Homilia 13 maio 2010

 

HOMILIA DO CARDEAL CLÁUDIO HUMMES NA MISSA DE ABERTURA DO XVI CONGRESSO EUCARÍSTICO NACIONAL

 

Brasília, 13 de maio de 2010

 

Caríssimos irmãos e irmãs,

 

         Esta Solene Santa Missa abre o XVI Congresso Eucarístico Nacional, a celebrar-se aqui em Brasília. É justo que eu diga imediatamente que nosso amado Papa Bento XVI envia a todos os participantes do congresso sua paterna e amorosa saudação e sua bênção apostólica. Lá de Roma, ou melhor, hoje, de Fátima, ele nos acompanha e se faz presente espiritualmente no meio de nós. E nós, daqui, nos unimos a ele em intensa comunhão, agradecendo seu carinho e seu admirável pastoreio universal da Igreja.

         Concomitantemente ao congresso, esta bela e moderna cidade de Brasília, capital do País, celebra seus 50 anos de fundação e a arquidiocese de Brasília, seus 50 anos de criação. Todos nós, aqui reunidos, queremos dar a cidade de Brasília e à Arquidiocese nossos mais calorosos cumprimentos e augurar-lhes as melhores bênçãos de Deus.

         Com o congresso eucarístico, Brasília se transforma em altar, junto ao qual o povo católico brasileiro se reúne nestes dias e celebra sua fé. A partir deste altar, Jesus eucarístico resplende e ilumina o Brasil inteiro, até os rincões mais distantes, convidando  todos a sentarem-se à sua mesa, onde Ele, Jesus Cristo,  se nos dá como Pão da Unidade. Ele mesmo é o Pão da Unidade dos discípulos e missionários. A este convite é, sem dúvida, sensível a imensa maioria da população brasileira, o mais numeroso povo católico do mundo. De fato, o bem maior que os colonizadores  portugueses trouxeram ao Brasil foi a fé católica, que se incarnou em nossa cultura e em nossa história. Nós, os católicos brasileiros de hoje, acolhemos esta herança com plena adesão e com a irrenunciável responsabilidade de transmiti-la às gerações futuras. Por esta razão, o presente congresso nos quer lembrar que pela fé e pelo Batismo o Espírito Santo nos transformou em discípulos e discípulas de Jesus Cristo e, consequentemente, em seus missionários. Daí, o tema do congresso “Eucaristia, Pão da Unidade dos Discípulos Missionários”.

         O congresso eucarístico quer fazer-nos experimentar de novo intensamente a maravilha da Eucaristia, fonte e centro da vida cristã, que contém em síntese o próprio núcleo do mistério da Igreja. De fato, na Eucaristia faz-se presente, sempre de novo, através dos séculos, na forma sacramental de pão e vinho, a pessoa de Jesus Cristo, morto e ressuscitado. Toda a força salvadora da sua morte e ressurreição se encontra na Eucaristia e todo aquele que come deste pão vivo eucarístico tem a vida eterna e será ressuscitado por Cristo no último dia, como Ele mesmo disse: “Eu sou o pão vivo descido do céu. Quem comer deste pão viverá para sempre. O pão que eu darei é a minha carne para a vida do mundo [...] Quem come minha carne e bebe meu sangue tem a vida eterna e eu o ressuscitarei no último dia” (Jo 6, 51 e 54).

         Como ouvimos nas leituras desta Santa Missa, a Eucaristia já foi prefigurada na multiplicação dos pães, com que Jesus alimentou as multidões no deserto. Também nas remotas origens da história da nossa fé, o gesto sacerdotal do misterioso Melquisedeque, o qual, na presença de Abraão, ofereceu a Deus pão e vinho, é prenúncio da Eucaristia.  Esses prenúncios se tornaram realidade na Última Ceia de Jesus. Ali, Ele tomou o pão e o vinho e os distribuiu aos discípulos, dizendo: “Isto é meu corpo”, “Isto é meu sangue”, acrescentando: “Fazei isto em memória de mim”. Ó grandeza e profundidade do amor de Deus por nós! Com efeito, o sacramento da Eucaristia foi a forma sacramental que Jesus Cristo decidiu instituir para ficar conosco até o fim dos tempos e não nos deixar órfãos quando Ele voltasse ao Pai. Realmente, Deus não quer se distanciar de nós, porque nos ama e não nos quer perder. Louvemos, portanto, com intensa ação de graças e com cantos jubilosos este seu amor e esta sua presença misteriosa mas real na Eucaristia, junto conosco, através dos séculos e milênios da história. O congresso eucarístico quer ser acima de tudo e em primeiro lugar esta ação de graças solene e pública do povo brasileiro.

