CARTA
ENCÍCLICA
CARITAS IN VERITATE
DO SUMO
PONTÍFICE
BENTO XVI
AOS BISPOS
AOS PRESBÍTEROS E DIÁCONOS
ÀS PESSOAS CONSAGRADAS
AOS FIÉIS LEIGOS
E A TODOS OS HOMENS
DE BOA VONTADE
SOBRE O DESENVOLVIMENTO
HUMANO INTEGRAL
NA CARIDADE E NA VERDADE
INTRODUÇÃO
1. A caridade na verdade, que Jesus Cristo
testemunhou com a sua vida terrena e sobretudo com a sua morte e ressurreição,
é a força propulsora principal para o verdadeiro desenvolvimento de cada pessoa
e da humanidade inteira. O amor — « caritas » — é uma força
extraordinária, que impele as pessoas a comprometerem-se, com coragem e
generosidade, no campo da justiça e da paz. É uma força que tem a sua origem em
Deus, Amor eterno e Verdade absoluta. Cada um encontra o bem próprio, aderindo
ao projecto que Deus tem para ele a fim de o realizar plenamente: com efeito, é
em tal projecto que encontra a verdade sobre si mesmo e, aderindo a ela,
torna-se livre (cf. Jo 8, 22). Por isso, defender a verdade, propô-la
com humildade e convicção e testemunhá-la na vida são formas exigentes e
imprescindíveis de caridade. Esta, de facto, « rejubila com a verdade » (1
Cor 13, 6). Todos os homens sentem o impulso interior para amar de maneira
autêntica: amor e verdade nunca desaparecem de todo neles, porque são a vocação
colocada por Deus no coração e na mente de cada homem. Jesus Cristo purifica e
liberta das nossas carências humanas a busca do amor e da verdade e
desvenda-nos, em plenitude, a iniciativa de amor e o projecto de vida
verdadeira que Deus preparou para nós. Em Cristo, a caridade na verdade
torna-se o Rosto da sua Pessoa, uma vocação a nós dirigida para amarmos os
nossos irmãos na verdade do seu projecto. De facto, Ele mesmo é a Verdade (cf.
Jo 14, 6).
2. A caridade é a via mestra da doutrina social
da Igreja. As diversas responsabilidades e compromissos por ela delineados
derivam da caridade, que é — como ensinou Jesus — a síntese de toda a Lei (cf. Mt
22, 36-40). A caridade dá verdadeira substância à relação pessoal com Deus e
com o próximo; é o princípio não só das micro-relações estabelecidas entre
amigos, na família, no pequeno grupo, mas também das macro-relações como
relacionamentos sociais, económicos, políticos. Para a Igreja — instruída pelo
Evangelho —, a caridade é tudo porque, como ensina S. João (cf. 1 Jo 4,
8.16) e como recordei na minha primeira carta encíclica, « Deus é caridade » (Deus
caritas est): da caridade de Deus tudo provém, por ela tudo toma forma,
para ela tudo tende. A caridade é o dom maior que Deus concedeu aos homens;
é sua promessa e nossa esperança.
Estou ciente dos desvios e esvaziamento de
sentido que a caridade não cessa de enfrentar com o risco, daí resultante, de
ser mal entendida, de excluí-la da vida ética e, em todo o caso, de impedir a
sua correcta valorização. Nos âmbitos social, jurídico, cultural, político e
económico, ou seja, nos contextos mais expostos a tal perigo, não é difícil
ouvir declarar a sua irrelevância para interpretar e orientar as
responsabilidades morais. Daqui a necessidade de conjugar a caridade com a verdade,
não só na direcção assinalada por S. Paulo da « veritas in caritate » (Ef
4, 15), mas também na direcção inversa e complementar da « caritas in
veritate ». A verdade há-de ser procurada, encontrada e expressa na «
economia » da caridade, mas esta por sua vez há-de ser compreendida, avaliada e
praticada sob a luz da verdade. Deste modo teremos não apenas prestado um
serviço à caridade, iluminada pela verdade, mas também contribuído para
acreditar a verdade, mostrando o seu poder de autenticação e persuasão na vida
social concreta. Facto este que se deve ter bem em conta hoje, num contexto
social e cultural que relativiza a verdade, aparecendo muitas vezes negligente
senão mesmo refractário à mesma.
3. Pela sua estreita ligação com a verdade, a
caridade pode ser reconhecida como expressão autêntica de humanidade e como
elemento de importância fundamental nas relações humanas, nomeadamente de
natureza pública. Só na verdade é que a caridade refulge e pode ser
autenticamente vivida. A verdade é luz que dá sentido e valor à caridade. Esta
luz é simultaneamente a luz da razão e a da fé, através das quais a
inteligência chega à verdade natural e sobrenatural da caridade: identifica o
seu significado de doação, acolhimento e comunhão. Sem verdade, a caridade cai no
sentimentalismo. O amor torna-se um invólucro vazio, que se pode encher
arbitrariamente. É o risco fatal do amor numa cultura sem verdade; acaba
prisioneiro das emoções e opiniões contingentes dos indivíduos, uma palavra
abusada e adulterada chegando a significar o oposto do que é realmente. A
verdade liberta a caridade dos estrangulamentos do emotivismo, que a despoja de
conteúdos relacionais e sociais, e do fideísmo, que a priva de amplitude humana
e universal. Na verdade, a caridade reflecte a dimensão simultaneamente pessoal
e pública da fé no Deus bíblico, que é conjuntamente « Agápe » e « Lógos
»: Caridade e Verdade, Amor e Palavra.
4. Porque repleta de verdade, a caridade pode
ser compreendida pelo homem na sua riqueza de valores, partilhada e comunicada.
Com efeito, a verdade é « lógos » que cria « diá-logos » e,
consequentemente, comunicação e comunhão. A verdade, fazendo sair os homens das
opiniões e sensações subjectivas, permite-lhes ultrapassar determinações
culturais e históricas para se encontrarem na avaliação do valor e substância
das coisas. A verdade abre e une as inteligências no lógos do amor: tal
é o anúncio e o testemunho cristão da caridade. No actual contexto social e
cultural, em que aparece generalizada a tendência de relativizar a verdade,
viver a caridade na verdade leva a compreender que a adesão aos valores do
cristianismo é um elemento útil e mesmo indispensável para a construção duma
boa sociedade e dum verdadeiro desenvolvimento humano integral. Um cristianismo
de caridade sem verdade pode ser facilmente confundido com uma reserva de bons
sentimentos, úteis para a convivência social mas marginais. Deste modo,
deixaria de haver verdadeira e propriamente lugar para Deus no mundo. Sem a
verdade, a caridade acaba confinada num âmbito restrito e carecido de relações;
fica excluída dos projectos e processos de construção dum desenvolvimento
humano de alcance universal, no diálogo entre o saber e a realização prática.
5. A caridade é amor recebido e dado; é « graça
» (cháris). A sua nascente é o amor fontal do Pai pelo Filho no Espírito
Santo. É amor que, pelo Filho, desce sobre nós. É amor criador, pelo qual
existimos; amor redentor, pelo qual somos recriados. Amor revelado e vivido por
Cristo (cf. Jo 13, 1), é « derramado em nossos corações pelo Espírito
Santo » (Rm 5, 5). Destinatários do amor de Deus, os homens são
constituídos sujeitos de caridade, chamados a fazerem-se eles mesmos
instrumentos da graça, para difundir a caridade de Deus e tecer redes de
caridade.
A esta dinâmica de caridade recebida e dada,
propõe-se dar resposta a doutrina social da Igreja. Tal doutrina é « caritas
in veritate in re sociali », ou seja, proclamação da verdade do amor de
Cristo na sociedade; é serviço da caridade, mas na verdade. Esta preserva e
exprime a força libertadora da caridade nas vicissitudes sempre novas da
história. É ao mesmo tempo verdade da fé e da razão, na distinção e,
conjuntamente, sinergia destes dois âmbitos cognitivos. O desenvolvimento, o
bem-estar social, uma solução adequada dos graves problemas sócio-económicos
que afligem a humanidade precisam desta verdade. Mais ainda, necessitam que tal
verdade seja amada e testemunhada. Sem verdade, sem confiança e amor pelo que é
verdadeiro, não há consciência e responsabilidade social, e a actividade social
acaba à mercê de interesses privados e lógicas de poder, com efeitos
desagregadores na sociedade, sobretudo numa sociedade em vias de globalização
que atravessa momentos difíceis como os actuais.
6. « Caritas in veritate » é um
princípio à volta do qual gira a doutrina social da Igreja, princípio que ganha
forma operativa em critérios orientadores da acção moral. Destes, desejo
lembrar dois em particular, requeridos especialmente pelo compromisso em prol
do desenvolvimento numa sociedade em vias de globalização: a justiça e o bem
comum.
Em primeiro lugar, a justiça. Ubi societas,
ibi ius: cada sociedade elabora um sistema próprio de justiça. A
caridade supera a justiça, porque amar é dar, oferecer ao outro do que é «
meu »; mas nunca existe sem a justiça, que induz a dar ao outro o que é « dele
», o que lhe pertence em razão do seu ser e do seu agir. Não posso « dar » ao
outro do que é meu, sem antes lhe ter dado aquilo que lhe compete por justiça.
Quem ama os outros com caridade é, antes de mais nada, justo para com eles. A
justiça não só não é alheia à caridade, não só não é um caminho alternativo ou
paralelo à caridade, mas é « inseparável da caridade »[1], é-lhe intrínseca. A justiça é o
primeiro caminho da caridade ou, como chegou a dizer Paulo VI, « a medida
mínima » dela[2], parte integrante daquele amor «
por acções e em verdade » (1 Jo 3, 18) a que nos exorta o apóstolo João.
Por um lado, a caridade exige a justiça: o reconhecimento e o respeito dos
legítimos direitos dos indivíduos e dos povos. Aquela empenha-se na construção
da « cidade do homem » segundo o direito e a justiça. Por outro, a caridade
supera a justiça e completa-a com a lógica do dom e do perdão[3]. A « cidade do homem » não se move
apenas por relações feitas de direitos e de deveres, mas antes e sobretudo por
relações de gratuidade, misericórdia e comunhão. A caridade manifesta sempre,
mesmo nas relações humanas, o amor de Deus; dá valor teologal e salvífico a
todo o empenho de justiça no mundo.
7. Depois, é preciso ter em grande consideração
o bem comum. Amar alguém é querer o seu bem e trabalhar eficazmente pelo
mesmo. Ao lado do bem individual, existe um bem ligado à vida social das
pessoas: o bem comum. É o bem daquele « nós-todos », formado por indivíduos,
famílias e grupos intermédios que se unem em comunidade social[4]. Não é um bem procurado por si
mesmo, mas para as pessoas que fazem parte da comunidade social e que, só nela,
podem realmente e com maior eficácia obter o próprio bem. Querer o bem comum
e trabalhar por ele é exigência de justiça e de caridade. Comprometer-se
pelo bem comum é, por um lado, cuidar e, por outro, valer-se daquele conjunto
de instituições que estruturam jurídica, civil, política e culturalmente a vida
social, que deste modo toma a forma de pólis, cidade. Ama-se tanto mais
eficazmente o próximo, quanto mais se trabalha em prol de um bem comum que dê
resposta também às suas necessidade reais. Todo o cristão é chamado a esta
caridade, conforme a sua vocação e segundo as possibilidades que tem de
incidência na pólis. Este é o caminho institucional — podemos mesmo
dizer político — da caridade, não menos qualificado e incisivo do que o é a
caridade que vai directamente ao encontro do próximo, fora das mediações
institucionais da pólis. Quando o empenho pelo bem comum é animado pela
caridade, tem uma valência superior à do empenho simplesmente secular e
político. Aquele, como todo o empenho pela justiça, inscreve-se no testemunho
da caridade divina que, agindo no tempo, prepara o eterno. A acção do homem
sobre a terra, quando é inspirada e sustentada pela caridade, contribui para a
edificação daquela cidade universal de Deus que é a meta para
onde caminha a história da família humana. Numa sociedade em vias de
globalização, o bem comum e o empenho em seu favor não podem deixar de assumir
as dimensões da família humana inteira, ou seja, da comunidade dos povos e das
nações[5], para dar forma de unidade e paz à
cidade do homem e torná-la em certa medida antecipação que prefigura a
cidade de Deus sem barreiras.
8. Ao publicar a encíclica Populorum
progressio em
1967, o meu venerado predecessor Paulo VI iluminou o grande tema do
desenvolvimento dos povos com o esplendor da verdade e com a luz suave da
caridade de Cristo. Afirmou que o anúncio de Cristo é o primeiro e principal
factor de desenvolvimento [6] e deixou-nos a recomendação de
caminhar pela estrada do desenvolvimento com todo o nosso coração e com toda a
nossa inteligência[7], ou seja, com o ardor da caridade e
a sapiência da verdade. É a verdade originária do amor de Deus — graça a nós
concedida — que abre ao dom a nossa vida e torna possível esperar num «
desenvolvimento do homem todo e de todos os homens »[8], numa passagem « de condições menos
humanas a condições mais humanas »[9], que se obtém vencendo as
dificuldades que inevitavelmente se encontram ao longo do caminho.
Passados mais de quarenta anos da publicação da
referida encíclica, pretendo prestar homenagem e honrar a memória do grande
Pontífice Paulo VI, retomando os seus ensinamentos sobre o desenvolvimento
humano integral e colocando-me na senda pelos mesmos traçada para os
actualizar nos dias que correm. Este processo de actualização teve início com a
encíclica Sollicitudo rei socialis do Servo de Deus João Paulo II, que
desse modo quis comemorar a Populorum
progressio no
vigésimo aniversário da sua publicação. Até então, semelhante comemoração
tinha-se reservado apenas para a Rerum novarum. Passados outros vinte anos,
exprimo a minha convicção de que a Populorum
progressio
merece ser considerada como « a Rerum novarum da época contemporânea »,
que ilumina o caminho da humanidade em vias de unificação.
9. O amor na verdade — caritas in veritate
— é um grande desafio para a Igreja num mundo em crescente e incisiva
globalização. O risco do nosso tempo é que, à real interdependência dos homens
e dos povos, não corresponda a interacção ética das consciências e das
inteligências, da qual possa resultar um desenvolvimento verdadeiramente
humano. Só através da caridade, iluminada pela luz da razão e da fé, é
possível alcançar objectivos de desenvolvimento dotados de uma valência mais
humana e humanizadora. A partilha dos bens e recursos, da qual deriva o
autêntico desenvolvimento, não é assegurada pelo simples progresso técnico e
por meras relações de conveniência, mas pelo potencial de amor que vence o mal
com o bem (cf. Rm 12, 21) e abre à reciprocidade das consciências e das
liberdades.
A Igreja não tem soluções técnicas para
oferecer [10] e não pretende « de modo algum
imiscuir-se na política dos Estados »[11]; mas tem uma missão ao serviço da verdade
para cumprir, em todo o tempo e contingência, a favor de uma sociedade à medida
do homem, da sua dignidade, da sua vocação. Sem verdade, cai-se numa visão
empirista e céptica da vida, incapaz de se elevar acima da acção porque não
está interessada em identificar os valores — às vezes nem sequer os
significados — pelos quais julgá-la e orientá-la. A fidelidade ao homem exige
a fidelidade à verdade, a única que é garantia de liberdade (cf.
Jo 8, 32) e da possibilidade dum desenvolvimento humano integral. É
por isso que a Igreja a procura, anuncia incansavelmente e reconhece em todo o
lado onde a mesma se apresente. Para a Igreja, esta missão ao serviço da
verdade é irrenunciável. A sua doutrina social é um momento singular deste
anúncio: é serviço à verdade que liberta. Aberta à verdade, qualquer que seja o
saber donde provenha, a doutrina social da Igreja acolhe-a, compõe numa unidade
os fragmentos em que frequentemente a encontra, e serve-lhe de medianeira na
vida sempre nova da sociedade dos homens e dos povos[12].
CAPÍTULO
I
A
MENSAGEM
DA POPULORUM PROGRESSIO
10. A releitura da Populorum
progressio,
mais de quarenta anos depois da sua publicação, incita a permanecer fiéis à sua
mensagem de caridade e de verdade, considerando-a no âmbito do magistério
específico de Paulo VI e, mais em geral, dentro da tradição da doutrina social
da Igreja. Depois há que avaliar os termos diferentes em que hoje, diversamente
de então, se coloca o problema do desenvolvimento. Por isso, o ponto de vista
correcto é o da Tradição da fé apostólica[13], património antigo e novo, fora do
qual a Populorum
progressio seria um documento sem raízes e as
questões do desenvolvimento ficariam reduzidas unicamente a dados sociológicos.
11. A publicação da Populorum
progressio
deu-se imediatamente depois da conclusão do Concílio Ecuménico Vaticano II. A
própria encíclica sublinha, nos primeiros parágrafos, a sua relação íntima com
o Concílio[14]. Vinte anos depois, era João Paulo
II que destacava, na Sollicitudo rei socialis, a fecunda relação daquela
encíclica com o Concílio, particularmente com a constituição pastoral Gaudium et spes[15]. Desejo, também eu, lembrar aqui a
importância que o Concílio Vaticano II teve na encíclica de Paulo VI e em todo
o sucessivo magistério social dos Sumos Pontífices. O Concílio aprofundou
aquilo que desde sempre pertence à verdade da fé, ou seja, que a Igreja,
estando ao serviço de Deus, serve o mundo em termos de amor e verdade. Foi
precisamente desta perspectiva que partiu Paulo VI para nos comunicar duas
grandes verdades. A primeira é que a Igreja inteira, em todo o seu ser e
agir, quando anuncia, celebra e actua na caridade, tende a promover o
desenvolvimento integral do homem. Ela tem um papel público que não se
esgota nas suas actividades de assistência ou de educação, mas revela todas as
suas energias ao serviço da promoção do homem e da fraternidade universal
quando pode usufruir de um regime de liberdade. Em não poucos casos, tal
liberdade vê-se impedida por proibições e perseguições; ou então é limitada,
quando a presença pública da Igreja fica reduzida unicamente às suas
actividades sócio-caritativas. A segunda verdade é que o autêntico
desenvolvimento do homem diz respeito unitariamente à totalidade da pessoa em
todas as suas dimensões[16]. Sem a perspectiva duma vida
eterna, o progresso humano neste mundo fica privado de respiro. Fechado dentro
da história, está sujeito ao risco de reduzir-se a simples incremento do ter;
deste modo, a humanidade perde a coragem de permanecer disponível para os bens
mais altos, para as grandes e altruístas iniciativas solicitadas pela caridade
universal. O homem não se desenvolve apenas com as suas próprias forças, nem o
desenvolvimento é algo que se lhe possa dar simplesmente de fora. Muitas vezes,
ao longo da história, pensou-se que era suficiente a criação de instituições
para garantir à humanidade a satisfação do direito ao desenvolvimento.
Infelizmente foi depositada excessiva confiança em tais instituições, como se
estas pudessem conseguir automaticamente o objectivo desejado. Na realidade, as
instituições sozinhas não bastam, porque o desenvolvimento humano integral é
primariamente vocação e, por conseguinte, exige uma livre e solidária assunção
de responsabilidade por parte de todos. Além disso, tal desenvolvimento requer
uma visão transcendente da pessoa, tem necessidade de Deus: sem Ele, o
desenvolvimento ou é negado ou acaba confiado unicamente às mãos do homem, que
cai na presunção da auto-salvação e acaba por fomentar um desenvolvimento
desumanizado. Aliás, só o encontro com Deus permite deixar de « ver no outro
sempre e apenas o outro »[17], para reconhecer nele a imagem
divina, chegando assim a descobrir verdadeiramente o outro e a maturar um amor
que « se torna cuidado do outro e pelo outro »[18].
12. A ligação entre a Populorum
progressio e o Concílio Vaticano II não
representa um corte entre o magistério social de Paulo VI e o dos Pontífices
seus predecessores, visto que o Concílio constitui um aprofundamento de tal
magistério na continuidade da vida da Igreja[19]. Neste sentido, não ajudam à
clareza certas subdivisões abstractas da doutrina social da Igreja, que aplicam
ao ensinamento social pontifício categorias que lhe são alheias. Não existem
duas tipologias de doutrina social — uma pré-conciliar e outra pós-conciliar —,
diversas entre si, mas um único ensinamento, coerente e simultaneamente
sempre novo[20]. É justo evidenciar a peculiaridade
de uma ou outra encíclica, do ensinamento deste ou daquele Pontífice, mas sem
jamais perder de vista a coerência do corpus doutrinal inteiro[21]. Coerência não significa reclusão num
sistema, mas sobretudo fidelidade dinâmica a uma luz recebida. A doutrina
social da Igreja ilumina, com uma luz imutável, os problemas novos que vão
aparecendo[22]. Isto salvaguarda o carácter quer
permanente quer histórico deste « património » doutrinal[23], o qual, com as suas
características específicas, faz parte da Tradição sempre viva da Igreja[24]. A doutrina social está construída
sobre o fundamento que foi transmitido pelos Apóstolos aos Padres da Igreja e,
depois, acolhido e aprofundado pelos grandes Doutores cristãos. Tal doutrina
remonta, em última análise, ao Homem novo, ao « último Adão que Se tornou
espírito vivificante » (1 Cor 15, 45) e é princípio da caridade que «
nunca acabará » (1 Cor 13, 8). É testemunhada pelos Santos e por quantos
deram a vida por Cristo Salvador no campo da justiça e da paz. Nela se exprime
a missão profética que têm os Sumos Pontífices de guiar apostolicamente a
Igreja de Cristo e discernir as novas exigências da evangelização. Por estas
razões, a Populorum
progressio,
inserida na grande corrente da Tradição, é capaz de nos falar ainda a nós hoje.
13. Além da sua importante ligação com toda a
doutrina social da Igreja, a Populorum
progressio
está intimamente conexa com o magistério global de Paulo VI e, de modo particular, com o seu
magistério social. De grande relevo foi, sem dúvida, o seu ensinamento social:
reafirmou a exigência imprescindível do Evangelho para a construção da
sociedade segundo liberdade e justiça, na perspectiva ideal e histórica de uma
civilização animada pelo amor. Paulo VI compreendeu claramente como se tinha
tornado mundial a questão social[25] e viu a correlação entre o impulso
à unificação da humanidade e o ideal cristão de uma única família dos povos,
solidária na fraternidade comum. Indicou o desenvolvimento, humana e
cristãmente entendido, como o coração da mensagem social cristã e propôs a
caridade cristã como principal força ao serviço do desenvolvimento. Movido pelo
desejo de tornar o amor de Cristo plenamente visível ao homem contemporâneo,
Paulo VI enfrentou com firmeza importantes questões éticas, sem ceder às
debilidades culturais do seu tempo.
14. Depois, com a carta apostólica Octogesima
adveniens de
1971, Paulo VI tratou o tema do sentido da política e do perigo de visões
utópicas e ideológicas que prejudicavam a sua qualidade ética e humana. São
argumentos estritamente relacionados com o desenvolvimento. Infelizmente as
ideologias negativas florescem continuamente. Contra a ideologia tecnocrática,
hoje particularmente radicada, já Paulo VI tinha alertado[26], ciente do grande perigo que era
confiar todo o processo do desenvolvimento unicamente à técnica, porque assim
ficaria sem orientação. A técnica, em si mesma, é ambivalente. Se, por um lado,
há hoje quem seja propenso a confiar-lhe inteiramente tal processo de
desenvolvimento, por outro, assiste-se à investida de ideologias que negam
in toto a própria utilidade do desenvolvimento, considerado radicalmente
anti-humano e portador somente de degradação. Mas, deste modo, acaba-se por
condenar não apenas a maneira errada e injusta como por vezes os homens
orientam o progresso, mas também as descobertas científicas que entretanto, se
bem usadas, constituem uma oportunidade de crescimento para todos. A ideia de
um mundo sem desenvolvimento exprime falta de confiança no homem e em Deus. Por
conseguinte, é um grave erro desprezar as capacidades humanas de controlar os
extravios do desenvolvimento ou mesmo ignorar que o homem está
constitutivamente inclinado para « ser mais ». Absolutizar ideologicamente o
progresso técnico ou então afagar a utopia duma humanidade reconduzida ao estado
originário da natureza são dois modos opostos de separar o progresso da sua
apreciação moral e, consequentemente, da nossa responsabilidade.
