“A comunicação na Missão do Sacerdote”

 

 

Conferência do Exmo. e Revmo. Dom Mauro Piacenza,
Secretário da Congregação para o Clero,
por ocasião da inauguração da Jornada de Estudos promovida pela
Pontifícia Universidade da Santa Cruz – Roma, 2009



 

Revmo.  Sr. Decano,
Revmos. e estimados Relatores e Professores,
Caríssimos Sacerdotes, Religiosas e Religiosos,
Caros irmãos,

 

 

Estou muito contente por ter sido convidado a presidir esta Primeira Seção da vossa jornada de Estudos, com o título “A Comunicação na Missão do Sacerdote”, sugerida de modo específico durante este Ano Sacerdotal, querido pelo Santo Padre Bento XVI “para favorecer a tensão dos sacerdotes para a perfeição espiritual da qual sobretudo depende a eficácia do seu ministério.”[1]

 

A eficácia do ministério, garantida em seus aspectos essenciais pela Graça divina, descrita no ex opere operato de tomista memória, é confiada também, misteriosa e concomitantemente, de modo fascinante, à liberdade de cada sacerdote, no percurso de sua progressiva configuração existencial a Cristo, Único Sumo Sacerdote; configuração que começa com o Sacramento da Ordem e continua durante todo o tempo de sua existência terrena.

 

Neste sentido, cada sacerdote é, por excelência, “homem da comunicação”: da comunicação com Deus e da comunicação de Deus aos irmãos, confiados à solicitude do seu ministério.

 

Ao iniciar esta jornada de estudos, inclusive acompanhando a sucessão dos eventos já programados, penso ser importante sublinhar três aspectos da comunicação do Sacerdote, que me parecem essenciais.

 

 

1. O sacerdote, homem da comunicação

 

Como recorda a epístola aos Hebreus, “em verdade, todo pontífice é escolhido entre os homens e constituído a favor dos homens como mediador nas coisas que dizem respeito a Deus, para oferecer dons e sacrifícios pelos pecados” (V,1).

 

O Sacerdote é um homem totalmente “relativo a Deus”, do único “relativismo” do qual é possível gloriar-se. É um homem constituído pela Misericórdia divina em uma função precisa de representação do próprio Cristo: é alter Christus, como nos ensina a melhor tradição eclesial. Neste sentido, ele, inclusive independentemente dos pessoais dotes de “comunicador”, é constituído sacramentalmente em comunicação-representativa do próprio Cristo: o sacerdote e o sacerdócio não são auto-suficientes ou independentes de Cristo; e quando se tornassem – Deus não o permita! –, perderiam sua própria força missionária, reduzindo-se a meras realidades humanas, incapazes, conseqüentemente, de “comunicar” e representar o Mistério.

 

O próprio exercício do tríplice múnus (tria munera) sacerdotal é eminentemente um ato de comunicação. Não me refiro somente ao múnus docendi, que o é de modo mais direto e imediato na pregação e na catequese; mas também ao múnus santificandi, naquela extraordinária forma de celeste comunicação que é a Divina Liturgia, que obedece às suas precisas e próprias regras comunicativas, nunca disponíveis às manipulações ou ajustes pessoais; e ao mudus regendi, por meio do qual os sacerdotes são chamados a “comunicar” a solicitude de Cristo Cabeça, o Bom Pastor que, através de seus ministros, “apascenta” o seu rebanho para reconduzi-lo ao Pai.

 

A compreensão e, onde necessário, a re-compreensão da substancial natureza ontológico-representativa do Sacerdócio ministerial, distinto essencialmente do sacerdócio batismal, constitui hoje uma autêntica prioridade para o Clero, tanto na formação inicial quanto na formação permanente.

 

A este respeito, ensina o Catecismo da Igreja Católica, no n. 1581: “Este sacramento toma a pessoa semelhante a Cristo por meio de uma graça especial do Espírito Santo, para servir de instrumento de Cristo em favor de sua Igreja. Pela ordenação, a pessoa se habilita a agir como representante de Cristo, Cabeça da Igreja, em sua tríplice função de sacerdote, profeta e rei”.

 

A primeira e a mais eficaz condição para que cada sacerdote assuma conscientemente a responsabilidade pela “comunicação” que põe em ser, é determinada pela compreensão da própria, autêntica e profunda identidade, sacramentalmente e definitivamente determinada, não disponível e, por isto mesmo, objetiva “comunicação” do divino. O próprio Santo Padre, ao colocar em evidência o núcleo essencial da espiritualidade de São João Maria Vianney, de cujo 150o Aniversário celebramos no Ano Sacerdotal, o especificou na “total identificação com o próprio ministério”. No entanto, tal identificação é condição imprescindível de toda “comunicação” eficaz.

 

 

2. O sacerdote “comunicador” da Igreja e na Igreja

 

A segunda sugestão, que me parece também urgente propor à vossa reflexão, diz respeito à indevida e freqüentemente embaraçosa proliferação dos padres-show, presentes em muitos órgãos de informação, sobretudo na televisão, sem nenhuma permissão do Ordinário e sem a possibilidade de nenhum controle real por parte da legítima autoridade eclesiástica.

 

Se, de um lado, seria honestamente desejável, neste âmbito, uma oportuna reflexão sobre o serviço de “vigilância” – epi-scopé – dos Ordinários (não tratar-se-ia de um sufocante regime “policial”, mas de um senso de responsabilidade e de caridade pastoral para com todos, desde o povo fiel até àqueles que não crêem), de outro, fere-nos não pouco a constatação de como amiúde, senão na maioria dos casos, certos sacerdotes, e até mesmo alguns religiosos, se afastam, inclusive patentemente, da doutrina comum, não apenas em âmbito moral, mas também em âmbito de fé. É um sinal da perda da própria consciência identitária, que demanda, não raramente, desorientação entre os fiéis leigos e os comuns espectadores, os quais são postos diante da diferença, então clamorosa, entre a “doutrina oficial da Igreja” e aquilo que é “comunicado” (acrescentaria, “inoportunamente!”) pelos referidos padres-show.

