Homilia 16 maio 2010 Brasília
HOMILIA DO CARDEAL CLÁUDIO
HUMMES NA MISSA DE ENCERRAMENTO DO XVI CONGRESSO EUCARÍSTICO NACIONAL, EM
BRASÍLIA
Brasília, 16 de maio de 2010
Irmãos e irmãs,
Encerrando nosso
congresso eucarístico, na solenidade da Ascensão do Senhor, louvamos a Deus e
lhe damos graças, com profunda adoração e imensa alegria espiritual. Ao mesmo
tempo, pedimos seu auxílio e sua bênção para a grande missão que nos espera
neste querido Brasil.
O congresso
manifestou uma vez mais, que a Eucaristia é fonte e centro da vida da Igreja e
de cada cristão. Nestes dias, ao participar da Eucaristia e da adoração
eucarística, de modo mais intenso, pedimos a Cristo que desenvolvesse, em cada
um de nós, a consciência de sermos seus discípulos, para sermos também seus
missionários. De fato, a
Eucaristia é força do discípulo e do
missionário, é inspiração para nosso apostolado e nossa atuação na sociedade
humana.
O papa Bento XVI lembra-nos, então, que a Eucaristia tem
tudo a ver com o domingo, o Dia do Senhor, e que os fiéis, portanto, não deixem
de participar fervorosamente da Missa aos domingos. Realmente, no centro do domingo está sempre a Santa Missa, a
Eucaristia. Um domingo sem Missa não é
um domingo completo. É preciso renovar nos fiéis a consciência da observância
deste dia santificado, que inclui a
participação na Missa.
Neste contexto, é bom recordar que na história do Brasil
ocorreu um exemplo extraordinário da importância do domingo e da Missa
dominical. Trata-se do testemunho dos beatos mártires de Cunhaú e Uruaçu, no
Rio Grande do Norte, mortos pelos protestantes calvinistas, em 1645, e
beatificados pelo sempre lembrado e amado Papa João Paulo II. Como sabemos, são
dois grupos de mártires, que foram mortos no mesmo ano de 1645. O primeiro grupo
foi a comunidade católica de Cunhaú, que com seu sacerdote, o Padre André
Soveral, foi massacrada enquanto participava da Missa dominical na sua igreja.
Era o povo católico do lugar. Gente simples, mas religiosa. Foram mortos
homens, mulheres, crianças, jovens e velhos, famílias inteiras, enfim, todos
que participavam da Missa naquele dia de domingo. Foram mortos por serem
católicos e professaram sua fé antes de morrer. O outro grupo foi morto
barbaramente, também por serem católicos, poucos meses depois em Uruaçu, com
seu sacerdote, o Padre Ambrósio Francisco Ferro. Neste grupo se destacou um
leigo chamado Mateus Moreira, a quem arrancaram o coração pelas costas,
enquanto ele gritava em alta voz: “Louvado seja o Santíssimo Sacramento”. Esses mártires, caros irmãos e irmãs, são
uma das maiores glórias da Igreja no Brasil. O seu martírio, reconhecido pela
Igreja, contém grande força de evangelização. Deveríamos torná-los mais
conhecidos e venerados, porque nos ajudariam a amar e valorizar o domingo e a Missa
dominical.
Voltando ao tema do congresso “Eucaristia, Pão da Unidade
dos Discípulos Missionários”, é preciso que, diante de Cristo na Eucaristia,
nos deixemos por Ele novamente enviar em missão. A própria festa da Ascensão do
Senhor, que a Igreja hoje celebra, nos fala da missão. Os Evangelhos relatam
que, quarenta dias depois de sua ressurreição, Jesus reuniu seus discípulos,
deu-lhes as últimas instruções e depois subiu ao céu, onde o Pai o fez
assentar-se para sempre à sua direita, cheio de glória e poder. Nos últimos
momentos com seus discípulos, antes de sua Ascensão, Ele os enviou em missão ao
mundo inteiro, dizendo: “Ide por todo mundo e anunciai o Evangelho a toda
criatura. Fazei discípulos meus todos os povos” (cf. Mc 16,15 e MT 28, 19). Eis
a missão da qual Jesus encarregou sua Igreja. E Ele acrescentou: “Eu estarei
convosco todos os dias, até o fim dos tempos” (MT 28, 20). Em consequência,
através dos séculos, até nossos dias, a Igreja sente-se impulsionada a esta
missão. Contudo, nos tempos atuais manifesta-se uma nova urgência missionária.
