uma valiosa experiência eclesial, da qual provém um rico ensinamento
episcopal, útil às Igrejas e à sociedade do nosso Continente. A estas
orientações junta-se agora o compromisso evangelizador, que emerge da presente
reunião, e que oferecemos com humildade e alegria aos nossos povos.
6. A presença materna
da Virgem Maria, unida entranhadamente à fé cristã na América Latina e nas
Caraíbas, foi desde sempre, e em especial nestes dias, guia do nosso caminho de
fé, alento nos nossos trabalhos e estímulo diante dos desafios pastorais de
hoje.
II. A AMÉRICA LATINA
E CARIBE ENTRE O TEMOR E A ESPERANÇA
7. A grande maioria
dos nossos povos suporta condições dramáticas nas suas vidas. Verificamo-1o nas
quotidianas tarefas pastorais, e exprimi-lo com clareza em muitos documentos.
Assim, quando os seus sofrimentos nos oprimem, ressoa aos nossos ouvidos a
palavra que Deus disse a Moisés: "Eu vi a miséria do Meu povo... e bem
assim tenho ouvido o seu clamor... conheço, pois, a sua dor... Estou
decidido... a conduzi-1o desta terra para uma terra fértil e espaçosa" (Ex
3,7-8).
8. Essas condições
poderiam abalar a nossa esperança. Mas a ação do Espírito Santo proporciona-nos
um motivo vigoroso e sólido para esperar: a fé em Jesus Cristo, morto e
ressuscitado, que cumpre a sua promessa de estar sempre conosco (cf. Ml 28,20).
Esta fé mostra-no-1'O atento e solicito a toda a necessidade humana. Nós
procuramos realizar o que Ele fez e ensinou: assumir a dor da humanidade e
atuar para que se converta em caminho de redenção.
9. A nossa
esperança seria vã, se não fosse atuante e eficaz. A mensagem de Jesus Cristo
seria falaz, se permitisse uma desassociação entre o crer e o atuar. Exortamos
aqueles que sofrem a abrir os seus corações à mensagem de Jesus, que tem o
poder de dar um sentido novo à sua vida e dores. A fé, unida à esperança e à
caridade no exercício da atividade apostólica, tem que se traduzir em
"terra fértil e espaçosa", para aqueles que hoje sofrem na América
Latina e Caribe.
10. A hora presente
faz-nos recordar o episódio evangélico do paralítico, que havia trinta e oito
anos estava junto da piscina que curava, mas não tinha quem o levasse para
dentro dela. O nosso trabalho evangelizador quer atualizar a palavra de Jesus
ao homem enfermo: "Levanta-te, toma o teu leito e anda (cf. Jo 1-8).
11. Desejamos
converter os nossos afãs evangelizadores em ações concretas, que façam com que
as pessoas superem os seus problemas e curem as suas enfermidades - tomem os
seus leitos e andem - sendo protagonistas das suas próprias vidas, a partir do
contato salvífico com o Senhor.
III. UMA ESPERANÇA
QUE SE CONCRETIZA EM MISSÃO
1. A Nova
Evangelização
12. Desde a visita
do Santo Padre ao Haiti em 1983, temo-nos sentido animados por um impulso
encora odor para uma ação pastoral renovada e mais eficaz nas nossas Igrejas
particulares. A esse projeto global que aspira a um novo Pentecostes dá-se o
nome de Nova Evangelização (cf. Discurso Inaugural, João Paulo II, n. 6 e 7).
13. O episódio dos
discípulos de Emaús, relatado pelo evangelista Lucas, apresenta-nos Jesus
ressuscitado anunciando a Boa-Nova. Pode ser também um modelo da Nova
Evangelização.
2. Jesus Cristo
Ontem, Hoje e Sempre: Jesus vai ao encontro da humanidade que caminha (Lc
24,13-17).
14. Enquanto os
discípulos de Emaús, desconcertados e tristes, regressavam para a sua aldeia, o
Mestre aproxima-se deles para os acompanhar no caminho. Jesus procura as
pessoas e caminha com elas, para assumir as alegrias e as esperanças, as
dificuldades e as tristezas da vida.
15. Hoje também
nós, como pastores da Igreja na América Latina e no Caribe, em fidelidade ao
Divino Mestre, queremos renovar a sua atitude de proximidade e de
acompanhamento a todos os nossos irmãos e irmãs; proclamamos o valor e a
dignidade de cada pessoa, e procuramos iluminar com a fé e sua história o seu
caminho de cada dia. Este é um elemento fundamental da Nova Evangelização.
3. Promoção humana:
Jesus compartilha o caminho dos seres humanos (Lc 24,17-24)
16. Jesus não só se
aproxima dos viandantes. Vai mais além: faz-Se caminho para eles (cf. Jo 14,6),
penetra na vivência profunda da pessoa, nos
seus sentimentos, nas suas atitudes.
Mediante um diálogo simples e direto conhece as suas preocupações imediatas. O
próprio Cristo Ressuscitado acompanha os passos, as aspirações, as buscas, os
problemas e as dificuldades dos seus discípulos, quando estes se dirigem para a
sua aldeia.
17. Aqui, Jesus põe
em prática com os seus discípulos o que um dia ensinara a um doutor da lei: as
feridas e os gemidos do homem espancado e meio morto, que jazia à beira do
caminho, constituem as urgências do próprio caminhar (Lc 10,25-37). A parábola
do Bom Samaritano diz-nos diretamente respeito perante todos os nossos irmãos,
de modo especial dos pecadores, pelos quais Jesus derramou o seu sangue.
Recordamos em particular todos os que sofrem: os enfermos, os anciãos que vivem
na solidão, as crianças abandonadas. Temos presentes também os que são vítimas
da injustiça: os marginalizados, os mais pobres, os habitantes dos subúrbios
das grandes cidades, os indígenas e os afro-americanos, os camponeses, os sem
terra, os desempregados, os sem teto, as mulheres ignoradas nos seus direitos,
interpelam-nos também outras formas de opressão: a violência, a pornografia, o
tráfico e o uso de drogas, o terrorismo, o seqüestro de pessoas, e muitos
outros problemas inquietantes.
