Diretor do Instituto Teológico e Filosófico da
Arquidiocese de Niterói,
Pe. Demétrio, fala sobre o sacerdócio na
edificação da Igreja
O sacerdócio edifica a Igreja
Pe.
Demétrio Gomes da Silva*
Ao proclamar o Ano Sacerdotal, com ocasião da comemoração do 150º
aniversário do dies natalis de São
João Batista Maria Vianney o Santo Padre, Papa Bento XVI, disse que pretendia
“contribuir para fomentar o empenho de renovação interior de todos os
sacerdotes para um testemunho evangélico mais vigoroso e incisivo”. Este Ano
Sacerdotal deve ser um tempo no qual não só os sacerdotes, mas todos os fiéis
redescubramos a beleza deste grande dom que o Senhor confiou à Sua Esposa, a
Igreja.
Se todo cristão é um «Outro Cristo» – Alter Christus –, com muito mais razão o é o sacerdote. Homem
configurado ao Senhor não só em virtude do sacramento batismal, mas também pela
ordenação sacerdotal, que realiza nele uma identificação total com Cristo,
Cabeça da Igreja. Podemos dizer que tal identificação é tão profunda, que já não
existe uma alteridade perfeita entre Cristo e o sacerdote. Ele já não é somente
um Alter Christus, mas Ipse Christus, o mesmíssimo Cristo.
Estritamente falando, só existe um Único Sacerdote: Jesus Cristo. Todos
aqueles que recebemos o dom do sacerdócio por imposição das mãos dos Apóstolos
e seus sucessores somos sacerdotes n’Ele, isto é, participamos do seu único e
sempiterno sacerdócio.
O sacerdote perpetua a presença do Senhor na história dos homens de
todos os tempos. Ele é chamado a fazer de sua voz, a voz de Seu Senhor; do seu
olhar, o mesmo olhar amoroso do Mestre; de suas mãos, mãos que seguem curando e
levantando aqueles que sofrem sob o peso de seus pecados. Parafraseando a Bem
Aventurada Madre Teresa de Calcutá, podemos dizer, em uma palavra, que o
sacerdote permite que Cristo siga amando através dele.
Por mais que quiséssemos, jamais conseguiríamos abarcar por completo
este mistério na Igreja de Deus. O Santo Cura d’Ars dizia aos seus, que se
entendêssemos o que é um sacerdote, morreríamos, não de susto, mas de amor.
Afirmava também que só no Céu, o sacerdote entenderá bem a si mesmo.
A dignidade dos sacerdotes – a qual todos somos chamados a redescobrir
neste Ano Sacerdotal – não consiste nas qualidades pessoais daqueles que são
chamados a este ministério. Na verdade, parece que essas são inclusive bem
escassas naqueles a quem o Senhor chama. Se Ele fosse seguir a lógica humana,
certamente escolheria a outros. Há seguramente muito mais pessoas eloqüentes
por aí, mais inteligentes, e até mesmo mais santas. Por certo, a criatura mais
perfeita e bela que saiu das mãos de Deus, a Virgem Maria, não foi chamada ao
sacerdócio. Aqui cai por terra a débil argumentação feminista, segundo a qual
as mulheres deveriam ser também ordenadas, pois possuem a mesma dignidade que
os homens. Em parte é verdade, mulheres e homens possuem a mesma dignidade
diante de Deus, mas a dignidade do sacerdote – ignoram os feministas – não
reside em que ele humanamente seja mais ou menos digno, mas no tesouro
sobrenatural que ele porta, apesar do pobre vaso que é, na eleição que o
próprio Deus fez dele.
O Senhor chama aqueles que Ele quis (Cf. Mc 3,13). Essa é a razão
suprema do chamado sacerdotal: o querer libérrimo de Deus, totalmente
independente das qualidades pessoais daquele que é chamado. A vocação
sacerdotal é, por isso, dom totalmente gratuito. Ninguém tem “direito” a
recebê-la.
