Situação do Clero na América Latina

“Missionariedade” no Documento de Aparecida

 

 

            Introdução

 

            A situação da Igreja na América Latina e no Caribe aparece retratada, de maneira global, no Documento final da V Conferência Geral do Episcopado da América latina e do Caribe, realizada em maio de 2007. No Documento de Aparecida (DAp) encontramos, quer a percepção da realidade vivida pela Igreja no subcontinente, quer também as preocupações do Episcopado e suas orientações para o presente e próximo futuro com relação à vida e ao ministério dos presbíteros.

 

            O tema - “Discípulos e missionários de Jesus Cristo para que, nele, nossos povos tenham vida” -, revela bem três preocupações: a) a necessidade de reavivar a identidade cristã e eclesial na dimensão do “discipulado”, a partir do renovado encontro com Jesus Cristo; b) a urgência de uma nova atitude missionária da Igreja no Continente: “só o discípulo de Jesus Cristo se torna missionário; c) a afirmação do desejo da Igreja na América Latina de contribuir decididamente para a vida digna dos povos que aí vivem. Tudo isso está estreitamente relacionado também com a vida e a missão dos presbíteros e demais ministros ordenados.

 

            O Papa Bento XVI recordou, logo no início da V Conferência geral, que os primeiros promotores do discipulado e da missão são aqueles que foram chamados “para estarem com Jesus e serem por Ele enviados para pregar” (Mc 3,14). Eles devem receber de modo preferencial a atenção e o cuidado paterno dos seus bispos, pois são os primeiros agentes da autêntica renovação da vida cristã no povo de Deus (cf. Discurso inaugural, 13.V.2007).

 

A V Conferência se propôs a grande tarefa de conservar, reavivar e alimentar a fé do povo de Deus e também de recordar aos fiéis deste Continente que, em virtude de seu batismo, todos são chamados a serem discípulos e missionários de Jesus Cristo. Temos diante de nós um novo período da história, nem sempre favorável à tradição cristã e caracterizado pela emergência de variadas ofertas religiosas que tratam de responder, à sua maneira, à sede de Deus que nossos povos manifestam (cf DAp. 10).

 

A Igreja é chamada a repensar profundamente e a relançar com audácia e fidelidade a sua missão nas novas circunstâncias latino-americanas e mundiais. Ela não pode concentrar-se sobre si mesma nem fechar-se às novas necessidades da missão. Trata-se de confirmar, renovar e revitalizar a fé, arraigada em nossa história, a partir de um encontro pessoal e comunitário com Jesus Cristo, capaz de despertar e formar discípulos e missionários. Isso não depende só de programas e estruturas mas, acima de tudo, de homens e mulheres novos, que encarnem esse desafio como discípulos missionários de Jesus Cristo e de seu reino, protagonistas de uma vida nova para a América Latina (n. 11).

 

 

 

 

 

1. Uma realidade desafiadora

 

Os povos da América Latina e do Caribe vivem hoje uma realidade marcada por grandes mudanças, que afetam profundamente suas vidas. Os discípulos de Jesus Cristo são chamados a discernir os “sinais dos tempos”, à luz do Espírito Santo, para se colocarem a serviço do Reino de Deus anunciado por Jesus, que veio “para que todos tenham vida e a tenham em abundância” (Jo 10,10).

 

A Conferência de Aparecida insiste que todos os cristãos – também os presbíteros – retomem a contemplação do mistério de Cristo, no qual foi revelada a nós  a plenitude da vocação humana e seu sentido. Precisamos ser discípulos dóceis, para aprender d’Ele, no seu seguimento, a dignidade e a plenitude de vida. É necessário que o zelo missionário nos consuma para levarmos ao coração da cultura de nosso tempo aquele sentido unitário e completo da vida humana, que nem a ciência, nem a política, nem a economia, nem os meios de comunicação poderão proporcionar, mas somente Cristo e seu Evangelho (n. 41).

 

Nosso povo tem grande estima pelos sacerdotes; reconhece a santidade de muitos deles, como também seu testemunho de vida, seu trabalho missionário e sua criatividade pastoral, particularmente daqueles que estão em lugares distantes ou em contextos de maior dificuldade. Muitas de nossas Igrejas contam com uma pastoral sacerdotal e com experiências concretas de vida em comum. Em algumas Igrejas locais existe o diaconato permanente. Faz-se um grande esforço pela formação em nossos seminários, nas casas de formação para a vida consagrada e nas escolas para o diaconato permanente (n 99).