4. A cultura: Jesus
ilumina com as Escrituras o caminho dos homens (Lc 24,25-28)
18. A presença do
Senhor não se exaure numa simples solidariedade humana. O drama interior dos
viandantes consistia em que tinham perdido toda a esperança. Essa desilusão
iluminou-se com a explicação das Escrituras. A Boa-Nova que ouviram de Jesus
transmitia a mensagem recebida de seu Pai.
19. Explicando-lhes
as Escrituras, Jesus corrige os erros de um messianismo puramente temporal e de
todas as ideologias que escravizam o homem. Explicando-lhes as Escrituras,
iluminar-lhes a sua situação e abre-lhes horizontes de esperança.
20. O caminho que
Jesus percorre ao lado dos seus discípulos está marcado com os vestígios do
desígnio de Deus sobre cada uma das criaturas e sobre as vicissitudes humanas.
21. Exortamos todos
os agentes de pastoral a aprofundarem o estudo e a meditação da Palavra de
Deus, para a poderem viver e transmitir aos outros com fidelidade.
22. Reiteramos a
necessidade de encontrar novos métodos, para que aos construtores da sociedade
pluralista cheguem as exigências éticas do Evangelho, sobretudo na ordem
social. A Doutrina Social da Igreja constitui parte essencial da mensagem
cristã. O seu ensinamento, difusão, aprofundamento e aplicação são exigências
imprescindíveis para a nova evangelização dos nossos povos.
5. Um novo ardor:
Jesus dá-se a conhecer no partir do pão (Lc 24,28-32).
23. Mas a
explicação das Escrituras não foi suficiente para lhes abrir os olhos e lhes
fazer ver a realidade a partir da perspectiva da fé. É verdade que fez arder os
seus corações, mas o gesto definitivo para O poderem conhecer, vivo e
ressuscitado dentre os mortos, foi o sinal concreto do partir o pão.
24. Em Emaús
abriu-se também um lar para Alguém que andava peregrino. Cristo revelou a sua
intimidade aos companheiros de caminho, e na sua atitude de partilhar
reconheceram aquele que, durante a sua vida, não fez mais do que dar-se aos
irmãos e aquele que selou com a sua morte na cruz, a entrega de toda a sua
vida.
25. Findos estes
dias de oração e de reflexão, voltamos para os lares que formam as nossas
Igrejas particulares, para partilhar com os irmãos, com os quais construímos a
vida quotidiana; em especial com aqueles que participam mais de perto no nosso
ministério: os nossos presbíteros e diáconos, aos quais desejamos exprimir um
particular afeto e gratidão. Oxalá a celebração eucarística inflame cada vez
mais os seus corações, para levar à prática a Nova Evangelização, a promoção
humana e a cultura cristã.
6. Missão: Jesus é
anunciado pelos discípulos (Lc 24,33-35)
26. O encontro
entre o Mestre e os discípulos terminou. Jesus desapareceu da vista deles. Mas
eles, impelidos por um novo ardor, partem com alegria para empreender a sua
tarefa missionária. Abandonam a aldeia e vão à procura dos outros discípulos.
A vivência da fé realiza-se em comunidade. Por isso os discípulos voltam para
Jerusalém, a fim de se encontrarem com os seus irmãos e de lhes comunicarem o
encontro com o Senhor. A partir da fé, vivida em comunidade, eles convertem-se
em anunciadores de uma realidade totalmente nova: "realmente o Senhor
ressuscitou, está de novo entre nós". A fé em Jesus traz consigo a
missão.
27. "Para a
América Latina e o Caribe que receberam Cristo há quinhentos anos, o maior
sinal de agradecimento pelo dom recebido e
da sua vitalidade cristã é empenharem-se elas mesmas na missão" (Discurso
Inaugural, João Paulo II, n. 28), quer no próprio interior quer para além
das suas fronteiras.
IV. LINHAS
PASTORAIS
28. A IV
Conferência propõe, com grandes esperanças e tendo em conta os meritórios
contributos recebidos das Conferências Episcopais e de muitas outras instâncias
da Igreja, as seguintes linhas de ação pastoral. Para guiar os nossos trabalhos
tivemos a orientação e o apoio do Santo Padre, o qual desde há muito tempo deu
motivo a esta IV Conferência.
29. Antes de tudo,
proclamamos a adesão, na fé da Igreja na América Latina e nas Caraíbas, a Jesus
Cristo, o mesmo ontem, hoje e por toda a eternidade (cf. Nb 13,8).
30. Para que Cristo
esteja no interior da vida dos nossos povos, convocamos todos os fiéis a uma
Nova Evangelização e convocamos especialmente os leigos, e entre eles os
jovens. Nesta hora confiamos em que muitos jovens, ajudados por uma pastoral
vocacional eficaz, possam responder à chamada do Senhor para o sacerdócio e a
vida consagrada.
- Uma catequese
renovada e uma liturgia viva, numa Igreja em estado de missão, serão os meios
para aproximar e santificar mais todos os cristãos e, em particular, os que
estão afastados e são indiferentes.
- A Nova
Evangelização intensificará uma pastoral missionária em todas as nossas Igrejas
e far-nos-á sentir responsáveis por transpor as nossas fronteiras a fim de
levar a outros povos a fé que há 500 anos chegou até nós.
31. Como expressão
da Nova Evangelização, comprometemo-nos também a trabalhar por uma promoção
integral do povo latino-americano e caribenho, tendo a preocupação de que os
seus principais destinatários sejam os mais pobres.