Ora, poder sentar-se à mesa eucarística é a melhor oportunidade que Deus nos oferece, a nós, discípulos e discípulas de Jesus Cristo, para renovar o nosso discipulado, como propõe este congressso. De fato, o discípulo nasce de um encontro forte, pessoal e comunitário com Jesus Cristo. Sentar-se à mesa eucarística é estar diante da pessoa de Jesus e deixar-se por Ele envolver e transformar. Pela comunhão, somos incorporados nele e se realiza em nós o que ele disse: Eu sou a videira e vós os ramos. A seiva vital do tronco da videira flui nos ramos. Assim, os ramos vivem da vida do tronco. De modo semelhante, nós na comunhão vivemos da vida de Cristo, morto e ressuscitado, vida nova e imortal. O que mais poderia Cristo fazer por nós para nos transformar em seus seguidores, em seus discípulos? De fato, participar da Eucaristia é fazer um encontro forte, pessoal e comunitário com Cristo. Um encontro em que se simboliza e fortalece nossa adesão incondicional a Ele, nossa fé nele, nosso entusiasmo por ele, nosso encantamento por ele, nossa alegria e felicidade de termos encontrado Deus e comprendido o verdadeiro sentido de nossa vida. A partir da Eucaristia estamos prontos a seguir Jesus para onde quer que ele nos conduza, mesmo que seja para a Cruz onde, então também lá, o encontraremos a nos esperar e a nos oferecer o exemplo de dar a vida pela salvação do mundo. Sim, meus caros irmãos e irmãs, sentar à mesa de Deus é uma graça imensa e maravilhosa. É uma fonte de alegria e felicidade incomensurável, porque ali podemos experimentar vivamente o amor com que Deus nos ama e nos acolhe, um Deus que é amor e se dá a nós por puro amor.  Como então poderíamos deixar de ir à Santa Missa e deixar de comungar? O Papa, ao enviar-me aqui como seu Enviado Especial, me disse: “É Nosso desejo que todos os Pastores de tua Nação exortem os fiéis a participarem em grande número da celebração da Eucaristia, sobretudo nos dias de Domingo e que sejam purificados pelo sacramento da reconciliação e revigorados, nessa ocasião, pelo sagrado banquete”. Portanto, façamos do domingo o Dia do Senhor e neste dia encontremo-nos com o Senhor na Missa e sentemo-nos à sua mesa para encontrar-nos intimamente com Ele e com os irmãos e, se for preciso, antes recebamos o perdão dos pecados numa boa confissão. Isto iluminará a vida do católico e o fará sentir-se feliz e com a alma leve e transparente para, durante a semana, ser um cristão coerente na vida da família e da sociedade.

Irmãos e irmãs, o tema do nosso congresso nos lembra que o bom discípulo se transforma também em evangelizador e missionário de Jesus Cristo. Mas para sermos bons missionários, é preciso que sejamos muito unidos entre nós. Isso quer dizer que o encontro com Cristo deve conduzir-nos necessariamente ao encontro com os irmãos. Desse encontro com os irmãos o Espírito Santo faz nascer a unidade dos discípulos entre si. Jesus Cristo unido ao Pai, nós unidos com Cristo e com os irmãos, eis a unidade que nos reune em comunidade e nos faz Igreja. Desta unidade, diz Jesus, depende a credibilidade de sua Igreja. De fato, o sonho de Jesus Cristo é que sua Igreja se constitua modelo e semente de amor e de unidade para a sociedade humana.     

Ora, a Eucaristia foi instituida por Cristo para ser sinal e fonte desta unidade dos seus discípulos. Para entender, devemos reportar-nos ao próprio mistério da unidade na Santíssima Trindade. Com efeito, a comunidade da Trindade Santa é origem e modelo da comunidade dos discípulos de Jesus. Essa verdade se torna manifesta  no fato e no modo da ação da Trindade em relação ao mistério da Eucaristia. Com efeito, na mesa eucarística, Deus Pai distribui o seu pão, o Pão vivo, que é seu próprio Filho, feito homem, morto e ressuscitado. Este pão foi transformado no corpo de Cristo, por obra do Espírito Santo e pelo ministério do sacerdote. Os discípulos reunidos à mesa comem deste mesmo Pão vivo e, em virtude deste pão, o Espírito Santo os une em comunidade e os faz Igreja de Cristo. Assim como o Espírito Santo na Trindade é o amor que une o Pai e o Filho, assim também na Igreja Ele é o princípio da unidade.  Na Eucaristia, portanto, as três Pessoas da Trindade agem e estão presentes, construindo a unidade da Igreja sob o modelo e em virtude da própria unidade da Trindade.

