O Sacrifício Eucarístico em relação à identidade, à espiritualidade

 e ao ministério do presbítero

 

Jean Galot

 

 

Itinerário histórico

 

Para determinar o significado do Sacrifício Eucarístico em relação à identidade do presbítero, seguiremos o desenvolvimento desse vínculo ao longo de três etapas da doutrina das relações entre sacrifício e sacerdócio: na Carta aos Hebreus, o mistério de Cristo sacerdote transcendente; no Concílio de Trento, o vínculo entre o sacerdócio da nova aliança e o sacrifício propiciatório; no Concílio Vaticano II, o Sacrifício Eucarístico reconhecido como o ponto mais alto do ministério sacerdotal.

 

1. Cristo sacerdote, segundo a Carta aos Hebreus

a) A Carta aos Hebreus nos leva a discernir o mistério que se expressa no sacerdócio, evidenciando, na definição do sumo sacerdote, uma relação essencial com Deus, que lhe permite exercer uma influência sobre o comportamento divino: “Todo sumo sacerdote, tirado do meio dos homens, é constituído em favor dos homens em suas relações com Deus. A sua função é oferecer dons e sacrifícios pelos pecados” (5,1).

Os sacrifícios realizam a reconciliação da humanidade com Deus; as relações que implicavam por motivo do pecado uma separação hostil são substituídas por relações de paz e de amizade recíproca. A ira divina desaparece, cedendo lugar à misericórdia. O acesso “a Deus” é restabelecido.

O desígnio divino da aliança pode ser cumprido. No Antigo Testamento, esse desígnio foi posto em prática com Moisés, no sacrifício, e hoje a nova aliança é assegurada pelo sacrifício pessoal de Cristo. Esse Sacrifício é o sacrifício perfeito, que obtém todo bem e toda graça. Os sacrifícios na religião judaica eram sempre imperfeitos e tinham apenas um valor simbólico: não podiam alcançar sua finalidade, que consistia na remissão dos pecados. Só o sacrifício de Cristo obtém uma reconciliação total, com o perdão definitivo de todas as culpas.

 

b) Ao falar de um “sumo sacerdote” (archiereus), o autor da Carta pensa em Cristo, ainda que a definição tenha um caráter geral. Ele, no entanto, não quer dizer que Cristo é um dos sacerdotes ou sumo sacerdotes; atribui a Cristo um rosto único de sacerdote. Jesus não é sumo sacerdote “segundo a ordem de Aarão”, ou seja, em Virtude de pertencer ao sacerdócio oficial do povo judaico, que é o sacerdócio levítico. É apresentado como aquele que, depois de seu sacrifício, é proclamado sumo sacerdote, “segundo a ordem de Melquisedec” (5,10). Melquisedec nem é um hebreu; é um rei estrangeiro, “rei de Salém”, segundo o livro do Gênesis (14,18-20), e sacerdote do Deus altíssimo, que faz uma oferta de pão e vinho. Ele dá uma bênção a Abraão e recebe dele o pagamento do dízimo. Parece, portanto, anterior e superior a Abraão.

Essa superioridade é sublinhada e cultivada na Carta aos Hebreus, como sinal da transcendência do sacerdócio de Cristo. O silêncio do Gênesis a respeito da origem de Melquisedec é interpretado como indicação que supera qualquer origem humana: “Sem pai, sem mãe, sem genealogia, nem princípio de dias nem fim de vida! É assim que se assemelha ao Filho de Deus, e permanece sacerdote eternamente” (7,3). Reconhecemos, assim, na figura bíblica de Melquisedec o mistério do Filho de Deus como supremo sacerdote.

 

c) No prólogo de sua Carta, o autor trouxe a lume a passagem da antiga aliança para a nova, dizendo que Deus, que “muitas vezes e de modos diversos falou, outrora, aos Pais pelos profetas, agora, nestes dias que são os últimos, falou-nos por meio do Filho, a quem constituiu herdeiro de todas as coisas, e pelo qual fez os séculos. É ele o resplendor de sua glória e a expressão do seu ser; sustenta o universo com o poder de sua palavra; e, depois de ter realizado a purificação dos pecados, sentou-se nas alturas à direita da Majestade” (1,1-3).

A nova revelação é muito superior à antiga: vem do Filho como palavra única e completa, Filho que traz em si toda a potência divina, manifesta na obra criadora e na obra redentora de “purificação dos pecados”. Sentando à direita do Pai, o Filho compartilha seu poder.

A expressão “sentou-se à direita” faz referência ao Salmo 110, citado pouco depois mais literalmente: “Senta-te à minha direita”, como palavra que significa uma elevação superior à dos anjos. Esse salmo afirmava uma misteriosa filiação celeste e a associava a uma eterna dignidade sacerdotal: “Jurou o Senhor e manterá sua palavra: ‘Tu és sacerdote eternamente, segundo a ordem do rei Melquisedec’”.

Essa associação de filiação divina e de sacerdócio foi retomada e confirmada pelas palavras do próprio Jesus, no contexto do sacrifício. O sumo sacerdote Caifás dirige a Jesus a pergunta fundamental: “Eu te conjuro pelo Deus Vivo que nos declares se tu és o Cristo, o Filho de Deus” (Mt 26,63). Em sua resposta afirmativa, Jesus anuncia que seus adversários receberão a demonstração da verdade que ele proclama: “De ora em diante, vereis o Filho do Homem sentado à direita do Poderoso e vindo sobre as nuvens do céu” (Mt 26,64). Anuncia assim a realização das palavras “senta-te à minha direita”, palavras que introduziam a proclamação de um sacerdócio novo: “Tu és sacerdote eternamente, segundo a ordem do rei Melquisedec”. Sem retomar essas últimas palavras, Jesus mostra que atribui a si mesmo essa dignidade; mostra-o no testemunho supremo sobre sua identidade, com seu engajamento no sacrifício. Definiu-se como sacerdote novo, e definiu assim todo o sacerdócio que vem dele.

Se ele se considera “sacerdote eternamente”, podemos nos perguntar se a eternidade desse sacerdócio era anterior ao momento da encarnação do Filho, ou seja, se desde a eternidade Jesus era sacerdote. A Carta aos Hebreus responde a essa questão, afirmando que “todo sumo sacerdote é tirado do meio dos homens” para contribuir para o bem dos homens. Para se tornar sacerdote, o Filho se fez solidário aos homens com a encarnação.

 

d) Ainda que o Verbo, em sua eternidade, não fosse sacerdote, devemos reconhecer a harmonia entre a postura eterna do Filho, desde o princípio voltado para o Pai, e a postura sacerdotal definida na Carta aos Hebreus. Os mesmos termos gregos servem para designar as duas posturas: segundo o prólogo de João, o Verbo estava “com Deus” (proston Theon); segundo a Carta aos Hebreus, o Filho se tornou, na relação “com Deus”, um sumo sacerdote misericordioso e digno de confiança (2,17). De fato, o sacerdote é estabelecido para intervir em favor dos homens, nas coisas que têm “relação com Deus” (5,1). Na eternidade o Filho tinha a disposição de orientação para o Pai, que no momento da encarnação se torna disposição sacerdotal.