- Nesta promoção
humana ocupa um lugar privilegiado e fundamental a família, onde tem origem a
vida. Hoje é necessário e urgente promover e defender a vida, devido aos
múltiplos ataques com que a ameaçam setores da sociedade contemporânea.
32. Devemos
encorajar uma evangelização que penetre nas raízes mais profundas da cultura
comum dos nossos povos, tendo uma especial preocupação pela crescente cultura
urbana.
- Ocuparmo-nos de
uma autêntica encarnação do Evangelho nas culturas indígenas e afro-americanas
do nosso Continente mereceu-nos uma particular atenção.
- Para toda esta
inculturação do Evangelho é muito importante desenvolver uma eficaz ação
educativa e utilizar os meios modernos de comunicação.
V. SAUDAÇÕES E VOTOS
33. Não queremos
terminar esta Mensagem sem dirigir uma palavra afetuosa a algumas pessoas e
grupos aos quais incumbe uma particular responsabilidade eclesial e social.
34. Uma saudação
especial dirigimo-1a aos nossos presbíteros e diáconos, solicitas colaboradores
na nossa missão episcopal, que todos os dias estiveram presentes no nosso
pensamento e na nossa oração. Nutrimos a esperança de que, como sempre, nos
ajudarão a levar ao povo das nossas Igrejas particulares as conclusões desta
Conferência. Recebam eles a expressão do nosso afeto paterno e fraterno e a
nossa gratidão pelo seu sacrifício e infatigável compromisso no ministério.
35. Com igual
solicitude temos presentes os religiosos e as religiosas, membros de institutos
seculares, agentes de pastoral, catequistas, animadores de comunidades, membros
de Comunidades Eclesiais de Base, de movimentos eclesiais e ministros extraordinários,
que certamente receberão do conteúdo da IV Conferência renovado ânimo para a
sua tarefa eclesial.
36. O nosso
pensamento agradecido dirige-se aos numerosos missionários e missionárias que
desde o primeiro momento, em condições de grande dificuldade e com grande
renúncia, anunciaram o Evangelho no nosso Continente.
37. Foi para nós
motivo de conforto e de alegria ter no nosso encontro observadores pertencentes
a Igrejas cristãs irmãs. A eles, e por seu intermédio a todas estas Igrejas com
as quais compartilhamos a fé em Jesus Cristo Salvador, chegue a nossa saudação
fraterna, unida à oração, a fim de que, na hora que Deus indicar, possamos
cumprir o testamento espiritual de Jesus Cristo: "para que todos sejam um
só... a fim de que o mundo creia!" (Jo 17,21).
38. Aos povos
indígenas, habitantes originários destas terras, possuidores de inumeráveis
riquezas culturais, que estão na base da nossa cultura atual, e aos
descendentes de milhares de famílias vindas de várias regiões da África,
manifestamos a nossa estima e desejo de os servir como ministros do Evangelho
de nosso Senhor Jesus Cristo.
39. Unimo-nos aos
construtores e dirigentes da sociedade - governantes, legisladores,
magistrados, chefes políticos e militares, educadores, empresários,
responsáveis sindicais e muitos outros - e a todos os homens de boa vontade que
trabalham pela promoção e defesa da vida, na exaltação e dignidade do homem e
da mulher, na proteção dos seus direitos, na busca e na consolidação da paz,
banidas todas as formas de corrida aos armamentos. Desta IV Conferência
exortamo-tos a que, no exercício da sua respeitável missão ao serviço dos
povos, se empenhem em favor da justiça, da solidariedade e do desenvolvimento
integral, guiados pelo indispensável imperativo ético nas suas decisões.
40. De um modo
especial desejamos que os ensinamentos que entregamos da parte do Senhor
ressoem no interior das famílias latino-americanas e caribenhas. A elas, que
são o santuário da vida, pede-se que façam germinar o Evangelho no coração dos
seus filhos, mediante uma adequada educação. Num momento em que a cultura da
morte nos ameaça, encontrarão aqui uma "fonte que jorra para a vida
eterna". Os sacerdotes, com o seu exemplo e a sua palavra, são os grandes
evangelizadores da sua "Igreja doméstica" e, em boa parte, depende
deles que esta Conferência de Santo Domingo dê os seus frutos. Por isso, ao
mesmo tempo que os saudamos, queríamos exprimir-lhes a nossa proximidade e apoio.
41. Aos
representantes do mundo da cultura encorajamo-tos a que intensifiquem os seus
esforços em favor da educação, que é a chave mestra do futuro; alma do
dinamismo social, direito e dever de toda a pessoa; para assentar as bases de
um autêntico humanismo integral (João Paulo II, Missa em Faro de Colón, n. 7).
42. Convidamos
cordialmente todos os comunicadores sociais a serem pregoeiros incansáveis de
reconciliação, firmes promotores dos valores humanos e cristãos, defensores da
vida e animadores da esperança, da paz e da solidariedade entre os povos.
VI. CONCLUSÃO
43. Entregamos,
pois, cheios de confiança, esta Mensagem ao Povo de Deus na América Latina e
Caribe. Entregamo-1a com igual sentimento a todos os homens e a todas as
mulheres, especialmente aos jovens do Continente, chamados a serem protagonistas
na vida da sociedade e da Igreja, no novo Milênio cristão já à porta (D.1.,
27). Também àqueles que, sem participarem da nossa fé cristã e católica, aderem
à Mensagem desta Assembléia de Santo Domingo por reconhecerem nela uma chamada
ao humanismo cristão e evangélico que eles estimam e vivem.
44. Aos irmãos na
fé, esta Mensagem deseja levar-lhes uma explicita profissão de fé em Jesus
Cristo e na sua Boa-Nova. Neste Jesus, "o mesmo ontem e hoje e por toda a
eternidade" (Hb 13,8), temos a certeza de encontrar inspiração, luz e
força para um renovado espírito evangelizador. N'Ele também se encontram
motivos e orientações para novos esforços em vista da autêntica promoção humana
de quase quinhentos milhões de latino-americanos. É igualmente Ele quem nos
ajudará a infundir nos valores culturais próprios da nossa gente seu cunho
cristão, a sua identidade, a riqueza da unidade na variedade.