15. Outros dois documentos de Paulo VI, embora
não estritamente ligados com a doutrina social — a encíclica Humanæ vitæ, de 25 de Julho de 1968, e a
exortação apostólica Evangelii nuntiandi, de 8 de Dezembro de 1975 —, são
muito importantes para delinear o sentido plenamente humano do
desenvolvimento proposto pela Igreja. Por isso é oportuno ler também estes
textos em relação com a Populorum
progressio.
A encíclica Humanæ vitæ sublinha o significado conjuntamente unitivo e procriativo da
sexualidade, pondo assim como fundamento da sociedade o casal de esposos, homem
e mulher, que se acolhem reciprocamente na distinção e na complementaridade; um
casal, portanto, aberto à vida[27]. Não se trata de uma moral
meramente individual: a Humanæ vitæ indica os fortes laços existentes entre ética da vida e ética social,
inaugurando uma temática do Magistério que aos poucos foi tomando corpo em
vários documentos, sendo o mais recente a encíclica Evangelium vitæ de João Paulo II[28]. A Igreja propõe, com vigor, esta
ligação entre ética da vida e ética social, ciente de que não pode « ter
sólidas bases uma sociedade que afirma valores como a dignidade da pessoa, a
justiça e a paz, mas contradiz-se radicalmente aceitando e tolerando as mais
diversas formas de desprezo e violação da vida humana, sobretudo se débil e
marginalizada »[29].
Por sua vez, a exortação apostólica Evangelii nuntiandi tem uma relação muito forte com o
desenvolvimento, visto que « a evangelização — escrevia Paulo VI — não seria
completa, se não tomasse em consideração a interpelação recíproca que se fazem
constantemente o Evangelho e a vida concreta, pessoal e social, do homem »[30]. « Entre evangelização e promoção
humana — desenvolvimento, libertação — existem de facto laços profundos »[31]: partindo desta certeza, Paulo VI
ilustrava claramente a relação entre o anúncio de Cristo e a promoção da pessoa
na sociedade. O testemunho da caridade de Cristo através de obras de
justiça, paz e desenvolvimento faz parte da evangelização, pois a Jesus
Cristo, que nos ama, interessa o homem inteiro. Sobre estes importantes
ensinamentos, está fundado o aspecto missionário [32] da doutrina social da Igreja como
elemento essencial de evangelização[33]. A doutrina social da Igreja é
anúncio e testemunho de fé; é instrumento e lugar imprescindível de educação
para a mesma.
16. Na Populorum
progressio,
Paulo VI quis dizer-nos, antes de mais nada, que o progresso é, na sua origem e
na sua essência, uma vocação: « Nos desígnios de Deus, cada homem é
chamado a desenvolver-se, porque toda a vida é vocação »[34]. É precisamente este facto que
legitima a intervenção da Igreja nas problemáticas do desenvolvimento. Se este
tocasse apenas aspectos técnicos da vida do homem, e não o sentido do seu
caminhar na história juntamente com seus irmãos, nem a individuação da meta de
tal caminho, a Igreja não teria título para falar. Mas Paulo VI, como antes
dele Leão XIII na Rerum novarum[35], estava consciente de cumprir um
dever próprio do seu serviço quando iluminava com a luz do Evangelho as
questões sociais do seu tempo[36].
Dizer que o desenvolvimento é vocação
equivale a reconhecer, por um lado, que o mesmo nasce de um apelo transcendente
e, por outro, que é incapaz por si mesmo de atribuir-se o próprio significado
último. Não é sem motivo que a palavra « vocação » volta a aparecer noutra
passagem da encíclica, onde se afirma: « Não há, portanto, verdadeiro humanismo
senão o aberto ao Absoluto, reconhecendo uma vocação que exprime a ideia exacta
do que é a vida humana »[37]. Esta visão do desenvolvimento é o
coração da Populorum
progressio e
motiva todas as reflexões de Paulo VI sobre a liberdade, a verdade e a caridade
no desenvolvimento. É também a razão principal por que tal encíclica ainda
aparece actual nos nossos dias.
17. A vocação é um apelo que exige resposta
livre e responsável. O desenvolvimento humano integral supõe a liberdade
responsável da pessoa e dos povos: nenhuma estrutura pode garantir tal
desenvolvimento, prescindindo e sobrepondo-se à responsabilidade humana. Os «
messianismos fascinantes, mas construtores de ilusões »[38] fundam sempre as próprias
propostas na negação da dimensão transcendente do desenvolvimento, seguros de o
terem inteiramente à sua disposição. Esta falsa segurança converte-se em
fraqueza, porque implica a sujeição do homem, reduzido à categoria de meio para
o desenvolvimento, enquanto a humildade de quem acolhe uma vocação se
transforma em verdadeira autonomia, porque torna a pessoa livre. Paulo VI não
tem dúvidas sobre a existência de obstáculos e condicionamentos que refreiam o
desenvolvimento, mas está seguro também de que « cada um, sejam quais forem as
influências que sobre ele se exerçam, permanece o artífice principal do seu
êxito ou do seu fracasso »[39]. Esta liberdade diz respeito não só
ao desenvolvimento que usufruímos, mas também às situações de
subdesenvolvimento, que não são fruto do acaso nem de uma necessidade
histórica, mas dependem da responsabilidade humana. É por isso que « os povos
da fome se dirigem hoje, de modo dramático, aos povos da opulência »[40]. Também isto é vocação, um apelo
que homens livres dirigem a homens livres em ordem a uma assunção comum de
responsabilidade. Viva era, em Paulo VI, a percepção da importância das
estruturas económicas e das instituições, mas era igualmente clara nele a noção
da sua natureza de instrumentos da liberdade humana. Somente se for livre é que
o desenvolvimento pode ser integralmente humano; apenas num regime de liberdade
responsável, pode crescer de maneira adequada.
18. Além de requerer a liberdade, o
desenvolvimento humano integral enquanto vocação exige também que se respeite a
sua verdade. A vocação ao progresso impele os homens a « realizar, conhecer
e possuir mais, para ser mais »[41]. Mas aqui levanta-se o problema:
que significa « ser mais »? A tal pergunta responde Paulo VI indicando a
característica essencial do « desenvolvimento autêntico »: este « deve ser
integral, quer dizer, promover todos os homens e o homem todo »[42]. Na concorrência entre as várias
concepções do homem, presentes na sociedade actual ainda mais intensamente do
que na de Paulo VI, a visão cristã tem a peculiaridade de afirmar e justificar
o valor incondicional da pessoa humana e o sentido do seu crescimento. A
vocação cristã ao desenvolvimento ajuda a empenhar-se na promoção de todos os
homens e do homem todo. Escrevia Paulo VI: « O que conta para nós é o homem,
cada homem, cada grupo de homens, até se chegar à humanidade inteira »[43]. A fé cristã ocupa-se do
desenvolvimento sem olhar a privilégios nem posições de poder nem mesmo aos
méritos dos cristãos — que sem dúvida existiram e existem, a par de naturais
limitações[44] —, mas contando apenas com Cristo,
a Quem há-de fazer referência toda a autêntica vocação ao desenvolvimento
humano integral. O Evangelho é elemento fundamental do desenvolvimento,
porque lá Cristo, com « a própria revelação do mistério do Pai e do seu amor,
revela o homem a si mesmo »[45]. Instruída pelo seu Senhor, a
Igreja perscruta os sinais dos tempos e interpreta-os, oferecendo ao mundo « o
que possui como próprio: uma visão global do homem e da humanidade »[46]. Precisamente porque Deus pronuncia
o maior « sim » ao homem[47], este não pode deixar de se abrir à
vocação divina para realizar o próprio desenvolvimento. A verdade do
desenvolvimento consiste na sua integralidade: se não é desenvolvimento do
homem todo e de todo o homem, não é verdadeiro desenvolvimento. Esta é a
mensagem central da Populorum
progressio,
válida hoje e sempre. O desenvolvimento humano integral no plano natural,
enquanto resposta a uma vocação de Deus criador[48], procura a própria autenticação num
« humanismo transcendente, que leva [o homem] a atingir a sua maior plenitude:
tal é a finalidade suprema do desenvolvimento pessoal »[49]. Portanto, a vocação cristã a tal
desenvolvimento compreende tanto o plano natural como o plano sobrenatural,
motivo por que, « quando Deus fica eclipsado, começa a esmorecer a nossa
capacidade de reconhecer a ordem natural, o fim e o ‘‘bem'' »[50].
19. Finalmente, a concepção do desenvolvimento
como vocação inclui nele a centralidade da caridade. Paulo VI observava,
na encíclica Populorum
progressio, que
as causas do subdesenvolvimento não são primariamente de ordem material,
convidando-nos a procurá-las noutras dimensões do homem. Em primeiro lugar, na
vontade, que muitas vezes descuida os deveres da solidariedade. Em segundo, no
pensamento, que nem sempre sabe orientar convenientemente o querer; por isso, para
a prossecução do desenvolvimento, servem « pensadores capazes de reflexão
profunda, em busca de um humanismo novo, que permita ao homem moderno o
encontro de si mesmo »[51]. E não é tudo; o subdesenvolvimento
tem uma causa ainda mais importante do que a carência de pensamento: é « a
falta de fraternidade entre os homens e entre os povos »[52]. Esta fraternidade poderá um dia
ser obtida pelos homens simplesmente com as suas forças? A sociedade cada vez
mais globalizada torna-nos vizinhos, mas não nos faz irmãos. A razão, por si
só, é capaz de ver a igualdade entre os homens e estabelecer uma convivência
cívica entre eles, mas não consegue fundar a fraternidade. Esta tem origem numa
vocação transcendente de Deus Pai, que nos amou primeiro, ensinando-nos por
meio do Filho o que é a caridade fraterna. Ao apresentar os vários níveis do
processo de desenvolvimento do homem, Paulo VI colocava no vértice, depois de
ter mencionado a fé, « a unidade na caridade de Cristo que nos chama a todos a
participar como filhos na vida do Deus vivo, Pai de todos os homens »[53].
20. Abertas pela Populorum
progressio,
estas perspectivas permanecem fundamentais para dar amplitude e orientação ao
nosso compromisso a favor do desenvolvimento dos povos. E a Populorum
progressio sublinha repetidamente a urgência das reformas[54], pedindo para que, à vista dos
grandes problemas da injustiça no desenvolvimento dos povos, se actue com
coragem e sem demora. Esta urgência é ditada também pela caridade na verdade.
É a caridade de Cristo que nos impele: « caritas Christi urget nos » (2
Cor 5, 14). A urgência não está inscrita só nas coisas, não deriva apenas
do encalçar dos acontecimentos e dos problemas, mas também do que está em jogo:
a realização de uma autêntica fraternidade. A relevância deste objectivo é tal
que exige a nossa disponibilidade para o compreendermos profundamente e
mobilizarmo-nos concretamente, com o « coração », a fim de fazer avançar os
actuais processos económicos e sociais para metas plenamente humanas.
CAPÍTULO
II
O
DESENVOLVIMENTO HUMANO
NO NOSSO TEMPO
21. Paulo VI tinha uma visão articulada do
desenvolvimento. Com o termo « desenvolvimento », queria indicar, antes de
mais nada, o objectivo de fazer sair os povos da fome, da miséria, das doenças
endémicas e do analfabetismo. Isto significava, do ponto de vista económico, a
sua participação activa e em condições de igualdade no processo económico
internacional; do ponto de vista social, a sua evolução para sociedades
instruídas e solidárias; do ponto de vista político, a consolidação de regimes
democráticos capazes de assegurar a liberdade e a paz. Depois de tantos anos e
enquanto contemplamos, preocupados, as evoluções e as perspectivas das crises
que foram sucedendo neste período, interrogamo-nos até que ponto as expectativas
de Paulo VI tenham sido satisfeitas pelo modelo de desenvolvimento que foi
adoptado nos últimos decénios. E reconhecemos que eram fundadas as preocupações
da Igreja acerca das capacidades do homem meramente tecnológico conseguir
impor-se objectivos realistas e saber gerir, sempre adequadamente, os
instrumentos à sua disposição. O lucro é útil se, como meio, for orientado para
um fim que lhe indique o sentido e o modo como o produzir e utilizar. O
objectivo exclusivo de lucro, quando mal produzido e sem ter como fim último o
bem comum, arrisca-se a destruir riqueza e criar pobreza. O desenvolvimento
económico desejado por Paulo VI devia ser capaz de produzir um crescimento
real, extensivo a todos e concretamente sustentável. É verdade que o desenvolvimento
foi e continua a ser um factor positivo, que tirou da miséria milhões de
pessoas e, ultimamente, deu a muitos países a possibilidade de se tornarem
actores eficazes da política internacional. Todavia há que reconhecer que o
próprio desenvolvimento económico foi e continua a ser molestado por
anomalias e problemas dramáticos, evidenciados ainda mais pela actual
situação de crise. Esta coloca-nos improrrogavelmente diante de opções que
dizem respeito sempre mais ao próprio destino do homem, o qual aliás não pode
prescindir da sua natureza. As forças técnicas em campo, as inter-relações a
nível mundial, os efeitos deletérios sobre a economia real duma actividade
financeira mal utilizada e maioritariamente especulativa, os imponentes fluxos
migratórios, com frequência provocados e depois não geridos adequadamente, a
exploração desregrada dos recursos da terra, induzem-nos hoje a reflectir sobre
as medidas necessárias para dar solução a problemas que são não apenas novos
relativamente aos enfrentados pelo Papa Paulo VI, mas também e sobretudo com
impacto decisivo no bem presente e futuro da humanidade. Os aspectos da crise e
das suas soluções bem como de um possível novo desenvolvimento futuro estão
cada vez mais interdependentes, implicam-se reciprocamente, requerem novos
esforços de enquadramento global e uma nova síntese humanista. A
complexidade e gravidade da situação económica actual preocupa-nos, com toda a
justiça, mas devemos assumir com realismo, confiança e esperança as novas
responsabilidades a que nos chama o cenário de um mundo que tem necessidade
duma renovação cultural profunda e da redescoberta de valores fundamentais para
construir sobre eles um futuro melhor. A crise obriga-nos a projectar de novo o
nosso caminho, a impor-nos regras novas e encontrar novas formas de
empenhamento, a apostar em experiências positivas e rejeitar as negativas.
Assim, a crise torna-se ocasião de discernimento e elaboração de nova
planificação. Com esta chave, feita mais de confiança que resignação,
convém enfrentar as dificuldades da hora actual.
22. Actualmente o quadro do desenvolvimento é
policêntrico. Os actores e as causas tanto do subdesenvolvimento como do
desenvolvimento são múltiplas, as culpas e os méritos são diferenciados. Este
dado deveria induzir a libertar-se das ideologias que simplificam, de forma
frequentemente artificiosa, a realidade, e levar a examinar com objectividade a
espessura humana dos problemas. Hoje a linha de demarcação entre países ricos e
pobres já não é tão nítida como nos tempos da Populorum
progressio,
como aliás foi assinalado por João Paulo II[55]. Cresce a riqueza mundial em
termos absolutos, mas aumentam as desigualdades. Nos países ricos, novas
categorias sociais empobrecem e nascem novas pobrezas. Em áreas mais pobres,
alguns grupos gozam duma espécie de superdesenvolvimento dissipador e
consumista que contrasta, de modo inadmissível, com perduráveis situações de
miséria desumanizadora. Continua « o escândalo de desproporções revoltantes »[56]. Infelizmente a corrupção e a
ilegalidade estão presentes tanto no comportamento de sujeitos económicos e
políticos dos países ricos, antigos e novos, como nos próprios países pobres.
No número de quantos não respeitam os direitos humanos dos trabalhadores,
contam-se às vezes grandes empresas transnacionais e também grupos de produção
local. As ajudas internacionais foram muitas vezes desviadas das suas
finalidades, por irresponsabilidades que se escondem tanto na cadeia dos
sujeitos doadores como na dos beneficiários. Também no âmbito das causas
imateriais ou culturais do desenvolvimento e do subdesenvolvimento podemos
encontrar a mesma articulação de responsabilidades: existem formas excessivas
de protecção do conhecimento por parte dos países ricos, através duma
utilização demasiado rígida do direito de propriedade intelectual,
especialmente no campo sanitário; ao mesmo tempo, em alguns países pobres,
persistem modelos culturais e normas sociais de comportamento que retardam o
processo de desenvolvimento.
23. Temos hoje muitas áreas do globo que — de
forma por vezes problemática e não homogénea — evoluíram, entrando na categoria
das grandes potências destinadas a jogar um papel importante no futuro. Contudo
há que sublinhar que não é suficiente progredir do ponto de vista económico
e tecnológico; é preciso que o desenvolvimento seja, antes de mais nada, verdadeiro
e integral. A saída do atraso económico — um dado em si mesmo positivo — não
resolve a complexa problemática da promoção do homem nem nos países
protagonistas de tais avanços, nem nos países economicamente já desenvolvidos,
nem nos países ainda pobres que, além das antigas formas de exploração, podem
vir a sofrer também as consequências negativas derivadas de um crescimento
marcado por desvios e desequilíbrios.
Depois da queda dos sistemas económicos e
políticos dos países comunistas da Europa Oriental e do fim dos chamados «
blocos contrapostos », havia necessidade duma revisão global do
desenvolvimento. Pedira-o João Paulo II, que em 1987 tinha indicado a
existência destes « blocos » como uma das principais causas do
subdesenvolvimento[57], enquanto a política subtraía
recursos à economia e à cultura e a ideologia inibia a liberdade. Em 1991, na
sequência dos acontecimentos do ano 1989, o Pontífice pediu que o fim dos «
blocos » fosse seguido por uma nova planificação global do desenvolvimento, não
só em tais países, mas também no Ocidente e nas regiões do mundo que estavam a
evoluir[58]. Isto, porém, realizou-se apenas
parcialmente, continuando a ser uma obrigação real que precisa de ser
satisfeita, talvez aproveitando-se precisamente das opções necessárias para
superar os problemas económicos actuais.
24. O mundo, que Paulo VI tinha diante dos
olhos, registava muito menor integração do que hoje, embora o processo de
sociabilização se apresentasse já tão adiantado que ele pôde falar de uma
questão social tornada mundial. Actividade económica e função política
desenrolavam-se em grande parte dentro do mesmo âmbito local e, por
conseguinte, podiam inspirar recíproca confiança. A actividade produtiva tinha
lugar prevalentemente dentro das fronteiras nacionais e os investimentos
financeiros tinham uma circulação bastante limitada para o estrangeiro, de tal
modo que a política de muitos Estados podia ainda fixar as prioridades da
economia e, de alguma maneira, governar o seu andamento com os instrumentos de
que ainda dispunha. Por este motivo, a Populorum progressio atribuía um
papel central, embora não exclusivo, aos « poderes públicos »[59].
Actualmente, o Estado encontra-se na situação
de ter de enfrentar as limitações que lhe são impostas à sua soberania pelo
novo contexto económico comercial e financeiro internacional, caracterizado
nomeadamente por uma crescente mobilidade dos capitais financeiros e dos meios
de produção materiais e imateriais. Este novo contexto alterou o poder político
dos Estados.
Hoje, aproveitando inclusivamente a lição
resultante da crise económica em curso que vê os poderes públicos do
Estado directamente empenhados a corrigir erros e disfunções, parece mais
realista uma renovada avaliação do seu papel e poder, que hão-de ser
sapientemente reconsiderados e reavaliados para se tornarem capazes, mesmo
através de novas modalidades de exercício, de fazer frente aos desafios do
mundo actual. Com uma função melhor calibrada dos poderes públicos, é
previsível que sejam reforçadas as novas formas de participação na política
nacional e internacional que se realizam através da acção das organizações
operantes na sociedade civil; nesta linha, é desejável que cresçam uma atenção
e uma participação mais sentidas na res publica por parte dos cidadãos.
25. Do ponto de vista social, os sistemas de
segurança e previdência — já presentes em muitos países nos tempos de Paulo VI
— sentem dificuldade, e poderão senti-la ainda mais no futuro, em alcançar os
seus objectivos de verdadeira justiça social dentro de um quadro de forças
profundamente alterado. O mercado, à medida que se foi tornando global,
estimulou antes de mais nada, por parte de países ricos, a busca de áreas para
onde deslocar as actividades produtivas a baixo custo a fim de reduzir os
preços de muitos bens, aumentar o poder de compra e deste modo acelerar o
índice de desenvolvimento centrado sobre um maior consumo pelo próprio mercado
interno. Consequentemente, o mercado motivou novas formas de competição entre
Estados procurando atrair centros produtivos de empresas estrangeiras através
de variados instrumentos tais como impostos favoráveis e a desregulamentação do
mundo do trabalho. Estes processos implicaram a redução das redes de
segurança social em troca de maiores vantagens competitivas no mercado
global, acarretando grave perigo para os direitos dos trabalhadores, os
direitos fundamentais do homem e a solidariedade actuada nas formas
tradicionais do Estado social. Os sistemas de segurança social podem perder a
capacidade de desempenhar a sua função, quer nos países emergentes, quer nos
desenvolvidos há mais tempo, quer naturalmente nos países pobres. Aqui, as
políticas relativas ao orçamento com os seus cortes na despesa social, muitas
vezes fomentados pelas próprias instituições financeiras internacionais, podem
deixar os cidadãos impotentes diante de riscos antigos e novos; e tal
impotência torna-se ainda maior devido à falta de protecção eficaz por parte
das associações dos trabalhadores. O conjunto das mudanças sociais e económicas
faz com que as organizações sindicais sintam maiores dificuldades no
desempenho do seu dever de representar os interesses dos trabalhadores,
inclusive pelo facto de os governos, por razões de utilidade económica, muitas
vezes limitarem as liberdades sindicais ou a capacidade negociadora dos
próprios sindicatos. Assim, as redes tradicionais de solidariedade encontram
obstáculos cada vez maiores a superar. Por isso, o convite feito pela doutrina
social da Igreja, a começar da Rerum novarum[60], para se criarem associações de
trabalhadores em defesa dos seus direitos há-de ser honrado, hoje ainda mais do
que ontem, dando antes de mais nada uma resposta pronta e clarividente à
urgência de instaurar novas sinergias a nível internacional, sem descurar o nível
local.
A mobilidade laboral, associada à
generalizada desregulamentação, constituiu um fenómeno importante, não
desprovido de aspectos positivos porque capaz de estimular a produção de nova
riqueza e o intercâmbio entre culturas diversas. Todavia, quando se torna
endémica a incerteza sobre as condições de trabalho, resultante dos processos
de mobilidade e desregulamentação, geram-se formas de instabilidade
psicológica, com dificuldade a construir percursos coerentes na própria vida,
incluindo o percurso rumo ao matrimónio. Consequência disto é o aparecimento de
situações de degradação humana, além de desperdício de força social. Comparado
com o que sucedia na sociedade industrial do passado, hoje o desemprego provoca
aspectos novos de irrelevância económica do indivíduo, e a crise actual pode
apenas piorar tal situação. A exclusão do trabalho por muito tempo ou então uma
prolongada dependência da assistência pública ou privada corroem a liberdade e
a criatividade da pessoa e as suas relações familiares e sociais, causando
enormes sofrimentos a nível psicológico e espiritual. Queria recordar a todos,
sobretudo aos governantes que estão empenhados a dar um perfil renovado aos
sistemas económicos e sociais do mundo, que o primeiro capital a preservar e
valorizar é o homem, a pessoa, na sua integridade: « com efeito, o homem é
o protagonista, o centro e o fim de toda a vida económico-social »[61].
