A santidade do sacerdote,
à luz de São Tomás de Aquino

Mons. João Scognamiglio Clá Dias, EP

1. Do que depende a eficácia do sacerdócio

Considerando com profundidade a essência da ordenação sacerdotal e do próprio ministério sagrado, São Tomás nos ensina que o presbítero deve tender à perfeição mais ainda que um religioso ou uma freira. E de fato, para se entender tal ensinamento, basta ter bem presente o alto grau de santidade que a Celebração Eucarística e a santificação das almas exigem de um ministro,[1] como nos adverte o Divino Mestre: “Vós sois o sal da terra; mas, se o sal se torna insosso, com que se salgará? Não servirá para nada senão para jogá-lo fora a fim de que os homens o pisem. Vós sois a luz do mundo” (Mt 5, 13-14a). Diante dessa enorme responsabilidade, compreende-se o motivo pelo qual não poucos santos tiveram receio da ordenação sacerdotal.

No mesmo sentido, afirma o famoso Pe. Garrigou-Lagrange: É necessário que o sacerdote se santifique para que a graça sacramental da Ordem frutifique dia a dia”.[2]

Esta questão é de candente atualidade, pois o sucesso maior ou menor de seu ministério em favor dos fiéis pode depender, de modo particular, do próprio sacerdote. Sabemos que os Sacramentos operam com eficácia pelo poder de Cristo, produzindo a graça por si mesmos. No entanto, sua penetração será maior ou menor conforme as disposições interiores de quem os recebe. E aqui entra um elemento subjetivo no qual tem importante papel a ação pastoral do ministro ordenado, pois sua virtude, seu fervor, seu empenho em pregar o Evangelho, em última análise, a santidade de sua vida — a qual é, por sua vez, uma forma excelente e insubstituível de pregação —, podem influenciar os fiéis a receberem os Sacramentos com melhores disposições, beneficiando-se, assim, mais de seus frutos.

Será este o fator de maior relevância no bom desempenho do ministério sacerdotal?

A propósito, na Carta para a Proclamação do Ano Sacerdotal, de 16 de junho p.p., o Santo Padre Bento XVI ressalta que o sacerdote deve aprender de São João Maria Vianney “a sua total identificação com o próprio ministério”, e acrescenta:

Em Jesus, tendem a coincidir Pessoa e Missão: toda a Sua ação salvífica era e é expressão do Seu “Eu filial” que, desde toda a eternidade, está diante do Pai em atitude de amorosa submissão à Sua vontade. Com modesta mas verdadeira analogia, também o sacerdote deve ansiar por esta identificação. Não se trata, certamente, de esquecer que a eficácia substancial do ministério permanece independentemente da santidade do ministro; mas também não se pode deixar de ter em conta a extraordinária frutificação gerada do encontro entre a santidade objetiva do ministério e a subjetiva do ministro.

Por essa razão, deseja o Papa, neste Ano Sacerdotal, “favorecer esta tensão dos sacerdotes para a perfeição espiritual da qual, sobretudo, depende a eficácia de seu ministério”.[3]

É este ponto — de máxima importância para a vida da Igreja, mormente para a missão de anunciar o Evangelho e de santificar os fiéis — que pretendemos abordar nestas páginas: a relação entre eficácia do ministério sacerdotal e santidade pessoal de quem o exerce.

Recorreremos primordialmente ao ensinamento perene de São Tomás de Aquino, cuja importância e atualidade têm sido sublinhadas pelos Papas mais recentes, entre os quais Paulo VI. “É a primeira vez que um Concílio Ecumênico [o Vaticano II] recomenda um teólogo, e este é São Tomás”, afirma ele na Carta Lumen Ecclesiæ.[4] E mais adiante, continua:

É tão poderoso o talento do Doutor Angélico, tão sincero seu amor à verdade e tão grande sua sabedoria ao indagar as verdades mais elevadas, ao explicá-las e relacioná-las com profunda coerência, que sua doutrina é instrumento eficacíssimo, não só para salvaguardar os fundamentos da fé, mas também para dela extrair, de modo útil e seguro, frutos de sadio progresso.[5]