A filiação divina se expressa no sacerdócio; a intenção filial eterna se concretiza na atitude sacerdotal: o sacrifício consiste num retorno do Filho para o Pai; Jesus sabe “que viera de Deus e a Deus voltava”; na Ceia, “chegara a sua hora de passar deste mundo para o Pai” (Jo 13,1-3; cf. 16,28).

Em Cristo formou-se um laço muito íntimo entre a filiação divina e o sacerdócio: ambos se expressam num movimento que tende para o Pai.

O sacrifício é o ato de sumo amor com o qual o Filho encarnado oferece a si mesmo ao Pai para receber das mãos do Pai todos os bens da salvação para o mundo pecador. Ele assume com sua imensa compaixão todo o peso dos pecados do mundo e dirige ao Pai uma súplica única pelo perdão de todas as culpas. É o ato filial por excelência, pois exprime um abandono total ao amor soberano do Pai, e é o ato sacerdotal perfeito, que manifesta a bondade misericordiosa ante a humanidade pecadora. É a oferta que obtém a transformação da humanidade com sua elevação à vida divina: a humanidade recebe uma nova orientação, que a volta “para Deus”, “para o Pai”, e realiza a sua conversão.

 

2. Sacerdócio e Sacrifício segundo o Concílio de Trento

a) No Concílio de Trento, a exposição doutrinal do Sacrifício da missa é dada a partir do novo sacerdócio que se revelou em Cristo. “Um vez que sob a antiga aliança (secundo o testemunho do apóstolo Paulo), pela insuficiência do sacerdócio levítico, não era possível a perfeição, foi necessário, e assim dispôs Deus, Pai de misericórdia, que surgisse um outro sacerdote segundo a ordem de Melquisedec (Sl 110,4; Hb 5,6.10; 7,11.17; cf. Gn 14,18), o Senhor Jesus Cristo, que pudesse conduzir à perfeição todos aqueles que tinham de ser santificados (cf. Hb 10,14)”[1].

O sacerdócio levítico não podia, na antiga aliança, obter a perfeição da santidade. Um outro sacerdócio, de natureza superior, era necessário para alcançar essa finalidade. Só aquele que era Deus, o Filho, podia assegurar uma santificação completa.

Além disso, nem mesmo o sacrifício oferecido uma vez por todas na cruz era suficiente. Essa verdade poderia parecer muito surpreendente, pois esse sacrifício único foi oferecido para obter todas as graças de salvação para todo homem e para toda a humanidade. Nada falta à eficácia total e universal desse sacrifício, que alcançou com superabundância a sua finalidade. Mas, segundo o desígnio divino, o sacrifício sacerdotal está destinado a prolongar e renovar sem descanso sua oferta em forma sacramental. O sacerdócio de Cristo manifesta seu caráter perpétuo e torna mais concreto seu valor universal com sua aplicação à vida cristã cotidiana. O Sacrifício Eucarístico permite ao sacrifício da cruz renovar sempre sua atualidade.

O Concílio de Trento explica essa necessidade, necessidade postulada por um amor divino gratuito que quer desdobrar-se até o mundo: “Esse Deus e Senhor nosso, ainda que viesse a imolar-se a Deus Pai uma só vez morrendo no altar da cruz (cf. Hb 7,27) para realizar para eles uma redenção eterna, não devendo, todavia, seu sacerdócio extinguir-se com a morte (cf. Hb 7,24), na última ceia, na noite em que foi traído” (1Cor 11,23), para deixar à Igreja, sua esposa amorosa, um sacrifício visível (como exige a natureza humana), com que fosse simbolizado aquele cruento que sofreria de uma vez por todas na cruz, prolongando sua memória até o fim do mundo, e aplicando sua eficácia salvífica à remissão dos pecados cotidianos, ele, portanto, proclamando-se sacerdote pelos séculos dos séculos, segundo a ordem de Melquisedec, ofereceu a Deus Pai seu corpo e seu sangue sob a espécie do pão e do vinho e sob os mesmos símbolos os deu, para que os tomassem, aos apóstolos (que nesse momento constituía sacerdotes da nova aliança), e ordenou a eles e a seus sucessores no sacerdócio que o oferecessem, com estas palavras: “Fazei isto em minha memória” (Lc 22,19; 1Cor 11,24), etc., como a Igreja Católica sempre creu e ensinou[2].

 

b) A perpetuidade do Sacrifício Eucarístico está ligada à perpetuidade do sacerdócio de Cristo, sacerdócio ministerial comunicado aos apóstolos e a seus sucessores.

O Sacrifício Eucarístico é um sacrifício ritual, distinto do sacrifício cruento da cruz, que foi único, oferecido de uma vez por todas. Mesmo sendo ritual, é um verdadeiro sacrifício, que produz um efeito propiciatório. O Concílio de Trento reagiu contra a opinião daqueles que reconhecem apenas um sacrifício de louvor e de agradecimento sem valor propiciatório ou uma pura comemoração do sacrifício efetuado na cruz, ou ainda um sacrifício sem utilidade para os vivos e os defuntos[3]. “Uma vez que nesse sacrifício divino, que se realiza na missa, está contido e imolado de modo incruento o próprio Cristo, que se ofereceu uma só vez de modo cruento no altar da cruz (Hb 9,14.27s), o santo sínodo ensina que esse sacrifício é propriamente propiciatório e que por meio dele, se com coração sincero e reta fé, com temor e respeito, nos aproximamos de Deus contritos e arrependidos, podemos receber misericórdia e encontrar graça e ser ajudados no momento propício (Hb 4,16). Aplacado, efetivamente, por essa oferta, o Senhor, concedendo a graça e o dom da penitência, perdoa os pecados e as culpas, mesmo as mais graves”[4].

 

c) O valor do Sacrifício Eucarístico aparece mais especialmente em sua relação com o sacrifício da cruz, relação explicada pelo concílio de um triplo ponto de vista: “Há uma só e idêntica vítima; é o mesmo que oferece pelo ministério dos sacerdócios, ele que um dia ofereceu a si mesmo na cruz; diferente é apenas o modo de se oferecer”[5].

Na ceia e no sacrifício da cruz, Cristo é a única vítima e o único sacerdote ofertante. O Concílio de Trento limita-se a essa afirmação, sem querer dar uma resposta a algumas perguntas.

 

Identidade da vítima

Dizendo “uma só e idêntica vítima”, o Concílio não quis afirmar que o pão e o vinho não deveriam ser considerados ofertas. Não são oferta principal; não há na missa uma dupla oferta, que constituiria um duplo sacrifício. Pão e vinho são oferecidos como dons destinados a se tornar corpo e sangue de Cristo: são convertidos em Cristo, e a oferta tem como termo final apenas Cristo.

A identidade da vítima tampouco elimina o fato de que na missa a Igreja seja de certa forma oferecida: a Igreja pode ser considerada como vítima associada a Cristo, mesmo que apenas Cristo esteja contido substancialmente sob a espécie e seja sempre vítima principal.

 

Identidade do sacerdote

Um sacerdote idêntico não exclui a ação do ministro na oferta sacerdotal da missa, nem a participação dos fiéis e de toda a Igreja no sacrifício ministerial.