26. No plano cultural, as diferenças,
relativamente aos tempos de Paulo VI, são ainda mais acentuadas. Então, as
culturas apresentavam-se bastante bem definidas e tinham maiores possibilidades
para se defender das tentativas de homogeneização cultural. Hoje, cresceram
notavelmente as possibilidades de interacção das culturas, dando espaço
a novas perspectivas de diálogo intercultural; um diálogo que, para ser eficaz,
deve ter como ponto de partida uma profunda noção da específica identidade dos
vários interlocutores. No entanto, não se deve descurar o facto de que esta
aumentada transacção de intercâmbios culturais traz consigo, actualmente, um
duplo perigo. Em primeiro lugar, nota-se um ecletismo cultural assumido
muitas vezes sem discernimento: as culturas são simplesmente postas lado a lado
e vistas como substancialmente equivalentes e intercambiáveis umas com as
outras. Isto favorece a cedência a um relativismo que não ajuda ao verdadeiro
diálogo intercultural; no plano social, o relativismo cultural faz com que os
grupos culturais se juntem ou convivam, mas separados, sem autêntico diálogo e,
consequentemente, sem verdadeira integração. Depois, temos o perigo oposto que
é constituído pelo nivelamento cultural e a homogeneização dos
comportamentos e estilos de vida. Assim perde-se o significado profundo da
cultura das diversas nações, das tradições dos vários povos, no âmbito das
quais a pessoa se confronta com as questões fundamentais da existência[62]. Ecletismo e nivelamento cultural
convergem no facto de separar a cultura da natureza humana. Assim, as culturas
deixam de saber encontrar a sua medida numa natureza que as transcende[63], acabando por reduzir o homem a
simples dado cultural. Quando isto acontece, a humanidade corre novos perigos
de servidão e manipulação.
27. Em muitos países pobres, continua — com
risco de aumentar — uma insegurança extrema de vida, que deriva da carência de
alimentação: a fome ceifa ainda inúmeras vítimas entre os muitos
Lázaros, a quem não é permitido — como esperara Paulo VI — sentar-se à mesa do
rico avarento[64]. Dar de comer aos famintos (cf.
Mt 25, 35.37.42) é um imperativo ético para toda a Igreja, que é
resposta aos ensinamentos de solidariedade e partilha do seu Fundador, o Senhor
Jesus. Além disso, eliminar a fome no mundo tornou-se, na era da globalização,
também um objectivo a alcançar para preservar a paz e a subsistência da terra.
A fome não depende tanto de uma escassez material, como sobretudo da escassez
de recursos sociais, o mais importante dos quais é de natureza institucional;
isto é, falta um sistema de instituições económicas que seja capaz de garantir
um acesso regular e adequado, do ponto de vista nutricional, à alimentação e à
água e também de enfrentar as carências relacionadas com as necessidades
primárias e com a emergência de reais e verdadeiras crises alimentares
provocadas por causas naturais ou pela irresponsabilidade política nacional e
internacional. O problema da insegurança alimentar há-de ser enfrentado numa
perspectiva a longo prazo, eliminando as causas estruturais que o provocam e
promovendo o desenvolvimento agrícola dos países mais pobres por meio de
investimentos em infra-estruturas rurais, sistemas de irrigação, transportes,
organização dos mercados, formação e difusão de técnicas agrícolas apropriadas,
isto é, capazes de utilizar o melhor possível os recursos humanos, naturais e
sócio-económicos mais acessíveis a nível local, para garantir a sua manutenção
a longo prazo. Tudo isto há-de ser realizado, envolvendo as comunidades locais
nas opções e nas decisões relativas ao uso da terra cultivável. Nesta
perspectiva, poderia revelar-se útil considerar as novas fronteiras abertas por
um correcto emprego das técnicas de produção agrícola, tanto as tradicionais
como as inovadoras, desde que as mesmas tenham sido, depois de adequada
verificação, reconhecidas oportunas, respeitadoras do ambiente e tendo em conta
as populações mais desfavorecidas. Ao mesmo tempo não deveria ser transcurada a
questão de uma equitativa reforma agrária nos países em vias de
desenvolvimento. Os direitos à alimentação e à água revestem um papel
importante para a consecução de outros direitos, a começar pelo direito
primário à vida. Por isso, é necessário a maturação duma consciência solidária
que considere a alimentação e o acesso à água como direitos universais de
todos os seres humanos, sem distinções nem discriminações[65]. Além disso, é importante pôr em
evidência que o caminho da solidariedade com o desenvolvimento dos países
pobres pode constituir um projecto de solução para a presente crise global,
como homens políticos e responsáveis de instituições internacionais têm intuído
nos últimos tempos. Sustentando, através de planos de financiamento inspirados
pela solidariedade, os países economicamente pobres, para que provejam eles
mesmos à satisfação das solicitações de bens de consumo e de desenvolvimento
dos próprios cidadãos, é possível não apenas gerar verdadeiro crescimento
económico mas também concorrer para sustentar as capacidades produtivas dos
países ricos que correm o risco de ficar comprometidas pela crise.
28. Um dos aspectos mais evidentes do
desenvolvimento actual é a importância do tema do respeito pela vida,
que não pode ser de modo algum separado das questões relativas ao
desenvolvimento dos povos. Trata-se de um aspecto que, nos últimos tempos, está
a assumir uma relevância sempre maior, obrigando-nos a alargar os conceitos de
pobreza [66] e subdesenvolvimento às questões
relacionadas com o acolhimento da vida, sobretudo onde o mesmo é de várias
maneiras impedido.
Não só a situação de pobreza provoca ainda
altas taxas de mortalidade infantil em muitas regiões, mas perduram também, em
várias partes do mundo, práticas de controle demográfico por parte dos
governos, que muitas vezes difundem a contracepção e chegam mesmo a impor o
aborto. Nos países economicamente mais desenvolvidos, são muito difusas as
legislações contrárias à vida, condicionando já o costume e a práxis e
contribuindo para divulgar uma mentalidade antinatalista que muitas vezes se
procura transmitir a outros Estados como se fosse um progresso cultural.
Também algumas organizações não governamentais
trabalham activamente pela difusão do aborto, promovendo nos países pobres a
adopção da prática da esterilização, mesmo sem as mulheres o saberem. Além
disso, há a fundada suspeita de que às vezes as próprias ajudas ao
desenvolvimento sejam associadas com determinadas políticas sanitárias que
realmente implicam a imposição de um forte controle dos nascimentos. Igualmente
preocupantes são as legislações que prevêem a eutanásia e as pressões de grupos
nacionais e internacionais que reivindicam o seu reconhecimento jurídico.
A abertura à vida está no centro do verdadeiro
desenvolvimento.
Quando uma sociedade começa a negar e a suprimir a vida, acaba por deixar de
encontrar as motivações e energias necessárias para trabalhar ao serviço do
verdadeiro bem do homem. Se se perde a sensibilidade pessoal e social ao acolhimento
duma nova vida, definham também outras formas de acolhimento úteis à vida
social[67]. O acolhimento da vida revigora as
energias morais e torna-nos capazes de ajuda recíproca. Os povos ricos,
cultivando a abertura à vida, podem compreender melhor as necessidades dos
países pobres, evitar o emprego de enormes recursos económicos e intelectuais
para satisfazer desejos egoístas dos próprios cidadãos e promover, ao invés,
acções virtuosas na perspectiva duma produção moralmente sadia e solidária, no
respeito do direito fundamental de cada povo e de cada pessoa à vida.
29. Outro aspecto da vida actual, intimamente
relacionado com o desenvolvimento, é a negação do direito à liberdade
religiosa. Não me refiro só às lutas e conflitos que ainda se disputam no
mundo por motivações religiosas, embora estas às vezes sejam apenas a cobertura
para razões de outro género, tais como a sede de domínio e de riqueza. Na
realidade, com frequência hoje se faz apelo ao santo nome de Deus para matar,
como diversas vezes foi sublinhado e deplorado publicamente pelo meu
predecessor João Paulo II e por mim próprio[68]. As violências refreiam o
desenvolvimento autêntico e impedem a evolução dos povos para um bem-estar
sócio-económico e espiritual maior. Isto aplica-se de modo especial ao
terrorismo de índole fundamentalista[69], que gera sofrimento, devastação e
morte, bloqueia o diálogo entre as nações e desvia grandes recursos do seu uso
pacífico e civil. Mas há que acrescentar que, se o fanatismo religioso impede
em alguns contextos o exercício do direito de liberdade de religião, também a
promoção programada da indiferença religiosa ou do ateísmo prático por parte de
muitos países contrasta com as necessidades do desenvolvimento dos povos,
subtraindo-lhes recursos espirituais e humanos. Deus é o garante do
verdadeiro desenvolvimento do homem, já que, tendo-o criado à sua imagem,
fundamenta de igual forma a sua dignidade transcendente e alimenta o seu anseio
constitutivo de « ser mais ». O homem não é um átomo perdido num universo
casual[70], mas é uma criatura de Deus, à qual
quis dar uma alma imortal e que desde sempre amou. Se o homem fosse fruto
apenas do acaso ou da necessidade, se as suas aspirações tivessem de reduzir-se
ao horizonte restrito das situações em que vive, se tudo fosse somente história
e cultura e o homem não tivesse uma natureza destinada a transcender-se numa
vida sobrenatural, então poder-se-ia falar de incremento ou de evolução, mas
não de desenvolvimento. Quando o Estado promove, ensina ou até impõe formas de
ateísmo prático, tira aos seus cidadãos a força moral e espiritual
indispensável para se empenhar no desenvolvimento humano integral e impede-os
de avançarem com renovado dinamismo no próprio compromisso de uma resposta
humana mais generosa ao amor divino[71]. Sucede também que os países
economicamente desenvolvidos ou os emergentes exportem para os países pobres,
no âmbito das suas relações culturais, comerciais e políticas, esta visão
redutiva da pessoa e do seu destino. É o dano que o « superdesenvolvimento » [72] acarreta ao desenvolvimento autêntico,
quando é acompanhado pelo « subdesenvolvimento moral »[73].
30. Nesta linha, o tema do desenvolvimento
humano integral atinge um ponto ainda mais complexo: a correlação entre os seus
vários elementos requer que nos empenhemos por fazer interagir os diversos
níveis do saber humano tendo em vista a promoção de um verdadeiro
desenvolvimento dos povos. Muitas vezes pensa-se que o desenvolvimento ou as
relativas medidas sócio-económicas necessitam apenas de ser postos em prática
como fruto de um agir comum, ignorando que este agir comum precisa de ser
orientado, porque « toda a acção social implica uma doutrina »[74]. Vista a complexidade dos
problemas, é óbvio que as várias disciplinas devem colaborar através de uma
ordenada interdisciplinaridade. A caridade não exclui o saber, antes reclama-o,
promove-o e anima-o a partir de dentro. O saber nunca é obra apenas da
inteligência; pode, sem dúvida, ser reduzido a cálculo e a experiência, mas se
quer ser sapiência capaz de orientar o homem à luz dos princípios primeiros e
dos seus fins últimos, deve ser « temperado » com o « sal » da caridade. A
acção é cega sem o saber, e este é estéril sem o amor. De facto, « aquele que
está animado de verdadeira caridade é engenhoso em descobrir as causas da
miséria, encontrar os meios de a combater e vencê-la resolutamente »[75]. Relativamente aos fenómenos que
analisamos, a caridade na verdade requer, antes de mais nada, conhecer e
compreender no respeito consciencioso da competência específica de cada nível
do saber. A caridade não é uma junção posterior, como se fosse um apêndice ao
trabalho já concluído das várias disciplinas, mas dialoga com elas desde o
início. As exigências do amor não contradizem as da razão. O saber humano é
insuficiente e as conclusões das ciências não poderão sozinhas indicar o
caminho para o desenvolvimento integral do homem. Sempre é preciso lançar-se
mais além: exige-o a caridade na verdade[76]. Todavia ir mais além nunca
significa prescindir das conclusões da razão, nem contradizer os seus
resultados. Não aparece a inteligência e depois o amor: há o amor rico de
inteligência e a inteligência cheia de amor.
31. Isto significa que as ponderações morais e
a pesquisa científica devem crescer juntas e que a caridade as deve animar num
todo interdisciplinar harmónico, feito de unidade e distinção. A doutrina
social da Igreja, que tem « uma importante dimensão interdisciplinar »[77], pode desempenhar, nesta
perspectiva, uma função de extraordinária eficácia. Ela permite à fé, à
teologia, à metafísica e às ciências encontrarem o próprio lugar no âmbito de
uma colaboração ao serviço do homem; é sobretudo aqui que a doutrina social da
Igreja actua a sua dimensão sapiencial. Paulo VI tinha visto claramente que,
entre as causas do subdesenvolvimento, conta-se uma carência de sabedoria, de
reflexão, de pensamento capaz de realizar uma síntese orientadora[78], que requer « uma visão clara de
todos os aspectos económicos, sociais, culturais e espirituais »[79]. A excessiva fragmentação do saber[80], o isolamento das ciências humanas
relativamente à metafísica[81], as dificuldades no diálogo entre
as ciências e a teologia danificam não só o avanço do saber mas também o
desenvolvimento dos povos, porque, quando isso se verifica, fica obstaculizada
a visão do bem completo do homem nas várias dimensões que o caracterizam. É
indispensável o « alargamento do nosso conceito de razão e do uso da mesma » [82] para se conseguir sopesar adequadamente
todos os termos da questão do desenvolvimento e da solução dos problemas
sócio-económicos.
32. As grandes novidades, que o quadro actual
do desenvolvimento dos povos apresenta, exigem em muitos casos novas
soluções. Estas hão-de ser procuradas conjuntamente no respeito das leis
próprias de cada realidade e à luz duma visão integral do homem, que espelhe os
vários aspectos da pessoa humana, contemplada com o olhar purificado pela
caridade. Descobrir-se-ão então singulares convergências e concretas possibilidades
de solução, sem renunciar a qualquer componente fundamental da vida humana.
A dignidade da pessoa e as exigências da
justiça requerem, sobretudo hoje, que as opções económicas não façam aumentar,
de forma excessiva e moralmente inaceitável, as diferenças de riqueza [83] e que se continue a perseguir como
prioritário o objectivo do acesso ao trabalho para todos, ou da sua
manutenção. Bem vistas as coisas, isto é exigido também pela « razão económica
». O aumento sistemático das desigualdades entre grupos sociais no interior de
um mesmo país e entre as populações dos diversos países, ou seja, o aumento
maciço da pobreza em sentido relativo, tende não só a minar a coesão social —
e, por este caminho, põe em risco a democracia —, mas tem também um impacto
negativo no plano económico com a progressiva corrosão do « capital social »,
isto é, daquele conjunto de relações de confiança, de credibilidade, de
respeito das regras, indispensáveis em qualquer convivência civil.
E é ainda a ciência económica a dizer-nos que
uma situação estrutural de insegurança gera comportamentos antiprodutivos e de
desperdício de recursos humanos, já que o trabalhador tende a adaptar-se
passivamente aos mecanismos automáticos, em vez de dar largas à criatividade.
Também neste ponto se verifica uma convergência entre ciência económica e
ponderação moral. Os custos humanos são sempre também custos económicos,
e as disfunções económicas acarretam sempre também custos humanos.
Há ainda que recordar que o nivelamento das
culturas à dimensão tecnológica, se a curto prazo pode favorecer a obtenção de
lucros, a longo prazo dificulta o enriquecimento recíproco e as dinâmicas de
cooperação. É importante distinguir entre considerações económicas ou
sociológicas a curto prazo e a longo prazo. A diminuição do nível de tutela dos
direitos dos trabalhadores ou a renúncia a mecanismos de redistribuição do
rendimento, para fazer o país ganhar maior competitividade internacional,
impede a afirmação de um desenvolvimento de longa duração. Por isso, há que
avaliar atentamente as consequências que podem ter sobre as pessoas as
tendência actuais para uma economia a curto senão mesmo curtíssimo prazo. Isto
requer uma nova e profunda reflexão sobre o sentido da economia e dos seus
fins[84], bem como uma revisão profunda e
clarividente do modelo de desenvolvimento, para se corrigirem as suas
disfunções e desvios. Na realidade, exige-o o estado de saúde ecológica da
terra; pede-o sobretudo a crise cultural e moral do homem, cujos sintomas são
evidentes por toda a parte.
33. Passados mais de quarenta anos da
publicação da Populorum
progressio, o
seu tema de fundo — precisamente o progresso — permanece ainda um problema
em aberto, que se tornou mais agudo e premente com a crise
económico-financeira em curso. Se algumas áreas do globo, outrora oprimidas
pela pobreza, registaram mudanças notáveis em termos de crescimento económico e
de participação na produção mundial, há outras zonas que vivem ainda numa
situação de miséria comparável à existente nos tempos de Paulo VI; antes, em
qualquer caso pode-se mesmo falar de agravamento. É significativo que algumas
causas desta situação tivessem sido já identificadas na Populorum
progressio,
como, por exemplo, as altas tarifas aduaneiras impostas pelos países
economicamente desenvolvidos que ainda impedem aos produtos originários dos
países pobres de chegar aos mercados dos países ricos. Entretanto, outras
causas que a encíclica tinha apenas pressentido, apareceram depois com maior
evidência; é o caso da avaliação do processo de descolonização, então em pleno
curso. Paulo VI almejava um percurso de autonomia que havia de realizar-se na
liberdade e na paz; quarenta anos depois, temos de reconhecer como foi difícil
tal percurso, tanto por causa de novas formas de colonialismo e dependência de
antigos e novos países hegemónicos, como por graves irresponsabilidades
internas aos próprios países que se tornaram independentes.
A novidade principal foi a explosão da
interdependência mundial, já conhecida comummente por globalização. Paulo
VI tinha-a em parte previsto, mas os termos e a impetuosidade com que aquela
evoluiu são surpreendentes. Nascido no âmbito dos países economicamente
desenvolvidos, este processo por sua própria natureza causou um envolvimento de
todas as economias. Foi o motor principal para a saída do subdesenvolvimento de
regiões inteiras e, por si mesmo, constitui uma grande oportunidade. Contudo,
sem a guia da caridade na verdade, este ímpeto mundial pode concorrer para
criar riscos de danos até agora desconhecidos e de novas divisões na família
humana. Por isso, a caridade e a verdade colocam diante de nós um compromisso
inédito e criativo, sem dúvida muito vasto e complexo. Trata-se de dilatar a
razão e torná-la capaz de conhecer e orientar estas novas e imponentes
dinâmicas, animando-as na perspectiva daquela « civilização do amor », cuja
semente Deus colocou em todo o povo e cultura.
CAPÍTULO
III
FRATERNIDADE,
DESENVOLVIMENTO ECONÓMICO
E SOCIEDADE CIVIL
34. A caridade na verdade coloca
o homem perante a admirável experiência do dom. A gratuidade está presente na
sua vida sob múltiplas formas, que frequentemente lhe passam despercebidas por
causa duma visão meramente produtiva e utilarista da existência. O ser humano
está feito para o dom, que exprime e realiza a sua dimensão de transcendência.
Por vezes o homem moderno convence-se, erroneamente, de que é o único autor de
si mesmo, da sua vida e da sociedade. Trata-se de uma presunção, resultante do
encerramento egoísta em si mesmo, que provém — se queremos exprimi-lo em termos
de fé — do pecado das origens. Na sua sabedoria, a Igreja sempre propôs
que se tivesse em conta o pecado original mesmo na interpretação dos fenómenos
sociais e na construção da sociedade. « Ignorar que o homem tem uma natureza
ferida, inclinada para o mal, dá lugar a graves erros no domínio da educação,
da política, da acção social e dos costumes »[85]. No elenco dos campos onde se
manifestam os efeitos perniciosos do pecado, há muito tempo que se acrescentou
também o da economia. Temos uma prova evidente disto mesmo nos dias que correm.
Primeiro, a convicção de ser auto-suficiente e de conseguir eliminar o mal
presente na história apenas com a própria acção induziu o homem a identificar a
felicidade e a salvação com formas imanentes de bem-estar material e de acção
social. Depois, a convicção da exigência de autonomia para a economia, que não
deve aceitar « influências » de carácter moral, impeliu o homem a abusar dos
instrumentos económicos até mesmo de forma destrutiva. Com o passar do tempo,
estas convicções levaram a sistemas económicos, sociais e políticos que
espezinharam a liberdade da pessoa e dos corpos sociais e, por isso mesmo, não
foram capazes de assegurar a justiça que prometiam. Deste modo, como afirmei na
encíclica Spe salvi[86], elimina-se da história a
esperança cristã, a qual, ao invés, constitui um poderoso recurso social ao
serviço do desenvolvimento humano integral, procurado na liberdade e na
justiça. A esperança encoraja a razão e dá-lhe a força para orientar a vontade[87]. Já está presente na fé, pela qual
aliás é suscitada. Dela se nutre a caridade na verdade e, ao mesmo tempo,
manifesta-a. Sendo dom de Deus absolutamente gratuito, irrompe na nossa vida
como algo não devido, que transcende qualquer norma de justiça. Por sua
natureza, o dom ultrapassa o mérito; a sua regra é a excedência. Aquele
precede-nos, na nossa própria alma, como sinal da presença de Deus em nós e das
suas expectativas a nosso respeito. A verdade, que é dom tal como a caridade, é
maior do que nós, conforme ensina Santo Agostinho[88]. Também a verdade acerca de nós
mesmos, da nossa consciência pessoal é-nos primariamente « dada »; com efeito,
em qualquer processo cognoscitivo, a verdade não é produzida por nós, mas
sempre encontrada ou, melhor, recebida. Tal como o amor, ela « não nasce da
inteligência e da vontade, mas de certa forma impõe-se ao ser humano »[89].
Enquanto dom recebido por todos, a caridade na
verdade é uma força que constitui a comunidade, unifica os homens segundo
modalidades que não conhecem barreiras nem confins. A comunidade dos homens
pode ser constituída por nós mesmos; mas, com as nossas simples forças, nunca
poderá ser uma comunidade plenamente fraterna nem alargada para além de
qualquer fronteira, ou seja, não poderá tornar-se uma comunidade
verdadeiramente universal: a unidade do género humano, uma comunhão fraterna
para além de qualquer divisão, nasce da convocação da palavra de Deus-Amor. Ao
enfrentar esta questão decisiva, devemos especificar, por um lado, que a lógica
do dom não exclui a justiça nem se justapõe a ela num segundo tempo e de fora;
e, por outro, que o desenvolvimento económico, social e político precisa, se
quiser ser autenticamente humano, de dar espaço ao princípio da gratuidade
como expressão de fraternidade.
35. O mercado, se houver confiança
recíproca e generalizada, é a instituição económica que permite o encontro
entre as pessoas, na sua dimensão de operadores económicos que usam o contrato
como regra das suas relações e que trocam bens e serviços entre si fungíveis,
para satisfazer as suas carências e desejos. O mercado está sujeito aos
princípios da chamada justiça comutativa, que regula precisamente as
relações do dar e receber entre sujeitos iguais. Mas a doutrina social nunca
deixou de pôr em evidência a importância que tem a justiça distributiva
e a justiça social para a própria economia de mercado, não só porque
integrada nas malhas de um contexto social e político mais vasto, mas também
pela teia das relações em que se realiza. De facto, deixado unicamente ao
princípio da equivalência de valor dos bens trocados, o mercado não consegue
gerar a coesão social de que necessita para bem funcionar. Sem formas
internas de solidariedade e de confiança recíproca, o mercado não pode cumprir
plenamente a própria função económica. E, hoje, foi precisamente esta
confiança que veio a faltar; e a perda da confiança é uma perda grave.
Na Populorum
progressio,
Paulo VI sublinhava oportunamente o facto de que seria o próprio sistema
económico a tirar vantagem da prática generalizada da justiça, uma vez que os
primeiros a beneficiar do desenvolvimento dos países pobres teriam sido os
países ricos[90]. Não se tratava apenas de corrigir
disfunções, através da assistência. Os pobres não devem ser considerados um «
fardo »[91] mas um recurso, mesmo do ponto de
vista estritamente económico. Há que considerar errada a visão de quantos
pensam que a economia de mercado tenha estruturalmente necessidade duma certa
quota de pobreza e subdesenvolvimento para poder funcionar do melhor modo. O
mercado tem interesse em promover emancipação, mas, para o fazer
verdadeiramente, não pode contar apenas consigo mesmo, porque não é capaz de
produzir por si aquilo que está para além das suas possibilidades; tem de
haurir energias morais de outros sujeitos, que sejam capazes de as gerar.
36. A actividade económica não pode resolver
todos os problemas sociais através da simples extensão da lógica mercantil.
Esta há-de ter como finalidade a prossecução do bem comum, do qual se
deve ocupar também e sobretudo a comunidade política. Por isso, tenha-se
presente que é causa de graves desequilíbrios separar o agir económico — ao
qual competiria apenas produzir riqueza — do agir político, cuja função seria
buscar a justiça através da redistribuição.