2. A santidade do sacerdote, uma exigência

Desde a Antiga Lei, a pessoa do sacerdote é cercada de uma dignidade que requer vida exemplar. Assim, no Livro do Levítico, encontramos duplo apelo à santidade. De um lado, a mando de Deus, Moisés exorta o povo de Israel a buscar a perfeição: “Fala a toda a comunidade dos israelitas e dize-lhes: Sede santos, porque Eu, o Senhor vosso Deus, sou santo” (Lv 19, 1). Mas aos sacerdotes a santidade é exigida com mais razão, porque são eles a oferecer os sacrifícios, fazendo o papel de intermediários entre Deus e o povo. Apresentar-se manchado pelo pecado diante do Altíssimo, para exercer o múnus sacerdotal, seria uma afronta ao Criador. “Os sacerdotes [...] serão santos para o seu Deus e não profanarão o seu nome, porque oferecem ao Senhor os sacrifícios consumidos pelo fogo, o pão de seu Deus. Serão santos” (Lv 21, 5-6).

E dado que o Antigo Testamento é figura do Novo, compreende-se a necessidade de, na Nova Aliança, a santidade atingir um grau muito maior. Isto transparece da teologia tomista, a qual nos apresenta o ministro ordenado como tendo sido elevado a uma dignidade régia, no meio dos outros fiéis de Cristo, pois O representa e, em diversas ocasiões, age in persona Christi. Impossível, portanto, imaginar-se título superior. E como ele é chamado a ser mediador entre Deus e os homens, além de guia destes para as coisas divinas, deve necessariamente ser-lhes superior em santidade, embora todos os batizados sejam também chamados à perfeição.

Santo Afonso de Ligório, em sua obra A Selva, fundamentando-se na autoridade de São Tomás, esboça a figura do sacerdote como aquele que, por seu ministério, supera em dignidade os próprios Anjos, e por isso está obrigado a uma maior santidade, dado o seu poder sobre o Corpo de Cristo. De onde, conclui o fundador dos Redentoristas, a necessidade de uma dedicação integral do sacerdote à glória de Deus, de tal sorte que brilhe aos olhos do Senhor em razão da sua boa consciência e aos olhos do povo por sua boa reputação.[6]

Sobre isso ainda, recorda a doutrina tomista a necessidade de os ministros do Senhor terem uma vida santa: “In omnibus ordinibus requiritur sanctitas vitæ”.[7] Devem, portanto, sobretudo eles, serem o mais possível semelhantes ao próprio Deus: “Sede perfeitos assim como o vosso Pai Celeste é perfeito” (Mt 5, 48). E prossegue:

Diz Dionísio: “Assim como as mais sutis e mais puras essências, penetradas pelo influxo dos esplendores solares, derramam sobre os outros corpos, à semelhança do Sol, sua luz supereminente, assim também, em todo ministério divino, ninguém pretenda ser guia dos outros sem ser, em toda a sua maneira de comportar-se, muito semelhante a Deus”. […] Por isso, a santidade de vida é requerida na Ordem como necessidade de preceito. Mas não para a validade do sacramento.[8]

São conhecidas as invectivas de Nosso Senhor contra os escribas e fariseus. O que Jesus recriminava a estes homens, tão conhecedores da Lei, era justamente o fato de não viverem aquilo que ensinavam. Pretendendo aparecer aos olhos dos outros como exímios cumpridores dos preceitos mosaicos, não tinham reta intenção, nem verdadeiro amor a Deus. Seus ritos externos não eram acompanhados pela compunção de coração. Para que os sacerdotes da Nova Aliança não caiam no mesmo desvio, convém lembrar o comentário às Sentenças de Pedro Lombardo, onde São Tomás afirma: “Aqueles que se entregam aos ministérios divinos obtêm uma dignidade régia e devem ser perfeitos na virtude, conforme se lê no Pontifical”.[9]

Daí que na homilia sugerida no rito de ordenação presbiteral esteja incluída esta tocante exortação:

Tomai consciência do que fazeis, e ponde em prática o que celebrais, de modo que, ao celebrar o mistério da morte e ressurreição do Senhor, vos esforceis por mortificar o vosso corpo, fugindo aos vícios, para viver uma vida nova.[10]