45. A todos,
queremos propor o conteúdo da Conferência de Santo Domingo como premissa para o
permanente rejuvenescimento do ideal dos nossos antepassados sobre a Pátria
Grande. Estamos efetivamente persuadidos de que o encontro com as raízes
cristãs e católicas comuns aos nossos países dará à América Latina a unidade
desejada.
46. Há, na América,
fermentos de divisão muito ativos. Há ainda muito a fazer, na nossa terra
americana, para ser o Continente unificado que desejamos. Agora, para além do
seu objetivo primariamente religioso, a Nova Evangelização lançada pela IV
Conferência Geral oferece os elementos necessários para o nascimento da
indispensável reconciliação graças à qual, na lógica do PAI-NOSSO, se superam
discórdias antigas e novas, se dará o perdão mútuo às ofensas antigas e novas,
se aplainarão injustiças antigas e novas, se restaurará a paz;
- a solidariedade,
ajuda da parte de uns para tornar suportável o peso de outros, e para
compartilhar com os outros os próprios bens: "é preciso fazer valer o novo
ideal de solidariedade diante da falaz vontade de dominar" (Discurso inaugural, João Paulo II, n.
15);
- a integração dos
nossos países uns com os outros, vencidas as barreiras da divisão, das
discriminações e das indiferenças recíprocas: "um fator que pode
contribuir notavelmente para superar os problemas urgentes que afetam hoje este
Continente é a integração latino-americana" (Discurso inaugura João Paulo II, n. 15 e também n. 17);
- a profunda
comunhão, a partir da Igreja, no que se refere à vontade política de progresso
e de bem-estar.
47. Oxalá o
patrimônio social e espiritual contido nestas quatro palavras chaves:
reconciliação, solidariedade, integração e comunhão - se transforme na maior
riqueza da América Latina. São estes os votos e as orações dos Bispos
participantes na IV Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano. Seja também
a melhor dádiva que a graça de Deus nos conceda! Pensamos que tal patrimônio é
a tarefa e a obrigação de todos e de cada um.
48. A Nossa Senhora
de Guadalupe, Estrela da Nova Evangelização, confiamos os nossos trabalhos. Ela
caminhou com os nossos povos desde o primeiro anúncio de Cristo. A Ela
suplicamos hoje que encha de ardor os nossos corações, para proclamarmos com
novos métodos e novas expressões que Jesus Cristo é o mesmo Ontem, Hoje e por
toda a Eternidade! (Hb 13,8).
CARTA DO PAPA AOS
BISPOS DA AMÉRICA LATINA
Por ocasião do V
Centenário da evangelização da América, eu havia convocado a Conferência Geral
do Episcopado Latino-Americano com a finalidade de estudar, à luz de Cristo
"o mesmo ontem, hoje e sempre" (Hab. 13,8), os grandes temas da Nova
Evangelização, da Promoção humana e da Cultura cristã.
A Divina
Providência deu-me a alegria de poder inaugurar pessoalmente a referida
Assembléia em Santo Domingo, a 12 de outubro passado. No dia 28 do mesmo mês
terminaram os trabalhos da Conferência, e os Presidentes da mesma fizeram-me
chegar as Conclusões que os Bispos presentes tinham elaborado.
Com sumo gosto pude
verificar a profunda solicitude pastoral com que os meus Irmãos no Episcopado
examinaram os temas que lhes havia proposto, a fim de contribuir para o
desenvolvimento da vida da Igreja na América Latina, olhando para o presente e
o futuro.
Os textos
conclusivos da mencionada Conferência, cuja difusão autorizei, poderão orientar
agora a ação pastoral de cada Bispo diocesano da América Latina. Cada Pastor
diocesano, juntamente com os presbíteros, "seus colaboradores" (Lumen
gentium, 28), e com os demais membros da Igreja particular que lhe foi
confiada, fará o necessário discernimento, para ver o que é mais útil na situação
particular da sua diocese.
Um amplo consenso
dos Bispos das Igrejas particulares existentes num mesmo País poderá também
levar a fórmulas pastorais comuns, sempre respeitosas da identidade de cada
diocese e da autoridade pastoral que corresponde ao Bispo, que é o centro
visível de unidade e, ao mesmo tempo, o seu vínculo hierárquico com o Sucessor
de Pedro e com a Igreja Universal (c
fLumen gentium, 23).
Como é evidente, as
Conclusões da Conferência de Santo Domingo deverão ser analisadas à luz do Magistério
da Igreja Universal, e atuadas em fidelidade à disciplina canônica vigente.
Por minha parte,
confio em que a solicitude pastoral dos Bispos da América Latina leve todas as
Igrejas particulares do Continente a um renovado compromisso com a Nova Evangelização,
a Promoção humana e a Cultura cristã.
Jesus Cristo, Nosso
Senhor, Evangelizador e Salvador, seja hoje, como ontem e sempre, o centro da
vida e da Igreja.
A Virgem
Santíssima, que esteve sempre ao lado do seu Divino Filho, acompanhe os Pastores
e fiéis na sua peregrinação rumo ao Senhor.
Vaticano, 10 de
novembro de 1992, memória de São Leão Magno, Papa e Doutor da Igreja.
Joannes Paulus pp.l1
MENSAGEM DO SANTO
PADRE JOÃO PAULO II AOS INDÍGENAS DA AMÉRICA
Amadíssimos irmãos
e irmãs indígenas do Continente americano.
1. No contexto da
comemoração do V Centenário do início da evangelização do Novo Mundo, lugar
preferencial no coração e no afeto do Papa ocupam os descendentes dos homens e
das mulheres que povoavam este continente, quando a cruz de Cristo foi plantada
naquele 12 de outubro de 1492.