 

Modo de oferecer diferente

A expressão ratio offerendi não é explicada, mas significa que na missa a oblação não é cruenta e é feita pelo ministério dos sacerdotes.

A missa é sacrifício sacramental: essa propriedade sacramental impede qualquer afirmação de simples identidade com o sacrifício da cruz; a afirmação de uma identidade numérica, feita por O. Casel, não parece conforme à doutrina do Concílio de Trento.

O Sacrifício da missa representa o sacrifício da cruz, comemora-o e aplica seu valor salvífico. O sacrifício da cruz é muito mais amplo e fundamental; o Sacrifício Eucarístico atinge na cruz a força espiritual para fazer que os crentes dele se beneficiem.

 

d) Na exposição doutrinal elaborada pelo Concílio de Trento para reagir às críticas que vinham dos Reformadores, observamos o vínculo muito forte entre sacerdócio e sacrifício. O Sacrifício Eucarístico foi possível para que um novo sacerdócio, diferente do do Antigo Testamento, fosse formado. Sendo sacerdote segundo a ordem de Melquisedec, Jesus pôde dar a sua oferta sacerdotal um valor infinito no tempo e no espaço, um valor eterno e onipresente. Foi sua identidade nova de sacerdote supremo que lhe permitiu instituir um sacrifício ritual que reproduzia o único sacrifício da cruz e multiplicar de modo definitivo a oferta que marcou o momento mais dramático da história da humanidade.

A identidade do sacerdote desenvolvia assim um papel decisivo no desenvolvimento do sacrifício: era a origem do valor mais alto e da mais ampla eficácia que podiam ser atribuídos ao Sacrifício Eucarístico. Sem Cristo sacerdote, não teria havido a Eucaristia.

Podemos acrescentar, em referência a nossa perspectiva, que considera o sacrifício em relação não apenas à identidade, mas também à espiritualidade e ao ministério do presbítero, que a doutrina de Trento esclarece também a influência da espiritualidade e da missão de Cristo sacerdote sobre a instituição do Sacrifício Eucarístico. Na espiritualidade que anima o sacerdócio de Cristo, é fundamental a consciência de ser o bom pastor. Para cumprir os requisitos do bom pastor, era necessário obter para os crentes a possibilidade de se unirem intimamente à oferta redentora participando do Sacrifício e do repasto eucarístico. Difundindo generosamente suas riquezas espirituais, Cristo realizava também sua missão de sacerdote: com a Eucaristia, convidava os seus a se alimentarem de seu corpo e de seu sangue para receber melhor a abundância de sua vida divina. Com a Eucaristia, ele podia alcançar em plenitude a finalidade de sua vinda entre os homens.

 

3. O Sacrifício Eucarístico, exercício supremo da função do presbítero, segundo a doutrina do Vaticano II

a) O Vaticano II pôde tratar do sacerdócio ministerial num quadro mais sereno que o do Concílio de Trento, pois não tinha a preocupação predominante de refutar erros. Considerando-se como concílio pastoral, pôde enunciar de modo pacífico a doutrina do sacerdócio. Refletiu amplamente sobre o sacerdócio dos bispos, mas formulou também observações fundamentais sobre o sacerdócio dos presbíteros.

A origem do presbiterato é brevemente indicada: os bispos, sucessores dos Apóstolos, “passaram legitimamente o múnus de seu ministério em grau diverso, a pessoas diversas na Igreja. Assim, o ministério eclesiástico, divinamente instituído, é exercido em diversas ordens pelos que desde a antiguidade são chamados bispos, presbíteros e diáconos”[6]. Os presbíteros, portanto, receberam dos bispos a sua função; participam de seu ministério, que tem sua origem primeira nos Apóstolos, que foram enviados por Cristo, como o próprio Cristo foi enviado pelo Pai.

A fonte da autoridade pastoral dos presbíteros é esclarecida. Na descrição de suas funções, o concílio sublinha particularmente sua dependência do bispo, mas esclarece também sua dignidade e sua participação do sacerdócio ministerial de Cristo.

“Embora os presbíteros não possuam o ápice do pontificado e no exercício de seu poder dependam dos bispos, estão contudo com eles unidos na dignidade sacerdotal. Em virtude do sacramento da ordem, segundo a imagem de Cristo, sumo e eterno sacerdote (Hb 5,1-10; 7;24; 9,11-28), eles são consagrados para pregar o Evangelho, apascentar os fiéis e celebrar o culto divino, de maneira que são verdadeiros sacerdotes do Novo Testamento. Participando, no grau próprio de seu ministério, da função de Cristo Mediador único (cf. 1Tm 2,5), a todos anunciam a palavra de Deus. Eles exercem seu sagrado múnus principalmente no culto eucarístico ou sinaxe, na qual, agindo na pessoa de Cristo e proclamando Seu ministério, eles unem os votos dos fiéis ao sacrifício de sua Cabeça e, até a volta do Senhor (cf. 1Cor 11,26), reapresentam e aplicam no sacrifício da Missa o único sacrifício do Novo Testamento, isto é, o sacrifício de Cristo que como hóstia imaculada uma vez se ofereceu ao Pai (cf. Hb 9,14-28)”.

 

b) Desse ensinamento do Concílio, retenhamos uma afirmação muito significativa: a principal função dos presbíteros é a oferta do Sacrifício Eucarístico. O valor da afirmação merece ser aprofundado.

O Concílio assumira, como objetivo de reflexão e de esclarecimento, o significado e o valor da função episcopal. Os Padres esclareceram o papel essencial do colégio episcopal, que deriva do colégio apostólico. O Vaticano II proporcionou, assim, um complemento necessário à doutrina do poder confiado ao Sumo Pontífice, doutrina amplamente exposta pelo Vaticano I: de fato, era necessário equilibrar a justa afirmação dos poderes assinalados a Pedro e a seus sucessores com a afirmação dos poderes atribuídos por Jesus aos Apóstolos para serem transmitidos aos bispos.

O Vaticano II teve, portanto, o mérito de mostrar melhor a origem da autoridade concedida aos bispos, o papel essencial da colegialidade episcopal no governo da Igreja, a sacramentalidade da ordenação episcopal e a conciliação dos poderes episcopais com o poder do chefe da Igreja. Explicou também as funções confiadas a cada bispo, e precisou a forma e o espírito que animam seu exercício.

Essa concentração da atenção do Concílio tinha a vantagem de obter um aprofundamento da doutrina do ministério, mas podia também dar a impressão de que os bispos eram o elemento mais importante na vida da Igreja e de que os simples presbíteros tinham um valor muito menor. Um descontentamento se manifestou, no momento do Concílio, e se expressou em reprimendas amargas por parte de presbíteros que se sentiam negligenciados ou desprezados. Alguns Padres do Concílio acolheram esses protestos e tentaram preparar uma mensagem especialmente dirigida aos presbíteros, mas o tempo não lhes permitiu redigir e enviar essa mensagem. Mais tarde, o decreto Presbyterorum ordinis foi elaborado para poder oferecer aos presbíteros um ensinamento doutrinal conforme a sua dignidade.