A caridade de Cristo O levou a oferecer a vida em holocausto no patíbulo da Cruz, pela redenção da humanidade. Também aqueles que são chamados a ser mediadores entre Deus e os homens, devem exercer o seu ministério por amor, como ensina o Aquinate:

Compete aos prelados da Igreja desejar, no governo dos seus subalternos, servir somente a Cristo, por cujo amor apascentam Suas ovelhas, como diz São João: “Se Me amas, apascenta as Minhas ovelhas” (21, 15). Cabe-lhes também dispensar ao povo as coisas divinas, conforme lê-se em I Cor 9, 17: “É uma missão que me foi imposta”; sob este ponto de vista, são mediadores entre Cristo e o povo.[11]

O sacerdote, portanto, é chamado a um grau de santidade especial: “Pela Ordem sacra, o clérigo é consagrado aos ministérios mais dignos que existem, nos quais ele serve o Cristo no Sacramento do altar, o que exige uma santidade interior muito maior do que a exigida no estado religioso”.[12]

Também no Concílio Vaticano II se adverte que os sacerdotes, “imitando as realidades com que lidam, longe de serem impedidos pelos cuidados, perigos e tribulações do apostolado, devem antes por eles elevar-se a uma santidade mais alta”.[13] O exercício de seu múnus sacerdotal será, pois, o melhor instrumento de santificação: “cresçam no amor de Deus e do próximo com o exercício do seu dever cotidiano”.[14]

Para a santificação e eficácia do sacerdote, a graça sacramental tem um papel determinante, pois dá-lhe oportunidade de receber auxílios sobrenaturais mais intensos para cumprir sua função de santificar as almas e, ao mesmo tempo, unir-se de forma mais íntima a Cristo Sacerdote, não só instrumentalmente, em decorrência do caráter sacramental, mas configurando-se a Cristo pela caridade, de modo a poder dizer com S. Paulo: “Já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim” (Gl 2, 20).

3. O sacerdote é modelo para os fiéis

Sendo visto pelos fiéis como alguém escolhido por Deus para guiá-los, o ministro ordenado deve ser sempre exemplo preclaro de virtude, como recomenda o Apóstolo a seu discípulo Tito: “Mostra-te em tudo modelo de bom comportamento: pela integridade na doutrina, gravidade, linguagem sã e irrepreensível, para que o adversário seja confundido, não tendo a dizer de nós mal algum” (Tit 2, 7-8).

Com efeito, uma conduta irrepreensível, inflamada de caridade, dando testemunho da beleza da Igreja e da veracidade da mensagem evangélica, falará muito mais profunda e eficazmente às almas do que o mais lógico e eloquente dos discursos: “O ornato do mestre é a vida virtuosa do discípulo, como a saúde do enfermo redunda em louvor do médico. [...] Se apresentarmos nossas boas obras, será louvada a doutrina de Cristo”.[15]

Por vezes, se interpreta a obrigação de dar exemplo, de ser modelo, num sentido minimalista: o de apenas cumprir mais ou menos os próprios deveres, no mesmo nível de todos os outros. E assim, pelo critério da mediania, procura-se contentar a própria consciência. Ora, quem é chamado a servir de exemplo para os outros não deve se comparar com os que lhe são iguais, mas com aqueles que alcançaram o mais alto grau de perfeição. Cristo, sim, é o verdadeiro modelo do ministro consagrado. É com Ele que o sacerdote deve configurar-se, não só pelo caráter sacramental, mas também pela imitação de Suas perfeições, de forma que nele os fiéis possam ver outro Cristo. Só assim estes se sentirão atraídos pelo bom exemplo de seu pastor e guia.

Dada a natureza social do homem, a boa reputação decorrente da prática da virtude leva os outros à imitação. Assim, quanto mais semelhança com Cristo encontrarem os fiéis nos ministros de Deus, tanto mais facilmente se deixarão guiar por eles. E, portanto, mais eficaz será o seu ministério, conforme comenta São Tomás:

 Ora, essa estima aos prelados da Igreja é necessária para a salvação dos fiéis; se estes não os reconhecerem como ministros de Cristo, não lhes obedecerão como a Cristo, segundo lê-se na epístola aos Gálatas (4, 14): “Recebestes-me como um Anjo de Deus, como o próprio Cristo Jesus”. Ainda mais, se não os reconhecerem como dispensadores, se recusarão a receber deles os dons, contrariamente ao que diz o mesmo Apóstolo: “O que eu dei, se alguma coisa dei, foi por amor a vós, na pessoa de Cristo” (II Cor 2, 10).[16]

Essa estima pelos sacerdotes, tão importante para a plena eficácia de seu múnus, depende também da veneração que os fiéis tenham pelo sacerdócio enquanto tal. S. Francisco de Assis, por exemplo, que nunca quis receber a ordenação presbiteral, por considerá-la uma dignidade excessiva para si, tinha pelo sacerdócio tal respeito que chegava a oscular o lugar por onde passava um sacerdote.

4. A sacralidade do sacerdote

Um elemento conexo ao bom exemplo é a proporcionada respeitabilidade da qual deve cercar-se o ministro de Deus — não só pelo comportamento inatacável, mas também pela postura, pelo modo de ser e pelo traje — para que sua atuação exerça mais influência na alma dos fiéis.

Com efeito, mesmo em nossos dias, a experiência cotidiana nos revela como é impressionante a admiração devotada ao religioso ou sacerdote que se apresenta como tal. Essa respeitabilidade, que a uns pode parecer artificialidade, acaba sendo um valioso auxílio para o próprio ministro, pois contribui para ele ter sempre presente em seu espírito a alta dignidade de que foi investido, a qual imprimiu caráter em sua alma, por toda a eternidade. Além de ser, ao mesmo tempo, uma salutar proteção contra incontáveis seduções do mundo.

Não obstante serem necessárias essas atitudes externas, assim como os cuidados razoáveis para preservar a imagem venerável do sacerdote aos olhos dos fiéis, nada contribui tanto para tal como a autêntica santidade de vida. Santidade cuja fonte o sacerdote encontra principalmente na Celebração Eucarística.

5. A Santa Missa, fonte da santidade sacerdotal

Neste Ano Sacerdotal, iniciado por ocasião dos 150 anos da morte do Santo Cura d’Ars, modelo de sacerdote, vem a propósito lembrar sua entranhada e ardorosa devoção pela Santa Missa:

Se conhecêssemos o valor da Missa, morreríamos. Para celebrá-la dignamente, o sacerdote deveria ser santo. Quando estivermos no Céu, então veremos o que é a Missa, e como tantas vezes a celebramos sem a devida reverência, adoração, recolhimento.[17]

No decreto Presbyterorum ordinis, o Concílio Vaticano II, em perfeita harmonia com a doutrina tomista, resume de forma admirável a centralidade da Eucaristia na vida espiritual do sacerdote, como seu principal meio de santificação. Logo no início, afirma que a Ordem dos presbíteros foi constituída por Deus “para oferecer o Sacrifício, perdoar os pecados e exercer oficialmente o ofício sacerdotal em nome de Cristo a favor dos homens”.[18] Recorda, em seguida, que é através do ministério ordenado que o sacrifício espiritual dos fiéis se consuma em união com o sacrifício de Cristo, oferecido na Eucaristia de modo incruento e sacramental. E afirma que “para isto tende e nisto se consuma o ministério dos presbíteros. Com efeito, o seu ministério, que começa pela pregação evangélica, tira do sacrifício de Cristo a sua força e a sua virtude”.[19] O que equivale a dizer que o sacerdote vive para a Celebração Eucarística e é dela que deve haurir a força para progredir na prática da virtude.

Prosseguindo, ressalta o decreto conciliar: “Os restantes sacramentos, porém, assim como todos os ministérios eclesiásticos e obras de apostolado, estão vinculados com a sagrada Eucaristia e a ela se ordenam.[20] Com efeito, na santíssima Eucaristia está contido todo o tesouro espiritual da Igreja,[21] isto é, o próprio Cristo”.[22] E mesmo quem é chamado a uma vocação missionária, não pode esquecer que a própria evangelização deve ter como meta o Sacramento do altar e dele nutrir-se: “A Eucaristia aparece como fonte e coroa de toda a evangelização”.[23] Pois no Sacrifício Eucarístico se exerce a própria obra da Redenção.[24]

