Coragem, alegremo-nos todos no Senhor!

 

 

 

Durante a Semana Santa tivemos, nas comunidades espalhadas pela Arquidiocese, uma intensa participação do povo em algumas. Na quinta-feira santa, a Missa do Crisma, na Catedral da Sé, foi um momento marcante no Ano Sacerdotal, com a presença da maioria do clero. Também na sexta-feira santa o povo participou bem; menor, em geral, foi a participação na vigília pascal, que ainda não é valorizada suficientemente.

 

Temos muito a fazer pois, no contexto sócio-cultural atual, a Semana Santa, especialmente o tríduo pascal, é vista como tempo de férias e de fuga da cidade para buscar refúgio no interior ou no litoral. Isso é compreensível para quem não tem nossa fé, mas não deveriam os cristãos católicos ser levados pela mesma mentalidade; nossas comunidades também se esvaziam, justamente no momento mais importante das celebrações litúrgicas da Igreja, isto é, o sagrado tríduo pascal; perde-se, acima de tudo, uma grande ocasião para uma renovação espiritual, para uma catequese mais profunda e para deixar-se contagiar pelas “maravilhas de Deus”, que a Igreja anuncia e celebra nesses dias.

 

Durante toda a Quaresma seguimos o apelo à conversão: “convertei-vos e crede no Evangelho”. Todo o itinerário quaresmal levava ao reconhecimento dos nossos pecados, que são fatos da consciência pessoal, mas também têm repercussão no convívio social. Nesta Quaresma, para nossa dor, escândalo de muitos e motivo de grande humildade para todos, pecados acabaram sendo mostrados ao grande público, também pecados de membros do clero pelo mundo afora. Pecados de corrupção, desonestidade, violência, adultério, estupros, injustiças, exploração desonesta do próximo e desrespeito, até cruel, pela vida de pessoas já são mostrados todos os dias e já nem mexem mais com as consciências. Mas os pecados do clero chocaram, e com razão! Deles se espera vida digna, e santa! E são logo generalizados, fazendo sofrer a maioria absoluta do clero que nada tem a ver com os horríveis escândalos mostrados e comentados à saciedade.

 

Pensando em tudo isso, após a Páscoa, muitos católicos talvez estejam com o coração pesaroso e desanimado, até envergonhados. Penso nos apóstolos e discípulos de Jesus, após a sua condenação à morte na cruz. Pedro foi embora de Jerusalém, voltou à Galiléia para retomar a vida de antes: “vou pescar. Outros disseram: vamos também nós contigo” (cf Jo 21,3). Dois outros também iam embora de Jerusalém e voltavam para Emaús, sua aldeia de origem, frustrados e desanimados: Tudo acabou! Parecia tão bonito, nós até esperávamos que ele libertaria Israel, mas agora já se passaram três dias desde que mataram Jesus... Fomos enganados; as autoridades condenaram Jesus à morte e deviam ter razão... (cf Lc 23,20-21). Aqueles discípulos revelam o tamanho da frustração e do desânimo que tomou conta de quase todos os outros também. Poucos, como a Mãe de Jesus, mantiveram a confiança: “eu sei que o meu Redentor vive”!

 

Mas o reencontro com Cristo ressuscitado reaqueceu seus corações e suas esperanças: já não eram os sonhos de antes e compreenderam melhor quem era aquele homem que tinham seguido antes da Páscoa: “Deus estava com ele!”. As aparições, ou encontros pascais com Jesus ressuscitado são testemunhos fortes de uma experiência originária: “vimos o Senhor!” (Jo 20,25). Viram de forma nova e compreenderam melhor! Suas frustrações ainda eram devidas a compreensões e expectativas inadequadas em relação ao reino de Deus que Jesus anunciara... Quando o homem quer impor seus planos aos de Deus, seguindo caminhos próprios e desprezando os de Deus, a fragilidade do homem aparece e, então, vêm o pecado, a frustração e o desânimo.

 

Na Páscoa, Igreja proclama exultante: “Este é o Dia que o Senhor fez para nós: Alegremo-nos e nele exultemos!” Talvez, pela cabeça do leitor passe agora este pensamento: temos nós motivos para nos alegrar quando, nas palavras do salmista, “somos apertados de todos os lados”? Eu respondo: sim, temos muitos e grandes motivos, que nos vêm de algo muito maior que nós mesmos, e que o próprio Deus preparou para nós! A Páscoa é a proclamação do poder de Deus, da vitória da vida sobre a morte, da misericórdia e do perdão sobre o ódio e o pecado! Alegremo-nos!

 

O desânimo não deve tomar conta de ninguém! A conversão e a superação dos pecados, a busca da vida santa devem receber novo impulso daquilo que o Senhor fez para nós! “Se ressuscitastes com Cristo, buscai as coisas do alto!” (cf Cl 3,1). Nós não anunciamos a nós mesmos e sabemos bem que somos vasos de barro; mas em nossas mãos foi colocado um tesouro, que não pode ficar escondido, nem ser desprezado porque os vasos são feios... “A alegria do Senhor é a nossa força!” Coragem! Alegremo-nos todos no Senhor!

Card. Odilo P. Scherer

Arcebispo de São Paulo

05.04.2010