A presença do sacerdote no mundo é absolutamente necessária para que a
redenção alcance a todos os homens. A ação mais sublime que um homem pode realizar
na terra – consagrar o Corpo e o Sangue do Senhor, e perdoar os pecados – só
pode ser realizada por um sacerdote. “O padre possui a chave dos tesouros
celestes: é ele que abre a porta; é o ecônomo do bom Deus; o administrador dos
seus bens (…). Deixai uma paróquia durante vinte anos sem padre, e lá
adorar-se-ão as bestas” (São João Maria Vianney).
Sem padre, não há Eucaristia, e, sem Eucaristia, não há Igreja. O
teólogo francês, Henri de Lubac, afirmava que a “Eucaristia edifica a Igreja”.
Podemos aqui acudir também a uma paráfrase e dizer que “o sacerdócio edifica a
Igreja”. O caminho inverso, infelizmente, também é verdadeiro. Se alguém quiser
desedificar a Igreja, tentará fazê-lo procurando destruir o sacerdócio. O
demônio e os seus amigos sabem muito bem disso, e, como não tiram férias,
tentam a todo o momento macular a imagem dos sacerdotes entre os homens.
Essa é a única razão pela qual os pecados dos ministros de Cristo são
lançados aos quatro ventos, para que todos os contemplem e deixem de perceber o
tesouro que escondem por detrás de suas fragilidades humanas. Não sejamos
ingênuos: qual outra razão teriam em publicar em diversos meios de comunicação
as misérias desses homens?
É verdade, lamentavelmente, que existem – sejamos realistas – sacerdotes
que profanam o seu celibato com toda a espécie de corrupção sexual que a
criatividade dos filhos de Adão pode imaginar, sacerdotes que se vendem por
dinheiro, que desobedecem às normas da Igreja, enfim. Como afirmou o Papa Bento
XVI, “nada faz a Igreja, Corpo de Cristo, sofrer mais que os pecados dos seus
pastores, sobretudo daqueles que se convertem em “ladrões de ovelhas” (João 10,
1ss)”. É um dano inimaginável o que esses maus pastores podem causar às almas
de quem eles deveriam salvar, sobretudo porque um sacerdote nunca se condena
sozinho. Porém, devemos estar muito vigilantes para que jamais sejamos tomados
de certo espírito pessimista, que nos leve a pensar que todos os sacerdotes
estão corrompidos, que nos faça, enfim, deixar de contemplar a beleza do
ministério sacerdotal, e maravilhosa ação que Deus prodigaliza por meio desses
homens.
Diante de tantas sombras, temos que afirmar – também com realismo –,
que a imensa maioria dos sacerdotes temos o desejo de sermos fiéis à nossa
vocação. Ainda com toda nossa debilidade, que compartilhamos com os nossos
irmãos homens, temos o anseio sincero de conversão, de santidade, e para isso,
nos confessamos, buscamos uma direção espiritual, e aproveitamos todos os meios
ascéticos para colaborar com a graça de Deus em nós. Quantos são os sacerdotes
que se consomem diariamente, nos altares de distantes igrejas, no silêncio dos
confessionários, nos hospitais, e em tantos outros lugares, para conduzir ao
Céu aquelas almas que lhe são confiadas, ocultos aos olhos dos meios de
comunicação?
Aproveitemos esta inspirada iniciativa do Santo Padre para fazer
novamente brilhar o esplendor do sacerdócio na Igreja Católica. Esplendor que,
nem sequer, a miséria dos pastores enfermos – não existem maus pastores, mas
pastores doentes – poderão roubar da Santa Igreja. Resgatar práticas simples,
mas carregadas de fé, como, por exemplo, pedir a bênção aos sacerdotes.
Incentivá-los a que se vistam como padres. Rezar muito pela sua conversão.
Fazer, de alguma forma, com que nós mesmos redescubramos o tesouro que
recebemos em nossa ordenação e recuperemos nossa identidade diante da Igreja e
do mundo.
Certa vez ouvi dizer que a sociedade civil é um reflexo da sociedade
eclesiástica. Se isso é verdade, pense no que poderíamos fazer no mundo com um
punhado de sacerdotes santos?
* Diretor do Instituto
Filosófico e Teológico do
Seminário São José da Arquidiocese de Niterói