Por esta razão, na Última Ceia, Jesus falou desta unidade a seus discípulos, dizendo: “Eu rogarei ao Pai e ele vos dará outro Paráclito [o Espírito Santo], para que convosco permaneça para sempre” (Jo 14, 16). “Eu sou a videira e vós os ramos. Aquele que permanece em mim e eu nele produz muito fruto; porque, sem mim, nada podeis fazer [...] Meu Pai é glorificado quando produzis muitos frutos e vos tornais meus discípulos. Assim como o Pai me amou, também eu vos amei. Permanecei em meu amor” (15, 5-9). Logo depois, Jesus, na sua oração sacerdotal, rezou ao Pai pela unidade de seus discípulos, dizendo: “ Pai santo, guarda em teu nome os que me deste, para que sejam um como nós [...]. Não rogo somente por eles, mas também pelos que, por meio de sua palavra, crerão em mim, afim de que todos sejam um. Como tu, Pai, estás em mim e eu em ti, que eles estejam em nós, para que o mundo creia que tu me enviaste  [...]. Que sejam um como nós somos um; eu neles e tu em mim, para que sejam perfeitos na unidade” (Jo 17,20-23).  Estes textos, caros irmãos e irmãs, mostram-nos como para Jesus é fundamental a unidade entre seus discípulos. Na medida em que os discípulos forem unidos, o mundo acreditará na sua palavra, ou seja, se os discípulos quiserem ser missionários com frutos, deverão dar ao mundo exemplo de amor e de unidade entre si. Isso torna-se ainda mais claro nas seguintes palavras de Jesus aos discípulos: “Eu vos dou um novo mandamento: que vos ameis uns aos outros. Como eu vos amei, amai-vos também uns aos outros. Nisso reconhecerão todos que sois meus discípulos, se tiverdes amor uns pelos outros” (Jo 13,34-35).

Por esta unidade, alimentada e significada pela Eucaristia, a Igreja é também chamada de povo de Deus. Isso já foi profetizado pela história do povo eleito de Deus da Antiga Aliança. O povo hebreu, escolhido e reunido por Deus para o cumprimento da promessa de um Salvador para a humanidade, prenuncia a fundação da Igreja de Jesus Cristo como povo de Deus da Nova e definitva Aliança.  O povo hebreu alimentado e fortificado pelo maná no deserto é prenúncio da Igreja alimentada e fortificada pela Eucaristia. Além disso, a Sagrada Escritura diversas vezes compara o Reino defintivo de Deus com um grande banquete no céu. Ora, o maná no deserto e depois a multiplicação dos pães feita por Jesus para alimentar o povo que o seguia faminto, são sinais da Eucaristia, a mesa do Pão vivo de Deus, que por sua vez é prenúncio do banquete eterno um dia no céu. Quando meditamos em tudo isso, caros irmãos e irmãs, percebemos como Deus nos ama imensamente, apaixonadamente. Nada é capaz de destruir o amor de Deus por nós. Ele nos ama como um Pai, nos ama sem reservas, gratuitamente. Ele não nos quer perder e faz tudo para nos salvar, dando até seu único Filho e este dá sua vida por nós. Nem todos os pecados do mundo, nem todas as violências e ódios, são capazes de destruir este amor gratuito e sem medida que Deus tem por nós. Deus nos amou por primeiro, quando ainda éramos pecadores, e foi esta experiência de seu amor que nos tornou capazes de amar, por nossa vez, a Deus e aos irmãos.“Deus tanto amou o mundo que entregou seu Filho único, para que todo o que nele crê não pereça mas tenha a vida eterna. Pois, Deus não enviou seu Filho ao mundo para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por ele” (Jo 3,16-17). Este Filho, feito homem, Jesus, nos amou a ponto de dar a vida por nós na cruz. Depois, para  não nos deixar órfãos no mundo, instituiu a Eucaristia, para ficar conosco até o fim dos tempos, quando então virá nos buscar para estarmos lá onde Ele já está, junto ao Pai, imortais e felizes para sempre. É isto que Deus preparou para os discípulos de seu Filho. São Paulo diz: “Por causa do grande amor com que Deus nos amou, quando estávamos mortos por causa de nossos pecados, ele nos deu a vida em Cristo” (Ef 2,4-5). E ainda, diz: “O que Deus preparou para aqueles que o amam é algo que os olhos jamais viram, nem os ouvidos ouviram, nem coração algum jamais imaginou” (1 Cor 2,9).