 

Deve-se destacar a abnegada entrega de tantos missionários e missionárias que, até o dia de hoje, têm desenvolvido uma valiosa obra evangelizadora e de promoção humana em todos os nossos povos, com uma multiplicidade de obras e serviços. Muitos sacerdotes, consagrados, leigos e leigas do nosso Continente também participam da missão ad gentes (n. 99).

 

 

1.1. Algumas preocupações especiais

 

Apesar dos aspectos positivos, que dão esperança, há também motivos de preocupação (cf.n 100):

 

a) A relação desproporcional entre o crescimento populacional e o crescimento da Igreja Católica na América Latina e no Caribe: o crescimento da Igreja não segue o mesmo ritmo do crescimento populacional, que se distancia cada vez mais do aumento do clero.

 

b) São lamentáveis algumas tentativas de retorno a certo tipo de eclesiologia e espiritualidade contrárias à renovação do Concílio Vaticano II, assim como leituras e aplicações reducionistas da renovação conciliar; também são lamentáveis a falta de uma autêntica obediência ao exercício evangélico da autoridade, as infidelidades à doutrina, à moral e à comunhão, a fraca vivência da opção preferencial pelos pobres, as recaídas secularizantes na vida consagrada, influenciada por uma antropologia não-evangélica. O Santo Padre, no Discurso Inaugural, apontou “um certo enfraquecimento da vida cristã no conjunto da sociedade e no próprio senso de pertença à Igreja Católica”.

 

c) É escasso o acompanhamento dado aos fiéis leigos no serviço à sociedade, particularmente quando assumem responsabilidades nas diversas estruturas de ordem temporal. Falta vigor na evangelização, bem como métodos e expressões novas; ainda há certa ênfase no ritualismo sem o conveniente cuidado com a formação do povo e com outras tarefas pastorais. Preocupa também a mentalidade relativista em relação à doutrina e à ética, bem como a falta de uma aplicação criativa do rico patrimônio da Doutrina Social da Igreja.

 

d) Na evangelização, na catequese e, em geral, na pastoral, persistem também linguagens pouco significativas para a cultura atual e, em particular, para os jovens, sem levar em consideração a mutação dos códigos existencialmente relevantes nas sociedades influenciadas pela pós-modernidade e marcadas por um amplo pluralismo social e cultural. As mudanças culturais dificultam a transmissão da fé na família e na sociedade. Diante disso, não se vê uma presença importante da Igreja na geração de cultura, de modo especial no mundo universitário e nos meios de comunicação.

 

e) O número insuficiente de sacerdotes e sua distribuição desigual impossibilitam a muitas comunidades a participação regular na celebração da Eucaristia. Muitos católicos vivem e morrem sem a assistência da Igreja. A isso se acrescenta a relativa escassez de vocações ao ministério ordenado e à vida consagrada. Por outro lado, falta espírito missionário para muitos sacerdotes.

 

 

1.2. Desafios vividos pelos presbíteros

 

A imensa maioria dos presbíteros vive seu ministério com fidelidade, sendo modelos para os demais fiéis; mas é preciso insistir que todos eles reservem tempo para sua formação permanente, cultivem a vida espiritual centrada na escuta da Palavra de Deus e na celebração diária da Eucaristia (n. 191). Como pastores do povo, os presbíteros são chamados a dedicar tempo suficiente para o sacramento da reconciliação, nem sempre devidamente valorizado (n. 177).

 

Muitas situações afetam e desafiam a vida e o ministério dos nossos presbíteros. Entre outras coisas, a identidade teológica do ministério presbiteral e sua inserção na cultura atual (n. 192). Há sempre o risco de certa diluição da natureza e da identidade teológica do ministério presbiteral, sem a devida distinção qualitativa em relação  sacerdócio comum dos fiéis (cf LG 10). O sacerdote não pode cair na tentação de se considerar um mero delegado ou representante da comunidade (n. 193).

 

Um segundo desafio se refere à cultura atual, na qual eles exercem seu ministério. Eles são chamados a conhecê-la para semear nela a semente do Evangelho, para uma interpelação válida, compreensível, cheia de esperança e relevante para a vida do homem de hoje, especialmente para os jovens. Nem sempre os sacerdotes estão preparados para isso e sua formação inicial e permanente precisa ser aprofundada constantemente (n. 194).