Da República
Dominicana, onde tive a alegria de me encontrar com alguns dos vossos
representantes, dirijo a minha mensagem de paz e amor a todas as pessoas e
grupos étnicos indígenas, desde a península do Alasca até à Terra do Fogo. Sois
continuadores dos povos tupi-guarani, aimara, meia, Quechua, chibcha, nahualt,
mixtecas, araucano, yanomami, guajiro, inuit, apache e muitíssimos outros que
se distinguiram pela sua nobreza de espírito, que se evidenciaram nos seus
valores autóctones culturais, como as civilizações asteca, ince e meia, e que
podem gloriar-se de possuir uma visão da vida que reconhece a sacralidade do
mundo e do ser humano. A simplicidade, a humildade, o amor à liberdade, a
hospitalidade, a solidariedade, o apego à família, a proximidade à terra e o
sentido da contemplação são outros tantos valores, que a memória indígena da
América conservou até aos nossos dias e constituem um contributo que se sente
na alma latino-americana.
2. Faz agora 500
anos que o Evangelho de Jesus Cristo chegou aos vossos povos. Mas já antes, e
sem que talvez o imaginassem, o Deus vivo e verdadeiro estava presente
iluminando os seus caminhos. O apóstolo São João diz-nos que o Verbo, o Filho
de Deus, "é a luz verdadeira que, vindo ao mundo, a todo o homem
ilumina" (Jo 1,9). Com efeito, as "sementes do Verbo" estavam já
presentes e iluminavam o coração dos vossos antepassados, para que fossem
descobrindo os vestígios do Deus Criador em todas as suas criaturas: o sol, a
lua, a mãe terra, os vulcões e as selvas, as lagoas e os rios.
Mas, à luz da Boa
Nova, eles descobriram que todas aquelas maravilhas da criação não eram senão
um pálido reflexo do seu Autor, e que a pessoa humana, por ser imagem e
semelhança do Criador, é muito superior ao mundo material e está chamada a um
destino transcendente e eterno. Jesus de Nazaré, o Filho de Deus feito homem,
com a sua morte e ressurreição, libertou-nos do pecado, tornando-nos filhos
adotivos de Deus e abrindo-nos o caminho para a vida que não tem fim. A
mensagem de Jesus Cristo fez-lhes ver que todos os homens são irmãos, porque
têm um Pai comum: Deus. E todos estão chamados a fazer parte da única Igreja,
que o Senhor fundou com o seu sangue (c£ At 20,28).
À luz da revelação
cristã, as virtudes ancestrais dos vossos antepassados, como a hospitalidade,
a solidariedade, o espírito generoso, encontraram a sua plenitude no grande
mandamento do amor, que deve ser a suprema lei do cristão. A persuasão de que o
mal se identifica com a morte e o bem com a vida abriu-lhes o coração para
Jesus, que é "o Caminho, a Verdade e a Vida" (Jo 14,6).
Tudo isto, a que os
Padres da Igreja chamam as "sementes do Verbo", foi purificado,
aprofundado e completado pela mensagem cristã, que proclama a fraternidade
universal e defende a justiça. Jesus chamou bem-aventurados aos que têm sede de
justiça (cf. Ml 5,6). Que outro motivo, senão a pregação dos ideais
evangélicos, moveu tantos missionários a denunciar as violações cometidas contra
os índios, à chegada dos colonizadores? Estão a demonstrá-1o a ação apostólica
e os escritos de intrépidos evangelizadores espanhóis como Bartolomeu de Las
Casas, Frei Antônio de Montesinos, Vasco de Queiroga, João dal Valle, Julião
Garcés, José de Anchieta, Manuel da Nóbrega, e de tantos outros homens e
mulheres, que dedicaram generosamente a sua vida aos nativos. A Igreja que, com
os seus religiosos, sacerdotes e bispos, esteve sempre ao lado dos indígenas,
como poderia esquecer neste V Centenário os enormes sofrimentos infligidos aos
povoadores deste Continente durante a época da conquista e da colonização?
Deve-se reconhecer com toda a verdade os abusos cometidos, devido à falta de
amor daquelas pessoas que não souberam ver nos indígenas irmãos e filhos do
mesmo Deus Pai.
3. Nesta
comemoração do V Centenário, desejo repetir o que vos disse durante a minha
primeira viagem pastoral à América Latina: " O Papa e a Igreja estão
convosco e amam-vos; amam as vossas pessoas, a vossa cultura, as vossas
tradições; admiram o vosso maravilhoso passado, animam-vos no presente e muito
esperam do futuro" (Discurso em Cuilapan, 29.1.1979, n. 5). Por isso,
quero também fazer-me eco e porta-voz dos vossos mais profundos anelos.
Sei que quereis ser
respeitados como pessoas e como cidadãos. Por sua vez, a Igreja faz sua esta
legítima aspiração, já que a vossa dignidade não é menor que a de qualquer
outra pessoa ou raça. Todo o homem ou mulher foi criado à imagem e semelhança
de Deus (cf. Gn 1,26-27). E Jesus que mostrou sempre a sua predileção pelos
pobres e abandonados, diz-nos que tudo o que fizermos ou deixarmos de fazer
"a um destes meus irmãos mais pequeninos", a Ele mesmo o fizemos (cf.
Ml 25,40). Ninguém que se honre do nome de cristão pode desprezar ou
discriminar por motivos de raça ou cultura. O apóstolo Paulo admoesta-nos
quanto a isto. Foi num só Espírito que todos nós fomos batizados, a fim de
formarmos um só corpo, quer judeus, quer gregos, quer escravos, quer
livres" (lCor 12,13).