Os últimos papas não se cansaram de falar deste tema e procuraram renovar a
consciência missionária na Igreja de hoje. João Paulo II falou de uma nova
evangelização “com novo ardor missionário, novos métodos e novas expressões”.
Esta nova missão terá como destinatários, de um lado, as pessoas e os povos que
ainda não são cristãos, mas também, de outro lado, os batizados que se
afastaram da participação na vida de suas comunidades ou passaram a outras crenças
ou mesmo à descrença total. A Igreja tem consciência de que não podemos nos
limitar a acolher e atender as pessoas que vêm a nossas paróquias, mas de que é
preciso novamente levantar-se, sair e
ir em busca dos que não vêm mais ou que nunca vieram a nossas igrejas. Bento
XVI disse, com razão, que “não basta conservar as comunidades que temos, ainda
que isto seja importante”.
Em Aparecida, há
três anos, os bispos refletiram de modo amplo e aprofundado esta urgência
missionária e chegaram à conclusão que para sermos bons missionários deveríamos
ser bons discípulos. Só o bom discípulo, aquele que escuta constantemente a
Palavra de Jesus Cristo e o segue na prática da vida, pode tornar-se um bom
missionário. Ora, o discípulo se forma no encontro pessoal e comunitário com
Cristo, como os Evangelhos nos mostram ao falar dos primeiros discípulos de
Jesus.
Ora, meus caros irmãos e irmãs, foi isto também que se propôs como
objetivo este congresso eucarístico, que ora encerramos: renovar em todos os
católicos do Brasil a identidade de discípulos e discípulas de Jesus e a partir
desta experiência e prática continuada tornarem-se seus missionários
E quem serão os
destinatários da missão? Em princípio, todos. A vontade de Deus é que todos se
salvem. Ora, é pela fé e pelo Batismo que se ingressa no caminho da salvação.
Mas como as pessoas podem ter fé se ninguém lhes anuncia o Evangelho? A fé
nasce da pregação, disse São Paulo. Por isso, todos os seres humanos têm o
direito de ouvir o Evangelho. Às vezes, ouve-se dizer que o importante não é a
quantidade, mas a qualidade de nossas comunidades. Errado! Cristo nos enviou
para todos. É claro que é importante e fundamental que nossas comunidades sejam
sempre mais qualificadas, vivas e coerentes na fé. Mas isso não basta. Urge
levar o Evangelho a todos os outros que ainda não têm fé. Por isso, Bento XVI
disse que não basta conservar as comunidades que temos, ainda que isto seja
importante (cf. disc. aos bispos alemães em 2005).
Neste Ano
Sacerdotal, é bom recordar também quanto os nossos padres são indispensáveis e
insubstituíveis neste novo empenho missionário. É claro que todos os cristãos
devem ser missionários, mas os padres têm um papel especial, pois são os
pastores das comunidades locais. São os padres que devem fazer a missão no
território de sua paróquia. Para isso, precisam reunir sua comunidade e
escolher um bom grupo de leigos e leigas e formá-los para sair com eles em
missão, visitando as famílias da paróquia.
Caros padres, a
Igreja espera muito de cada um dos senhores para esta missão urgente. Mas podem
ter a certeza de que a missão os ajudará também a sentirem-se mais padres e a
entenderem melhor sua identidade e a serem mais felizes no ministério. A missão
precisa de todos vocês, padres. Sem vocês, pouco ou nada acontecerá. E vocês
têm muitos modelos em quem se inspirar. A Igreja no Brasil já tem uma bela
lista de padres santos e beatos. Lembremos o beato Padre Anchieta, missionário
do Brasil; o beato Padre Inácio de Azevedo martirizado em viagem ao Brasil no início
da colonização brasileira; os três
santos mártires do Rio Grande do Sul, que compartilhamos com o Paraguai, mas
morreram mártires em território brasileiro que são os Santos Roque Gonzalez,
Afonso Rodriguez e João del Castillo; depois temos o Santo Frei Galvão; os dois
beatos mártires do grupo de mártires do Rio Grande do Norte, já citados, isto
é, o Beato Padre André Soveral e o Beato Padre Ambrósio Francisco Ferro; temos
ainda o Beato mártir Padre Manuel Gómez Gonçalves (do Rio Grande do Sul); o Beato
Padre Mariano (de São Paulo) e o Beato Padre Eustáquio (de Belo Horizonte). Os
padres do Brasil podem mostrar ao mundo e à Igreja, com santo orgulho, esses
seus colegas santos e beatos. Que eles também ajudem cada padre de hoje a viver
com fidelidade sua vocação e missão.