 

Outro desafio é a espiritualidade fundada na caridade pastoral, que se nutre na experiência pessoal de Deus e na comunhão com os irmãos; O descuido das relações fraternas com os demais presbíteros e com os leigos leva ao isolamento, à busca da realização individual na “vida privada”, em vez do testemunho de comunhão com o bispo e com os demais presbíteros (n. 195). O ministério sacerdotal que brota da Ordem sagrada tem uma “radical forma comunitária” e só pode ser desenvolvido como uma “tarefa coletiva”(PDV 17). A vivência do celibato sacerdotal também continua sendo um desafio para muitos sacerdotes.

 

Há ainda os desafios de caráter estrutural, como as paróquias muito grandes, que dificultam o atendimento adequado ao povo; ou  paróquias muito pobres, onde os presbíteros são tentados, ou obrigados pelas circunstâncias, a se dedicarem a outras tarefas para subsistirem; há também as paróquias situadas em áreas de extrema violência e insegurança (n. 197); e as paróquias tradicionais nem sempre conseguem encontrar seu espaço de atuação nos complexos centros urbanos.

 

As Dioceses e Conferências Episcopais são convidadas pela V Conferência a desenvolver uma pastoral presbiteral que privilegie a espiritualidade sacerdotal e a formação permanente e integral dos sacerdotes (cf PDV 76). Levando em consideração o número de presbíteros que abandonaram o ministério, cada Igreja local procure ter para com eles atenções pastorais, conforme as normas da Igreja (n. 200).

 

 

2. Necessária renovação das paróquias

 

A grande maioria dos latino-americanos e caribenhos é batizada. Graças à Providência de Deus, a Igreja peregrina em terras americanas há mais de 500 anos. Nossos povos têm uma religiosidade profunda, que se manifesta na devoção ao Cristo sofredor e à sua Mãe, na veneração aos Santos, nas festas patronais, no amor ao Papa e aos demais pastores, no amor à Igreja, como grande família de Deus, que nunca abandona seus filhos (n. 127).

 

Mas a Igreja precisa estimular muito o amadurecimento no seguimento de Cristo e despertar a paixão por anunciá-lo, com verdadeiro ardor missionário. E isso deve acontecer para todos os batizados na vida da Igreja, casa e escola de comunhão, participação e solidariedade. É na sua realidade social concreta e na vida eclesial que o discípulo tem a experiência do encontro com Jesus Cristo vivo, onde amadurece sua vocação cristã e descobre a graça de ser missionário, para anunciar a sua palavra com alegria (n. 167).

 

As paróquias são células vivas da Igreja e o lugar privilegiado no qual a maioria dos fiéis têm uma experiência concreta de Cristo e vivem a comunhão eclesial. Elas, porém, necessitam de uma corajosa renovação para serem verdadeiros “espaços de iniciação cristã, de educação e celebração da fé, abertas à diversidade dos carismas, serviços e ministérios, organizadas de modo comunitário e responsável, integradoras de movimentos e outras organizações de apostolado já existentes, e abertas a projetos pastorais e supra-paroquiais (cf n. 170).

 

A renovação das paróquias exige a reformulação de suas estruturas, para se tornarem comunidades de comunidades e para ajudarem seus membros a serem realmente discípulos e missionários de Jesus Cristo em comunhão. Toda paróquia é chamada a ser o espaço onde a Palavra é anunciada, acolhida e testemunhada, onde os mistérios de Deus são celebrados e a caridade e a esperança são testemunhadas (n. 172).

 

Os melhores esforços das paróquias devem se concentrar na convocação e na formação de missionários leigos. Só através da multiplicação deles poderemos responder às exigências missionárias do momento atual no complexo mundo do trabalho, da cultura, das ciências e das artes, da política, dos meios de comunicação e da economia, assim como as esferas da família, da educação, da vida profissional, sobretudo nos contextos onde a Igreja se faz presente somente por eles (n. 174).