Na Constituição Lumen gentium, a doutrina que lhes concerne é breve, condensada no nº 28. Mas o aspecto acentuado é a função mais elevada dos presbíteros, função que testemunha um valor eminente, o do culto eucarístico. Quando celebram esse culto, os presbíteros trazem em si a imagem de Cristo, sumo e eterno sacerdote. Atuam como “verdadeiros sacerdotes do Novo Testamento”. Toda a dignidade sacerdotal está engajada nesse culto.

Na oferta do Sacrifício Eucarístico, o presbítero exerce um poder semelhante ao do bispo, poder de consagrar o pão para que se torne corpo de Cristo e o vinho para que se torne sangue do próprio Cristo. Trata-se do poder mais elevado que possa ser reconhecido a um homem. Definindo esse poder como a propriedade mais característica do presbítero, o Concílio atribui a todo sacerdote a função mais elevada.

 

c) O Vaticano II afirma com maior clareza a origem divina do ministério eclesiástico. O Concílio de Trento definira a existência de uma “hierarquia, constituída por ordenação divina, que se compõe de bispos, presbíteros e ministros”[7], mas não quis afirmar, com essas palavras, a instituição divina dos bispos. O Vaticano II afirma explicitamente essa instituição divina: “O ministério eclesiástico, divinamente instituído, é exercido em diversas ordens pelos que desde a antiguidade são chamados bispos, presbíteros e diáconos”. Em particular, os bispos foram desejados por Cristo: essa vontade se manifestou na missão confiada aos Apóstolos, missão que exigia sucessores. No que diz respeito aos presbíteros, não há afirmação paralela de uma vontade de Cristo para sua instituição. Em Lumen gentium 28 é dito que os bispos transmitiram legitimamente o ofício de seu ministério a vários sujeitos; no Presbyterorum Ordinis lemos que a função ministerial dos bispos “foi confiada em grau subordinado aos presbíteros, para que – constituídos na ordem do presbiterato, com o fito de cumprirem a missão apostólica transmitida por Cristo, fossem os cooperadores da ordem episcopal”[8]. Sobre a origem histórica do presbiterato, o Concílio diz apenas que os Apóstolos “tiveram vários auxiliares no ministério”[9] e que, em seguida, os bispos conferiram aos presbíteros um ofício ministerial; não alude a uma vontade específica de Cristo pela instituição dos presbíteros.

O episódio evangélico da missão assinalada aos setenta e dois discípulos, distinta da missão confiada aos Doze mas análoga a esta (Lc 10,1-12; 9,1-6), poderia constituir um ponto de partida para a afirmação da vontade de instituir presbíteros empenhados na cooperação com os bispos, mas o Vaticano II não levantou a questão, dedicando-se mais à elaboração da doutrina sobre o ministério dos bispos. A necessidade de precisar a origem do ministério presbiteral não era suficientemente sentida; podemos todavia prever que esse problema será, no futuro, objeto de uma reflexão mais aprofundada.

Se o papel de Cristo na instituição do presbiterato não foi esclarecido pelo Vaticano II, o papel de Cristo no exercício do ministério presbiteral foi, no entanto, trazido a lume: “O ofício dos presbíteros, por estar ligado à ordem episcopal, participa da autoridade com que o próprio Cristo constrói, santifica e rege o Seu Corpo”. Por meio do sacramento da ordem, os presbíteros são configurados a Cristo sacerdote e tornados aptos a agir na pessoa de Cristo cabeça. Os presbíteros “participam, no que lhes toca, do múnus dos Apóstolos”[10].

Logo, o valor do presbiterato é reconhecido. Participar da ação de Cristo, que “constrói, santifica e rege o Seu Corpo” significa ser elevado ao nível mais alto da atividade espiritual. Agir na pessoa de Cristo cabeça significa exercer o ministério de pastor mediante uma profunda união com a pessoa de Cristo.

O Vaticano II não afirma apenas essa ação na pessoa de Cristo cabeça, mas sublinha que os presbíteros exercem sobretudo sua função sacra na oferta do Sacrifício Eucarístico. O momento em que o presbítero, com sua atividade pessoal de oferta sacrifical, faz crescer, santifica e governa a Igreja, por assimilação à oferta pessoal de Cristo, é o momento da mais ampla fecundidade concedida ao ministério sacerdotal. Os presbíteros, diz o Concílio, “unem os votos dos fiéis ao sacrifício de sua Cabeça”. Todos os desejos da humanidade são levados ao altar: o gesto da oferta sacerdotal se estende aos mais íntimos pensamentos que se escondem nos corações humanos e assumem a plenitude de seu valor quando são acolhidos e apresentados ao Pai na oferta pessoal do próprio Cristo. É toda a alma da comunidade humana que se exprime nessa oferta e se abre à transformação total em vida divina que Cristo realiza por meio do Espírito Santo.

 

d) Observando que os presbíteros exercem seu sagrado ministério sobretudo no culto eucarístico, o Vaticano II responde a um problema que fora levantado pouco antes, a respeito da natureza do ministério sacerdotal. Um movimento doutrinal tinha-se desenvolvido para exaltar a importância do ministério da palavra. Em reação às declarações do Concílio de Trento, que tinham afirmado com insistência o laço entre sacerdócio e sacrifício, esse movimento enfatizava a conexão entre sacerdócio e palavra: o sacerdote era concebido como o homem da palavra, e o sacrifício era interpretado como o caso mais evidente da eficácia da palavra pronunciada na celebração eucarística. Diversas tentativas tinham sido feitas para reduzir as três funções sacerdotais, de pregação, culto e cuidado pastoral, ao único ministério da palavra.

O Vaticano II mantém a afirmação de três funções distintas para o sacerdócio. Reconhece a prioridade do ministério da palavra para os bispos e os presbíteros: “Entre os principais deveres dos bispos sobressai o de pregar o Evangelho”[11]. “Os presbíteros, na qualidade de cooperadores dos bispos, têm como primeira tarefa anunciar o Evangelho de Deus a todos.”[12] Mas um outro primado é expressamente enunciado; um valor superior deve ser atribuído ao Sacrifício Eucarístico: os presbíteros exercem sobretudo o seu sagrado ministério no culto eucarístico[13]; “no mistério do Sacrifício Eucarístico, [...] os sacerdotes cumprem sua função principal”[14].

Na ordem cronológica, a função de pregação é a primeira, pois a primeira tarefa da missão sacerdotal é difundir a palavra de Deus; a celebração da Eucaristia está voltada para aqueles que já ouviram essa palavra. Mas, na ordem do valor espiritual, o Sacrifício Eucarístico é mais elevado, pois comunica plenamente aos que creem a vida divina, com a força necessária para uma assistência humana que responda generosamente a todas as exigências divinas.

 

 

Reflexão doutrinal

 

1. O Sacrifício Eucarístico em relação à identidade do presbítero

 

1A. Eucaristia e identidade sacerdotal de Cristo

a) O Sacrifício Eucarístico manifesta do modo mais surpreendente o poder do sacerdócio de Cristo.