Desde sempre a Igreja defende que não se há-de
considerar o agir económico como anti-social. De per si o mercado não é, nem se
deve tornar, o lugar da prepotência do forte sobre o débil. A sociedade não tem
que se proteger do mercado, como se o desenvolvimento deste implicasse ipso
facto a morte das relações autenticamente humanas. É verdade que o mercado
pode ser orientado de modo negativo, não porque isso esteja na sua natureza,
mas porque uma certa ideologia pode dirigi-lo em tal sentido. Não se deve
esquecer que o mercado, em estado puro, não existe; mas toma forma a partir das
configurações culturais que o especificam e orientam. Com efeito, a economia e
as finanças, enquanto instrumentos, podem ser mal utilizadas se quem as gere
tiver apenas referimentos egoístas. Deste modo é possível conseguir transformar
instrumentos de per si bons em instrumentos danosos; mas é a razão obscurecida
do homem que produz estas consequências, não o instrumento por si mesmo. Por
isso, não é o instrumento que deve ser chamado em causa, mas o homem, a sua
consciência moral e a sua responsabilidade pessoal e social.
A doutrina social da Igreja considera possível
viver relações autenticamente humanas de amizade e camaradagem, de
solidariedade e reciprocidade, mesmo no âmbito da actividade económica e não
apenas fora dela ou « depois » dela. A área económica não é nem eticamente
neutra nem de natureza desumana e anti-social. Pertence à actividade do homem;
e, precisamente porque humana, deve ser eticamente estruturada e
institucionalizada.
O grande desafio que temos diante de nós —
resultante das problemáticas do desenvolvimento neste tempo de globalização,
mas revestindo-se de maior exigência com a crise económico-financeira — é
mostrar, a nível tanto de pensamento como de comportamentos, que não só não
podem ser transcurados ou atenuados os princípios tradicionais da ética social,
como a transparência, a honestidade e a responsabilidade, mas também que, nas
relações comerciais, o princípio de gratuidade e a lógica do dom
como expressão da fraternidade podem e devem encontrar lugar dentro da
actividade económica normal. Isto é uma exigência do homem no tempo actual,
mas também da própria razão económica. Trata-se de uma exigência
simultaneamente da caridade e da verdade.
37. A doutrina social da Igreja sempre defendeu
que a justiça diz respeito a todas as fases da actividade económica, porque
esta sempre tem a ver com o homem e com as suas exigências. A angariação dos
recursos, os financiamentos, a produção, o consumo e todas as outras fases do
ciclo económico têm inevitavelmente implicações morais. Deste modo cada
decisão económica tem consequências de carácter moral. Tudo isto encontra
confirmação também nas ciências sociais e nas tendências da economia actual.
Outrora talvez se pudesse pensar, primeiro, em confiar à economia a produção de
riqueza para, depois, atribuir à política a tarefa de a distribuir; hoje tudo
isto se apresenta mais difícil, porque, enquanto as actividades económicas
deixaram de estar circunscritas no âmbito dos limites territoriais, a
autoridade dos governos continua a ser sobretudo local. Por isso, os cânones da
justiça devem ser respeitados desde o início enquanto se desenrola o processo
económico, e não depois ou marginalmente. Além disso, é preciso que, no
mercado, se abram espaços para actividades económicas realizadas por sujeitos
que livremente escolhem configurar o próprio agir segundo princípios diversos
do puro lucro, sem por isso renunciar a produzir valor económico. As numerosas
expressões de economia que tiveram origem em iniciativas religiosas e laicas
demonstram que isto é concretamente possível.
Na época da globalização, a economia denota a
influência de modelos competitivos ligados a culturas muito diversas entre si.
Os comportamentos económico-empresariais daí resultantes possuem, na sua
maioria, um ponto de encontro no respeito da justiça comutativa. A vida
económica tem, sem dúvida, necessidade do contrato, para regular as
relações de transacção entre valores equivalentes; mas precisa igualmente de leis
justas e de formas de redistribuição guiadas pela política, para
além de obras que tragam impresso o espírito do dom. A economia
globalizada parece privilegiar a primeira lógica, ou seja, a da transacção
contratual, mas directa ou indirectamente dá provas de necessitar também das
outras duas: a lógica política e a lógica do dom sem contrapartidas.
38. O meu antecessor João Paulo II sublinhara
esta problemática, quando, na Centesimus annus, destacou a necessidade de um
sistema com três sujeitos: o mercado, o Estado e a sociedade
civil[92]. Ele tinha identificado na
sociedade civil o âmbito mais apropriado para uma economia da gratuidade
e da fraternidade, mas sem pretender negá-la nos outros dois âmbitos. Hoje,
podemos dizer que a vida económica deve ser entendida como uma realidade com
várias dimensões: em todas deve estar presente, embora em medida diversa e com
modalidades específicas, o aspecto da reciprocidade fraterna. Na época da
globalização, a actividade económica não pode prescindir da gratuidade, que
difunde e alimenta a solidariedade e a responsabilidade pela justiça e o bem
comum em seus diversos sujeitos e actores. Trata-se, em última análise, de uma
forma concreta e profunda de democracia económica. A solidariedade consiste
primariamente em que todos se sintam responsáveis por todos[93] e, por conseguinte, não pode ser
delegada só no Estado. Se, no passado, era possível pensar que havia
necessidade primeiro de procurar a justiça e que a gratuidade intervinha depois
como um complemento, hoje é preciso afirmar que, sem a gratuidade, não se
consegue sequer realizar a justiça. Assim, temos necessidade de um mercado, no
qual possam operar, livremente e em condições de igual oportunidade, empresas
que persigam fins institucionais diversos. Ao lado da empresa privada orientada
para o lucro e dos vários tipos de empresa pública, devem poder-se radicar e
exprimir as organizações produtivas que perseguem fins mutualistas e sociais.
Do seu recíproco confronto no mercado, pode-se esperar uma espécie de
hibridização dos comportamentos de empresa e, consequentemente, uma atenção
sensível à civilização da economia. Neste caso, caridade na verdade
significa que é preciso dar forma e organização àquelas iniciativas económicas
que, embora sem negar o lucro, pretendam ir mais além da lógica da troca de
equivalentes e do lucro como fim em si mesmo.
39. Na Populorum progressio, Paulo VI pedia que se configurasse
um modelo de economia de mercado capaz de incluir, pelo menos
intencionalmente, todos os povos e não apenas aqueles adequadamente habilitados.
Solicitava que nos empenhássemos na promoção de um mundo mais humano para
todos, um mundo no qual « todos tenham qualquer coisa a dar e a receber, sem
que o progresso de uns seja obstáculo ao desenvolvimento dos outros »[94]. Estendia assim ao plano universal
as mesmas instâncias e aspirações contidas na Rerum novarum, escrita
quando pela primeira vez, em consequência da revolução industrial, se afirmou a
ideia — seguramente avançada para aquele tempo — de que a ordem civil, para
subsistir, tinha necessidade também da intervenção distributiva do Estado. Hoje
esta visão, além de ser posta em crise pelos processos de abertura dos mercados
e das sociedades, revela-se incompleta para satisfazer as exigências duma
economia plenamente humana. Aquilo que a doutrina social da Igreja, partindo da
sua visão do homem e da sociedade, sempre defendeu, é hoje requerido também
pelas dinâmicas características da globalização.
Quando a lógica do mercado e a do Estado se
põem de acordo entre si para continuar no monopólio dos respectivos âmbitos de
influência, com o passar do tempo definha a solidariedade nas relações entre os
cidadãos, a participação e a adesão, o serviço gratuito, que são realidades
diversas do « dar para ter », próprio da lógica da transacção, e do « dar por
dever », próprio da lógica dos comportamentos públicos impostos por lei do
Estado. A vitória sobre o subdesenvolvimento exige que se actue não só sobre a
melhoria das transacções fundadas sobre o intercâmbio, nem apenas sobre as
transferências das estruturas assistenciais de natureza pública, mas sobretudo
sobre a progressiva abertura, em contexto mundial, para formas de actividade
económica caracterizadas por quotas de gratuidade e de comunhão. O binómio
exclusivo mercado-Estado corrói a sociabilidade, enquanto as formas económicas
solidárias, que encontram o seu melhor terreno na sociedade civil sem contudo
se reduzir a ela, criam sociabilidade. O mercado da gratuidade não existe, tal
como não se podem estabelecer por lei comportamentos gratuitos, e todavia tanto
o mercado como a política precisam de pessoas abertas ao dom recíproco.
40. As actuais dinâmicas económicas
internacionais, caracterizadas por graves desvios e disfunções, requerem
profundas mudanças inclusivamente no modo de conceber a empresa. Antigas
modalidades da vida empresarial declinam, mas outras prometedoras se esboçam no
horizonte. Um dos riscos maiores é, sem dúvida, que a empresa preste contas
quase exclusivamente a quem nela investe, acabando assim por reduzir a sua
valência social. Devido ao seu crescimento de dimensão e à necessidade de
capitais sempre maiores, são cada vez menos as empresas que fazem referimento a
um empresário estável que se sinta responsável não apenas a curto mas a longo
prazo da vida e dos resultados da sua empresa, tal como diminui o número das
que dependem de um único território. Além disso, a chamada deslocalização da
actividade produtiva pode atenuar no empresário o sentido da responsabilidade
para com os interessados, como os trabalhadores, os fornecedores, os
consumidores, o ambiente natural e a sociedade circundante mais ampla, em
benefício dos accionistas, que não estão ligados a um espaço específico,
gozando por isso duma extraordinária mobilidade; de facto, o mercado
internacional dos capitais oferece hoje uma grande liberdade de acção. Mas é
verdade também que está a aumentar a consciência sobre a necessidade de uma
mais ampla « responsabilidade social » da empresa. Apesar de os parâmetros
éticos que guiam actualmente o debate sobre a responsabilidade social da
empresa não serem, segundo a perspectiva da doutrina social da Igreja, todos
aceitáveis, é um facto que se vai difundindo cada vez mais a convicção de que a
gestão da empresa não pode ter em conta unicamente os interesses dos
proprietários da mesma, mas deve preocupar-se também com as outras diversas
categorias de sujeitos que contribuem para a vida da empresa: os
trabalhadores, os clientes, os fornecedores dos vários factores de produção, a
comunidade de referimento. Nos últimos anos, notou-se o crescimento duma classe
cosmopolita de gerentes, que muitas vezes respondem só às indicações dos
accionistas da empresa constituídos geralmente por fundos anónimos que estabelecem
de facto as suas remunerações. Todavia, hoje, há também muitos gerentes que,
através de análises clarividentes, se dão conta cada vez mais dos profundos
laços que a sua empresa tem com o território ou territórios, onde opera. Paulo
VI convidava a avaliar seriamente o dano que a transferência de capitais para o
estrangeiro, com exclusivas vantagens pessoais, pode causar à própria nação[95]. E João Paulo II advertia que
investir tem sempre um significado moral, para além de económico[96]. Tudo isto — há que reafirmá-lo — é
válido também hoje, não obstante o mercado dos capitais tenha sido muito
liberalizado e as mentalidades tecnológicas modernas possam induzir a pensar
que investir seja apenas um facto técnico, e não humano e ético. Não há motivo
para negar que um certo capital possa ser ocasião de bem, se investido no
estrangeiro antes que na pátria; mas devem-se ressalvar os vínculos de justiça,
tendo em conta também o modo como aquele capital se formou e os danos que
causará às pessoas o seu não investimento nos lugares onde o mesmo foi gerado[97]. É preciso evitar que o motivo para
o emprego dos recursos financeiros seja especulativo, cedendo à tentação
de procurar apenas o lucro a breve prazo sem cuidar igualmente da
sustentabilidade da empresa a longo prazo, do seu serviço concreto à economia
real e duma adequada e oportuna promoção de iniciativas económicas também nos
países necessitados de desenvolvimento. Também não há motivo para negar que a
deslocalização, quando compreende investimentos e formação, possa fazer bem às
populações do país que a acolhe — o trabalho e o conhecimento técnico são uma
necessidade universal –; mas não é lícito deslocalizar somente para gozar de
especiais condições de favor ou, pior ainda, para exploração, sem prestar uma
verdadeira contribuição à sociedade local para o nascimento de um robusto
sistema produtivo e social, factor imprescindível para um desenvolvimento
estável.
41. Dentro do mesmo tema, é útil observar que o
espírito empresarial tem, e deve assumir cada vez mais, um significado polivalente.
A longa prevalência do binómio mercado-Estado habituou-nos a pensar
exclusivamente, por um lado, no empresário privado de tipo capitalista e, por
outro, no director estatal. Na realidade, o espírito empresarial há-de ser
entendido de modo articulado, como se depreende duma série de motivações
meta-económicas. O espírito empresarial, antes de ter significado profissional,
possui um significado humano[98]; está inscrito em cada trabalho,
visto como « actus personæ »[99], pelo que é bom oferecer a cada
trabalhador a possibilidade de prestar a própria contribuição, de tal modo que
ele mesmo « saiba trabalhar ‘‘por conta própria'' »[100]. Ensinava Paulo VI, não sem motivo,
que « todo o trabalhador é um criador »[101]. Precisamente para dar resposta às
exigências e à dignidade de quem trabalha e às necessidades da sociedade é que
existem vários tipos de empresa, muito para além da simples distinção entre «
privado » e « público ». Cada uma requer e exprime um espírito empresarial
específico. A fim de realizar uma economia que, num futuro próximo, saiba
colocar-se ao serviço do bem comum nacional e mundial, convém ter em conta este
significado amplo de espírito empresarial. Tal concepção mais ampla favorece o
intercâmbio e a formação recíproca entre as diversas tipologias de
empresariado, com transferência de competências do mundo sem lucro para aquele
com lucro e vice-versa, do sector público para o âmbito próprio da sociedade
civil, do mundo das economias avançadas para aquele dos países em vias de
desenvolvimento.
Também a « autoridade política » tem um significado
polivalente, que não se pode esquecer quando se procede à realização duma
nova ordem económico-produtiva, responsável socialmente e à medida do homem.
Assim como se pretende fomentar um espírito empresarial diferenciado no plano
mundial, assim também se deve promover uma autoridade política repartida e activa
a vários níveis. A economia integrada de nossos dias não elimina a função dos
Estados, antes obriga os governos a uma colaboração recíproca mais intensa.
Razões de sabedoria e prudência sugerem que não se proclame depressa demais o
fim do Estado; relativamente à solução da crise actual, a sua função parece
destinada a crescer, readquirindo muitas das suas competências. Além disso,
existem nações, cuja edificação ou reconstrução do Estado continua a ser um
elemento-chave do seu desenvolvimento. A ajuda internacional,
precisamente no âmbito de um projecto de solidariedade que tivesse em vista a
solução dos problemas económicos actuais, deveria sobretudo apoiar a
consolidação de sistemas constitucionais, jurídicos, administrativos nos países
que ainda não gozam de tais bens. A par das ajudas económicas, devem existir
outros apoios tendentes a reforçar as garantias próprias do Estado de
direito, um sistema de ordem pública e carcerário eficiente no respeito dos
direitos humanos, instituições verdadeiramente democráticas. Não é preciso que
o Estado tenha, em todo o lado, as mesmas características: o apoio para reforço
dos sistemas constitucionais débeis pode muito bem ser acompanhado pelo
desenvolvimento de outros sujeitos políticos de natureza cultural, social,
territorial ou religiosa, ao lado do Estado. A articulação da autoridade
política a nível local, nacional e internacional é, para além do mais, uma das
vias mestras para se chegar a poder orientar a globalização económica; e é
também o modo de evitar que esta mine realmente os alicerces da democracia.
42. Notam-se às vezes atitudes fatalistas a
respeito da globalização, como se as dinâmicas em acto fossem produzidas
por forças impessoais anónimas e por estruturas independentes da vontade humana[102]. A tal propósito, é bom recordar
que a globalização há-de ser entendida, sem dúvida, como um processo
sócio-económico, mas esta sua dimensão não é a única. Sob o processo mais
visível, há a realidade duma humanidade que se torna cada vez mais interligada;
tal realidade é constituída por pessoas e povos, para quem o referido processo
deve ser de utilidade e desenvolvimento[103], graças à assunção das respectivas
responsabilidades por parte tanto dos indivíduos como da colectividade. A
superação das fronteiras é um dado não apenas material mas também cultural nas
suas causas e efeitos. Se a globalização for lida de maneira determinista,
perdem-se os critérios para a avaliar e orientar. Trata-se de uma realidade
humana que pode ter, na sua fonte, várias orientações culturais, sobre as quais
é preciso fazer discernimento. A verdade da globalização enquanto processo e o
seu critério ético fundamental provêm da unidade da família humana e do seu desenvolvimento
no bem. Por isso é preciso empenhar-se sem cessar por favorecer uma
orientação cultural personalista e comunitária, aberta à transcendência, do
processo de integração mundial.
Não obstante algumas limitações estruturais,
que não se hão-de negar nem absolutizar, « a globalização a priori não é
boa nem má. Será aquilo que as pessoas fizerem dela »[104]. Não devemos ser vítimas dela, mas
protagonistas, actuando com razoabilidade, guiados pela caridade e a verdade.
Opor-se-lhe cegamente seria uma atitude errada, fruto de preconceito, que
acabaria por ignorar um processo marcado também por aspectos positivos, com o
risco de perder uma grande ocasião de se inserir nas múltiplas oportunidades de
desenvolvimento por ele oferecidas. Adequadamente concebidos e geridos, os
processos de globalização oferecem a possibilidade duma grande redistribuição
da riqueza a nível mundial, como antes nunca tinha acontecido; se mal geridos,
podem, pelo contrário, fazer crescer pobreza e desigualdade, bem como contagiar
com uma crise o mundo inteiro. É preciso corrigir as suas disfunções,
tantas vezes graves, que introduzem novas divisões entre os povos e no interior
dos mesmos, e fazer com que a redistribuição da riqueza não se verifique à
custa de uma redistribuição da pobreza ou até com o seu agravamento, como uma
má gestão da situação actual poderia fazer-nos temer. Durante muito tempo,
pensou-se que os povos pobres deveriam permanecer ancorados a um estádio
predeterminado de desenvolvimento, contentando-se com a filantropia dos povos
desenvolvidos. Contra esta mentalidade, tomou posição Paulo VI na Populorum
progressio.
Hoje, as forças materiais de que se pode dispor para fazer aqueles povos sair
da miséria são potencialmente maiores do que outrora, mas acabaram por se
aproveitar delas prevalentemente os povos dos países desenvolvidos, que
conseguiram desfrutar melhor o processo de liberalização dos movimentos de
capitais e do trabalho. Por isso a difusão dos ambientes de bem-estar a nível
mundial não deve ser refreada por projectos egoístas, proteccionistas ou
ditados por interesses particulares. De facto, hoje, o envolvimento dos países
emergentes ou em vias de desenvolvimento permite gerir melhor a crise. A
transição inerente ao processo de globalização apresenta grandes dificuldades e
perigos, que poderão ser superados apenas se se souber tomar consciência
daquela alma antropológica e ética que, do mais fundo, impele a própria
globalização para metas de humanização solidária. Infelizmente esta alma é
muitas vezes abafada e condicionada por perspectivas ético-culturais de
impostação individualista e utilitarista. A globalização é um fenómeno
pluridimensional e polivalente, que exige ser compreendido na diversidade e
unidade de todas as suas dimensões, incluindo a teológica. Isto permitirá viver
e orientar a globalização da humanidade em termos de relacionamento,
comunhão e partilha.
CAPÍTULO
IV
DESENVOLVIMENTO
DOS POVOS,
DIREITOS E DEVERES, AMBIENTE
43. « A solidariedade universal é para nós não
só um facto e um benefício, mas também um dever »[105]. Hoje, muitas pessoas tendem a alimentar
a pretensão de que não devem nada a ninguém, a não ser a si mesmas.
Considerando-se titulares só de direitos, frequentemente deparam-se com fortes
obstáculos para maturar uma responsabilidade no âmbito do desenvolvimento
integral próprio e alheio. Por isso, é importante invocar uma nova reflexão que
faça ver como os direitos pressupõem deveres, sem os quais o seu exercício
se transforma em arbítrio[106]. Assiste-se hoje a uma grave
contradição: enquanto, por um lado, se reivindicam presuntos direitos, de
carácter arbitrário e libertino, querendo vê-los reconhecidos e promovidos
pelas estruturas públicas, por outro existem direitos elementares e
fundamentais violados e negados a boa parte da humanidade[107]. Aparece com frequência assinalada
uma relação entre a reivindicação do direito ao supérfluo, senão mesmo à
transgressão e ao vício, nas sociedades opulentes e a falta de alimento, água
potável, instrução básica, cuidados sanitários elementares em certas regiões do
mundo do subdesenvolvimento e também nas periferias de grandes metrópoles. A
relação está no facto de que os direitos individuais, desvinculados de um
quadro de deveres que lhes confira um sentido completo, enlouquecem e alimentam
uma espiral de exigências praticamente ilimitada e sem critérios. A exasperação
dos direitos desemboca no esquecimento dos deveres. Estes delimitam os direitos
porque remetem para o quadro antropológico e ético cuja verdade é o âmbito onde
os mesmos se inserem e, deste modo, não descambam no arbítrio. Por este motivo,
os deveres reforçam os direitos e propõem a sua defesa e promoção como um
compromisso a assumir ao serviço do bem. Se, pelo contrário, os direitos do
homem encontram o seu fundamento apenas nas deliberações duma assembleia de
cidadãos, podem ser alterados em qualquer momento e, assim, o dever de os
respeitar e promover atenua-se na consciência comum. Então os governos e os
organismos internacionais podem esquecer a objectividade e « indisponibilidade
» dos direitos. Quando isto acontece, põe-se em perigo o verdadeiro
desenvolvimento dos povos[108]. Semelhantes posições comprometem a
autoridade dos organismos internacionais, sobretudo aos olhos dos países mais
carecidos de desenvolvimento. De facto, estes pedem que a comunidade
internacional assuma como um dever ajudá-los a serem « artífices do seu destino
»[109], ou seja, a assumirem por sua vez
deveres. A partilha dos deveres recíprocos mobiliza muito mais do que a mera
reivindicação de direitos.
44. A concepção dos direitos e dos deveres no
desenvolvimento deve ter em conta também as problemáticas ligadas com o crescimento
demográfico. Trata-se de um aspecto muito importante do verdadeiro
desenvolvimento, porque diz respeito aos valores irrenunciáveis da vida e da
família[110]. Considerar o aumento da população
como a primeira causa do subdesenvolvimento é errado, inclusive do ponto de
vista económico: basta pensar, por um lado, na considerável diminuição da
mortalidade infantil e no alongamento médio da vida que se regista nos países
economicamente desenvolvidos, e, por outro, nos sinais de crise que se observam
nas sociedades onde se regista uma preocupante queda da natalidade. Obviamente
é forçoso prestar a devida atenção a uma procriação responsável, que constitui,
para além do mais, uma real contribuição para o desenvolvimento integral. A
Igreja, que tem a peito o verdadeiro desenvolvimento do homem, recomenda-lhe o
respeito dos valores humanos também no uso da sexualidade: o mesmo não pode ser
reduzido a um mero facto hedonista e lúdico, do mesmo modo que a educação
sexual não se pode limitar à instrução técnica, tendo como única preocupação
defender os interessados de eventuais contágios ou do « risco » procriador.
Isto equivaleria a empobrecer e negligenciar o significado profundo da
sexualidade, que deve, pelo contrário, ser reconhecido e assumido
responsavelmente tanto pela pessoa como pela comunidade. Com efeito, a
responsabilidade impede que se considere a sexualidade como uma simples fonte
de prazer ou que seja regulada com políticas de planificação forçada dos
nascimentos. Em ambos os casos, estamos perante concepções e políticas
materialistas, no âmbito das quais as pessoas acabam por sofrer várias formas
de violência. A tudo isto há que contrapor a competência primária das famílias
neste campo[111], relativamente ao Estado e às suas políticas
restritivas, e também uma apropriada educação dos pais.