 

 

2.1. Os párocos, animadores de uma comunidade de discípulos missionários

 

A renovação das paróquias está relacionada estreitamente com o ministério dos sacerdotes e exige deles atitudes novas. A primeira exigência é que o pároco seja um autêntico discípulo de Jesus Cristo, porque só um sacerdote enamorado do Senhor pode renovar uma paróquia. Mas ao mesmo tempo, deve ser um ardoroso missionário, que vive o constante desejo de buscar os afastados e não se contenta com a simples administração burocrática da paróquia (n. 201). Devem ser promotores e animadores da diversidade de serviços necessários à evangelização missionária. A integração de todos eles na unidade de um único projeto evangelizador é essencial para assegurar uma comunhão missionária. Deles requer-se imaginação para encontrar respostas para os muitos e sempre mutáveis desafios da realidade.

 

O pároco deve animar a paróquia para que seja comunidade de discípulos missionários. Os vários Conselhos paroquiais deverão estar sempre preocupados em atingir a todos e todos os organismos precisam estar animados por uma espiritualidade de comunhão missionária: “Sem este caminho espiritual, de pouco serviriam as estruturas e mecanismos externos da comunhão (n. 203). A família cristã deve receber especial atenção, por ser a mais básica célula da comunidade eclesial e missionária, na qual são vividos e transmitidos os valores fundamentais da vida cristã (n. 204).

 

 

2.2. O processo de formação dos discípulos missionários

 

Os presbíteros, assim como os demais membros da comunidade eclesial, elas são convidados pela Conferência de Aparecida  a uma renovada formação na mística do discipulado e da missionariedade, olhando para o Cristo Mestre, que formou pessoalmente os seus apóstolos e discípulos; também hoje ele os atrai e lhes diz: “Venham e vejam” (Jo 1, 39) e os convida a “estarem com Ele” e a segui-lo: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida” (Jo 14,6). Com Ele, será possível desenvolver as potencialidades que estão nas pessoas e formar discípulos missionários (n. 276).

 

A formação de discípulos missionários é proposta em Aparecida como um processo, com cinco aspectos fundamentais, que se complementam reciprocamente (n. 278): a) O encontro pessoal com Jesus Cristo; b) a conversão, como resposta inicial de quem encontrou e escutou o Senhor com admiração; c) o discipulado, que leva a pessoa a amadurecer constantemente no conhecimento, no amor e no seguimento de Jesus Cristo; d) a comunhão com Cristo na comunidade; e) a missão, pois o discípulo que conhece e ama seu Senhor, experimenta a necessidade de compartilhar com outros a sua alegria, anunciando Jesus Cristo, morto e ressuscitado,

 

É necessário formar nos presbíteros uma profunda espiritualidade missionária, na docilidade ao impulso do Espírito Santo, que mobilize e transfigure todas as dimensões da sua existência (n. 284). Não se trata de uma experiência limitada aos espaços da devoção privada, mas de um fogo que deve penetrar completamente sua vida, dando profundidade e entusiasmo no exercício do ministério (n. 285).

 

 

3. Conversão pastoral e renovação missionária

 

Um conceito central nas orientações da Conferência de Aparecida é o da “conversão pastoral”. Pede-se que uma nova e firme decisão missionária oriente os membros da Igreja e impregne todas as estruturas eclesiais e os planos pastorais de dioceses, paróquias, comunidades religiosas, movimentos e de qualquer instituição da Igreja. Nenhuma comunidade deve se isentar de entrar decididamente, com todas suas forças, nos processos constantes de renovação missionária, revendo e abandonando estruturas ultrapassadas, que já não favoreçam a transmissão da fé (n. 365).

 

Antes das organizações e instituições eclesiais, esta conversão pastoral deve ser pessoal e orientar a vida dos ministros da Igreja, despertando neles a capacidade de submeter tudo a serviço da missão da Igreja (n.366). Os bispos, presbíteros, diáconos permanentes, consagrados e consagradas, leigos e leigas, são chamados a assumir uma atitude de permanente conversão pastoral, que leve a escutar com atenção e a discernir “o que o Espírito está dizendo às Igrejas” (Ap 2,29). A conversão pastoral acabará por se traduzir numa profunda conversão missionária, para dar à Igreja um ímpeto e uma nova audácia evangelizadora.

 

Os pastores precisam viver e promover uma autêntica espiritualidade de comunhão e participação, “propondo-a como princípio educativo a todos os ministros do altar, às pessoas consagradas e aos agentes pastorais” (NMI 43). A conversão pastoral requer que as comunidades eclesiais sejam comunidades de discípulos missionários ao redor de Jesus Cristo, Mestre e Pastor. Dali nasce a abertura ao diálogo e a disponibilidade para promover a co-responsabilidade e a participação efetiva de todos os fiéis nas comunidades cristãs (n. 368).