A fé, queridos
irmãos e irmãs, supera as diferenças entre os homens. A fé e o batismo dão vida
a um novo povo: o povo dos filhos de Deus. Contudo, mesmo superando as
diferenças, a fé não as destrói mas respeita-as. A unidade de todos nós em
Cristo não significa, sob o ponto de vista humano, uniformidade. Pelo contrário,
as comunidades eclesiais sentem-se enriquecidas, ao acolher a multíplice
diversidade e variedade de todos os seus membros.
4. Por isso, a
Igreja anima os indígenas a conservarem e promoverem, com legítimo orgulho, a
cultura dos seus povos: as sãs tradições e costumes, o idioma e os valores
próprios. Ao defender a vossa identidade, não só exerceis um direito, mas
cumpris também o dever de transmitir a vossa cultura às gerações vindouras,
enriquecendo deste modo toda a sociedade. Esta dimensão cultural, em ordem à
evangelização, será uma das prioridades da IV Conferência Geral do Episcopado
Latino-Americano, que se realiza em Santo Domingo e que tive a alegria de
inaugurar, como ato preeminente da minha viagem, por ocasião do V Centenário. A
tutela e o respeito das culturas, valorizando tudo o que de
positivo há nelas,
não significam, entretanto, que a Igreja renuncia à sua missão de elevar os
costumes, rejeitando tudo aquilo que se opõe ou contradiz a moral evangélica.
"A Igreja - afirma o Documento de Puebla - tem a missão de dar testemunho
do "verdadeiro Deus e único Senhor". Não se pode considerar como
violação a evangelização que é um convite a que se abandonem as falsas
concepções de Deus, procedimentos antinaturais e manipulações aberrantes do
homem, feitas pelo homem" (no. 405-4().
Elemento central
nas culturas indígenas é o apego e a proximidade à mãe terra. Amais a terra e
quereis permanecer em contato com a natureza. Uno a minha voz à de quantos
pedem a aplicação de estratégias e meios eficazes para proteger e conservar a
natureza criada por Deus. O respeito devido ao meio ambiente deve ser sempre
tutelado, acima de interesses exclusivamente econômicos ou da abusiva
exploração de recursos em terras e mares.
5. Entre os
problemas que preocupam muitas das comunidades indígenas, estão os relacionados
com a posse da terra. Consta-me que os Pastores da Igreja, a partir das
exigências do Evangelho e em consonância com o magistério social, não têm
deixado de apoiar os vossos legítimos direitos, favorecendo adequadas reformas
agrárias e exortando à solidariedade como caminho que conduz à justiça. Também
conheço as dificuldades que deveis enfrentar em temas como a segurança social,
o direito de associação, a capacidade agrícola, a participação na vida
nacional, a formação integral dos vossos filhos, a educação, a saúde, a moradia
e tantas outras questões que vos preocupam. A este propósito, vêm-me à mente
as palavras que, há alguns anos, dirigi aos indígenas no inesquecível encontro
de Quetzaltenango: "A Igreja conhece, queridos filhos, a marginalização
que sofreis; as injustiças que suportais; as sérias dificuldades que tendes
para defender as vossas terras e os vossos direitos; a freqüente falta de
respeito pelos vossos costumes e pelas vossas tradições. Por isso, ao cumprir a
sua obra de evangelização, ela quer estar junto de vós e elevar a sua voz de
condenação, quando é violada a vossa dignidade de seres humanos e filhos de
Deus; quer acompanhar-vos pacificamente como o exige o Evangelho, mas com
decisão e energia, na obtenção do reconhecimento e da promoção da vossa
dignidade e dos vossos direitos como pessoas humanas" (Discurso em
Quetzaltenango, 7 de março de 1983 n. 4).
Dentro da missão
religiosa que lhe é própria, a Igreja não poupará esforços para continuar a
fomentar todas aquelas iniciativas, que têm em vista promover o bem comum e o
desenvolvimento integral das vossas comunidades, assim como favorecer
legislações que respeitem e tutelem adequadamente os valores autênticos e os
direitos indígenas. Demonstração desta decidida vontade de colaboração e
assistência é a recente ereção, por parte da Santa Sé, da Fundação
"Populorum Progressio", que dispõe de um fundo de ajuda para os
grupos indígenas e populações rurais menos favorecidas da América Latina.
Encorajo-vos, pois,
a um renovado empenho a serdes também protagonistas da vossa própria elevação
espiritual e humana, mediante o trabalho digno e constante, a fidelidade às
vossas melhores tradições, a prática das virtudes. Para isto contais com os
genuínos valores da vossa cultura, acrisolada ao longo das gerações que vos
precederam nesta abençoada terra. Mas, sobretudo, contais com a maior riqueza
que, pela graça de Deus, recebestes: a vossa fé católica. Cumprindo os ensinamentos
do Evangelho, conseguireis que os vossos povos, fiéis às suas legítimas
tradições, progridam tanto material como espiritualmente. Iluminados pela fé em
Jesus Cristo, vereis nos demais homens, para além de qualquer diferença de raça
ou cultura, irmãos vossos. A fé ampliará o vosso coração, para que se abriguem
nele todos os vossos concidadãos. E essa mesma fé levará os outros a amar-vos,
a respeitar a vossa idiossincrasia e a unir-se convosco na construção de um
futuro, no qual todos sejam parte ativa e responsável, como corresponde à
dignidade cristã.
6. Acerca do lugar
que vos corresponde na Igreja, exorto todos a fomentarem aquelas iniciativas
pastorais, que favoreçam uma maior integração e participação das comunidades
indígenas na vida eclesial. Para isto, dever-se-á fazer um renovado esforço no
que se refere à inculturação do Evangelho, pois "uma fé que não se torna
cultura é uma fé não de modo pleno acolhida, não inteiramente pensada nem com
fidelidade vivida" (Discurso ao mundo da cultura, Lima, 15.5.1988).