A abertura moralmente responsável à vida é uma
riqueza social e económica. Grandes nações puderam sair da miséria, justamente graças ao grande
número e às capacidades dos seus habitantes. Pelo contrário, nações outrora
prósperas atravessam agora uma fase de incerteza e, em alguns casos, de
declínio precisamente por causa da diminuição da natalidade, problema crucial
para as sociedades de proeminente bem-estar. A diminuição dos nascimentos, situando-se
por vezes abaixo do chamado « índice de substituição », põe em crise também os
sistemas de assistência social, aumenta os seus custos, contrai a acumulação de
poupanças e, consequentemente, os recursos financeiros necessários para os
investimentos, reduz a disponibilização de trabalhadores qualificados,
restringe a reserva aonde ir buscar os « cérebros » para as necessidades da
nação. Além disso, as famílias de pequena e, às vezes, pequeníssima dimensão
correm o risco de empobrecer as relações sociais e de não garantir formas
eficazes de solidariedade. São situações que apresentam sintomas de escassa
confiança no futuro e de cansaço moral. Deste modo, torna-se uma necessidade
social, e mesmo económica, continuar a propor às novas gerações a beleza da
família e do matrimónio, a correspondência de tais instituições às exigências
mais profundas do coração e da dignidade da pessoa. Nesta perspectiva, os
Estados são chamados a instaurar políticas que promovam a centralidade e a
integridade da família, fundada no matrimónio entre um homem e uma mulher,
célula primeira e vital da sociedade[112], preocupando-se também com os seus
problemas económicos e fiscais, no respeito da sua natureza relacional.
45. Dar resposta às exigências morais mais
profundas da pessoa tem também importantes e benéficas consequências no plano
económico. De facto, a economia tem necessidade da ética para o seu correcto
funcionamento; não de uma ética qualquer, mas de uma ética amiga da pessoa.
Hoje fala-se muito de ética em campo económico, financeiro, empresarial. Nascem
centros de estudo e percursos formativos de negócios éticos; difunde-se no
mundo desenvolvido o sistema das certificações éticas, na esteira do movimento
de ideias nascido à volta da responsabilidade social da empresa. Os bancos
propõem contas e fundos de investimento chamados « éticos ». Desenvolvem-se as «
finanças éticas », sobretudo através do micro-crédito e, mais em geral, de
micro-financiamentos. Tais processos suscitam apreço e merecem amplo apoio. Os
seus efeitos positivos fazem-se sentir também nas áreas menos desenvolvidas da
terra. Todavia, é bom formar também um válido critério de discernimento, porque
se nota um certo abuso do adjectivo « ético », o qual, se usado vagamente,
presta-se a designar conteúdos muito diversos, chegando-se a fazer passar à sua
sombra decisões e opções contrárias à justiça e ao verdadeiro bem do homem.
Com efeito, muito depende do sistema moral em
que se baseia. Sobre este argumento, a doutrina social da Igreja tem um
contributo próprio e específico para dar, que se funda na criação do homem « à
imagem de Deus » (Gn 1, 27), um dado do qual deriva a dignidade
inviolável da pessoa humana e também o valor transcendente das normas morais
naturais. Uma ética económica que prescinda destes dois pilares arrisca-se
inevitavelmente a perder o seu cunho específico e a prestar-se a instrumentalizações;
mais concretamente, arrisca-se a aparecer em função dos sistemas
económico-financeiros existentes, em vez de servir de correcção às disfunções
dos mesmos. Além do mais, acabaria até por justificar o financiamento de
projectos que não são éticos. Por outro lado, não se deve recorrer ao termo «
ético » de modo ideologicamente discriminatório, dando a perceber que não
seriam éticas as iniciativas não dotadas formalmente de tal qualificação. Um
dado é essencial: a necessidade de trabalhar não só para que nasçam sectores ou
segmentos « éticos » da economia ou das finanças, mas também para que toda a
economia e as finanças sejam éticas: e não por uma rotulação exterior, mas pelo
respeito de exigências intrínsecas à sua própria natureza. A tal respeito, se
pronuncia com clareza a doutrina social da Igreja, que recorda como a economia,
em todas as suas extensões, seja um sector da actividade humana[113].
46. Considerando as temáticas referentes à
relação entre empresa e ética e também a evolução que o sistema produtivo
está a fazer, parece que a distinção usada até agora entre empresas que têm por
finalidade o lucro (profit) e organizações que não buscam o lucro (non
profit) já não é capaz de dar cabalmente conta da realidade, nem de
orientar eficazmente o futuro. Nestas últimas décadas, foi surgindo entre as
duas tipologias de empresa uma ampla área intermédia. Esta é constituída por
empresas tradicionais mas que subscrevem pactos de ajuda aos países atrasados,
por fundações que são expressão de empresas individuais, por grupos de empresas
que se propõem objectivos de utilidade social, pelo mundo diversificado dos
sujeitos da chamada economia civil e de comunhão. Não se trata apenas de um «
terceiro sector », mas de uma nova e ampla realidade complexa, que envolve o
privado e o público e que não exclui o lucro mas considera-o como instrumento
para realizar finalidades humanas e sociais. O facto de tais empresas
distribuírem ou não os ganhos ou de assumirem uma ou outra das configurações
previstas pelas normas jurídicas torna-se secundário relativamente à sua
disponibilidade a conceber o lucro como um instrumento para alcançar
finalidades de humanização do mercado e da sociedade. É desejável que estas
novas formas de empresa também encontrem, em todos os países, adequada
configuração jurídica e fiscal. Sem nada tirar à importância e utilidade
económica e social das formas tradicionais de empresa, fazem evoluir o sistema
para uma assunção mais clara e perfeita dos deveres por parte dos sujeitos
económicos. E não só... A própria pluralidade das formas institucionais de
empresa gera um mercado mais humano e simultaneamente mais competitivo.
47. O fortalecimento das diversas tipologias de
empresa, mormente das que são capazes de conceber o lucro como um instrumento
para alcançar finalidades de humanização do mercado e das sociedades, deve ser
procurado também nos países que sofrem exclusão ou marginalização dos circuitos
da economia global, onde é muito importante avançar com projectos de
subsidiariedade devidamente concebida e gerida que tendam a potenciar os
direitos, mas prevendo sempre também a assunção das correlativas
responsabilidades. Nas intervenções em prol do desenvolvimento, há que
salvaguardar o princípio da centralidade da pessoa humana, que é o
sujeito que primariamente deve assumir o dever do desenvolvimento. A
preocupação principal é a melhoria das situações de vida das pessoas concretas
duma certa região, para que possam desempenhar aqueles deveres que actualmente
a indigência não lhes permite respeitar. A solicitude nunca pode ser uma
atitude abstracta. Para poderem adaptar-se às diversas situações, os programas
de desenvolvimento devem ser flexíveis; e as pessoas beneficiárias deveriam
estar envolvidas directamente na sua delineação e tornar-se protagonistas da
sua actuação. É necessário também aplicar os critérios da progressão e do
acompanhamento — incluindo a monitorização dos resultados — porque não há
receitas válidas universalmente; depende muito da gestão concreta das
intervenções. « São os povos os autores e primeiros responsáveis do próprio
desenvolvimento. Mas não o poderão realizar isolados »[114]. Esta advertência de Paulo VI é
ainda mais válida hoje, com o processo de progressiva integração que se vai
consolidando na terra. As dinâmicas de inclusão não têm nada de mecânico. As
soluções hão-de ser calibradas olhando a vida dos povos e das pessoas concretas
com base numa ponderada avaliação de cada situação. Ao lado dos macro-projectos
servem os micro-projectos, e sobretudo serve a mobilização real de todos os
sujeitos da sociedade civil, das pessoas tanto jurídicas como físicas.
A cooperação internacional precisa de
pessoas que partilhem o processo de desenvolvimento económico e humano, através
da solidariedade feita de presença, acompanhamento, formação e respeito. Sob
este ponto de vista, os próprios organismos internacionais deveriam
interrogar-se sob a real eficácia dos seus aparatos burocráticos e administrativos,
frequentemente muito dispendiosos. Às vezes sucede que o destinatário das
ajudas seja utilizado em função de quem o ajuda e que os pobres sirvam para
manter de pé dispendiosas organizações burocráticas que reservam para sua
própria conservação percentagens demasiado elevadas dos recursos que, ao invés,
deveriam ser aplicados no desenvolvimento. Nesta perspectiva, seria desejável
que todos os organismos internacionais e as organizações não governamentais se
comprometessem a uma plena transparência, informando os doadores e a opinião
pública acerca da percentagem de fundos recebidos destinada aos programas de
cooperação, acerca do verdadeiro conteúdo de tais programas e, por último,
acerca da configuração das despesas da própria instituição.
48. O tema do desenvolvimento aparece, hoje,
estreitamente associado também com os deveres que nascem do relacionamento
do homem com o ambiente natural. Este foi dado por Deus a todos,
constituindo o seu uso uma responsabilidade que temos para com os pobres, as
gerações futuras e a humanidade inteira. Quando a natureza, a começar pelo ser
humano, é considerada como fruto do acaso ou do determinismo evolutivo, a noção
da referida responsabilidade debilita-se nas consciências. Na natureza, o
crente reconhece o resultado maravilhoso da intervenção criadora de Deus, de
que o homem se pode responsavelmente servir para satisfazer as suas legítimas
exigências — materiais e imateriais — no respeito dos equilíbrios intrínsecos
da própria criação. Se falta esta perspectiva, o homem acaba ou por considerar
a natureza um tabu intocável ou, ao contrário, por abusar dela. Nem uma nem
outra destas atitudes corresponde à visão cristã da natureza, fruto da criação
de Deus.
A natureza é expressão de um desígnio de amor e
de verdade. Precede-nos,
tendo-nos sido dada por Deus como ambiente de vida. Fala-nos do Criador (cf.
Rm 1, 20) e do seu amor pela humanidade. Está destinada, no fim dos tempos,
a ser « instaurada » em Cristo (cf. Ef 1, 9-10; Col 1, 19-20).
Por conseguinte, também ela é uma « vocação »[115]. A natureza está à nossa
disposição, não como « um monte de lixo espalhado ao acaso »[116], mas como um dom do Criador que
traçou os seus ordenamentos intrínsecos dos quais o homem há-de tirar as
devidas orientações para a « guardar e cultivar » (Gn 2, 15). Mas é
preciso sublinhar também que é contrário ao verdadeiro desenvolvimento
considerar a natureza mais importante do que a própria pessoa humana. Esta
posição induz a comportamentos neo-pagãos ou a um novo panteísmo: só da
natureza, entendida em sentido puramente naturalista, não pode derivar a
salvação para o homem. Por outro lado, há que rejeitar também a posição oposta,
que visa a sua completa tecnicização, porque o ambiente natural não é apenas
matéria de que dispor a nosso bel-prazer, mas obra admirável do Criador,
contendo nela uma « gramática » que indica finalidades e critérios para uma
utilização sapiente, não instrumental nem arbitrária. Advêm, hoje, muitos danos
ao desenvolvimento precisamente destas concepções deformadas. Reduzir
completamente a natureza a um conjunto de simples dados reais acaba por ser
fonte de violência contra o ambiente e até por motivar acções desrespeitadoras
da própria natureza do homem. Esta, constituída não só de matéria mas também de
espírito e, como tal, rica de significados e de fins transcendentes a alcançar,
tem um carácter normativo também para a cultura. O homem interpreta e modela o
ambiente natural através da cultura, a qual, por sua vez, é orientada por meio
da liberdade responsável, atenta aos ditames da lei moral. Por isso, os
projectos para um desenvolvimento humano integral não podem ignorar os
vindouros, mas devem ser animados pela solidariedade e a justiça entre as gerações,
tendo em conta os diversos âmbitos: ecológico, jurídico, económico, político,
cultural[117].
49. Hoje, as questões relacionadas com o
cuidado e a preservação do ambiente devem ter na devida consideração as problemáticas
energéticas. De facto, o açambarcamento dos recursos energéticos não
renováveis por parte de alguns Estados, grupos de poder e empresas constitui um
grave impedimento para o desenvolvimento dos países pobres. Estes não têm os
meios económicos para chegar às fontes energéticas não renováveis que existem,
nem para financiar a pesquisa de fontes novas e alternativas. A monopolização
dos recursos naturais, que em muitos casos se encontram precisamente nos países
pobres, gera exploração e frequentes conflitos entre as nações e dentro das
mesmas. E muitas vezes estes conflitos são travados precisamente no território
de tais países, com um pesado balanço em termos de mortes, destruições e maior
degradação. A comunidade internacional tem o imperioso dever de encontrar as
vias institucionais para regular a exploração dos recursos não renováveis, com
a participação também dos países pobres, de modo a planificar em conjunto o
futuro.
Também sobre este aspecto, há urgente
necessidade moral de uma renovada solidariedade, especialmente nas relações
entre os países em vias de desenvolvimento e os países altamente
industrializados[118]. As sociedades tecnicamente
avançadas podem e devem diminuir o consumo energético seja porque as
actividades manufactureiras evoluem, seja porque entre os seus cidadãos reina
maior sensibilidade ecológica. Além disso há que acrescentar que, actualmente,
é possível melhorar a eficiência energética e fazer avançar a pesquisa de
energias alternativas; mas é necessária também uma redistribuição mundial dos
recursos energéticos, de modo que os próprios países desprovidos possam ter
acesso aos mesmos. O seu destino não pode ser deixado nas mãos do primeiro a
chegar nem estar sujeito à lógica do mais forte. Trata-se de problemas
relevantes que, para ser enfrentados de modo adequado, requerem da parte de
todos uma responsável tomada de consciência das consequências que recairão
sobre as novas gerações, principalmente sobre a imensidade de jovens presentes
nos povos pobres, que « reclamam a sua parte activa na construção de um mundo
melhor »[119].
50. Esta responsabilidade é global, porque não
diz respeito somente à energia, mas a toda a criação, que não devemos deixar às
novas gerações depauperada dos seus recursos. É lícito ao homem exercer um governo
responsável sobre a natureza para a guardar, fazer frutificar e cultivar
inclusive com formas novas e tecnologias avançadas, para que possa acolher e
alimentar condignamente a população que a habita. Há espaço para todos nesta
nossa terra: aqui a família humana inteira deve encontrar os recursos necessários
para viver decorosamente, com a ajuda da própria natureza, dom de Deus aos seus
filhos, e com o empenho do seu próprio trabalho e inventiva. Devemos, porém,
sentir como gravíssimo o dever de entregar a terra às novas gerações num estado
tal que também elas possam dignamente habitá-la e continuar a cultivá-la. Isto
implica « o empenho de decidir juntos depois de ter ponderado responsavelmente
qual a estrada a percorrer, com o objectivo de reforçar aquela aliança entre
ser humano e ambiente que deve ser espelho do amor criador de Deus, de Quem
provimos e para Quem estamos a caminho »[120]. É desejável que a comunidade
internacional e os diversos governos saibam contrastar, de maneira eficaz, as
modalidades de utilização do ambiente que sejam danosas para o mesmo. É
igualmente forçoso que se empreendam, por parte das autoridades competentes,
todos os esforços necessários para que os custos económicos e sociais derivados
do uso dos recursos ambientais comuns sejam reconhecidos de maneira
transparente e plenamente suportados por quem deles usufrui e não por outras
populações nem pelas gerações futuras: a protecção do ambiente, dos recursos e
do clima requer que todos os responsáveis internacionais actuem conjuntamente e
se demonstrem prontos a agir de boa fé, no respeito da lei e da solidariedade
para com as regiões mais débeis da terra[121]. Uma das maiores tarefas da
economia é precisamente um uso mais eficiente dos recursos, não o abuso, tendo
sempre presente que a noção de eficiência não é axiologicamente neutra.
51. As modalidades com que o homem trata o
ambiente influem sobre as modalidades com que se trata a si mesmo, e vice-versa.
Isto chama a sociedade actual a uma séria revisão do seu estilo de vida que, em
muitas partes do mundo, pende para o hedonismo e o consumismo, sem olhar aos
danos que daí derivam[122]. É necessária uma real mudança de
mentalidade que nos induza a adoptar novos estilos de vida, « nos quais
a busca do verdadeiro, do belo e do bom e a comunhão com os outros homens para
um crescimento comum sejam os elementos que determinam as opções dos consumos,
das poupanças e dos investimentos »[123]. Toda a lesão da solidariedade e da
amizade cívica provoca danos ambientais, assim como a degradação ambiental por
sua vez gera insatisfação nas relações sociais. A natureza, especialmente no
nosso tempo, está tão integrada nas dinâmicas sociais e culturais que quase já
não constitui uma variável independente. A desertificação e a penúria produtiva
de algumas áreas agrícolas são fruto também do empobrecimento das populações
que as habitam e do seu atraso. Incentivando o desenvolvimento económico e
cultural daquelas populações, tutela-se também a natureza. Além disso, quantos
recursos naturais são devastados pela guerra! A paz dos povos e entre os povos
permitiria também uma maior preservação da natureza. O açambarcamento dos
recursos, especialmente da água, pode provocar graves conflitos entre as
populações envolvidas. Um acordo pacífico sobre o uso dos recursos pode
salvaguardar a natureza e, simultaneamente, o bem-estar das sociedades
interessadas.
A Igreja sente o seu peso de responsabilidade
pela criação e deve
fazer valer esta responsabilidade também em público. Ao fazê-lo, não tem apenas
de defender a terra, a água e o ar como dons da criação que pertencem a todos,
mas deve sobretudo proteger o homem da destruição de si mesmo. Requer-se uma
espécie de ecologia do homem, entendida no justo sentido. De facto, a
degradação da natureza está estreitamente ligada à cultura que molda a
convivência humana: quando a « ecologia humana » [124] é respeitada dentro da
sociedade, beneficia também a ecologia ambiental.
Tal como as virtudes humanas são intercomunicantes, de modo que o
enfraquecimento de uma põe em risco também as outras, assim também o sistema
ecológico se rege sobre o respeito de um projecto que se refere tanto à sã
convivência em sociedade como ao bom relacionamento com a natureza.
Para preservar a natureza não basta intervir
com incentivos ou penalizações económicas, nem é suficiente uma instrução
adequada. Trata-se de instrumentos importantes, mas o problema decisivo é a
solidez moral da sociedade em geral. Se não é respeitado o direito à vida e
à morte natural, se se torna artificial a concepção, a gestação e o nascimento
do homem, se são sacrificados embriões humanos na pesquisa, a consciência comum
acaba por perder o conceito de ecologia humana e, com ele, o de ecologia
ambiental. É uma contradição pedir às novas gerações o respeito do ambiente natural,
quando a educação e as leis não as ajudam a respeitar-se a si mesmas. O livro
da natureza é uno e indivisível, tanto sobre a vertente do ambiente como sobre
a vertente da vida, da sexualidade, do matrimónio, da família, das relações
sociais, numa palavra, do desenvolvimento humano integral. Os deveres que temos
para com o ambiente estão ligados com os deveres que temos para com a pessoa
considerada em si mesma e em relação com os outros; não se podem exigir uns e
espezinhar os outros. Esta é uma grave antinomia da mentalidade e do costume
actual, que avilta a pessoa, transtorna o ambiente e prejudica a sociedade.
52. A verdade e o amor que a mesma desvenda não
se podem produzir, mas apenas acolher. A sua fonte última não é — nem pode ser
— o homem, mas Deus, ou seja, Aquele que é Verdade e Amor. Este princípio é
muito importante para a sociedade e para o desenvolvimento, enquanto nem uma
nem outro podem ser somente produtos humanos; a própria vocação ao
desenvolvimento das pessoas e dos povos não se funda sobre a simples
deliberação humana, mas está inscrita num plano que nos precede e constitui
para todos nós um dever que há-de ser livremente assumido. Aquilo que nos
precede e constitui — o Amor e a Verdade subsistentes — indica-nos o que é o
bem e em que consiste a nossa felicidade. E, por conseguinte, aponta-nos o
caminho para o verdadeiro desenvolvimento.
CAPÍTULO
V
A
COLABORAÇÃO
DA FAMÍLIA HUMANA
53. Uma das pobrezas mais profundas que o homem
pode experimentar é a solidão. Vistas bem as coisas, as outras pobrezas,
incluindo a material, também nascem do isolamento, de não ser amado ou da
dificuldade de amar. As pobrezas frequentemente nasceram da recusa do amor de
Deus, de uma originária e trágica reclusão do homem em si próprio, que pensa
que se basta a si mesmo ou então que é só um facto insignificante e passageiro,
um « estrangeiro » num universo formado por acaso. O homem aliena-se quando
fica sozinho ou se afasta da realidade, quando renuncia a pensar e a crer num
Fundamento[125]. A humanidade inteira aliena-se
quando se entrega a projectos unicamente humanos, a ideologias e a falsas
utopias[126]. A humanidade aparece, hoje, muito
mais interactiva do que no passado: esta maior proximidade deve transformar-se
em verdadeira comunhão. O desenvolvimento dos povos depende sobretudo do
reconhecimento que são uma só família, a qual colabora em verdadeira
comunhão e é formada por sujeitos que não se limitam a viver uns ao lado dos outros[127].
Observava Paulo VI que « o mundo sofre por
falta de convicções »[128]. A afirmação quer exprimir não
apenas uma constatação, mas sobretudo um voto: serve um novo ímpeto do
pensamento para compreender melhor as implicações do facto de sermos uma
família; a interacção entre os povos da terra chama-nos a este ímpeto, para que
a integração se verifique sob o signo da solidariedade[129], e não da marginalização. Tal
pensamento obriga a um aprofundamento crítico e axiológico da categoria
relação. Trata-se de uma tarefa que não pode ser desempenhada só pelas
ciências sociais, mas requer a contribuição de ciências como a metafísica e a
teologia para ver lucidamente a dignidade transcendente do homem.
De natureza espiritual, a criatura humana
realiza-se nas relações interpessoais: quanto mais as vive de forma autêntica,
tanto mais amadurece a própria identidade pessoal. Não é isolando-se que o
homem se valoriza a si mesmo, mas relacionando-se com os outros e com Deus,
pelo que estas relações são de importância fundamental. Isto vale também para
os povos; por isso é muito útil para o seu desenvolvimento uma visão metafísica
da relação entre as pessoas. A tal respeito, a razão encontra inspiração e
orientação na revelação cristã, segundo a qual a comunidade dos homens não absorve
em si a pessoa aniquilando a sua autonomia, como acontece nas várias formas de
totalitarismo, mas valoriza-a ainda mais porque a relação entre pessoa e
comunidade é feita de um todo para outro todo[130]. Do mesmo modo que a comunidade
familiar não anula em si as pessoas que a compõem e a própria Igreja valoriza
plenamente a « nova criatura » (Gal 6, 15; 2 Cor 5, 17) que pelo
baptismo se insere no seu Corpo vivo, assim também a unidade da família humana
não anula em si as pessoas, os povos e as culturas, mas torna-os mais
transparentes reciprocamente, mais unidos nas suas legítimas diversidades.
54. O tema do desenvolvimento coincide com o da
inclusão relacional de todas as pessoas e de todos os povos na única comunidade
da família humana, que se constrói na solidariedade tendo por base os valores
fundamentais da justiça e da paz. Esta perspectiva encontra um decisivo
esclarecimento na relação entre as Pessoas da Trindade na única Substância
divina. A Trindade é absoluta unidade, enquanto as três Pessoas divinas são
pura relação. A transparência recíproca entre as Pessoas divinas é plena, e a
ligação de uma com a outra total, porque constituem uma unidade e unicidade
absoluta. Deus quer-nos associar também a esta realidade de comunhão: « para
que sejam um como Nós somos um » (Jo 17, 22). A Igreja é sinal e
instrumento desta unidade[131]. As próprias relações entre os
homens, ao longo da história, só podem ganhar com a referência a este Modelo
divino. De modo particular compreende-se, à luz do mistério revelado da
Trindade, que a verdadeira abertura não significa dispersão centrífuga, mas
profunda compenetração. O mesmo resulta das experiências humanas comuns do amor
e da verdade. Como o amor sacramental entre os esposos os une espiritualmente a
ponto de formarem « uma só carne » (Gn 2, 24; Mt 19, 5; Ef
5, 31) e, de dois que eram, faz uma unidade relacional e real, de forma análoga
a verdade une os espíritos entre si e fá-los pensar em uníssono, atraindo-os e
unindo-os nela.