Na última ceia, Jesus instituiu a Eucaristia, e com essa instituição deu ao sacerdócio ministerial uma nova dimensão, que não poderia existir na função sacerdotal da religião judaica. O ritualismo judaico se estendia a muitos sacrifícios e muitos repastos, mas não comportava nada semelhante ao Sacrifício Eucarístico e ao banquete eucarístico. A Eucaristia aparece como uma grande novidade, uma invenção maravilhosa.

Na vida sacramental da nova aliança, a Eucaristia tem um lugar muito importante, único. Proporciona a presença de Cristo, enquanto os outros sacramentos proporcionam apenas uma graça especial, um dom determinado que emana da pessoa do Salvador e é comunicado pelo Espírito Santo. O sacramento do perdão, por exemplo, comunica a graça da remissão das culpas, mas não comporta, sob sinais sensíveis, a presença dessa pessoa. A presença é dada pela Eucaristia, com as palavras da consagração do pão e do vinho: o próprio Salvador se torna presente, e não realiza apenas uma ação salvadora. A Eucaristia destina-se de modo especial a fazer estimar o dom divino mais essencial, o da presença de Cristo.

Destina-se também a desenvolver a participação da oferta do sacrifício. Cristo é um sacerdote que exerce seu sacerdócio antes de mais nada com essa oferta. Trata-se da oferta que foi realizada de uma vez por todas no sacrifício da cruz. Todas as ofertas que se seguiram na história à oferta do Calvário reproduziram ritualmente, sacramentalmente, a única oferta feita no Calvário e dela extraíram toda a sua realidade. O sacerdócio do Salvador concentrou-se na oferta dramática que mereceu a salvação para a humanidade, antes de se multiplicar em numerosas ofertas rituais, realizadas mediante o ministério de muitos sacerdotes pelas necessidades do mundo inteiro.

 

b) Multiplicando-se para operar com a colaboração de muitos sacerdotes, o sacerdócio de Cristo não perde nada de sua força salvadora. Cristo desenvolve em cada sacerdote a consciência de agir em seu nome, e faz descobrir sua identidade de sumo sacerdote por meio das palavras pronunciadas em cada celebração eucarística. O presbítero que pronuncia essas palavras reconhece que toda a força da Eucaristia vem de Cristo, e que seu sacerdócio pessoal atua somente como sacerdócio de Cristo. “Sem mim, nada podeis fazer” (Jo 15,5): essa palavra, dirigida a todos os cristãos, como a todos os homens, vale mais particularmente para os sacerdotes. Um sacerdote não pode esperar nenhum fruto, se estiver separado do sacerdócio de Cristo. Deve-se identificar com o Salvador no cumprimento de sua missão e, mais especificamente, de sua atividade sacramental. Descobrindo cada vez mais a presença operante de Cristo no mistério da Eucaristia, pode esperar uma eficácia superior, com frutos cada vez mais abundantes que surgem da presença do Sacerdote supremo, de seu sacerdócio onipotente.

 

c) Na última ceia, o sacerdócio de Cristo não se afirmou apenas como munido de toda a força do Filho, mas também como animado pelo mais amplo amor. O evangelista João salienta essa disposição fundamental de Jesus no momento da instituição da Eucaristia: “Antes da festa da Páscoa, sabendo Jesus que chegara a sua hora de passar deste mundo para o Pai, tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim” (Jo 13,1). Passar deste mundo para o Pai significava o grande ato sacerdotal da oferta de sua vida. Jesus conhecia o caminho que devia conduzi-lo até o Pai: antes do evento doloroso, conhecia os pormenores do itinerário, que se manifestariam muito cedo na noite que se aproximava. Poderia ter temido esse itinerário, mas, uma vez que se tratava de passar do mundo para o Pai, sabia que o trajeto penoso devia terminar com a acolhida por parte do Pai, ou seja, com uma imensa alegria que sucederia uma intensa dor.

Mas isso, sobretudo, comportava o amor que iluminava e desejava esse caminho. Cristo sempre fizera de sua viagem na terra, que o conduzia do Pai ao Pai, uma viagem cheia de amor pelos homens. O último passo da viagem deveria necessariamente ser um ápice do amor: amar até o fim não apenas significava que ele estava decidido a amar até o último de seus dias na terra, mas que queria amar até o ponto extremo do dom de seu coração.

 

d) Foi esse amor que permitiu a seu sacerdócio desenvolver-se mais completamente. Na oração sacerdotal se expressa a consciência da consagração sacerdotal suprema e do ápice do amor, segundo a orientação da primeira ceia eucarística.

A atitude sacerdotal de Jesus se desdobra no impulso da oração: “Erguendo os olhos ao céu” (Jo 17,1). É um momento de homenagem ao Pai e de abandono a sua soberania. “Pai, chegou a hora.” É a hora da obra de salvação, hora da Paixão, mas que no plano divino é inseparavelmente também a hora da glorificação: “Glorifica teu filho, para que teu Filho te glorifique”. Nesse momento é esperada a suprema troca de amor entre Pai e Filho. O Filho pede ao Pai sua glorificação, que se realizará na ressurreição; quer suscitar o mais alto testemunho de amor do Pai, mas mostra que sua finalidade é glorificar ao Pai, com a homenagem de sua pessoa de Filho.

O amor recíproco do Pai e do Filho não se destina também a fechar-se em sua união: Jesus pensa no efeito benéfico desse amor sobre o destino da humanidade. Ele quer dar a vida eterna a todos aqueles que lhe foram confiados pelo Pai. O Pai não apenas enviou o Filho ao mundo, mas confiou-lhe todos os homens destinados à fé. O Filho preservou-os todos, exceto o filho de perdição. Ele reza para que possam ter a plenitude de sua alegria, que exprime o dom completo de seu amor.

Além disso, o Filho quer enviar seus discípulos ao mundo, para que possam compartilhar sua missão. Por essa missão, que é sacerdotal, pede ao Pai a consagração deles, fruto e prolongamento de sua consagração pessoal: “Por eles, a mim mesmo me santifico, para que sejam santificados na verdade” (Jo 17,19).

O amor que anima a consagração deve mais especialmente manifestar-se na unidade que Jesus quer estabelecer na Igreja; a união entre os discípulos deve confirmar-se na união perfeita que une Pai e Filho: “Como tu, Pai, estás em mim e eu em ti, que eles estejam em nós” (Jo 17,21). A unidade do Pai e do Filho não constitui apenas um modelo a ser imitado: é uma comunhão de vida na qual os homens são convidados a viver para daí extrair a força para permanecerem unidos. Assim é assegurada a perfeição da unidade: “Eu neles e tu em mim, para que sejam perfeitos na unidade” (Jo 17,23).

Na oração sacerdotal, a Eucaristia não é citada expressamente, mas, com a instituição do sacramento feito pouco antes, sua lembrança está sempre presente. A Eucaristia significa a penetração do amor divino no coração dos que creem. Essa penetração provém de um amplo desígnio, que tem como ponto de partida o amor eterno do Pai pelo Filho: “Tu me amaste antes da fundação do mundo” (Jo 17,24). É esse amor que quer tomar posse dos corações humanos: “Eu lhes dei a conhecer o teu nome e lhes darei a conhecê-lo, a fim de que o amor com que me amaste esteja neles e eu neles” (Jo 17,26).