Garrigou-Lagrange sintetiza com precisão esta doutrina:

O sacerdote deve considerar-se ordenado principalmente para oferecer o Sacrifício da Missa. Em sua vida, este Sacrifício é mais importante que o estudo e as obras exteriores de apostolado. Com efeito, o seu estudo deve ordenar-se ao conhecimento cada vez mais profundo do mistério de Cristo, supremo Sacerdote, e o seu apostolado deve derivar da união com Cristo, Sacerdote principal.[25]

Royo Marín, ao comentar a exortação do Pontifical Romano, feita pelo Bispo aos ordenandos, afirma com ênfase que a Santa Missa é “a função mais alta e augusta do sacerdote de Cristo”.[26] E, conhecedor das múltiplas ocupações pastorais de um sacerdote, que podem facilmente desviá-lo do cerne da sua vocação de mediador entre Deus e os homens, reforça a mesma ideia, logo em seguida, com inflamadas palavras de zelo sacerdotal:

Esta é a função sacerdotal por excelência, a primeira e mais sublime de todas, a mais essencial e indispensável para toda a Igreja, e ao mesmo tempo fonte e manancial mais puro de sua própria santidade sacerdotal. É-se sacerdote, antes de tudo e sobretudo, para glorificar a Deus mediante o oferecimento do Santo Sacrifício da Missa.[27]

Talvez receoso de que suas palavras não penetrem suficientemente o espírito de seus leitores, irmãos no sacerdócio, Royo Marín enumera algumas ocupações legítimas que poderiam servir de pretexto a uma diminuição do zelo eucarístico, insistindo de novo na centralidade do Sacrifício da Missa:

Por cima de todas as demais atividades sacerdotais, por cima inclusive de seu trabalho pastoral voltado para as almas, deverá colocar sempre em primeiro plano a digna e fervorosa celebração do Santo Sacrifício do Altar. Tudo quanto o distraia e estorve nesta função augusta deverá ser afastado pelo sacerdote com energia, lançando-o para longe de si. Sua função primária, ante a qual devem ceder todas as demais atividades, consiste — repetimos — na celebração do Santo Sacrifício da Missa, através do qual recebe Deus uma glorificação infinita.[28]

Cabe salientar ainda que a Eucaristia não só confere a graça, como também a aumenta naquele que a recebe com as devidas disposições:

O Sacramento da Eucaristia tem por si mesmo o poder de conferir a graça. [...] A graça cresce e a vida espiritual aumenta, toda vez que se recebe realmente este Sacramento [...] para que o homem seja perfeito em si mesmo pela união com Deus.[29]

Bento XVI, ao tratar da vocação e espiritualidade sacerdotais, sob uma perspectiva pastoral, afirma que é por meio da oração que o sacerdote apascenta suas ovelhas. Os presbíteros, diz ele, têm “uma vocação particular para a oração, em sentido fortemente cristocêntrico: isto é, somos chamados a ‘permanecer’ em Cristo”. E, continua:

O nosso ministério é totalmente ligado a este “permanecer” que equivale a rezar, e deriva dele a sua eficiência. [...] A Celebração Eucarística é o maior e mais nobre ato de oração, e constitui o centro e a fonte da qual também as outras formas recebem a “linfa”: a Liturgia das Horas, a adoração eucarística, a lectio divina, o santo Rosário, a meditação.[30]

Novamente, encontramos a Eucaristia no centro da vida sacerdotal.

6. A eficácia do ministério sacerdotal

Como vimos anteriormente, a santidade de vida do sacerdote, como exemplo para os fiéis de Cristo, é possante elemento para conduzi-los à perfeição. Bem ressalta Dom Chautard que a um sacerdote santo corresponde um povo fervoroso; a um sacerdote fervoroso, um povo piedoso; a um sacerdote piedoso, um povo honesto; a um sacerdote honesto, um povo ímpio.[31] Grande é, pois, o papel da virtude do ministro, para o êxito de seu ministério.