Desta missão, os
destinatários são todos, mas os pobres deverão ser os destinatários prediletos.
O próprio Jesus Cristo assim o quis e praticou. O Papa Bento XVI, na sua visita
ao Brasil por ocasião da Conferência de Aparecida, reuniu-se com os bispos
brasileiros na Catedral da Sé de São Paulo. Ali, ao estimular os bispos para a
missão, sublinhou que devemos com especial amor ir aos pobres e visitá-los lá
onde vivem, para levá-los a Jesus Cristo. Disse Bento XVI: “Neste esforço evangelizador,
a comunidade eclesial se destaca pelas iniciativas pastorais, ao enviar,
sobretudo entre as casas das periferias urbanas e do interior, seus
missionários, leigos ou religiosos. [...]. O povo pobre das periferias urbanas
ou do campo precisa sentir a proximidade da Igreja, seja no socorro das suas
necessidades mais urgentes, como também na defesa dos seus direitos e na
promoção comum de uma sociedade fundamentada na justiça e na paz. Os pobres são
os destinatários privilegiados do Evangelho " (n. 22).
Irmãos e irmãs, ao encerrar este magnífico congresso,
recordemos também o seu lema: “Fica conosco, Senhor”. Sim; pedimos
ardentemente: “Fica conosco, Senhor!”, porque, a partir da Eucaristia deste
congresso, queremos decididamente ir em missão. Mas ao mesmo tempo, temos
consciência de que nada podemos sem Jesus Cristo. Ele mesmo o disse: “Sem mim
nada podeis fazer” (Jo 15,5). Por esta razão, pedimos com os discípulos de
Emaús: “Fica conosco, Senhor, pois já é tarde e a noite vem chegando” (Lc 24,
29).
Estas palavras têm
uma ressonância especial hoje em dia, quando a Igreja está sofrendo uma crise
difícil. Também a Igreja, caminhando na penumbra da noite, anseia pela luz da
manhã e suplica: “Fica conosco, Senhor”. A Igreja, por outro lado, sabe que sua
súplica é ouvida, pois Jesus mesmo, no momento de sua ascensão ao céu,
prometeu: “Eu estarei convosco todos os dias, até o fim dos tempos” (Mt 28,20).
Prometeu também enviar-nos seu Espírito Santo. De fato, dez dias depois da
Ascensão, no dia de Pentecostes, o Espírito Santo é derramado sobre os
Apóstolos, que estavam em Jerusalém, reunidos em oração, com Maria, no
Cenáculo. Dali, eles partem decididamente em missão. A partir de então, através dos séculos, o Espírito Santo será o
motor e a luz da missão da Igreja. Nós também precisamos deste Pentecostes para
a missão no Brasil. No próximo domingo é Pentecostes. Não percamos este
momento. Reunidos em oração com Nossa Senhora Aparecida, Padroeira do Brasil,
que acompanhou de perto nosso congresso, peçamos a Deus que envie com renovado
vigor sobre todos nós o seu Espírito Santo, para que Ele nos transforme em
missionários decididos de Jesus Cristo.
Irmãos e irmãs, queremos partir daqui esperançosos, felizes,
decididos e entusiastas para a missão que nos espera. Queremos louvar e
agradecer a Cristo pelos dias e horas deste congresso, em que pudemos sentir de
perto a presença do Senhor Jesus e o
calor de sua acolhida. Somos seus discípulos e discípulas. Ele quer contar
conosco. Cada um e cada uma de nós, segundo
seu estado de vida e profissão, fará sua parte nesta missão. Então, a Igreja no
Brasil será florescente e tantos que dela se afastaram, irão reencontrar seu
lugar à mesa do Senhor, na Igreja que um dia, no passado, os recebeu e os
batizou. A estes, de modo especial, queremos revisitar e ajudá-los a superar os
impasses que os afastaram. A eles todos enviamos daqui nossa saudação de irmãos
e nosso testemunho de amor.
Tudo na Igreja se ordena para a Eucaristia e da Eucaristia
parte novamente para o labor apostólico, a fim de buscar e conduzir tantos
outros a esta mesa da verdadeira vida, à mesa do Senhor. Portanto, esta Santa
Missa, cuja celebração agora vamos continuar, não constitui propriamente um
encerramento, mas um ponto alto de nossa missão, uma expressão intensa de nossa
fé em Jesus Cristo e um novo impulso para anunciá-lo a todos. Amém.
Cardeal Dom Cláudio Hummes
Arcebispo Emérito de São Paulo
Prefeito da Congregação para o
Clero