Essa permanência do amor divino no coração é uma nota distintiva da vida da graça, mas é mais particularmente produzida e assegurada pela Eucaristia.

 

1B. Eucaristia e identidade sacerdotal do presbítero

a) O Sacrifício Eucarístico contribui para esclarecer a identidade sacerdotal do presbítero.

Toda a comunidade cristã toma parte desse sacrifício, mas só aquele que foi investido de uma missão e de um poder apropriados, como sacerdote, pode pronunciar as palavras da consagração do pão e do vinho. Cristo deu esse poder a seus Apóstolos: reservara ao Doze a participação da última ceia e dirigiu-se a eles quando disse “fazei isto em minha memória” (Lc 22,19; 1Cor 11,24-25). Manifestava sua vontade para a vida futura de sua Igreja: queria a reprodução da ceia de modo indefinido, para que a memória de sua vinda à terra não fosse simplesmente a memória de um momento passado, mas a realização sempre real e viva do dom concedido para a santificação do mundo. Para a existência e o desenvolvimento da Igreja, a reprodução do que fora feito nessa ceia era essencial.

Todavia, Jesus não desejava que tudo, a partir dessa última ceia, fosse comemorado e reproduzido. Tratava-se apenas da grande novidade que tinha introduzido nessa ceia pascal: a consagração do pão e do vinho, que se tornavam seu próprio corpo e seu próprio sangue. Na ceia pascal, a substância do repasto era o cordeiro. Os discípulos talvez pudessem hesitar quanto aos alimentos que deveriam constituir o repasto comemorativo desejado pelo Mestre. Mas, para esse discernimento, haviam recebido das próprias palavras de Jesus uma indicação decisiva. Jesus dissera duas vezes “fazei isto em minha memória”, em dois momentos da refeição: no momento da bênção do pão, no início, e no momento em que bebiam o terceiro copo de vinho, perto do fim. A memória se limitava, portanto, à manducação do corpo de Jesus e à tomada de seu sangue como bebida.

Os Apóstolos entenderam que só esses dois novos ritos, introduzidos por seu Mestre na ceia pascal, deveriam ser retomados na celebração da Eucaristia. Eram ritos que subvertiam o significado da ceia. O cordeiro já não era necessário, pois a carne e o sangue eram aqueles, não os de um cordeiro simbólico, mas do verdadeiro cordeiro, que com seu sacrifício tinha salvado o mundo. Por esse motivo, os Apóstolos abandonaram, em memória de Cristo, todo o rito do cordeiro pascal, e mantiveram unicamente a consagração do pão e do vinho, que agora se tornavam o corpo e o sangue do Salvador.

 

b) As palavras da consagração evidenciam o papel essencial de Cristo como sumo sacerdote.

É ele que realiza o ato de oferta; as palavras são pronunciadas em seu nome: “Este é o meu corpo”. Parece que, mais literalmente, teria dito “esta é a minha carne”, como fazem supor as palavras registradas por João no discurso do anúncio da Eucaristia: “O pão que eu darei é a minha carne para a vida do mundo” (Jo 6,51). “Carne” é um conceito semítico; muito provavelmente, foi esse o conceito empregado por Jesus, substituído, em grego, pelo vocábulo “corpo”.

A expressão “a minha carne” convinha especialmente para significar a fraqueza inerente à natureza humana e para dar a entender a destinação para o sacrifício. A carne podia aludir às vítimas animais dos sacrifícios que eram oferecidos sem descanso no templo de Jerusalém. Mas, sendo a carne de Cristo essa “minha carne”, assumia um valor superior. Se estava destinada a substituir no sacrifício a carne de numerosas vítimas, significava também o corpo vivo, o corpo daquele que tinha o poder de dar sua vida para comunicar à humanidade a vida divina.

Só o sacerdote supremo podia pretender esse poder sobre seu corpo. Jesus reivindicou, na medida em que era o Filho único do Pai, a soberania sobre a vida humana: “Por isso o Pai me ama, porque dou minha vida para retomá-la. Ninguém a tira de mim, mas eu a dou livremente. Tenho poder de entregá-la e poder de retomá-la” (Jo 10,17-18). O exercício desse poder é também um ato de obediência ao Pai. Jesus acrescenta: “Esse é o mandamento que recebi do meu Pai”. Com uma atitude profundamente filial, ele se engaja soberanamente na morte e na ressurreição, tal como o Pai desejara quando o enviou à terra.

 

c) Quando o presbítero pronuncia as palavras da consagração do pão e do vinho, tem consciência de ter recebido, em virtude da ordenação sacerdotal, esse poder de tornar presente o corpo e o sangue de Cristo. Ele fala em nome de Cristo, a ponto de dizer: “Este é o meu corpo”, “Este é o cálice do meu sangue”. Com uma audácia notável, diz “meu corpo”, “meu sangue”, pensando exclusivamente no corpo e no sangue de Cristo e esquecendo de certa forma o fato de conservar seu corpo pessoal e seu sangue. Sua identidade pessoal tornou-se totalmente transparente à identidade pessoal de Cristo. Ele se identifica com Cristo como sacerdote que oferece pão e vinho para tomar em suas mãos o corpo e o sangue presentes sob sinais visíveis.

Essa identificação não se verifica apenas na Eucaristia. No sacramento do perdão, o presbítero age também em nome de Cristo para transmitir o perdão divino. Em nome de Cristo, ele diz àquele que veio para receber o perdão: “Eu te absolvo de todos os teus pecados”. Tem consciência também de que não possui em si mesmo, em suas capacidades simplesmente humanas, a faculdade de conceder a absolvição; em virtude da ordenação sacerdotal, recebeu essa faculdade e a exerce sabendo que o próprio Cristo perdoa, como expressam as palavras sacramentais. O presbítero se identifica com o Sacerdote supremo que concede o perdão.

Assim, experimenta, no mistério do perdão, sua identidade de sacerdote. Mas devemos observar que a experiência de identidade sacerdotal é ainda mais profunda no mistério da consagração eucarística. Nesse mistério, não se trata mais apenas de remir os pecados cometidos, mas de tornar presente a pessoa de Cristo em sua carne e em seu sangue, pessoa engajada na oferta do sacrifício para a salvação do mundo. As palavras “meu corpo” e “meu sangue” expressam essa presença, mas de tal modo que o presbítero se separe de sua identidade pessoal para assumir a identidade de Cristo. Por um momento, ele se despoja de sua personalidade para entrar no mistério de Cristo e de seu sacerdócio transcendente. Pronuncia palavras que se referem apenas a Cristo e as pronuncia como palavras de Cristo que penetraram em sua boca e em seu coração.

Essas palavras “configuram” seu sacerdócio ministerial ao de Cristo. Expressam um empenho pessoal completo, que assegura eficácia máxima à obra sacerdotal, e exaltam ao mais alto nível a dignidade do presbítero.

 

2. O Sacrifício Eucarístico em relação à espiritualidade do presbítero

Para assumir todas as tarefas da vida sacerdotal, o presbítero precisa de uma forte e rica espiritualidade. Na Eucaristia, ele encontra uma fonte abundante de energia espiritual.