No que respeita à aplicação do valor da Santa Missa, com finalidade propiciatória, é que se pode falar de sua eficácia subjetiva, dependente das disposições de quem a celebra e daqueles aos quais ela é aplicada, como explica São Tomás:

Na satisfação atende-se mais à disposição de quem oferece do que à quantidade da oferenda. Por isso, o Senhor observou, a respeito da viúva que oferecia duas moedinhas, que ela “depositou mais que todos os outros”. Ainda que a oferenda da Eucaristia, quanto à sua quantidade, seja suficiente para satisfazer por toda a pena, contudo ela tem valor de satisfação para quem ela é oferecida ou para quem a oferece, conforme a medida de sua devoção, e não pela pena inteira.[32]

A respeito deste trecho do Doutor Angélico, Robert Raulin faz o seguinte comentário: “Seria perniciosa ilusão acreditar que o ofertante está dispensado do fervor, sob pretexto de que Cristo, oferecendo-Se na Missa, satisfez plenamente por todos os pecados do mundo”.[33]

Outro argumento, ainda, apresenta o Aquinate, para vincular a eficácia da Eucaristia à devoção dos que se beneficiam do valor infinito deste augusto Sacramento:

A Paixão de Cristo traz proveito a todos para a remissão da culpa, a obtenção da graça e da glória, mas o efeito só é produzido naqueles que se unem à Paixão de Cristo pela fé e caridade. Assim, também este Sacrifício, que é o memorial da Paixão do Senhor, só produz efeito naqueles que se unem a este Sacramento pela fé e caridade. [...] Aproveitam, no entanto, mais ou menos, segundo a medida de sua devoção.[34]

A especial obrigação dos sacerdotes em trilhar o caminho da santidade é reafirmada no decreto Presbyterorum ordinis. “Estão, porém, obrigados por especial razão a buscar essa mesma perfeição visto que, consagrados de modo particular a Deus pela recepção da Ordem, se tornaram instrumentos vivos do sacerdócio eterno de Cristo”.[35] E de seu aperfeiçoamento pessoal, ensina o mencionado documento conciliar, decorrerá maior ou menor abundância de frutos de sua ação pastoral:

A santidade dos presbíteros muito concorre para o desempenho frutuoso do seu ministério; ainda que a graça de Deus possa realizar a obra da salvação por ministros indignos, todavia, por lei ordinária, prefere Deus manifestar as suas maravilhas por meio daqueles que, dóceis ao impulso e direção do Espírito Santo, pela sua íntima união com Cristo e santidade de vida, podem dizer com o Apóstolo: “se vivo, já não sou eu, é Cristo que vive em mim” (Gl 2, 20).[36]

Ante esta realidade, o sacerdote tem dois grandes deveres. Um para consigo mesmo e outro para com o povo, pois ambos se beneficiam dos frutos da Santa Missa, especialmente o celebrante, conforme o grau de fervor ou devoção.[37]

Segundo alguns teólogos, este fruto especialíssimo da Santa Missa, destinado ao sacerdote, é maior do que o destinado aos demais participantes do Sacrifício Eucarístico, ou àqueles aos quais se aplica o seu valor. É neste manancial inesgotável da misericórdia de Deus que cada ministro ordenado deve ir buscar as melhores graças para a sua santificação, assim como a daqueles que lhe estão confiados:

Por causa do poder do Espírito Santo, que pela unidade da caridade comunica os bens dos membros de Cristo entre si, acontece que o bem particular presente na Missa de um bom sacerdote se torna frutuoso para outras pessoas.[38]

Dessa maneira, corresponderá ele à altíssima dignidade de seu ministério, segundo dizia o Santo Cura d’Ars:

Sem o sacramento da Ordem, não teríamos o Senhor. Quem O colocou ali naquele sacrário? O sacerdote. Quem acolheu a vossa alma no primeiro momento do ingresso na vida? O sacerdote. Quem a alimenta para lhe dar a força de realizar a sua peregrinação? O sacerdote. Quem há de prepará-la para comparecer diante de Deus, lavando-a pela última vez no sangue de Jesus Cristo? O sacerdote, sempre o sacerdote. E se esta alma chega a morrer [pelo pecado], quem a ressuscitará, quem lhe restituirá a serenidade e a paz? Ainda o sacerdote. […] Depois de Deus, o sacerdote é tudo! […] Ele próprio não se entenderá bem a si mesmo, senão no Céu.[39]

7. Conclusão

Chegados ao termo deste trabalho, em vez de recapitular a matéria tratada, como seria de praxe no melhor estilo acadêmico, parece-nos mais filial para com a Cátedra de Pedro recordar aqui, a título de conclusão, alguns pontos importantes de documentos recentes do Magistério Pontifício sobre o sacerdócio.