 

A conversão pastoral de nossas comunidades exige que os presbíteros vão além de uma pastoral de mera conservação e promovam uma pastoral decididamente missionária. Só assim, será possível que “o único programa do Evangelho continue  sendo introduzido na história de cada comunidade eclesial” (NMI 29) e a Igreja continue indo ao encontro de cada povo e de cada pessoa (n.370).

 

Levando em consideração as dimensões de nossas paróquias, é aconselhável a setorização em unidades territoriais menores, com equipes próprias de animação e de coordenação, que favoreçam uma proximidade maior com as pessoas e os grupos que vivem na região. É recomendável que os agentes missionários promovam a criação de comunidades de famílias, que fomentem a vivência comunitária da fé cristã e das respostas aos problemas. Não se trata de meras estratégias para alcançar êxitos pastorais, mas da fidelidade ao Mestre, sempre próximo, acessível e disponível para encontrar as pessoas e para lhes comunicar sua vida (n.372).

 

A V Conferência se propõe a despertar em todos os membros da Igreja na A.Latina e no Caribe um grande impulso missionário. Os presbíteros, de modo especial, são chamados a ir ao encontro das pessoas, das famílias, das comunidades e dos povos para lhes comunicar o dom do encontro com Cristo, sem ficar na espera passiva nos ofícios paroquiais e nos templos. “Somos testemunhas e missionários nas grandes cidades e nos campos, nas montanhas e florestas de nossa América, em todos os ambientes da convivência social, nos mais diversos “lugares” da vida pública das nações, nas situações extremas da existência e na solicitude pela missão universal da Igreja” (548).

 

É o próprio Papa Bento XVI que convida a uma missão envolvente todas as forças vivas da Igreja na América Latina e no Caribe. Neste esforço evangelizador, os pobres e os que sofrem devem receber atenção especial, conforme as palavras do Papa no Discurso inaugural da V Conferência. Os pobres são os destinatários privilegiados do Evangelho...” (n 550).

 

            A conversão missionária deve levar também à preocupação em relação à missão “ad gentes” (n. 373), pois isso define sua identidade mais profunda da Igreja. A fé se fortalece quando é testemunhada e comunicada. Somos Igrejas pobres, mas “devemos partilhar de nossa pobreza a alegria de nossa fé”. Nossa capacidade de compartilhar os dons espirituais, humanos e materiais com outras Igrejas confirmará a autenticidade de nossa abertura missionária (n. 379).

 

 

4. Presbíteros Missionários no Projeto Missão Continental

 

A Conferência de Aparecida aprovou a proposta de uma “Missão Continental”, para responder à necessidade de retomada constante da tarefa missionária em todo o Continente, sem pressupor que a evangelizado e a ação missionária já foram feitas no passado. Precisamos ser uma Igreja em estado permanente de missão, “um Continente em estado de missão”.

 

O Papa Bento XVI, ao dar sua aprovação ao Documento de Aparecida, assim se expressava: “Para mim foi motivo de alegria conhecer o desejo de realizar uma ‘Missão Continental’, que as Conferências Episcopais e cada Diocese são chamadas a estudar e realizar, convocando para isso todas as forças vivas, de modo que, caminhando a partir de Cristo, se busque a sua face”.

 

Após a Conferência, o Conselho Episcopal Latino-Americano (CELAM) retomou proposta e definiu melhor seus encaminhamentos, dando orientações gerais e confiando às Conferências Episcopais a tarefa de organizar em cada Igreja local a Missão Continental. O Documento do CELAM – A Missão Continental: Para uma Igreja Missionária”, retoma de maneira sintética as orientações da Conferência de Aparecida, dando indicações sobre a viabilização da Missão Continental em cada país.

 

Após retomar as palavras do Papa Bento XVI aos Bispos do Brasil, na Catedral de São Paulo (11.05.2007), o Projeto do CELAM fala especialmente sobre o envolvimento direto dos Ministros Ordenados para lembrar que o bispo é o primeiro responsável pela missão em cada Igreja particular; é ele que deve convocar todas as forças vivas da comunidade para o grande empenho missionário. A Missão Continental é para os Ministros ordenados um grande momento de graça e uma ocasião propícia para renovar a comunhão de presbíteros e diáconos entre si mesmos e com o bispo, para se entregarem com renovado entusiasmo ao serviço do Evangelho. Eles são responsáveis pelo impulso missionário e pela conversão pastoral, que devem permear todas as comunidades.