 

a) Fé

O Sacrifício Eucarístico requer e favorece o desenvolvimento da fé. O presbítero deve ser o primeiro a crer no mistério da presença invisível de Cristo no sacramento. Ele conhece por experiência o efeito muito limitado de suas palavras, mas, quando pronuncia as palavras da consagração, deve admitir integralmente a realidade do que dizem, ou seja, a realidade do corpo e do sangue de Cristo. Sem a fé, essas palavras perderiam seu valor. Em toda celebração eucarística, o presbítero é obrigado, de certo modo, a renovar, a reafirmar sua fé, uma fé dirigida à pessoa do Senhor Jesus, oculto sob os sinais do pão e do vinho.

Com esse desenvolvimento da fé eucarística, o presbítero entende melhor o significado de seu sacerdócio. Ele é o homem das realidades invisíveis e tem por missão dar a ver o que não vemos. Quando crê na Eucaristia, crê na presença divina que se faz muito próxima de nós e requer nossa adoração; com essa presença nasce um amor que pretende criar um contato e romper nossa solidão. Com a fé podemos estimar melhor o amigo misterioso que vem para preencher nosso silêncio com sua voz e nosso vazio com a imensa riqueza divina.

Animando a participação do Sacrifício Eucarístico, a fé suscita uma adesão cheia de calor à oferta única que transformou o destino da humanidade. O Cristo invisível é o Cristo crucificado e ressuscitado, que com o generoso dom da vida mereceu a formação de um homem novo; os pecados são remidos e uma vida nova se difunde, erguendo a um nível altíssimo aqueles que tinham sido humilhados por suas culpas. É a vitória do Salvador que se exprime no sacrifício e confirma, contra todas as dúvidas, o valor da fé.

 

b) Oração

No presbítero, o Sacrifício Eucarístico estimula notavelmente o impulso da oração.

O Sacrifício desenvolve uma forma mais intensa de oração; constitui a forma mais extrema de oferta pessoal dirigida a Deus. Em Cristo, o sacrifício levou ao Pai a suprema súplica, destinada a obter, para a humanidade, a remissão dos pecados e todos os dons da graça.

A súplica não era apenas um grito, mas se baseava numa oblação dolorosa, na qual o Filho fazia de si mesmo uma homenagem completa em honra ao Pai. Era uma oração que expressava um amor filial perfeitamente abandonado à vontade do Pai.

Como expressão do dom completo da pessoa, na imolação sobre o Calvário, essa oração tinha a certeza de sua eficácia. O próprio Jesus anunciara: “Quando eu for elevado da terra, atrairei todos a mim” (Jo 12,32). A atração não poderia resultar da própria cruz, que significava humilhação e vergonha. Vinha de uma força superior que por meio da cruz teria feito todos os crentes sentirem a misteriosa sedução do amor que desejara rebaixar-se para ser mais amplamente acolhido.

O Sacrifício Eucarístico impele esse amor até o fundo, num impulso de oração que se alimenta da generosidade da oferta. O presbítero quer se unir a essa oração que possui toda a força da oferta. Percebe que sua oração é muito frequentemente desprovida da força que deveria alimentá-la e assegurar sua máxima eficácia. O Sacrifício Eucarístico lhe é oferecido como uma oração perfeita, que penetra nele e o faz compartilhar o dom supremo que Cristo quis apresentar em sua dolorosa subida para o Pai.

Com o engajamento pessoal no Sacrifício Eucarístico, o presbítero pode melhorar a qualidade de sua oração e aprofundar a intimidade com Cristo, que é a alma de seu ministério sacerdotal.

 

c) Caridade

Do Sacrifício Eucarístico o presbítero recebe um forte impulso à caridade sacerdotal.

O sacerdote é o homem da caridade. Formulando o novo preceito da caridade, Jesus convidava seus discípulos a reconhecer aí o sinal do vínculo deles com ele: “Dou-vos um mandamento novo: que vos ameis uns aos outros. [...] Nisto reconhecerão todos que sois meus discípulos, se tiverdes amor uns pelos outros” (Jo 13,34-35). Se a identidade dos discípulos se patenteia por esse amor mútuo, esse sinal distintivo vale de modo mais especial para o sacerdote. Ele é o homem chamado a dar um testemunho convincente de caridade.

Jesus ligou à formulação desse mandamento uma declaração sobre o testemunho que queria dar, de uma vez por todas, em seu sacrifício: “Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida por seus amigos” (Jo 15,13). Quando pronunciava essas palavras, Jesus já tinha celebrado a ceia com seus discípulos e explicava a eles o significado do amor que animava a comunhão estabelecida nessa ceia. O amor que ele propõe como modelo a seus discípulos é aquele que não hesita em se sacrificar com uma oblação heroica da própria vida, em favor daqueles que ele quis tratar como amigos.

A participação deles na ceia, especialmente desejada por Jesus para seus apóstolos, mostrava que estavam destinados a compartilhar seu sacrifício. Eram convidados a amar-se uns aos outros como seu Mestre tinha amado, aceitando todas as penas e renúncias que o amor recíproco pudesse exigir. O Sacrifício Eucarístico que tinha sido confiado à missão sacerdotal deles comportava um empenho que no futuro estaria ligado à vida de todo e qualquer sacerdote: o engajamento no caminho de um amor que estaria pronto a acolher a qualquer chamado a uma oferta pessoal em benefício dos outros.

O presbítero, que entende as exigências da participação na oferta eucarística, não pode recusar ser associado à prova da obra redentora. O amor que dá a vida por seus amigos foi inscrito no fundo de sua alma e o orienta para uma caridade generosa.

 

d) Esperança

O Sacrifício Eucarístico ajuda o presbítero a viver com esperança.

A vida sacerdotal é profundamente animada de esperança, pois o sacerdote recebeu a tarefa de anunciar a boa nova da salvação.

Na antiga aliança desenvolveu-se uma esperança voltada para um reino ideal, messiânico. Mas os profetas, mesmo anunciando a intervenção salvífica de Deus, salientavam muitas vezes a gravidade dos males e as ameaças de castigo. A nova aliança traz consigo uma grande novidade: as promessas divinas de salvação são agora cumpridas. Cristo vem como o Salvador que oferece agora a todos os homens os bens esperados há muito tempo, com a remissão dos pecados e a vida divina da graça. Uma nova era é inaugurada: a da esperança correspondida.

O clima de esperança confere à ação sacerdotal muitas possibilidades de desenvolvimento: a esperança é necessária para estimular o esforço da missão. Com a esperança, o dinamismo pode crescer notavelmente, encorajando o presbítero a difundir a boa nova e a iniciar todas as obras destinadas a favorecer o desenvolvimento das comunidades cristãs numa vida de santidade e caridade. A esperança protege os presbíteros contra o perigo do desânimo, contra a tentação de renunciar a iniciativas que podem ser muito fecundas.