Não deixa de ser comovedor que em sua última Carta aos Sacerdotes, no ano 2005, o Papa João Paulo II ― podendo já dizer como S. Paulo, pouco antes de  consumar sua carreira terrena:  “Quanto a mim, estou a ponto de ser imolado e o instante da minha libertação se aproxima” (II Tim 4, 6) — tenha desejado centrar esse documento sobre as palavras da Consagração, como querendo ressaltar que o ápice de sua vida sacerdotal se aproximava, com o oferecimento de seu próprio sacrifício, pela doação total da vida unida ao sacrifício de Cristo. Oferecimento recomendado pelo atual Pontífice na Carta para Proclamação do Ano Sacerdotal, citando estas palavras do Santo Cura d’Ars: “Como faz bem um padre oferecer-se em sacrifício a Deus, todas as manhãs!”.

Com efeito, iniciava João Paulo II essa sua última Carta lembrando que “se toda a Igreja vive da Eucaristia, a existência sacerdotal deve a título especial tomar ‘forma eucarística’. Por isso, as palavras da instituição devem ser, para nós, não apenas uma fórmula de consagração, mas uma ‘fórmula de vida’”.[40]

De suas profundas e comoventes considerações sobre a espiritualidade sacerdotal, convém ressaltar a que deriva do caráter salvífico do Sacrifício Eucarístico:

“Hoc est enim corpus meum quod pro vobis tradetur”. O Corpo e o Sangue de Cristo são entregues para a salvação do homem, do homem todo e de todos os homens. É uma salvação integral e simultaneamente universal, porque não há homem — salvo livre ato de recusa — que esteja excluído da força salvadora do Sangue de Cristo.[41]

Mas, sublinha João Paulo II, o sacerdote é o primeiro a beneficiar-se desse poder salvífico, e isso impõe-lhe a obrigação de progredir nas vias da santidade:

 Ao repetirmos, num silencioso recolhimento da assembléia litúrgica, as venerandas palavras de Cristo, nós, sacerdotes, tornamo-nos arautos privilegiados deste mistério de salvação. Mas como podemos sê-lo eficazmente, sem nos sentirmos nós mesmos salvados? Nós somos os primeiros cujo íntimo é alcançado pela graça [...] E isso obriga-nos a avançar no caminho da perfeição. De fato, a santidade é a manifestação plena da salvação. Só vivendo como salvados é que nos tornamos arautos credíveis da salvação.[42]

É indispensável, contudo, que o sacerdote, para salvar aqueles que lhe estão confiados, ofereça o seu próprio sacrifício, unido ao de Cristo, a exemplo de São Paulo: “Agora me alegro nos sofrimentos suportados por vós. O que falta às tribulações de Cristo, completo na minha carne, por Seu corpo que é a Igreja” (Cl 1, 24). É dessa maneira que as palavras da Consagração se transformam em “fórmula de vida”, como deu exemplo o Servo de Deus João Paulo II. Ensinamento este lembrado também por seu sucessor, Bento XVI: “As almas custam o Sangue de Cristo, e o sacerdote não pode dedicar-se à sua salvação se se recusa a contribuir com a sua parte para o ‘alto preço’ da Redenção”.[43]

Antes de encerrar, não podemos deixar de evocar o papel insubstituível da Mãe de Deus na vida sacerdotal. “Quem pode, melhor do que Maria, fazer-nos saborear a grandeza do mistério eucarístico? Ninguém pode, como Ela, ensinar-nos com quanto fervor devemos celebrar os santos Mistérios e determo-nos em companhia do Seu Filho escondido sob as espécies eucarísticas”.[44]

Ensina-nos este Papa tão mariano, na sua Encíclica Ecclesia de Eucaristia:

 No “memorial” do Calvário, está presente tudo o que Cristo realizou na Sua Paixão e Morte. Por isso, não pode faltar o que Cristo fez para com Sua Mãe em nosso favor. De fato, entrega-Lhe o discípulo predileto e, nele, cada um de nós: “Eis aí o Teu filho”. E de igual modo diz a cada um de nós também: “Eis aí a tua mãe” (cf. Jo 19, 26-27).