 

A renovação da paróquia exige atitudes novas dos párocos e de todo os sacerdotes; eles próprios devem ser autênticos discípulos de Jesus Cristo porque só um sacerdote apaixonado pelo Senhor pode renovar uma paróquia; ao mesmo tempo, deve ser um ardoroso missionário, animado pelo constante desejo de buscar os afastados, sem contentar-se com a simples administração ou a mera pastoral de “manutenção” (p. 25; DAp 201).

 

A paróquia, “lugar de comunhão”, de animação missionária e de iniciação à vida cristã, deve ter o melhor de seus esforços voltados para a convocação e a formação de leigos missionários; a conversão pastoral e missionária deve ajudar todos os membros da paróquia a se tornarem realmente discípulos e missionários de Jesus Cristo em comunhão (p.32; DAp 172). As paróquias urbanas exigem imaginação e criatividade para chegarem às multidões que anseiam pelo Evangelho; entre as iniciativas necessárias, propõe-se a criação de pequenas comunidades, pelas quais o fermento cristão chega mais perto da vida real e também pode alcançar os distantes.

 

As Conferências Episcopais estão promovendo, de modos diversos, a missão no âmbito de suas competências, quer dando orientações e diretrizes sobre as iniciativas a serem promovidas, quer convocando missionários e dando formação para a atuação nos diversos âmbitos. Pode-se dizer que um grande número de iniciativas novas de animação missionária estão surgindo em todo o Continente, envolvendo diretamente os presbíteros e diáconos.

 

Iniciativas são, muitas vezes, o estudo das propostas de Aparecida pelos Presbíteros em jornadas de formação permanente e retiros espirituais; a convocação e o envio de presbíteros para áreas missionárias mais necessitadas dentro dos próprios países, como também do Continente; nas reuniões do clero e nas orientações pastorais das dioceses, infalivelmente, está presente o apelo à nova evangelização, segundo as orientações da Conferência de Aparecida. Evidentemente, neste momento estamos em fase de semeadura e os frutos ainda são pouco perceptíveis, mas temos a esperança de que eles virão.

 

Algumas dificuldades também podem ser apontadas. Parte do clero ainda tem dificuldades para assumir corajosamente as orientações missionárias da Conferência de Aparecida, quer por motivos ideológicos e de orientação eclesiológica, quer por uma situação pessoal de desalento e desânimo no exercício do ministério; ainda parece muito difícil acolher o apelo à conversão pastoral e missionária, quer pessoal, quer comunitária, para superar a postura pastoral de mera manutenção da estrutura burocrática da paróquia.

 

Da parte dos presbíteros, a questão fundamental parece ser a revitalização da mística na vocação sacerdotal e no discipulado de Jesus Cristo. Sem um renovado encontro com Jesus Cristo, no dom do Espírito Santo, não se pode esperar uma renovação missionária da Igreja.  

 

Card. Odilo P. Scherer

Arcebispo de São Paulo

 


Anuário Estadístico de la Iglesia

2000 – 2005

 

Fuente: Annuarium Statisticum Ecclesiae (2006).

 

Sacerdotes Diocesanos

ASE p. 173/309

2000

2001

2002

2003

2004

2005

Brasil

9.240

9.462

9.743

10.015

10.470

10.789

Argentina

3.608

3.612

3.695

3.646

3.753

3.817

Chile

1.113

1.156

1.146

1.213

1.181

1.171

Colombia

5.470

5.514

5.664

5.698

5.906

6.016

Cuba

166

169

188

185

193

200

El Salvador

430

438

457

469

487

501

Honduras

168

185

186

200

203

212

México

10.421

10.646

10.872

11.136

11.165

11.306

Peru

1.401

1.443

1.522

1.538

1.540

1.598

Venezuela

1.364

1.364

1.503

1.527

1.531

1.578

 

 