Trata-se, em definitivo, de conseguir que os católicos indígenas se convertam
em protagonistas da sua própria promoção e evangelização. E isto, em todos os
setores, incluídos os diversos ministérios. Que imensa alegria no dia em que as
vossas comunidades puderem ser servidas por missionários e missionárias, por
sacerdotes e bispos que tenham saído das vossas próprias famílias e vos guiem
na adoração a Deus "em espírito e verdade" (Jo 4,23).
A mensagem que hoje
vos entrego em terras americanas, come morando cinco séculos de presença do
Evangelho no meio de vós ver ser um apelo à esperança e ao perdão. Na oração
que Jesus Cristo nos ensinou dizemos. Pai nosso... perdoai-nos as nossas ofensas assim como nós
perdoamos a quem nos tem ofendido" (Jo 6,68); Ele conhece "o interior
de cada homem" (cf. Jo 2,25). Em nome de Jesus Cristo, como Pastor da
Igreja peço-vos que "perdoeis a todos aqueles que, durante estes
quinhentos anos, foram causa de dor e sofrimento para os vossos antepassados e
para vós. Quando perdoamos, colocamos nas mãos de Deus as "ofensas"
que o homem fez, sabendo que o Senhor é a Justiça mais santa e a Misericórdia
mais justa. Ele é o único senhor da história, criador do mundo e redentor do
homem. Ao perdoar, nós mesmos nos renovamos no espírito e a nossa vontade
fortalece-se. O mundo precisa sempre do perdão e da reconciliação entre as
pessoas e entre os povos. Uma sociedade mais justa e fraterna só se poderá
construir sobres estes fundamentos. Por isso, neste solene Centenário, e em nome
do Senhor Jesus, vos dirijo o meu premente apelo a perdoar "a vem vos tem
ofendido" - como dizemos no Pai nosso - todas as ofensas e injustiças que
vos tenham sido feitas, muitas das quais só Deus conhece.
A Igreja, que
durante estes quinhentos anos vos acompanhou no vosso caminhar, fará tudo o que
estiver ao seu alcance para que os descendentes dos antigos povoadores da
América ocupem, na sociedade e nas comunidades eclesiais, o lugar que lhes
corresponde. Estou consciente dos graves problemas e dificuldades com que vos
deveis enfrentar. Mas estai certos de que nunca vos há de faltar o auxilio de
Deus e a proteção da sua Mãe Santíssima, como um dia, na colina do Tepeyac foi
prometido ao índio Juan Diego, um insigne filho do vosso mesmo sangue, o qual tive
a alegria de elevar à honra dos altares: "Ouve e presta atenção, filho meu
mais pequeno, é nada o que te assusta e aflige; não se turve o teu coração. Não
temas essa enfermidade, nem outra enfermidade ou angústia. Não estou eu aqui,
que sou tua Mãe? Não estás sob a minha sombra? Não sou eu a tua saúde? Não
estás porventura no meu regaço?" (Nican
Mopohua).
Nossa Senhora de
Guadalupe proteja todos vós, enquanto vos abençôo de coração, no nome do Pai, e
do Filho e do Espírito Santo. Amém.
Dado em Santo Domingo, no dia 12 de outubro de 1992,
II Centenário da Evangelização da América.
MENSAGEM DO SANTO
PADRE JOÃO PAULO II AOS AFRO-AMERICANOS
Amadíssimos irmãos
e irmãs afro-americanos.
1. O V Centenário
da Evangelização do Novo Mundo é ocasião propícia para vos dirigir, da cidade
de Santo Domingo, a minha mensagem de encorajamento que aumente a vossa
esperança e sustenha o vosso empenho cristão em dar renovada vitalidade às
vossas comunidades, às quais, como Sucessor de Pedro, envio uma saudação
cordial e afetuosa com as palavras do apóstolo São Paulo: "Graça e paz da
parte de Deus Pai e da de nosso Senhor Jesus Cristo" (G1 1,3).
A evangelização da
América é motivo de profunda ação de graças a Deus que, na sua infinita
misericórdia, quis que a mensagem de salvação chegasse aos habitantes destas
abençoadas terras, fecundadas pela cruz de Cristo, a qual marcou a vida e a
história das suas gentes, e que tão abundantes frutos de santidade e de
virtudes produziu no decorrer destes cinco séculos.
A data de 12 de
outubro de 1492 assinala o início do encontro de raças e culturas, que
configurariam a história destes quinhentos anos, nos quais a penetrante visão
cristã nos permite descobrir a intervenção amorosa de Deus, apesar das
limitações e infidelidade dos homens. Com efeito, no sulco da história
verifica-se uma confluência misteriosa de pecado e de graça, mas, ao longo da
mesma, a graça triunfa sobre o poder do pecado. Como nos diz São Paulo:
"Onde, porém, abundou o pecado, superabundou a graça (Rm 5,20).
2. Nas celebrações
deste V Centenário não podia faltar a minha mensagem, de aproximação e vivo
afeto, às populações afro-americanas, que representam uma parte relevante no
conjunto do continente e que, com os seus valores humanos e cristãos, e também
com a sua cultura, enriquecem a Igreja e a sociedade em tantos países. A este
propósito, vêm-me à mente aquelas palavras de Simão Bolivar, afirmando que
"a América é o resultado da união da Europa e da África com elementos
aborígenes. Por isso nela não cabem os preconceitos de raça e, se coubessem, a
América voltaria ao caos primitivo".