Neste Ano Sacerdotal, procuremos especialmente estar unidos ao sacrifício de Cristo com o espírito de Maria, Ele que fez de toda a Sua existência uma Eucaristia antecipada, preparando-Se dia a dia para a entrega suprema no Calvário.

 


 

Referências bibliográficas

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[1] Cf. GARRIGOU-LAGRANGE, OP, Réginald. De Sanctificatione sacerdotum, secundum nostri temporis exigentias. Roma: Marietti, 1946, p. 66-67.

[2]  Idem, p. 66.

[3] BENTO XVI. Discurso à Congregação para o Clero, 16/03/2009.

[4] PAULO VI. Lumen Ecclesiae – Carta no VII centenário da morte de São Tomás de Aquino, n. 24.

[5] Idem.

[6] Cf. LIGÓRIO, Santo Afonso Maria de. A Selva. Porto: Fonseca, 1928, p. 6.  O Autor remete aos seguintes pontos das obras de São Tomás: S Th III, q. 22, a. 1, ad 1; Super Heb. cap. 5, lec. 1; S Th II-II, q. 184, a. 8; S Th Supl. q. 36, a. 1.

[7] S Th Supl. q. 36, a. 1.

[8] Idem.

[9] IV Sent. d. 24, q. 2.

[10] Pontifical Romano. Rito de Ordenação de Diáconos, Presbíteros e Bispos, n. 123. São Paulo: Paulus, 2004.

[11] Super I Cor.cap.4, lec. 1.

[12] S Th II-II, q. 184, a. 8., Resp.

[13] LG, n. 41.

[14] Idem.

[15] Super Tit. cap. 2, lec. 2.

[16] Super II Cor. cap. IV. lec. 1.

[17] BENTO XVI. Carta para Proclamação do Ano Sacerdotal, de 16/6/2009.

[18] PO, n. 2.

[19] Idem.

[20] Nota do texto original: “A Eucaristia é como que a consumação da vida espiritual, e o fim de todos os sacramentos” (S Th III, q. 73. a. 3 c); cf. S Th III, q. 65, a. 3.

[21] Nota do texto original: Cf. São Tomás, S Th III, q. 65, a. 3, ad 1; q. 79, a. 1 c. e ad 1.

[22] PO, n. 5

[23] Idem.

[24] Cf. idem, n. 13.

[25] GARRIGOU-LAGRANGE, OP, Réginald. Op. cit., p. 38.

[26] ROYO MARÍN, OP, Antonio. Teología de la Perfección Cristiana. Madrid: BAC, 2001. p. 848.

[27] Idem, ibidem.

[28] Idem, p. 849.

[29] S Th III, q. 79, a. 1, ad 1.

[30] BENTO XVI. Homilia no Dia Mundial de Oração pelas Vocações, 3/5/2009.

[31] Cf. CHAUTARD, OCSO, Jean-Baptiste. A Alma de todo o apostolado. Porto: Civilização, 2001, p. 34-35.

[32] S Th III, q. 79, a. 5, Resp.

[33] In: AQUINO, São Tomás de. Suma Teológica. São Paulo: Loyola, 2006, v. 9, p. 358.

[34] S Th III q. 79, a. 7, ad 2.

[35] PO, n. 12.

[36] Idem.

[37] Cf. ROYO MARÍN, OP, Antonio. Teología Moral para Seglares. Madrid: BAC, 1994, v. 2, p. 158.

[38] S Th III q. 82, a. 6, ad 3.

[39] Palavras de São João Maria Vianney, citadas pelo Papa Bento XVI na Carta para Proclamação do Ano Sacerdotal, de 16/6/2009.

[40] JOÃO PAULO II. Carta aos Sacerdotes, de 13/05/2005, n. 1.

[41] Idem, n. 4.

[42] Idem.

[43] BENTO XVI. Carta para a Proclamação  do Ano Sacerdotal, de 16/6/2009.

[44] JOÃO PAULO II. Carta aos Sacerdotes, de 13/3/2005, n. 8.