Ordenaciones

ASE p. 173/309

2000

2001

2002

2003

2004

2005

Brasil

437

425

412

462

525

546

Argentina

125

113

117

105

110

99

Chile

44

38

24

26

13

29

Colombia

285

196

187

167

193

224

Cuba

3

8

7

8

8

9

El Salvador

28

21

19

20

20

16

Honduras

6

7

8

23

10

8

México

385

364

357

355

289

382

Peru

70

67

75

64

67

52

Venezuela

59

52

66

62

40

72

 

Defunciones

ASE p. 173/309

2000

2001

2002

2003

2004

2005

Brasil

83

106

106

83

96

111

Argentina

41

44

37

48

50

61

Chile

18

21

8

15

9

9

Colombia

60

43

47

41

65

68

Cuba

1

-

3

10

1

2

El Salvador

4

5

4

4

2

2

Honduras

-

-

1

4

3

2

México

132

108

123

140

119

136

Peru

4

7

6

17

6

12

Venezuela

5

8

4

14

12

18

 

 

 

 

Abandonos

ASE p. 173/309

2000

2001

2002

2003

2004

2005

Brasil

49

29

43

54

48

64

Argentina

22

22

31

22

23

24

Chile

8

7

4

8

12

11

Colombia

17

15

16

36

31

21

Cuba

2

-

1

-

2

1

El Salvador

4

-

3

3

3

2

Honduras

-

2

-

2

-

2

México

41

33

34

50

33

24

Peru

2

9

6

7

13

6

Venezuela

4

4

1

3

1

9

 

 

Sacerdotes Religiosos

ASE p. 173/309

2000

2001

2002

2003

2004

2005

Brasil

7.358

7.367

7.211

7.374

7.316

7.298

Argentina

2.260

2.160

2.107

2.071

2.025

2.028

Chile

1.185

1.188

1.168

1.155

1.178

1.155

Colombia

2.381

2.334

2.250

2.259

2.333

2.272

Cuba

130

134

144

139

140

145

El Salvador

233

235

241

238

244

235

Honduras

214

223

208

198

208

211

México

3.628

3.599

3.690

3.664

3.719

3.763

Peru

1.389

1.306

1.313

1.328

1.283

1.252

Venezuela

956

938

907

1.064

970

950

 

 

 

Observações sobre os dados estatísticos relativos ao clero (2000 – 2005)

 

 

Enquanto no período de 1974 a 2004 a população latino-americana cresceu  quase 80%, o número de sacerdotes cresceu 44,1% e o de religiosas apenas 8% (Anuário estatístico da Igreja).

 

A análise dos dados estatísticos relativos ao clero em alguns países da América Latina, no período de 2000 a 2005 revela algumas constatações interessantes.

 

A média do crescimento na totalidade dos 22 países da AL de 2000 a 2005 foi de 11,93% para o número dos sacerdotes diocesanos e de 0,99% para os sacerdotes religiosos. Alguns países tiveram um crescimento diferenciado: Nicarágua, 44,94%; Guatemala, 41,11%; ; Porto Rico, 4,01%; Paraguay, 0,56%; Uruguay, 0,45%. No caso dos sacerdotes religiosos, o decréscimo foi generalizado: no Belize caiu em mais de 40%; na Guatemala, mais de 20%; ao mesmo tempo, alguns países mostram um crescimento mais significativo: Cuba, 11,54%; Bolívia, 10,44%; Paraguay, 80,14%.

 

A relação entre o número de ordenações sacerdotais e o total de falecimentos ou abandonos no período de 2000 a 2005 é de quase 40%, ou seja, para cada 10 sacerdotes ordenados nesse período, 4 faleceram ou deixaram de exercer o ministério. Os extremos aparecem em Costa Rica (47 ordenações e 48 “perdas”) e Panamá (36 ordenações e só 3 “perdas”). Nos 22 países da AL, entre 2000 e 2006, bem 1080 sacerdotes abandonaram o exercício do ministério (Só no Belize e na Costa Rica não houve abandonos).

 

Em todos os países apresentaram-se tanto dados positivos como negativos; em Cuba, as estatísticas mostram crescimento favorável em todos os itens, menos no número de seminaristas; na Argentina, todos os itens mostram decréscimo, menos o número absoluto de sacerdotes diocesanos. Brasil, México e Colômbia são os países de maior número de ordenações; mas o México tinha em 2005 bem 200 seminaristas diocesanos a menos que em 2000.

 

Card. Odilo P. Scherer

Arcebispo de São Paulo