55. A revelação cristã sobre a unidade do
género humano pressupõe uma interpretação metafísica do humanum na
qual a relação seja elemento essencial. Também outras culturas e outras
religiões ensinam a fraternidade e a paz, revestindo-se, por isso, de grande
importância para o desenvolvimento humano integral; mas não faltam
comportamentos religiosos e culturais em que não se assume plenamente o
princípio do amor e da verdade, e acaba-se assim por refrear o verdadeiro desenvolvimento
humano ou mesmo impedi-lo. O mundo actual regista a presença de algumas
culturas de matiz religioso que não empenham o homem na comunhão, mas isolam-no
na busca do bem-estar individual, limitando-se a satisfazer os seus anseios
psicológicos. Também uma certa proliferação de percursos religiosos de pequenos
grupos ou mesmo de pessoas individuais e o sincretismo religioso podem ser
factores de dispersão e de apatia. Um possível efeito negativo do processo de
globalização é a tendência a favorecer tal sincretismo[132], alimentando formas de « religião »
que, em vez de fazer as pessoas encontrarem-se, alheiam-nas umas das outras e
afastam-nas da realidade. Simultaneamente às vezes perduram legados culturais e
religiosos que bloqueiam a sociedade em castas sociais estáticas, em crenças
mágicas não respeitadoras da dignidade da pessoa, em comportamentos de sujeição
a forças ocultas. Nestes contextos, o amor e a verdade encontram dificuldade em
afirmar-se, com prejuízo para o autêntico desenvolvimento.
Por este motivo, se é verdade, por um lado, que
o desenvolvimento tem necessidade das religiões e das culturas dos diversos
povos, por outro, não o é menos a necessidade de um adequado discernimento. A
liberdade religiosa não significa indiferentismo religioso, nem implica que
todas as religiões sejam iguais[133]. Para a construção da comunidade
social no respeito do bem comum, torna-se necessário, sobretudo para quem
exerce o poder político, o discernimento sobre o contributo das culturas e das
religiões. Tal discernimento deverá basear-se sobre o critério da caridade e da
verdade. Dado que está em jogo o desenvolvimento das pessoas e dos povos,
aquele há-de ter em conta a possibilidade de emancipação e de inclusão na
perspectiva de uma comunidade humana verdadeiramente universal. O critério « o
homem todo e todos os homens » serve para avaliar também as culturas e as
religiões. O cristianismo, religião do « Deus de rosto humano »[134], traz em si mesmo tal critério.
56. A religião cristã e as outras religiões só
podem dar o seu contributo para o desenvolvimento, se Deus encontrar lugar
também na esfera pública, nomeadamente nas dimensões cultural, social,
económica e particularmente política. A doutrina social da Igreja nasceu para
reivindicar este « estatuto de cidadania »[135] da religião cristã. A negação do
direito de professar publicamente a própria religião e de fazer com que as
verdades da fé moldem a vida pública, acarreta consequências negativas para o
verdadeiro desenvolvimento. A exclusão da religião do âmbito público e, na
vertente oposta, o fundamentalismo religioso impedem o encontro entre as
pessoas e a sua colaboração para o progresso da humanidade. A vida pública
torna-se pobre de motivações, e a política assume um rosto oprimente e
agressivo. Os direitos humanos correm o risco de não ser respeitados, ou porque
ficam privados do seu fundamento transcendente ou porque não é reconhecida a
liberdade pessoal. No laicismo e no fundamentalismo, perde-se a possibilidade
de um diálogo fecundo e de uma profícua colaboração entre a razão e a fé
religiosa. A razão tem sempre necessidade de ser purificada pela fé; e
isto vale também para a razão política, que não se deve crer omnipotente. A
religião, por sua vez, precisa sempre de ser purificada pela razão,
para mostrar o seu autêntico rosto humano. A ruptura deste diálogo implica um
custo muito gravoso para o desenvolvimento da humanidade.
57. O diálogo fecundo entre fé e razão não pode
deixar de tornar mais eficaz a acção da caridade na sociedade, e constitui o
quadro mais apropriado para incentivar a colaboração fraterna entre crentes
e não crentes na perspectiva comum de trabalhar pela justiça e a paz da
humanidade. Na constituição pastoral Gaudium et spes, os Padres conciliares afirmavam: «
Tudo quanto existe sobre a terra deve ser ordenado em função do homem, como seu
centro e seu termo: neste ponto existe um acordo quase geral entre crentes e
não crentes »[136]. Segundo os crentes, o mundo não é
fruto do acaso nem da necessidade, mas de um projecto de Deus. Daqui nasce o
dever que os crentes têm de unir os seus esforços com todos os homens e
mulheres de boa vontade de outras religiões ou não crentes, para que este nosso
mundo corresponda efectivamente ao projecto divino: viver como uma família, sob
o olhar do seu Criador. Particular manifestação da caridade e critério orientador
para a colaboração fraterna de crentes e não crentes é, sem dúvida, o princípio
de subsidiariedade[137], expressão da inalienável liberdade
humana. A subsidiariedade é, antes de mais nada, uma ajuda à pessoa, na
autonomia dos corpos intermédios. Tal ajuda é oferecida quando a pessoa e os
sujeitos sociais não conseguem operar por si sós, e implica sempre finalidades
emancipativas, porque favorece a liberdade e a participação enquanto assunção
de responsabilidades. A subsidiariedade respeita a dignidade da pessoa, na qual
vê um sujeito sempre capaz de dar algo aos outros. Ao reconhecer na reciprocidade
a constituição íntima do ser humano, a subsidiariedade é o antídoto mais eficaz
contra toda a forma de assistencialismo paternalista. Pode motivar tanto a
múltipla articulação dos vários níveis e consequentemente a pluralidade dos
sujeitos, como a sua coordenação. Trata-se, pois, de um princípio
particularmente idóneo para governar a globalização e orientá-la para um
verdadeiro desenvolvimento humano. Para não se gerar um perigoso poder
universal de tipo monocrático, o governo da globalização deve ser de tipo
subsidiário, articulado segundo vários e diferenciados níveis que colaborem
reciprocamente. A globalização tem necessidade, sem dúvida, de autoridade,
enquanto põe o problema de um bem comum global a alcançar; mas tal autoridade
deverá ser organizada de modo subsidiário e poliárquico[138], seja para não lesar a liberdade,
seja para resultar concretamente eficaz.
58. O princípio de subsidiariedade há-de ser
mantido estritamente ligado com o princípio de solidariedade e vice-versa,
porque, se a subsidiariedade sem a solidariedade decai no particularismo
social, a solidariedade sem a subsidiariedade decai no assistencialismo que
humilha o sujeito necessitado. Esta regra de carácter geral deve ser tida em
grande consideração também quando se enfrentam as temáticas referentes às ajudas
internacionais destinadas ao desenvolvimento. Estas, independentemente das
intenções dos doadores, podem por vezes manter um povo num estado de
dependência e até favorecer situações de sujeição local e de exploração dentro
do país ajudado. Para serem verdadeiramente tais, as ajudas económicas não
devem visar segundos fins. Hão-de ser concedidas envolvendo não só os governos
dos países interessados, mas também os agentes económicos locais e os sujeitos
da sociedade civil portadores de cultura, incluindo as Igrejas locais. Os
programas de ajuda devem assumir sempre mais as características de programas
integrados e participados a partir de baixo. A verdade é que o maior recurso a
valorizar nos países que são assistidos no desenvolvimento é o recurso humano:
este é o autêntico capital que se há-de fazer crescer para assegurar aos países
mais pobres um verdadeiro futuro autónomo. Há que recordar também que, no campo
económico, a principal ajuda de que têm necessidade os países em vias de
desenvolvimento é a de permitir e favorecer a progressiva inserção dos seus
produtos nos mercados internacionais, tornando possível assim a sua plena
participação na vida económica internacional. Muitas vezes, no passado, as
ajudas serviram apenas para criar mercados marginais para os produtos destes
países. Isto, frequentemente, fica a dever-se à falta de uma verdadeira procura
destes produtos; por isso, é necessário ajudar tais países a melhorar os seus
produtos e a adaptá-los melhor à procura. Além disso, alguns temem a
concorrência das importações de produtos, normalmente agrícolas, provenientes
dos países economicamente pobres; contudo devem-se recordar que, para estes
países, a possibilidade de comercializar tais produtos significa muitas vezes
garantir a sua sobrevivência a breve e longo prazo. Um comércio internacional
justo e equilibrado no campo agrícola pode trazer benefícios a todos, quer do
lado da oferta quer do lado da procura. Por este motivo, é preciso não só
orientar comercialmente estas produções, mas também estabelecer regras
comerciais internacionais que as apoiem e reforçar o financiamento ao
desenvolvimento para tornar mais produtivas estas economias.
59. A cooperação no desenvolvimento não
deve limitar-se apenas à dimensão económica, mas há-de tornar-se uma grande
ocasião de encontro cultural e humano. Se os sujeitos da cooperação dos
países economicamente desenvolvidos não têm em conta — como às vezes sucede — a
identidade cultural, própria e alheia, feita de valores humanos, não podem
instaurar algum diálogo profundo com os cidadãos dos países pobres. Se estes,
por sua vez, se abrem indiferentemente e sem discernimento a qualquer proposta
cultural, ficam sem condições para assumir a responsabilidade do seu autêntico
desenvolvimento[139]. As sociedades tecnologicamente
avançadas não devem confundir o próprio desenvolvimento tecnológico com uma
suposta superioridade cultural, mas hão-de descobrir em si próprias virtudes,
por vezes esquecidas, que as fizeram florescer ao longo da história. As
sociedades em crescimento devem permanecer fiéis a tudo o que há de
verdadeiramente humano nas suas tradições, evitando de lhe sobrepor
automaticamente os mecanismos da civilização tecnológica globalizada. Existem,
em todas as culturas, singulares e variadas convergências éticas, expressão de
uma mesma natureza humana querida pelo Criador e que a sabedoria ética da
humanidade chama lei natural[140]. Esta lei moral universal é um
fundamento firme de todo o diálogo cultural, religioso e político e permite que
o multiforme pluralismo das várias culturas não se desvie da busca comum da
verdade, do bem e de Deus. Por isso, a adesão a esta lei escrita nos corações é
o pressuposto de qualquer colaboração social construtiva. Em todas as culturas
existem pesos de que libertar-se, sombras a que subtrair-se. A fé cristã, que
se encarna nas culturas transcendendo-as, pode ajudá-las a crescer na
fraternização e solidariedade universais com benefício para o desenvolvimento
comunitário e mundial.
60. Quando se procurarem soluções para a crise
económica actual, a ajuda ao desenvolvimento dos países pobres deve ser
considerada como verdadeiro instrumento de criação de riqueza para todos.
Que projecto de ajuda pode abrir perspectivas tão significativas de mais valia
— mesmo da economia mundial — como o apoio a populações que se encontram ainda
numa fase inicial ou pouco avançada do seu processo de desenvolvimento
económico? Nesta linha, os Estados economicamente mais desenvolvidos hão-de
fazer o possível por destinar quotas maiores do seu produto interno bruto para
as ajudas ao desenvolvimento, respeitando os compromissos que, sobre este
ponto, foram tomados a nível de comunidade internacional. Poderão fazê-lo
inclusivamente revendo as políticas internas de assistência e de solidariedade
social, aplicando-lhes o princípio de subsidiariedade e criando sistemas mais
integrativos de previdência social, com a participação activa dos sujeitos
privados e da sociedade civil. Deste modo, pode-se até melhorar os serviços
sociais e de assistência e simultaneamente poupar recursos, eliminando
desperdícios e subvenções abusivas, para destinar à solidariedade
internacional. Um sistema de solidariedade social melhor comparticipado e
organizado, menos burocrático sem ficar menos coordenado, permitiria valorizar
muitas energias, hoje adormecidas, em benefício também da solidariedade entre
os povos.
Uma possibilidade de ajuda para o
desenvolvimento poderia derivar da aplicação eficaz da chamada subsidiariedade
fiscal, que permitiria aos cidadãos decidirem a destinação de quotas dos seus
impostos versados ao Estado. Evitando degenerações particularistas, isso pode
servir de incentivo para formas de solidariedade social a partir de baixo, com
óbvios benefícios também na vertente da solidariedade para o desenvolvimento.
61. Uma solidariedade mais ampla a nível
internacional exprime-se, antes de mais nada, continuando a promover, mesmo em
condições de crise económica, maior acesso à educação, já que esta é
condição essencial para a eficácia da própria cooperação internacional. Com o
termo « educação », não se pretende referir apenas à instrução escolar ou à
formação para o trabalho — ambas, causas importantes de desenvolvimento — mas à
formação completa da pessoa. A este propósito, deve-se sublinhar um aspecto do
problema: para educar, é preciso saber quem é a pessoa humana, conhecer a sua
natureza. A progressiva difusão de uma visão relativista desta coloca sérios
problemas à educação, sobretudo à educação moral, prejudicando a sua extensão a
nível universal. Cedendo a tal relativismo, ficam todos mais pobres, com
consequências negativas também sobre a eficácia da ajuda às populações mais
carecidas, que não têm necessidade apenas de meios económicos ou técnicos, mas
também de métodos e meios pedagógicos que ajudem as pessoas a chegar à sua
plena realização humana.
Um exemplo da relevância deste problema temo-lo
no fenómeno do turismo internacional[141], que pode constituir notável factor
de desenvolvimento económico e de crescimento cultural, mas pode também
transformar-se em ocasião de exploração e degradação moral. A situação actual
oferece singulares oportunidades para que os aspectos económicos do
desenvolvimento, ou seja, os fluxos de dinheiro e o nascimento em sede local de
significativas experiências empresariais, cheguem a combinar-se com os aspectos
culturais, sendo o educativo o primeiro deles. Há casos onde isso ocorre, mas
em muitos outros o turismo internacional é fenómeno deseducativo tanto para o
turista como para as populações locais. Com frequência, estas são confrontadas
com comportamentos imorais ou mesmo perversos, como no caso do chamado turismo
sexual, em que são sacrificados muitos seres humanos, mesmo de tenra idade. É
doloroso constatar que isto acontece frequentemente com o aval dos governos
locais, com o silêncio dos governos donde provêm os turistas e com a
cumplicidade de muitos agentes do sector. Mesmo quando não se chega tão longe,
o turismo internacional não raramente é vivido de modo consumista e hedonista,
como evasão e com modalidades de organização típicas dos países de
proveniência, e assim não se favorece um verdadeiro encontro entre pessoas e
culturas. Por isso, é preciso pensar num turismo diverso, capaz de promover
verdadeiro conhecimento recíproco, sem tirar espaço ao repouso e ao são
divertimento: um turismo deste género há-de ser incrementado, graças também a
uma ligação mais estreita com as experiências de cooperação internacional e de
empresariado para o desenvolvimento.
62. Outro aspecto merecedor de atenção, ao
tratar do desenvolvimento humano integral, é o fenómeno das migrações. É
um fenómeno impressionante pela quantidade de pessoas envolvidas, pelas
problemáticas sociais, económicas, políticas, culturais e religiosas que
levanta, pelos desafios dramáticos que coloca às comunidades nacional e
internacional. Pode-se dizer que estamos perante um fenómeno social de natureza
epocal, que requer uma forte e clarividente política de cooperação
internacional para ser convenientemente enfrentado. Esta política há-de ser
desenvolvida a partir de uma estreita colaboração entre os países donde partem
os emigrantes e os países de chegada; há-de ser acompanhada por adequadas
normativas internacionais capazes de harmonizar os diversos sistemas
legislativos, na perspectiva de salvaguardar as exigências e os direitos das
pessoas e das famílias emigradas e, ao mesmo tempo, os das sociedades de
chegada dos próprios emigrantes. Nenhum país se pode considerar capaz de
enfrentar, sozinho, os problemas migratórios do nosso tempo. Todos somos
testemunhas da carga de sofrimentos, contrariedades e aspirações que acompanha
os fluxos migratórios. Como é sabido, o fenómeno é de gestão complicada;
todavia é certo que os trabalhadores estrangeiros, não obstante as dificuldades
relacionadas com a sua integração, prestam com o seu trabalho um contributo
significativo para o desenvolvimento económico do país de acolhimento e também
do país de origem com as remessas monetárias. Obviamente, tais trabalhadores
não podem ser considerados como simples mercadoria ou mera força de trabalho;
por isso, não devem ser tratados como qualquer outro factor de produção. Todo o
imigrante é uma pessoa humana e, enquanto tal, possui direitos fundamentais
inalienáveis que hão-de ser respeitados por todos em qualquer situação[142].
63. Ao considerar os problemas do
desenvolvimento, não se pode deixar de pôr em evidência o nexo directo entre pobreza
e desemprego. Em muitos casos, os pobres são o resultado da violação da
dignidade do trabalho humano, seja porque as suas possibilidades são
limitadas (desemprego, subemprego), seja porque são desvalorizados « os
direitos que dele brotam, especialmente o direito ao justo salário, à segurança
da pessoa do trabalhador e da sua família »[143]. Por isso, já no dia 1 de Maio de
2000, o meu predecessor João Paulo II, de venerada memória, lançou um apelo,
por ocasião do Jubileu dos Trabalhadores, para « uma coligação mundial em favor
do trabalho decente »[144], encorajando a estratégia da
Organização Internacional do Trabalho. Conferia, assim, uma forte valência
moral a este objectivo, enquanto aspiração das famílias em todos os países do
mundo. Qual é o significado da palavra « decência » aplicada ao trabalho?
Significa um trabalho que, em cada sociedade, seja a expressão da dignidade
essencial de todo o homem e mulher: um trabalho escolhido livremente, que
associe eficazmente os trabalhadores, homens e mulheres, ao desenvolvimento da
sua comunidade; um trabalho que, deste modo, permita aos trabalhadores serem
respeitados sem qualquer discriminação; um trabalho que consinta satisfazer as
necessidades das famílias e dar a escolaridade aos filhos, sem que estes sejam
constrangidos a trabalhar; um trabalho que permita aos trabalhadores
organizarem-se livremente e fazerem ouvir a sua voz; um trabalho que deixe
espaço suficiente para reencontrar as próprias raízes a nível pessoal familiar
e espiritual; um trabalho que assegure aos trabalhadores aposentados uma
condição decorosa.
64. Ao reflectir sobre este tema do trabalho, é
oportuna uma chamada de atenção também para a urgente necessidade de as organizações
sindicais dos trabalhadores – desde sempre encorajadas e apoiadas pela
Igreja — se abrirem às novas perspectivas que surgem no âmbito laboral.
Superando as limitações próprias dos sindicatos de categoria, as organizações
sindicais são chamadas a responsabilizar-se pelos novos problemas das nossas
sociedades: refiro-me, por exemplo, ao conjunto de questões que os peritos de
ciências sociais identificam no conflito entre pessoa-trabalhadora e
pessoa-consumidora. Sem ter necessariamente de abraçar a tese duma efectiva
passagem da centralidade do trabalhador para a do consumidor, parece em todo o
caso que também este seja um terreno para experiências sindicais inovadoras. O
contexto global em que se realiza o trabalho requer igualmente que as
organizações sindicais nacionais, fechadas prevalentemente na defesa dos interesses
dos próprios inscritos, volvam o olhar também para os não inscritos,
particularmente para os trabalhadores dos países em vias de desenvolvimento,
onde frequentemente os direitos sociais são violados. A defesa destes
trabalhadores, promovida com oportunas iniciativas também nos países de origem,
permitirá às organizações sindicais porem em evidência as autênticas razões
éticas e culturais que lhes consentiram, em contextos sociais e laborais
diferentes, ser um factor decisivo para o desenvolvimento. Continua sempre
válido o ensinamento da Igreja que propõe a distinção de papéis e funções entre
sindicato e política. Esta distinção possibilitará às organizações sindicais
individualizarem na sociedade civil o âmbito mais ajustado para a sua acção necessária
de defesa e promoção do mundo do trabalho, sobretudo a favor dos trabalhadores
explorados e não representados, cuja amarga condição resulta frequentemente
ignorada pelo olhar distraído da sociedade.
65. Em seguida, é preciso que as finanças
enquanto tais — com estruturas e modalidades de funcionamento necessariamente
renovadas depois da sua má utilização que prejudicou a economia real — voltem a
ser um instrumento que tenha em vista a melhor produção de riqueza e o
desenvolvimento. Enquanto instrumentos, a economia e as finanças em toda a
respectiva extensão, e não apenas em alguns dos seus sectores, devem ser
utilizadas de modo ético a fim de criar as condições adequadas para o
desenvolvimento do homem e dos povos. É certamente útil, senão mesmo indispensável
em certas circunstâncias, dar vida a iniciativas financeiras nas quais
predomine a dimensão humanitária. Isto, porém, não deve fazer esquecer que o
inteiro sistema financeiro deve ser orientado para dar apoio a um verdadeiro
desenvolvimento. Sobretudo, é necessário que não se contraponha o intuito de
fazer o bem ao da efectiva capacidade de produzir bens. Os operadores das
finanças devem redescobrir o fundamento ético próprio da sua actividade, para
não abusarem de instrumentos sofisticados que possam atraiçoar os aforradores.
Recta intenção, transparência e busca de bons resultados são compatíveis entre
si e não devem jamais ser separados. Se o amor é inteligente, sabe encontrar
também os modos para agir segundo uma previdente e justa conveniência, como
significativamente indicam muitas experiências no campo do crédito cooperativo.
Tanto uma regulamentação do sector capaz de
assegurar os sujeitos mais débeis e impedir escandalosas especulações, como a
experimentação de novas formas de financiamento destinadas a favorecer
projectos de desenvolvimento, são experiências positivas que hão-de ser
aprofundadas e encorajadas, invocando a responsabilidade própria do
aforrador. Também a experiência do micro-financiamento, que mergulha
as próprias raízes na reflexão e nas obras dos humanistas civis (penso
nomeadamente no nascimento dos montepios), há-de ser revigorada e
sistematizada, sobretudo nestes tempos em que os problemas financeiros podem
tornar-se dramáticos para muitos sectores mais vulneráveis da população, que
devem ser tutelados dos riscos de usura ou do desespero. Os sujeitos mais
débeis hão-de ser educados para se defender da usura, do mesmo modo que os
povos pobres devem ser educados para tirar real vantagem do micro-crédito,
desencorajando assim as formas de exploração possíveis nestes dois campos. Uma
vez que existem novas formas de pobreza também nos países ricos, o
micro-financiamento pode proporcionar ajudas concretas para a criação de
iniciativas e sectores novos em favor das classes débeis da sociedade mesmo
numa fase de possível empobrecimento da própria sociedade.
66. A interligação mundial fez surgir um novo
poder político: o dos consumidores e das suas associações. Trata-se de
um fenómeno carecido de aprofundamento, com elementos positivos que hão-de ser
incentivados e excessos que se devem evitar. É bom que as pessoas ganhem
consciência de que a acção de comprar é sempre um acto moral, para além de
económico. Por isso, ao lado da responsabilidade social da empresa, há uma
específica responsabilidade social do consumidor. Este há-de ser educado[145], sem cessar, para o papel que exerce
diariamente e que pode desempenhar no respeito dos princípios morais, sem
diminuir a racionalidade económica intrínseca ao acto de comprar. Também no
sector das compras — precisamente em tempos como os que se estão experimentando
e que vêem o poder de compra reduzir-se, devendo por conseguinte consumir com
maior sobriedade — é necessário percorrer outras estradas como, por exemplo,
formas de cooperação para as compras à semelhança das cooperativas de consumo
activas a partir do século XIX graças à iniciativa dos católicos. Além disso, é
útil favorecer formas novas de comercialização de produtos provenientes de
áreas pobres da terra para garantir uma retribuição decente aos produtores,
contanto que se trate de um mercado verdadeiramente transparente, que os
produtores não usufruam apenas de uma margem maior de lucro mas também de maior
formação, profissionalização e tecnologia, e que, enfim, não se incluam em tais
experiências de economia visões ideológicas de parte. Um papel mais incisivo
dos consumidores, desde que não sejam eles próprios manipulados por associações
não verdadeiramente representativas, é desejável como factor de democracia
económica.
67. Perante o crescimento incessante da
interdependência mundial, sente-se imenso — mesmo no meio de uma recessão
igualmente mundial — a urgência de uma reforma quer da Organização das
Nações Unidas quer da arquitectura económica e financeira internacional,
para que seja possível uma real concretização do conceito de família de nações.