O Sacrifício Eucarístico está destinado a reforçar a esperança. Torna presente o sacrifício da cruz, que mudou em sentido favorável o destino da humanidade. Torna esse sacrifício mais precisamente atual, no estado glorioso que sucedeu ao evento doloroso. O Cristo que se oferece mediante o presbítero na Eucaristia é o Cristo celeste, vitorioso. E também o Cristo cheio de poder para transformar o mundo. É, portanto, o Cristo da esperança. O presbítero encontra nesse Cristo uma fonte inesgotável de esperança, quando se une a sua oferta e se alimenta de seu corpo.

Em sua impotência, o presbítero tem a possibilidade de reagir com uma esperança mais forte, alimentada pela Eucaristia; essa esperança não pode decepcioná-lo, tal como a Eucaristia não decepciona.

 

 

3. O Sacrifício Eucarístico em relação ao ministério do presbítero

 

a) A obra de Cristo

O Sacrifício Eucarístico ajuda o presbítero a descobrir cada vez melhor a verdade mais essencial de seu ministério: nesse ministério, é essencialmente Cristo quem age.

O presbítero pronuncia as palavras da consagração, mas é superado por completo pelo efeito invisível dessas palavras. A presença do corpo e do sangue de Cristo não poderia ser produzida por aquele que diz: “Este é o meu corpo”, “Este é o meu sangue”. É o Eu de Cristo que se oferece ao Pai e realiza a oferta sacerdotal.

É também verdade que essa oferta sacerdotal é realizada mediante o ministério do presbítero. O valor desse ministério não pode, portanto, ser reduzido a zero. O sacrifício precisa essencialmente de uma cooperação humana que permita a Cristo agir. Sem essa cooperação, o sacrifício da cruz não teria sido seguido por uma multidão de sacrifícios sacramentais, que reproduzem o único sacrifício da redenção universal.

O papel do presbítero merece, assim, ser reconhecido. Ele tem consciência de ser apenas um ministro que pronuncia palavras em nome de Cristo e que deixa a Cristo a responsabilidade de realizar o gesto espiritual da oferta. Comporta-se assim porque o próprio Cristo o quis, quando na última ceia deu esta ordem: “Fazei isto em memória de mim”. Fazer isto em memória dele significa, para o presbítero, concentrar todo o seu pensamento em Cristo e fazer seu todo o desígnio do Salvador.

É o maior gesto humano, porque implica a grandeza infinita de Cristo; e também o menor e mais humilde dos gestos, pois o sacerdote se despoja de sua personalidade para poder deixar agir em si mesmo a pessoa de Cristo. Por meio do presbítero, é Cristo que realiza todo o Sacrifício Eucarístico.

 

b) Missão de salvador

Graças ao Sacrifício Eucarístico, o presbítero realiza sua missão essencial, missão de salvador.

As palavras da consagração do vinho expressam fortemente essa missão: é afirmada a presença do sangue da nova e eterna aliança, derramado por muitos para o perdão dos pecados. De fato, parece que esta última determinação, “para o perdão dos pecados”, foi acrescentada, no texto de Mateus, às palavras autenticamente pronunciadas por Jesus. É verdade que o sangue de Cristo foi derramado para obter o perdão dos pecados da humanidade, mas não foi derramado apenas com essa finalidade: queria proporcionar, por meio desse sacrifício, a vida divina à humanidade. Como Salvador, Jesus não se limita a comunicar aos homens a salvação e a purificação: ele transforma toda a sua existência, dando a eles em profusão uma vida mais elevada, vida divina que invade toda a vida humana.

Uma vez que o Sacrifício Eucarístico reproduz sacramentalmente o sacrifício da cruz, o presbítero que celebra a Eucaristia contribui para uma fecundidade mais ampla desse Sacrifício único e para o nascimento da Igreja. Ele realiza sua missão pastoral, pois o primeiro ato do pastor consiste na oferta do Sacrifício. Cristo tinha dito: “Eu sou o bom pastor: o bom pastor dá sua vida pelas suas ovelhas” (Jo 10,11). Ele realizou esse ideal de pastor oferecendo sua vida por todos os homes e quis uma renovação incessante da oferta, pedindo a seus discípulos o gesto da oferta eucarística. O presbítero que refaz a oferta pratica sua missão mais elevada. Sendo o sacerdote de Cristo, reproduz o ato pastoral supremo de Cristo.

Esse ato pastoral supremo permite ao presbítero ser plenamente testemunha de Cristo, testemunhando com as palavras da consagração do pão e do vinho a eficácia de seu sacrifício. A eficácia consiste também no fato de que o presbítero obtém, como frutos do Sacrifício Eucarístico, benefícios de vida divina e de graça para numerosas pessoas e para toda a comunidade eclesial. Toda celebração eucarística é fonte de bênçãos divinas para a humanidade.

 

c) A unidade fraterna

Com o Sacrifício Eucarístico, o presbítero colabora para o desenvolvimento da unidade fraterna.

O evangelista João, comentando uma palavra de Caifás: “É melhor que um só homem morra pelo povo e não pereça a nação toda”, escreveu que “não dizia isso por si mesmo, mas, sendo sumo sacerdote naquele ano, profetizou que Jesus iria morrer pela nação – e não só pela nação, mas também para congregar na unidade todos os filhos de Deus dispersos” (Jo 11,50-52). Se o sacrifício da cruz foi oferecido para obter a reunião de todos os filhos de Deus dispersos pelo mundo, e se realmente alcançou essa finalidade, o Sacrifício Eucarístico tem essencialmente o mesmo objetivo: promover a união entre aqueles que continuam por demais dispersos, separados uns dos outros.

Em sua missão, o presbítero pode ser definido o homem da unidade. Ele traz em si mesmo a mensagem de caridade de Cristo, que quer reunir e estabelecer um verdadeiro reino de amor e de concórdia. Orienta-se profundamente para a formação de um mundo mais fraterno. Mas não faltam obstáculos. O presbítero fica frequentemente desconcertado, perturbado, diante dos conflitos que se manifestam e se opõem a uma paz que todos deveriam desejar. Sente-se sobrepujado pela hostilidade que explode até nas famílias e nos ambientes de fé, aparentemente destinados a testemunhar o amor recíproco ensinado no evangelho.

Sentindo sua impotência diante de situações de dilaceração que não pode corrigir, ele só pode recorrer à Eucaristia para obter do Cristo eucarístico um novo impulso ao amor mútuo. Pode também exortar aqueles que estão engajados em conflitos a buscar no alimento eucarístico uma força superior para restabelecer a paz e o bom entendimento. Pode ancorar mais resolutamente sua confiança no Cristo, que com seu sacrifício venceu todas as más paixões e reconciliou todos aqueles que estavam em conflito uns com os outros.

O Sacrifício Eucarístico é fonte segura de um amor que triunfa sobre todas as lutas e estabelece uma nova unidade autenticamente fraterna, entre todos aqueles que são, juntos, filhos do Pai no Filho.

 



[1] DS 1739.

[2] DS 1740.

[3] DS 1753.

[4] DS 1743.

[5] DS 1743.

[6] LG 28.

[7] DS 1776.

[8] PO 2.

[9] LG 20.

[10] PO 2.

[11] LG 25.

[12] PO 4.

[13] LG 28.

[14] PO 3.