 

Sabemos bem como o mundo, em senso joanino – e, neste sentido, não poucos Media desenvolvem plenamente esta tarefa –, tenha sempre procurado “esconder” a Verdade, desorientar e, sobretudo, ocultar a poderosa unidade da doutrina católica, seja entendida em si mesma, como um completo sistema de compreensão da realidade que tem no próprio Deus a sua origem sobrenatural, seja em relação à real unidade do Corpo eclesial que, o sabemos bem, é semente fecunda de um testemunho eficaz, de acordo com a oração sacerdotal: “Ut unum sint”.

 

Agora, mais do que nunca, é importante evitar a proliferação daquilo que não temo em definir como um verdadeiro e real “far-west comunicativo, no qual alguns sacerdotes, pretendendo falar em nome da Igreja – e, de fato, em parte a representam, pelo menos pela força de sua ordenação sacramental –, produzem divisão e desorientação, causando um verdadeiro dano à unidade e à eficácia da comunicação eclesial e evangélica. Se considerarmos, depois, a amplificação que tais “intervenções mediáticas” têm, pela força dos instrumentos utilizados (que atingem, às vezes, muitos milhões de pessoas!), a responsabilidade se torna verdadeiramente incalculável. Vêm à mente as claras palavras do Senhor: “Aquele que violar um destes mandamentos, por menor que seja, e ensinar assim aos homens, será declarado o menor no Reino dos céus” (Mt V,19).

 

A vossa utilíssima Faculdade, primeira neste gênero, tão bem inserida no arco das disciplinas acadêmicas da Pontifícia Universidade da Santa Cruz, tem também este importante objetivo: clarificar o status epistemológico da Comunicação, declinada segundo a categoria de “institucional”, individuando e formando outrossim os “atores”, habilitados oficialmente a tal finalidade.

 

Provavelmente, parte da Igreja e, nessa, do Corpo episcopal, chamado a “vigiar”, deve ainda assumir plenamente o significado que, também a nível antropológico, teve – e terá nas próximas décadas –, a assim chamada “revolução mediática” que, depois da “Revolução Francesa” e da “Revolução Industrial”, é a mais importante “revolução” da modernidade.

 

 

 

3. Comunicação como meio

 

Gostaria de fazer uma última observação, antes de dar a palavra ao Prof. Philip Goyret, sobre o significado e sobre a correta posição “teológica” da comunicação.

 

Criou-se não raramente um certo resvalamento semântico entre os termos “comunhão” (communio) e “comunicação”, pensando de atribuírem-se reais ou presumidas “raízes trinitárias” à comunicação humana. Se é claro que o homem é sempre o ator, ou ao menos um dos atores, da comunicação, e que o homem foi criado à imagem do Deus trinitário, e é chamado a torna-se à Sua semelhança, todavia não parece diretamente justificada uma identificação dos dois referidos termos.

 

A communio pertence à ordem dos fins e é absolutamente necessário respeitar a sua natura, ainda mais dentro do discurso teológico. A comunicação, ao contrário, pertence à ordem dos meios, e pode licitamente ser descrita como um meio, talvez como um dos meios mais eficazes para o alcance, ou melhor, para o acolhimento da communio.

 

Estou convencido que a reflexão e o aprofundamento desta “instrumentalidade” e “finalização” da comunicação à Comunhão seja uma premissa indispensável de todo o pensar teológico que queira oferecer um contributo realmente edificante e permita, inclusive à comunicação dos sacerdotes, uma real finalização que, em última análise, poderia simplesmente responder à pergunta: “aquilo que estou comunicando pertence à Igreja? Favorece a comunhão? Comunico, isto é, coloco quem me escuta em comunhão com dois mil anos de história cristã?”

 

Também na comunicação dos Sacerdotes – e concluo – é de extraordinária eficácia aquilo que o Santo Padre Bento XVI recordou em sua Encíclica Caritas in Veritate: “A caridade na verdade coloca o homem perante a admirável experiência do dom. A gratuidade está presente na sua vida sob múltiplas formas, que freqüentemente lhe passam despercebidas por causa duma visão meramente produtiva e utilitarista da existência. O ser humano está feito para o dom, que exprime e realiza a sua dimensão de transcendência. Por vezes o homem moderno convence-se, erroneamente, de que é o único autor de si mesmo, da sua vida e da sociedade. Trata-se de uma presunção, resultante do encerramento egoísta em si mesmo, que provém — se queremos exprimi-lo em termos de fé — do pecado das origens. Na sua sabedoria, a Igreja sempre propôs que se tivesse em conta o pecado original mesmo na interpretação dos fenômenos sociais e na construção da sociedade. ‘Ignorar que o homem tem uma natureza ferida, inclinada para o mal, dá lugar a graves erros no domínio da educação, da política, da acção social e dos costumes’ (Catecismo da Igreja Católica, n. 407)” (Bento XVI, S.S. Carta Encíclica Caritas in Veritate, n.34). Evidentemente, pode ser causa de graves erros também no campo da comunicação e da “Comunicação na missão do sacerdote”.

 

Desejo, de coração, bom trabalho a todos!

 

 

 

Roma, 18 de novembro de 2009.

 



[1] Bento XVI, S.S. Alocução à Plenária da Congregação para o Clero, 16.III.2009.