De igual modo sente-se a urgência de encontrar formas inovadoras para actuar o
princípio da responsabilidade de proteger [146] e para atribuir também às nações
mais pobres uma voz eficaz nas decisões comuns. Isto revela-se necessário
precisamente no âmbito de um ordenamento político, jurídico e económico que
incremente e guie a colaboração internacional para o desenvolvimento solidário
de todos os povos. Para o governo da economia mundial, para sanar as economias
atingidas pela crise de modo a prevenir o agravamento da mesma e em
consequência maiores desequilíbrios, para realizar um oportuno e integral
desarmamento, a segurança alimentar e a paz, para garantir a salvaguarda do
ambiente e para regulamentar os fluxos migratórios urge a presença de uma
verdadeira Autoridade política mundial, delineada já pelo meu
predecessor, o Beato João XXIII. A referida Autoridade deverá regular-se pelo
direito, ater-se coerentemente aos princípios de subsidiariedade e
solidariedade, estar orientada para a consecução do bem comum[147], comprometer-se na realização de
um autêntico desenvolvimento humano integral inspirado nos valores da caridade
na verdade. Além disso, uma tal Autoridade deverá ser reconhecida por
todos, gozar de poder efectivo para garantir a cada um a segurança, a
observância da justiça, o respeito dos direitos[148]. Obviamente, deve gozar da
faculdade de fazer com que as partes respeitem as próprias decisões, bem como
as medidas coordenadas e adoptadas nos diversos fóruns internacionais. É que,
se isso faltasse, o direito internacional, não obstante os grandes progressos
realizados nos vários campos, correria o risco de ser condicionado pelos
equilíbrios de poder entre os mais fortes. O desenvolvimento integral dos povos
e a colaboração internacional exigem que seja instituído um grau superior de ordenamento
internacional de tipo subsidiário para o governo da globalização [149] e que se dê finalmente actuação a
uma ordem social conforme à ordem moral e àquela ligação entre esfera moral e
social, entre política e esfera económica e civil que aparece já perspectivada
no Estatuto das Nações Unidas.
CAPÍTULO
VI
O
DESENVOLVIMENTO
DOS POVOS E A TÉCNICA
68. O tema do desenvolvimento dos povos está
intimamente ligado com o do desenvolvimento de cada indivíduo. Por sua
natureza, a pessoa humana está dinamicamente orientada para o próprio
desenvolvimento. Não se trata de um desenvolvimento garantido por mecanismos
naturais, porque cada um de nós sabe que é capaz de realizar opções livres e
responsáveis; também não se trata de um desenvolvimento à mercê do nosso
capricho, enquanto todos sabemos que somos dom e não resultado de auto-geração.
Em nós, a liberdade é originariamente caracterizada pelo nosso ser e pelos seus
limites. Ninguém plasma arbitrariamente a própria consciência, mas todos formam
a própria personalidade sobre a base duma natureza que lhe foi dada. Não são
apenas as outras pessoas que são indisponíveis; também nós não podemos dispor
arbitrariamente de nós mesmos. O desenvolvimento da pessoa degrada-se, se
ela pretende ser a única produtora de si mesma. De igual modo, degenera o
desenvolvimento dos povos, se a humanidade pensa que se pode re-criar
valendo-se dos « prodígios » da tecnologia. Analogamente, o progresso económico
revela-se fictício e danoso quando se abandona aos « prodígios » das finanças
para apoiar incrementos artificiais e consumistas. Perante esta pretensão
prometeica, devemos robustecer o amor por uma liberdade não arbitrária, mas
tornada verdadeiramente humana pelo reconhecimento do bem que a precede. Com
tal objectivo, é preciso que o homem reentre em si mesmo, para reconhecer as
normas fundamentais da lei moral natural que Deus inscreveu no seu coração.
69. Hoje, o problema do desenvolvimento está
estreitamente unido com o progresso tecnológico, com as suas
deslumbrantes aplicações no campo biológico. A técnica — é bom sublinhá-lo — é
um dado profundamente humano, ligado à autonomia e à liberdade do homem. Nela
exprime-se e confirma-se o domínio do espírito sobre a matéria. O espírito, «
tornando-se assim ‘‘mais liberto da escravidão das coisas, pode facilmente
elevar-se ao culto e à contemplação do Criador'' »[150]. A técnica permite dominar a
matéria, reduzir os riscos, poupar fadigas, melhorar as condições de vida. Dá
resposta à própria vocação do trabalho humano: na técnica, considerada como
obra do génio pessoal, o homem reconhece-se a si mesmo e realiza a própria
humanidade. A técnica é o aspecto objectivo do agir humano[151], cuja origem e razão de ser estão
no elemento subjectivo: o homem que actua. Por isso, aquela nunca é
simplesmente técnica; mas manifesta o homem e as suas aspirações ao
desenvolvimento, exprime a tensão do ânimo humano para uma gradual superação de
certos condicionamentos materiais. Assim, a técnica insere-se no mandato de
« cultivar e guardar a terra » (Gn 2, 15) que Deus confiou ao homem,
e há-de ser orientada para reforçar aquela aliança entre ser humano e ambiente
em que se deve reflectir o amor criador de Deus.
70. O desenvolvimento tecnológico pode induzir
à ideia de auto-suficiência da própria técnica, quando o homem, interrogando-se
apenas sobre o como, deixa de considerar os muitos porquês pelos
quais é impelido a agir. Por isso, a técnica apresenta-se com uma fisionomia
ambígua. Nascida da criatividade humana como instrumento da liberdade da
pessoa, pode ser entendida como elemento de liberdade absoluta; aquela
liberdade que quer prescindir dos limites que as coisas trazem consigo. O
processo de globalização poderia substituir as ideologias com a técnica[152], passando esta a ser um poder
ideológico que exporia a humanidade ao risco de se ver fechada dentro de um a
priori do qual não poderia sair para encontrar o ser e a verdade. Em tal
caso, todos nós conheceríamos, avaliaríamos e decidiríamos as situações da
nossa vida a partir do interior de um horizonte cultural tecnocrático, ao qual
pertenceríamos estruturalmente, sem poder jamais encontrar um sentido que não
fosse produzido por nós. Esta visão torna hoje tão forte a mentalidade
tecnicista que faz coincidir a verdade com o factível. Mas, quando o único
critério da verdade é a eficiência e a utilidade, o desenvolvimento acaba
automaticamente negado. De facto, o verdadeiro desenvolvimento não consiste
primariamente no fazer; a chave do desenvolvimento é uma inteligência capaz de
pensar a técnica e de individualizar o sentido plenamente humano do agir do
homem, no horizonte de sentido da pessoa vista na globalidade do seu ser. Mesmo
quando actua mediante um satélite ou um comando electrónico à distância, o seu
agir continua sempre humano, expressão de uma liberdade responsável. A técnica
seduz intensamente o homem, porque o livra das limitações físicas e alarga o
seu horizonte. Mas a liberdade humana só o é propriamente quando responde à
sedução da técnica com decisões que sejam fruto de responsabilidade moral.
Daqui, a urgência de uma formação para a responsabilidade ética no uso da
técnica. A partir do fascínio que a técnica exerce sobre o ser humano, deve-se
recuperar o verdadeiro sentido da liberdade, que não consiste no inebriamento
de uma autonomia total, mas na resposta ao apelo do ser, a começar pelo ser que
somos nós mesmos.
71. Esta possibilidade da mentalidade técnica
se desviar do seu originário álveo humanista ressalta, hoje, nos fenómenos da
tecnicização do desenvolvimento e da paz. Frequentemente o desenvolvimento dos
povos é considerado um problema de engenharia financeira, de abertura dos mercados,
de redução das tarifas aduaneiras, de investimentos produtivos, de reformas
institucionais; em suma, um problema apenas técnico. Todos estes âmbitos são
muito importantes, mas não podemos deixar de interrogar-nos por que motivo, até
agora, as opções de tipo técnico tenham resultado apenas de modo relativo. A
razão há-de ser procurada mais profundamente. O desenvolvimento não será jamais
garantido completamente por forças de certo modo automáticas e impessoais,
sejam elas as do mercado ou as da política internacional. O desenvolvimento
é impossível sem homens rectos, sem operadores económicos e homens políticos
que sintam intensamente em suas consciências o apelo do bem comum. São
necessárias tanto a preparação profissional como a coerência moral. Quando prevalece
a absolutização da técnica, verifica-se uma confusão entre fins e meios: como
único critério de acção, o empresário considerará o máximo lucro da produção; o
político, a consolidação do poder; o cientista, o resultado das suas
descobertas. Deste modo sucede frequentemente que, sob a rede das relações
económicas, financeiras ou políticas, persistem incompreensões, contrariedades
e injustiças; os fluxos dos conhecimentos técnicos multiplicam-se, mas em
benefício dos seus proprietários, enquanto a situação real das populações que
vivem sob tais influxos, e quase sempre na sua ignorância, permanece imutável e
sem efectivas possibilidades de emancipação.
72. Às vezes, também a paz corre o risco de ser
considerada como uma produção técnica, fruto apenas de acordos entre governos
ou de iniciativas tendentes a assegurar ajudas económicas eficientes. É verdade
que a construção da paz exige um constante tecimento de contactos
diplomáticos, intercâmbios económicos e tecnológicos, encontros culturais,
acordos sobre projectos comuns, e também a assunção de empenhos compartilhados
para conter as ameaças de tipo bélico e cercear à nascença eventuais tentações
terroristas. Mas, para que tais esforços possam produzir efeitos duradouros, é
necessário que se apoiem sobre valores radicados na verdade da vida. Por outras
palavras, é preciso ouvir a voz das populações interessadas e atender à
situação delas para interpretar adequadamente os seus anseios. De certo modo,
deve-se colocar em continuidade com o esforço anónimo de tantas pessoas
decididamente comprometidas a promover o encontro entre os povos e a favorecer
o desenvolvimento partindo do amor e da compreensão recíproca. Entre tais
pessoas, contam-se também fiéis cristãos, empenhados na grande tarefa de dar ao
desenvolvimento e à paz um sentido plenamente humano.
73. Ligada ao desenvolvimento tecnológico está
a crescente presença dos meios de comunicação social. Já é quase
impossível imaginar a existência da família humana sem eles. No bem e no mal,
estão de tal modo encarnados na vida do mundo, que parece verdadeiramente
absurda a posição de quantos defendem a sua neutralidade, reivindicando em
consequência a sua autonomia relativamente à moral que diria respeito às
pessoas. Muitas vezes tais perspectivas, que enfatizam a natureza estritamente
técnica dos mass-media, de facto favorecem a sua subordinação a cálculos
económicos, ao intuito de dominar os mercados e, não último, ao desejo de impor
parâmetros culturais em função de projectos de poder ideológico e político. Dada
a importância fundamental que têm na determinação de alterações no modo de ler
e conhecer a realidade e a própria pessoa humana, torna-se necessária uma
atenta reflexão sobre a sua influência principalmente na dimensão
ético-cultural da globalização e do desenvolvimento solidário dos povos. Como
requerido por uma correcta gestão da globalização e do desenvolvimento, o
sentido e a finalidade dos mass-media devem ser buscados no fundamento
antropológico. Isto quer dizer que os mesmos podem tornar-se ocasião de
humanização, não só quando, graças ao desenvolvimento tecnológico, oferecem
maiores possibilidades de comunicação e de informação, mas também e sobretudo
quando são organizados e orientados à luz de uma imagem da pessoa e do bem
comum que traduza os seus valores universais. Os meios de comunicação social
não favorecem a liberdade nem globalizam o desenvolvimento e a democracia para
todos, simplesmente porque multiplicam as possibilidades de interligação e
circulação das ideias; para alcançar tais objectivos, é preciso que estejam
centrados na promoção da dignidade das pessoas e dos povos, animados
expressamente pela caridade e colocados ao serviço da verdade, do bem e da
fraternidade natural e sobrenatural. De facto, na humanidade, a liberdade está intrinsecamente
ligada a estes valores superiores. Os mass-media podem constituir uma
válida ajuda para fazer crescer a comunhão da família humana e o ethos das
sociedades, quando se tornam instrumentos de promoção da participação universal
na busca comum daquilo que é justo.
74. Hoje, um campo primário e crucial da luta
cultural entre o absolutismo da técnica e a responsabilidade moral do homem é o
da bioética, onde se joga radicalmente a própria possibilidade de um
desenvolvimento humano integral. Trata-se de um âmbito delicadíssimo e
decisivo, onde irrompe, com dramática intensidade, a questão fundamental de
saber se o homem se produziu por si mesmo ou depende de Deus. As descobertas
científicas neste campo e as possibilidades de intervenção técnica parecem tão
avançadas que impõem a escolha entre estas duas concepções: a da razão aberta à
transcendência ou a da razão fechada na imanência. Está-se perante uma opção
decisiva. No entanto a concepção racional da tecnologia centrada sobre si mesma
apresenta-se como irracional, porque implica uma decidida rejeição do sentido e
do valor. Não é por acaso que a posição fechada à transcendência se defronta
com a dificuldade de pensar como tenha sido possível do nada ter brotado o ser
e do acaso ter nascido a inteligência[153]. Face a estes dramáticos problemas,
razão e fé ajudam-se mutuamente; e só conjuntamente salvarão o homem:
fascinada pela pura tecnologia, a razão sem a fé está destinada a perder-se na
ilusão da própria omnipotência, enquanto a fé sem a razão corre o risco do
alheamento da vida concreta das pessoas[154].
75. Paulo VI já tinha reconhecido e indicado o
horizonte mundial da questão social[155]. Prosseguindo por esta estrada, é
preciso afirmar que hoje a questão social tornou-se radicalmente
antropológica, enquanto toca o próprio modo não só de conceber mas também
de manipular a vida, colocada cada vez mais nas mãos do homem pelas
biotecnologias. A fecundação in vitro, a pesquisa sobre os embriões, a
possibilidade da clonagem e hibridação humana nascem e promovem-se na actual
cultura do desencanto total, que pensa ter desvendado todos os mistérios porque
já se chegou à raiz da vida. Aqui o absolutismo da técnica encontra a sua
máxima expressão. Em tal cultura, a consciência é chamada apenas a registar uma
mera possibilidade técnica. Contudo não se pode minimizar os cenários
inquietantes para o futuro do homem e os novos e poderosos instrumentos que a «
cultura da morte » tem à sua disposição. À difusa e trágica chaga do aborto
poder-se-ia juntar no futuro — embora sub-repticiamente já esteja presente in
nuce — uma sistemática planificação eugenética dos nascimentos. No extremo
oposto, vai abrindo caminho uma mens eutanasica, manifestação não menos
abusiva de domínio sobre a vida, que é considerada, em certas condições, como não
digna de ser vivida. Por detrás destes cenários encontram-se posições culturais
negacionistas da dignidade humana. Por sua vez, estas práticas estão destinadas
a alimentar uma concepção material e mecanicista da vida humana. Quem poderá
medir os efeitos negativos de tal mentalidade sobre o desenvolvimento? Como
poderá alguém maravilhar-se com a indiferença diante de situações humanas de
degradação, quando se comporta indiferentemente com o que é humano e com aquilo
que não o é? Maravilha a selecção arbitrária do que hoje é proposto como digno
de respeito: muitos, prontos a escandalizar-se por coisas marginais, parecem
tolerar injustiças inauditas. Enquanto os pobres do mundo batem às portas da
opulência, o mundo rico corre o risco de deixar de ouvir tais apelos à sua
porta por causa de uma consciência já incapaz de reconhecer o humano. Deus
revela o homem ao homem; a razão e a fé colaboram para lhe mostrar o bem, desde
que o queira ver; a lei natural, na qual reluz a Razão criadora, indica a
grandeza do homem, mas também a sua miséria quando ele desconhece o apelo da
verdade moral.
76. Um dos aspectos do espírito tecnicista
moderno é palpável na propensão a considerar os problemas e as moções ligados à
vida interior somente do ponto de vista psicológico, chegando-se mesmo ao
reducionismo neurológico. Assim esvazia-se a interioridade do homem e,
progressivamente, vai-se perdendo a noção da consistência ontológica da alma
humana, com as profundidades que os Santos souberam pôr a descoberto. O
problema do desenvolvimento está estritamente ligado também com a nossa
concepção da alma do homem, uma vez que o nosso eu acaba muitas vezes
reduzido ao psíquico, e a saúde da alma é confundida com o bem-estar emotivo.
Na base, estas reduções têm uma profunda incompreensão da vida espiritual e
levam-nos a ignorar que o desenvolvimento do homem e dos povos depende
verdadeiramente também da solução dos problemas de carácter espiritual. Além
do crescimento material, o desenvolvimento deve incluir o espiritual,
porque a pessoa humana é « um ser uno, composto de alma e corpo »[156], nascido do amor criador de Deus e
destinado a viver eternamente. O ser humano desenvolve-se quando cresce no
espírito, quando a sua alma se conhece a si mesma e apreende as verdades que
Deus nela imprimiu em gérmen, quando dialoga consigo mesma e com o seu Criador.
Longe de Deus, o homem vive inquieto e está mal. A alienação social e
psicológica e as inúmeras neuroses que caracterizam as sociedades opulentas
devem-se também a causas de ordem espiritual. Uma sociedade do bem-estar,
materialmente desenvolvida mas oprimente para a alma, de per si não está
orientada para o autêntico desenvolvimento. As novas formas de escravidão da
droga e o desespero em que caiem tantas pessoas têm uma explicação não só
sociológica e psicológica, mas essencialmente espiritual. O vazio em que a alma
se sente abandonada, embora no meio de tantas terapias para o corpo e para o
psíquico, gera sofrimento. Não há desenvolvimento pleno nem bem comum
universal sem o bem espiritual e moral das pessoas, consideradas na sua
totalidade de alma e corpo.
77. O absolutismo da técnica tende a produzir
uma incapacidade de perceber aquilo que não se explica meramente pela matéria;
e, no entanto, todos os homens experimentam os numerosos aspectos imateriais e
espirituais da sua vida. Conhecer não é um acto apenas material, porque o conhecido
esconde sempre algo que está para além do dado empírico. Todo o nosso
conhecimento, mesmo o mais simples, é sempre um pequeno prodígio, porque nunca
se explica completamente com os instrumentos materiais que utilizamos. Em cada
verdade, há sempre mais do que nós mesmos teríamos esperado; no amor que
recebemos, há sempre qualquer coisa que nos surpreende. Não deveremos cessar
jamais de maravilhar-nos diante destes prodígios. Em cada conhecimento e em
cada acto de amor, a alma do homem experimenta um « extra » que se assemelha
muito a um dom recebido, a uma altura para a qual nos sentimos atraídos. Também
o desenvolvimento do homem e dos povos se coloca a uma tal altura, se
considerarmos a dimensão espiritual que deve necessariamente conotar
aquele para que possa ser autêntico. Este requer olhos novos e um coração novo,
capaz de superar a visão materialista dos acontecimentos humanos e
entrever no desenvolvimento um « mais além » que a técnica não pode dar. Por
este caminho, será possível perseguir aquele desenvolvimento humano integral
que tem o seu critério orientador na força propulsora da caridade na verdade.
CONCLUSÃO
78. Sem Deus, o homem não sabe para onde ir e
não consegue sequer compreender quem seja. Perante os enormes problemas do
desenvolvimento dos povos que quase nos levam ao desânimo e à rendição, vem em
nosso auxílio a palavra do Senhor Jesus Cristo que nos torna cientes deste dado
fundamental: « Sem Mim, nada podeis fazer » (Jo 15, 5), e encoraja: « Eu
estarei sempre convosco, até ao fim do mundo » (Mt 28, 20). Diante da
vastidão do trabalho a realizar, somos apoiados pela fé na presença de Deus
junto daqueles que se unem no seu nome e trabalham pela justiça. Paulo VI
recordou-nos, na Populorum
progressio, que
o homem não é capaz de gerir sozinho o próprio progresso, porque não pode por
si mesmo fundar um verdadeiro humanismo. Somente se pensarmos que somos
chamados, enquanto indivíduos e comunidade, a fazer parte da família de Deus
como seus filhos, é que seremos capazes de produzir um novo pensamento e
exprimir novas energias ao serviço de um verdadeiro humanismo integral. Por
isso, a maior força ao serviço do desenvolvimento é um humanismo cristão [157] que reavive a caridade e que se
deixe guiar pela verdade, acolhendo uma e outra como dom permanente de Deus. A
disponibilidade para Deus abre à disponibilidade para os irmãos e para uma vida
entendida como tarefa solidária e jubilosa. Pelo contrário, a reclusão
ideológica a Deus e o ateísmo da indiferença, que esquecem o Criador e correm o
risco de esquecer também os valores humanos, contam-se hoje entre os maiores
obstáculos ao desenvolvimento. O humanismo que exclui Deus é um humanismo
desumano. Só um humanismo aberto ao Absoluto pode guiar-nos na promoção e
realização de formas de vida social e civil — no âmbito das estruturas, das
instituições, da cultura, do ethos — preservando-nos do risco de cairmos
prisioneiros das modas do momento. É a consciência do Amor indestrutível de
Deus que nos sustenta no fadigoso e exaltante compromisso a favor da justiça,
do desenvolvimento dos povos, por entre êxitos e fracassos, na busca incessante
de ordenamentos rectos para as realidades humanas. O amor de Deus chama-nos
a sair daquilo que é limitado e não definitivo, dá-nos coragem de agir
continuando a procurar o bem de todos, ainda que não se realize
imediatamente e aquilo que conseguimos actuar — nós e as autoridades políticas
e os operadores económicos — seja sempre menos de quanto anelamos[158]. Deus dá-nos a força de lutar e
sofrer por amor do bem comum, porque Ele é o nosso Tudo, a nossa esperança
maior.
79. O desenvolvimento tem necessidade de
cristãos com os braços levantados para Deus em atitude de oração, cristãos
movidos pela consciência de que o amor cheio de verdade — caritas in
veritate –, do qual procede o desenvolvimento autêntico, não o produzimos
nós, mas é-nos dado. Por isso, inclusive nos momentos mais difíceis e
complexos, além de reagir conscientemente devemos sobretudo referir-nos ao seu
amor. O desenvolvimento implica atenção à vida espiritual, uma séria
consideração das experiências de confiança em Deus, de fraternidade espiritual
em Cristo, de entrega à providência e à misericórdia divina, de amor e de
perdão, de renúncia a si mesmos, de acolhimento do próximo, de justiça e de
paz. Tudo isto é indispensável para transformar os « corações de pedra » em «
corações de carne » (Ez 36, 26), para tornar « divina » e
consequentemente mais digna do homem a vida sobre a terra. Tudo isto é do
homem, porque o homem é sujeito da própria existência; e ao mesmo tempo
é de Deus, porque Deus está no princípio e no fim de tudo aquilo que tem
valor e redime: « quer o mundo, quer a vida, quer a morte, quer o presente,
quer o futuro, tudo é vosso; mas vós sois de Cristo, e Cristo é de Deus » (1
Cor 3, 22-23). A ânsia do cristão é que toda a família humana possa invocar
a Deus como o « Pai nosso ». Juntamente com o Filho unigénito, possam todos os
homens aprender a rezar ao Pai e a pedir-Lhe, com as palavras que o próprio
Jesus nos ensinou, para sabê-Lo santificar vivendo segundo a sua vontade, e
depois ter o pão necessário para cada dia, a compreensão e a generosidade com
quem nos ofendeu, não ser postos à prova além das suas forças e ver-se livres
do mal (cf. Mt 6, 9-13).
No final do Ano Paulino, apraz-me
formular os seguintes votos com palavras do Apóstolo tiradas da sua Carta
aos Romanos: « Que a vossa caridade seja sincera, aborrecendo o mal e
aderindo ao bem. Amai-vos uns aos outros com amor fraternal, adiantando-vos em
honrar uns aos outros» (12, 9-10). Que a Virgem Maria, proclamada por Paulo
VI Mater Ecclesiæ e honrada pelo povo cristão como Speculum Iustitiæ e
Regina Pacis, nos proteja e obtenha, com a sua intercessão celeste, a
força, a esperança e a alegria necessárias para continuarmos a dedicar-nos com
generosidade ao compromisso de realizar o « desenvolvimento integral do
homem todo e de todos os homens »[159].
Dado em Roma, junto de São Pedro, no dia 29 de
Junho — Solenidade dos Santos Apóstolos Pedro e Paulo — do ano 2009, quinto do
meu Pontificado.