De todos é
conhecida a gravíssima injustiça cometida contra aquelas populações negras do
continente africano, que foram arrancadas com violência das suas terras, das
suas culturas e das suas tradições, e trazidas como escravos para a América. Na
minha recente viagem apostólica ao Senegal, não quis deixar de visitar a ilha
de Goreia, onde se exerceu parte daquele ignominioso comércio, e quis deixar
perpetuado o firme repúdio da Igreja, com as palavras que agora desejo recordar
de novo: "A visita à `Casa dos Escravos' faz-nos recordar o tráfico de
negros, que Pio II, ao escrever, em 1462, a um bispo missionário que partia
para a Guiné, qualificava como `grande crime'. Durante um período da história
do continente africano, homens, mulheres e crianças negros foram trazidos para
esta pequena localidade, tirados da sua terra, separados dos seus parentes,
para serem aqui vendidos como mercadoria. Estes homens e estas mulheres foram
vítimas de um vergonhoso comércio, no qual tomaram parte pessoas batizadas, mas
que não viveram a sua fé. Como se hão de esquecer os enormes sofrimentos
infligidos, com menosprezo dos mais elementares direitos humanos às populações
de orladas do continente africano? Como se hão de
P , esquecer as
vidas humanas destruídas pela escravidão? Deve ser confessado, com toda a
verdade e humildade, este pecado do homem contra o homem" (Discurso na
Ilha de Goreia 21.2.1992).
3. Olhando para a
realidade atual do Novo Mundo, vemos pujantes e vivas comunidades
afro-americanas que, sem esquecer o seu passado histórico, oferecem a riqueza
da sua cultura à variedade multiforme do continente. Com tenacidade, não isenta
de sacrifícios, contribuem para o bem comum integrando-se no conjunto social,
mas mantendo a sua identidade, usos e costumes. Esta fidelidade ao seu próprio
ser e patrimônio espiritual, é algo que a Igreja não só respeita mas encoraja e
quer fomentar, pois, sendo o homem - todo o homem - criado à imagem e
semelhança de Deus (cf. Gn 1,26-27), toda a realidade autenticamente humana é
expressão dessa imagem, que Cristo regenerou com o seu sacrifício redentor.
Graças à redenção
de Cristo, amados irmãs e irmãos afro-americanos, todos nós passamos das
trevas à luz, a ser "não Meu povo" mas a chamar-nos "Filhos do
Deus vivo" (cf. Os 2,1). Como "eleitos de Deus" formamos um só
corpo, que é a Igreja (cf. Cl 3,12-15), na qual, segundo as palavras de São
Paulo, "não há mais grego, nem judeu, nem circunciso nem incircunciso, nem
bárbaro" nem cita, nem escravo nem livre, mas Cristo, que é tudo em todos
(Cl 3,11). De fato, a fé supera as diferenças entre os homens e dá vida a um
povo novo, que é o povo dos filhos de Deus. Contudo, mesmo superando as
diferenças na comum condição de cristãos, a fé não as destrói mas respeita-as e
dignifica-as.
Por isso, nesta
comemoração do V Centenário, encorajo-vos a defender a vossa identidade, a ser
conscientes dos vossos valores e fazê-los frutificar. Mas, como Pastor da
Igreja, exorto-vos sobretudo a ser conscientes do grande tesouro que, pela
graça de Deus, recebestes: a vossa fé católica. À luz de Cristo, haveis de
conseguir que as vossas comunidades cresçam e progridam, tanto no espiritual
como no material, difundindo assim os dons que Deus vos outorgou. Iluminados
pela fé cristã, vereis os demais homens, acima de qualquer diferença de raça
ou cultura, como irmãos vossos, filhos do mesmo Pai.
4. A solicitude da
Igreja por vós e pelas vossas comunidades, tendo em vista a nova evangelização,
a promoção humana e a cultura cristã, tornar-se-á evidente na IV Conferência
Geral do Episcopado Latino-Americano, que hoje tive a ventura de inaugurar.
Sem esquecer que muitos valores evangélicos têm penetrado e enriquecido a
cultura, a mentalidade e a vida dos afro-americanos, deseja-se incrementar a
atenção pastoral e favorecer os elementos específicos das comunidades eclesiais
com fisionomia própria.
A obra
evangelizadora não destrói, mas encarna-se nos vossos valores, consolida-os e
fortalece-os; faz crescer as sementes lançadas pelo "Verbo de Deus, o
Qual antes de se fazer homem para tudo salvar e em Si recapitular, já estava no
mundo, como verdadeira luz que ilumina todo o homem" (Gaudium et spes, 57). A Igreja, fiel à universalidade da sua
missão, anuncia Jesus Cristo e convida os homens de todas as raças e condições
a aceitarem a sua mensagem. Como afirmaram os Bispos latino-americanos na
Conferência Geral de Puebla de tos Angeles: "A Igreja tem a missão de dar
testemunho do "verdadeiro Deus e único Senhor". Não se pode
considerar como violação a evangelização que é um convite a que se abandonem as
falsas concepções de Deus, procedimentos antinaturais e manipulações do homem
feitas pelo homem" (n. 406). Com efeito, com a evangelização, a Igreja
renova as culturas, combate os erros, purifica e eleva a moral dos povos,
fecunda as tradições, consolida-as e restaura-as em Cristo (cf. Gaudium et spes, 58).
5. Sei que a vida
de muitos afro-americanos nos diversos países
não está isenta de dificuldades e problemas. A Igreja, bem consciente
disto, compartilha os vossos sofrimentos e acompanha-vos e apoia-vos nas vossas
legítimas aspirações a uma vida mais justa e digna para todos. A este
propósito, não posso deixar de expressar a viva gratidão e de encorajar a ação apostólica
de tantos sacerdotes, religiosos e religiosas que exercem o seu ministério
junto dos mais pobres e necessitados. Peço a Deus que nas vossas comunidades
cristãs surjam também numerosas vocações sacerdotais e religiosas, para que os
afro-americanos do continente possam contar com ministros provenientes das
vossas próprias famílias.
Enquanto vos confio
à maternal proteção da Santíssima Virgem, cuja devoção está tão arraigada na
vida e nas práticas cristãs dos católicos afro-americanos, abençôo-vos no nome
do Pai, e do Filho e do Espírito Santo. Amém!
Dado em Santo Domingo, a 12 de Outubro de 1992 V
Centenário da Evangelização da América.
Fonte: ww.celam.org