A unidade dos cristãos, ao redor da mesa eucarística, na qual todos participam igual e fraternalmente do mesmo Pão, é também sinal e semente de uma nova sociedade fraterna, justa, solidária e pacífica. Isso quer dizer que, quando nos sentamos à mesa de Deus, comprometemo-nos também a contribuir, concreta e eficazmente, com métodos justos e pacíficos, com o esforço de tantas outras pessoas e instituições para combater  a pobreza e a miséria, a fome e a exclusão de milhões e milhões de pessoas, vítimas das injustiças sociais. Depois de comungar na Missa, não poderíamos não nos empenhar em favor dos pobres e de todos os necessitados, para que eles também tenham o pão material e os demais bens matreriais, sociais, culturais e espirituais necessários para uma vida humana e cristã digna.

Recordemos ainda o Ano Sacerdotal. Lembrando que o sacerdócio dos nossos padres nasceu na Última Ceia de Jesus para que eles fossem os ministros da Eucaristia através dos tempos, gostaria de dizer a eles, dizer à imensa maioria dos padres, que são fiéis e dedicados ao ministério, que a Igreja os admira, os ama e reconhece o testemunho de sua vida de dedicação à obra de Jesus Cristo e o imenso trabalho que fazem nas comunidades locais e nas regiões missionárias. Por outro lado, isso requer também da parte deles uma adesão fiel e indefectível a Jesus Cristo, o Bom Pastor. Rezemos, todos, por eles e com eles, para que possam viver intensamente sua vocação e realizar sua missão. Aos fiéis todos, o Papa que exorta que ”tenham em grande estima os seus sacerdotes, escolhidos pelo Senhor e constituídos ministros da Eucaristia, pois (como disse São Francisco de Assis) o Filho de Deus ‘todos os dias desce do seio do Pai sobre o altar nas mãos do sacerdote’”.

Por fim, convido a todos, irmãos e irmãs, a fazer deste congresso um intenso acontecimento eucarístico. Faça cada um a sua parte. Vamos nos renovar como discípulos e discípulas de Jesus. Para isso, façamos nosso encontro pessoal com Ele, de modo especial participando da Eucaristia, mas também depois fazendo nossas horas de adoração ao Santíssimo, pois a adoração eucarística fora da Missa é também uma oportunidade privilegiada para nos encontrar com Cristo e a Ele contar nossa vida, nossas angústias, nossos sofrimentos, nossas alegrias e aspirações, mas também para simplesmente estarmos com Ele em grande intimidade espiritual, escutando-o, lendo a sua Palavra escrita na Bíblia, renovando nossa adesão a Ele e nosso encantamento por Ele. Peçamos a Jesus Cristo que nos acolha como seus discípulos e nos fortaleça e ilumine nos caminhos da vida, para que também possamos ser seus missionários. Participemos com alegria e, talvez até com sacrifício, de todo o programa deste congressso. E aos católicos de Norte a Sul do Brasil convido a participar deste congresso também à distância, unindo-se conosco aqui através da oração e da reflexão seja em particular, seja na família, seja nas celebrações de sua comunidade local. Todos nós queremos nestes dias renovar nossa adesão a Jesus Cristo. Sabemos que muito nos ajudaria se, para isso, fizéssemos um  encontro forte e pessoal com Cristo, seja por uma boa confissão, seja participando da Santa Missa, seja na adoração eucarística fora da Missa, seja na leitura orante do Evangelho, seja na solidariedade para com os pobres. Devemos ser mais profundamente discípulos dele, para então sermos mais missionários.

E agora, irmãos e irmãs, continuemos nossa Eucaristia com grande amor e devoção, com cantos de louvor e com a certeza de que Deus nos ama e não nos quer perder. Amém.

 

Cardeal Cláudio Hummes

Arcebispo Emérito de São Paulo

Prefeito da Congregação para o Clero