BENEDICTUS PP. XVI
[1] Paulo VI, Carta enc. Populorum
progressio (26 de Março de 1967), 22: AAS
59 (1967), 268; cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. past. sobre a Igreja no mundo
contemporâneo Gaudium et spes, 69.
[2] Discurso na Jornada do Desenvolvimento (23
de Agosto de 1968): AAS 60 (1968), 626-627.
[3] Cf. João Paulo II, Mensagem para o Dia
Mundial da Paz 2002: AAS 94 (2002), 132-140.
[4] Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. past. sobre a Igreja no mundo
contemporâneo Gaudium et spes, 26.
[5] Cf. João XXIII, Carta enc. Pacem in terris (11 de Abril de 1963): AAS
55 (1963), 268-270.
[6] Cf. n. 16: AAS 59 (1967), 265.
[7] Cf. ibid., 82: o.c., 297.
[8] Ibid., 42: o.c., 278.
[9] Ibid., 20:
o.c., 267.
[10] Cf. Conc. Ecum.
Vat. II, Const. past. sobre a Igreja no mundo contemporâneo Gaudium et spes, 36; Paulo VI, Carta ap. Octogesima
adveniens (14 de Maio de 1971), 4: AAS 63
(1971), 403-404; João Paulo II, Carta enc. Centesimus annus (1 de Maio de 1991), 43: AAS 83
(1991), 847.
[11] Paulo VI, Carta enc. Populorum
progressio (26 de Março de 1967), 13: AAS
59 (1967), 263-264.
[12] Cf. Pont. Conselho « Justiça e Paz », Compêndio da
Doutrina Social da Igreja, n. 76.
[13] Cf. Bento XVI, Discurso na Sessão
inaugural dos trabalhos da V Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e
das Caraíbas
(13 de Maio de 2007): Insegnamenti III/1 (2007), 854-870.
[14] Cf. nn. 3-5: AAS 59 (1967), 258-260.
[15] Cf. João Paulo II, Carta enc. Sollicitudo rei socialis (30 de Dezembro de 1987), 6-7:
AAS 80 (1988), 517-519.
[16] Cf. Paulo VI, Carta enc. Populorum
progressio (26
de Março de 1967) 14: AAS 59 (1967), 264.
[17] Bento XVI, Carta enc. Deus caritas est (25 de Dezembro de 2005), 18:
AAS 98 (2006), 232.
[18] Ibid., 6:
o.c., 222.
[19] Cf. Bento XVI, Discurso à Cúria
Romana durante a apresentação de votos natalícios (22 de Dezembro de 2005): Insegnamenti
I (2005), 1023-1032.
[20] Cf. João Paulo II, Carta enc. Sollicitudo rei socialis (30 de Dezembro de 1987), 3: AAS
80 (1988), 515.
[21] Cf. ibid., 1: o.c., 513-514.
[22] Cf. ibid., 3: o.c., 515.
[23] Cf. João Paulo II, Carta enc. Laborem exercens (14 de Setembro de 1981), 3: AAS 73 (1981), 583-584.
[24] Cf. João Paulo II, Carta enc. Centesimus annus (1 de Maio de 1991), 3: AAS 83 (1991), 794-796.
[25] Cf. Carta enc. Populorum
progressio (26
de Março de 1967), 3: AAS 59 (1967), 258.
[26] Cf. ibid., 34: o.c., 274.
[27] Cf. nn. 8-9: AAS 60 (1968), 485-487; Bento XVI, Discurso aos
participantes no Congresso Internacional organizado no 40º aniversário da «
Humanae vitae »
(10 de Maio de 2008): Insegnamenti IV/1 (2008), 753-756.
[28] Cf. Carta enc. Evangelium vitae (25 de Março de 1995), 93: AAS 87 (1995), 507-508.
[29] Ibid., 101:
o.c., 516-518.
[30] N. 29: AAS 68 (1976), 25.
[31] Ibid., 31:
o.c., 26.
[32] Cf. João Paulo II, Carta enc. Sollicitudo rei socialis (30 de Dezembro de 1987), 41:
AAS 80 (1988), 570-572.
[33] Cf. ibid., 41: o.c., 570-572; Carta enc. Centesimus annus (1 de Maio de 1991), 5.54: AAS 83 (1991), 799.859-860.
[34] N. 15: AAS 59 (1967), 265.
[35] Cf. ibid., 2: o.c., 481-482; Leão XIII, Carta enc. Rerum novarum (15 de Maio de 1891): Leonis
XIII P. M. Acta, XI (1892), 97-144; João Paulo II, Carta enc. Sollicitudo rei socialis (30 de Dezembro de 1987), 8: AAS
80 (1988), 519-520; Carta enc. Centesimus annus (1 de Maio de 1991), 5: AAS 83 (1991), 799.
[36] Cf. Carta enc. Populorum
progressio (26 de Março de 1967), 2.13: AAS 59
(1967), 258.263-264.
[37] Ibid., 42:
o.c., 278.
[38] Ibid., 11: o.c.,
262; cf. João Paulo II, Carta enc. Centesimus annus (1 de Maio de 1991), 25: AAS 83 (1991), 822-824.
[39] Carta enc. Populorum
progressio (26
de Março de 1967), 15: AAS 59 (1967), 265.
[40] Ibid., 3: o.c., 258.
[41] Ibid., 6: o.c., 260.
[42] Ibid., 14: o.c., 264.
[43] Ibid., 14: o.c., 264; cf. João
Paulo II, Carta enc. Centesimus annus (1 de Maio de 1991), 53-62: AAS
83 (1991), 859-867; Carta enc. Redemptor hominis (4 de Março de 1979), 13-14: AAS
71 (1979), 282-286.
[44]
Cf. Paulo VI, Carta enc. Populorum
progressio (26
de Março de 1967), 12: AAS 59 (1967), 262-263.
[45] Conc. Ecum. Vat. II, Const. past. sobre a Igreja no mundo contemporâneo
Gaudium et spes, 22.
[46] Paulo VI, Carta enc. Populorum
progressio (26 de Março de 1967), 13: AAS
59 (1967), 263-264.
[47] Cf. Bento XVI, Discurso aos
participantes no IV Congresso Eclesial Nacional da Igreja que está em Itália (19 de Outubro de 2006): Insegnamenti
II/2 (2006), 465-477.
[48]
Cf. Paulo VI, Carta enc. Populorum
progressio (26
de Março de 1967), 16: AAS 59 (1967), 265.
[49] Ibid., 16: o.c., 265.
[50] Bento XVI, Discurso aos jovens
no cais de Barangaroo (17 de Julho de 2008): L'Osservatore Romano (ed. portuguesa de
19//VII/2008), 4.
[51] Paulo VI, Carta enc. Populorum
progressio (26
de Março de 1967), 20: AAS 59 (1967), 267.
[52] Ibid., 66: o.c., 289-290.
[53] Ibid., 21: o.c., 267-268.
[54] Cf. nn. 3.29.32: o.c., 258.272.273.
[55] Cf. Carta enc. Sollicitudo rei socialis (30 de Dezembro de 1987), 28: AAS 80 (1988), 548-550.
[56] Paulo VI, Carta enc. Populorum
progressio (26 de Março de 1967), 9: AAS
59 (1967), 261-262.
[57] Cf. Carta enc. Sollicitudo rei socialis (30 de Dezembro de 1987), 20: AAS 80 (1988), 536-537.
[58] Cf. Carta enc. Centesimus annus (1 de Maio de 1991), 22-29: AAS 83 (1991), 819-830.
[59] Cf. nn. 23.33: AAS 59 (1967), 268-269.273-274.
[60] Cf. Leonis XIII P. M. Acta, XI (1892), 135.
[61] Conc. Ecum. Vat. II, Const. past. sobre a Igreja no mundo contemporâneo
Gaudium et spes, 63.
[62] Cf. João Paulo II, Carta enc. Centesimus annus (1 de Maio de 1991), 24: AAS 83 (1991), 821-822.
[63] Cf. João Paulo II, Carta enc. Veritatis splendor (6 de Agosto de
1993), 33.46.51: AAS 85 (1993),
1160.1169-1171.1174-1175; Discurso à Assembleia Geral das Nações Unidas na
comemoração do cinquentenário de fundação (5 de Outubro de 1995), 3:
Insegnamenti XVIII/2 (1995), 732-733.
[64] Cf. Carta enc. Populorum
progressio (26
de Março de 1967), 47: AAS 59 (1967), 280-281; João Paulo II, Carta enc.
Sollicitudo rei
socialis (30 de
Dezembro de 1987), 42: AAS 80 (1988), 572-574.
[65] Cf. Bento XVI, Mensagem por
ocasião do Dia Mundial da Alimentação 2007: AAS 99 (2007), 933-935.
[66] Cf. João Paulo II, Carta enc. Evangelium vitae (25 de Março de 1995), 18.59.63-64: AAS 87 (1995),
419-421.467-468.472-475.
[[67] Cf. Bento XVI, Mensagem para o Dia
Mundial da Paz 2007, 5: Insegnamenti II/2 (2006), 778.
[68] Cf. João Paulo II, Mensagem para o Dia
Mundial da Paz 2002, 4-7.12-15: AAS 94 (2002), 134-136.138-140; Mensagem para o Dia
Mundial da Paz 2004, 8: AAS 96 (2004), 119; Mensagem para o Dia
Mundial da Paz 2005, 4: AAS 97 (2005), 177-178; Bento XVI, Mensagem para o Dia
Mundial da Paz 2006, 9-10: AAS 98 (2006), 60-61; Mensagem para o Dia
Mundial da Paz 2007, 5.14: Insegnamenti II/2 (2006), 778.782-783.
[69] Cf. João Paulo II, Mensagem para o Dia
Mundial da Paz 2002, 6: AAS 94 (2002), 135; Bento XVI, Mensagem para o Dia
Mundial da Paz 2006, 9-10: AAS 98 (2006), 60-61.
[70] Cf. Bento XVI, Homilia da Santa
Missa no « Islinger Feld » di Regensburg (12 de Setembro de 2006): Insegnamenti II/2 (2006), 252-256.
[71] Cf. Bento XVI, Carta enc. Deus caritas est (25 de Dezembro de 2005), 1: AAS 98 (2006), 217-218.
[72] João Paulo II, Carta enc. Sollicitudo rei socialis (30 de Dezembro de 1987), 28: AAS 80 (1988), 548-550.
[73] Paulo VI, Carta enc. Populorum
progressio (26 de Março de 1967), 19: AAS
59 (1967), 266-267.
[74] Ibid., 39: o.c., 276-277.
[75] Ibid., 75: o.c., 293-294.
[76] Cf. Bento XVI, Carta enc. Deus caritas est (25 de Dezembro de 2005), 28: AAS 98 (2006), 238-240.
[77] João Paulo II, Carta enc. Centesimus annus (1 de Maio de 1991), 59: AAS 83 (1991), 864.
[78] Cf. Carta enc. Populorum
progressio (26
de Março de 1967), 40.85: AAS 59 (1967), 277.298-299.
[79] Ibid., 13: o.c., 263-264.
[80] Cf. João Paulo II, Carta enc. Fides et ratio (14 de Setembro de 1998), 85: AAS 91 (1999), 72-73.
[81] Cf. ibid., 83: o.c., 70-71.
[82] Bento XVI, Discurso na
Universidade de Regensburg (12 de
Setembro de 2006): Insegnamenti II/2 (2006), 265.
[83]
Cf. Paulo VI, Carta enc. Populorum
progressio (26
de Março de 1967), 33: AAS 59 (1967), 273-274.
[84] Cf. João Paulo II, Mensagem para o Dia
Mundial da Paz 2000, 15: AAS 92 (2000), 366.
[85] Catecismo da Igreja
Católica, 407;
cf. João Paulo II, Carta enc. Centesimus annus (1 de Maio de 1991), 25: AAS 83 (1991), 822-824.
[86] Cf. n. 17: AAS 99 (2007), 1000.
[87] Cf. ibid., 23: o.c., 1004-1005.
[88] Santo Agostinho expõe, de maneira detalhada, este ensinamento no
diálogo sobre o livre arbítrio (De libero arbitrio, II, 3, 8s.). Aponta
para a existência de um « sentido interno » dentro da alma humana. Este sentido
consiste num acto que se realiza fora das funções normais da razão, um acto não
reflexo e quase instintivo, pelo qual a razão, ao dar-se conta da sua condição
transitória e falível, admite acima de si mesma a existência de algo de eterno,
absolutamente verdadeiro e certo. O nome, que Santo Agostinho dá a esta verdade
interior, umas vezes é Deus (Confissões X, 24, 35; XII, 25, 35; De
libero arbitrio, II, 3, 8, 27), outras e mais frequentemente é Cristo (De
magistro 11, 38; Confissões VII, 18, 24; XI, 2, 4).
[89] Bento XVI, Carta enc. Deus caritas est (25 de Dezembro de 2005), 3: AAS
98 (2006), 219.
[90] Cf. n. 49: AAS 59 (1967), 281.
[91] João Paulo II, Carta enc. Centesimus annus (1 de Maio de 1991), 28: AAS
83 (1991), 827-828.
[92] Cf. n. 35: AAS 83 (1991), 836-838.
[93] Cf. João Paulo II, Carta enc. Sollicitudo rei socialis (30 de Dezembro de 1987), 38: AAS
80 (1988), 565-566.
[94] N. 44: AAS 59 (1967), 279.
[95] Cf. ibid., 24: o.c., 269.
[96] Cf. Carta enc. Centesimus annus (1 de Maio de 1991), 36: AAS
83 (1991), 838-840.
[97]
Cf. Paulo VI, Carta enc. Populorum
progressio (26
de Março de 1967), 24: AAS 59 (1967), 269.
[98] Cf. João Paulo II, Carta enc. Centesimus annus (1 de Maio de 1991), 32: AAS
83 (1991), 832-833; Paulo VI, Carta enc. Populorum
progressio (26 de Março de 1967), 25: AAS
59 (1967), 269-270.
[99] João Paulo II, Carta enc. Laborem exercens (14 de Setembro de 1981), 24: AAS 73 (1981), 637-638.
[100] Ibid., 15: o.c., 616-618.
[101] Carta enc. Populorum
progressio (26
de Março de 1967), 27: AAS 59 (1967), 271.
[102] Cf. Congr. da Doutrina da Fé, Instr. sobre a liberdade cristã e a
libertação Libertatis conscientia (22 de Março de 1987), 74: AAS
79 (1987), 587.
[103] Cf. João Paulo II, Entrevista ao diário católico « La Croix » de
20 de Agosto de 1997.
[104] João Paulo II, Discurso à
Pontifícia Academia das Ciências Sociais (27 de Abril de 2001): Insegnamenti XXIV/1 (2001), 800.
[105] Paulo VI, Carta enc. Populorum
progressio (26 de Março de 1967), 17: AAS
59 (1967), 265-266.
[106] Cf. João Paulo II, Mensagem para o Dia
Mundial da Paz 2003, 5: AAS 95 (2003), 343.
[107] Cf. ibid., 5: o.c., 343.
[108] Cf. Bento XVI, Mensagem para o Dia
Mundial da Paz 2007, 13: Insegnamenti II/2 (2006), 781-782.
[109] Paulo VI, Carta enc. Populorum
progressio (26
de Março de 1967), 65: AAS 59 (1967), 289.
[110] Cf. ibid., 36-37: o.c., 275-276.
[111] Cf. ibid., 37: o.c., 275-276.
[112] Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Decr. sobre o apostolado dos leigos Apostolicam
actuositatem,
11.
[113]
Cf. Paulo VI, Carta enc. Populorum
progressio (26
de Março de 1967), 14: AAS 59 (1967), 264; João Paulo II, Carta enc. Centesimus annus (1 de Maio de 1991), 32: AAS 83
(1991), 832-833.
[114] Paulo VI, Carta enc. Populorum
progressio (26
de Março de 1967), 77: AAS 59 (1967), 295.
[115] João Paulo II, Mensagem para o Dia
Mundial da Paz 1990, 6: AAS 82 (1990), 150.
[116] Heráclito de Éfeso (± 535-475
a.C.), Fragmento 22B124, in H. Diels-W. Kranz, Die Fragmente der Vorsokratiker
(Weidmann, Berlim [6]1952).
[117] Cf. Pont. Conselho « Justiça e Paz », Compêndio da
Doutrina Social da Igreja, nn. 451-487.
[118] Cf. João Paulo II, Mensagem para o Dia
Mundial da Paz 1990, 10: AAS 82 (1990), 152-153.
[119] Paulo VI, Carta enc. Populorum
progressio (26
de Março de 1967), 65: AAS 59 (1967), 289.
[120] Bento XVI, Mensagem para o Dia
Mundial da Paz 2008, 7: AAS 100 (2008), 41.
[121] Cf. Bento XVI, Discurso aos
participantes na Assembleia Geral das Nações Unidas (18 de Abril de 2008): Insegnamenti IV//1 (2008), 618-626.
[122] Cf. João Paulo II, Mensagem para o Dia
Mundial da Paz 1990, 13: AAS 82 (1990), 154-155.
[123] João Paulo II, Carta enc. Centesimus annus (1 de Maio de 1967), 36: AAS 83
(1991), 838-840.
[124] Ibid., 38: o.c., 840-841; cf.
Bento XVI, Mensagem para o Dia
Mundial da Paz 2007, 8: Insegnamenti II/2 (2006), 779.
[125] Cf. João Paulo II, Carta enc. Centesimus annus (1 de Maio de 2009), 41: AAS 83 (1991), 843-845.
[126] Cf. ibid., 41: o.c., 843-845.
[127] Cf. João Paulo II, Carta enc. Evangelium vitae (25 de Março de 1995), 20: AAS
87 (1995), 422-424.
[128] Carta enc. Populorum
progressio (26
de Março de 1967), 85: AAS 59 (1967), 298-299.
[129] Cf. João Paulo II, Mensagem para o Dia
Mundial da Paz 1998, 3: AAS 90 (1998), 150; Discurso aos
Membros da Fundação « Centesimus annus » (9 de Maio de 1998), 2:
Insegnamenti XXI/1 (1998), 873-874; Discurso às
Autoridades Civis e Políticas e ao Corpo Diplomático durante o encontro no «
Wiener Hofburg »
(20 de Junho de 1998), 8: Insegnamenti XXI/1 (1998), 1435-1436; Mensagem ao Reitor
Magnífico da Universidade Católica « Sacro Cuore » por ocasião do Dia Anual
desta Instituição (5 de Maio de 2000), 6:
Insegnamenti XXIII/1 (2000), 759-760.
[130] Segundo São Tomás, « ratio partis contrariatur rationi personae », in
III Sent. d. 5, 3, 2; e ainda « homo non ordinatur ad communitatem
politicam secundum se totum et secundum omnia sua », in Summa Theologiae I-II,
q. 21, a. 4, ad 3um.
[131] Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a Igreja Lumen gentium, 1.
[132] Cf. João Paulo II, Discurso aos
participantes na Sessão Pública das Academias Pontifícias de Teologia e de São
Tomás de Aquino
(8 de Novembro de 2001), 3: Insegnamenti XXIX/2 (2001), 676-677.
[133] Cf. Congr. da Doutrina da Fé, Decl. sobre a unicidade e universalidade
salvífica de Jesus Cristo e da Igreja Dominus Iesus (6 de Agosto 2000), 22: AAS 92 (2000), 763-764; Nota doutrinal
sobre algumas questões relativas à participação e comportamento dos católicos
na vida política
(24 de Novembro de 2002) 8: L'Osservatore Romano (ed. portuguesa de
25/I/2005), 11.
[134] Bento XVI, Carta enc. Spe salvi (30 de Novembro de 2007), 31: AAS 99 (2007), 1010; Discurso aos
participantes no IV Congresso Eclesial Nacional da Igreja que está em Itália (19 de Outubro de 2006):
Insegnamenti II/2 (2006), 465-477.
[135] João Paulo II, Carta enc. Centesimus annus (1 de Maio de 1991), 5: AAS 83 (1991), 798-800; cf. Bento XVI,
Discurso aos
participantes no IV Congresso Eclesial Nacional da Igreja que está em Itália (19 de Outubro de 2006): Insegnamenti II/2 (2006), 471.
[136] N. 12.
[137] Cf. Pio XI, Carta enc. Quadragesimo anno (15 de Maio de 1931): AAS 23 (1931), 203; João Paulo II, Carta
enc. Centesimus annus (1 de Maio de 1991), 48: AAS 83 (1991), 852-854; Catecismo da Igreja
Católica, n.
1883.
[138] Cf. João XXIII, Carta enc. Pacem in terris (11 de Abril de 1963): AAS
55 (1963), 274.
[139] Cf. Paulo VI, Carta enc. Populorum
progressio (26
de Março de 1967), 10.41: AAS 59 (1967), 262.277-278.
[140] Cf. Bento XVI, Discurso aos
membros da Comissão Teológica Internacional (5 de Outubro de 2007): Insegnamenti
III/2 (2007), 418-421; Discurso aos
participantes no Congresso internacional sobre « Lei Moral Natural » promovido
pelo Pontifícia Universidade Lateranense (12 de Fevereiro de 2007): Insegnamenti
III/1 (2007), 209-212.
[141] Cf. Bento XVI, Discurso aos
membros da Conferência Episcopal da Tailândia em « Visita ad Limina » (16 de Maio de 2008): Insegnamenti IV/1 (2008), 798-801.
[142] Cf. Pont. Conselho da Pastoral para os Migrantes e os Itinerantes,
Instr. Erga migrantes
caritas Christi
(3 de Maio de 2004): AAS 96 (2004), 762-822.
[143] João Paulo II, Carta enc. Laborem exercens (14 de Setembro de 1981), 8: AAS 73 (1981), 594-598.
[144] Discurso no final
da Concelebração Eucarística por ocasião do Jubileu dos Trabalhadores (1 de Maio de 2000):
Insegnamenti XXIII/1 (2000), 720.
[145] Cf. João Paulo II, Carta enc. Centesimus annus (1 de Maio de 1991), 36: AAS 83
(1991), 838-840.
[146] Cf. Bento XVI, Discurso aos
participantes na Assembleia Geral das Nações Unidas (18 de Abril de 2008): Insegnamenti IV/1 (2008), 618-626.
[147] Cf. João XXIII, Carta enc. Pacem in terris (11 de Abril de 1963): AAS
55 (1963), 293; Pont. Conselho « Justiça e Paz », Compêndio da
Doutrina Social da Igreja, n. 441.
[148] Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. past. sobre a Igreja no mundo
contemporâneo Gaudium et spes, 82.
[149] Cf. João Paulo II, Carta enc. Sollicitudo rei socialis (30 de Dezembro de 1987), 43:
AAS 80 (1988), 574-575.
[150] Paulo VI, Carta enc. Populorum
progressio (26
de Março de 1967), 41: AAS 59 (1967), 277-278; cf. Conc. Ecum. Vat. II,
Const. past. sobre a Igreja no mundo contemporâneo Gaudium et spes, 57.
[151] Cf. João Paulo II, Carta enc. Laborem exercens (14 de Setembro de 1981), 5: AAS 73 (1981), 586-589.
[152] Cf. Paulo VI, Carta ap. Octogesima
adveniens (14 de Maio de 1971), 29: AAS 63 (1971),
420.
[153] Cf. Bento XVI, Discurso aos
participantes no IV Congresso Eclesial Nacional da Igreja que está em Itália (19 de Outubro de 2006):
Insegnamenti II/2 (2006), 465-477; Homilia da Santa
Missa no « Islinger Feld » di Regensburg (12 de Setembro de 2006): Insegnamenti II/2
(2006), 252-256.
[154] Cf. Congr. da Doutrina da Fé, Instr. sobre algumas questões de bioética
Dignitas personae (8 de Setembro de 2008): AAS 100 (2008), 858-887.
[155] Cf. Carta enc. Populorum
progressio (26 de Março de 1967), 3: AAS 59
(1967), 258.
[156] Conc. Ecum. Vat. II, Const. past. sobre a Igreja no mundo contemporâneo
Gaudium et spes, 14.
[157] Cf. n. 42: AAS 59 (1967), 278.
[158] Cf. Bento XVI, Carta enc. Spe salvi (30 de Novembro de 2007), 35: AAS 99 (2007), 1013-1014.
[159] Paulo VI, Carta enc. Populorum
progressio (26
de Março de 1967), 42: AAS 59 (1967), 278.
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