Diocese de Évora, Algarve y Beja
Actualização do Clero 2015
Algarve, 26 a 29
de Janeiro de 2015
A formação integral do Presbítero.
Ao longo da primeira conferência, tive ocasião de
insistir no sentido de família e nas relações de filiação, fraternidade e
paternidade, por achar que nelas se encontra o fundamento para que um presbítero possa vir a formar os novos
sacerdotes. O Seminário de Évora acolhe os seminaristas das dioceses de Évora,
Algarve e Beja, além de seminaristas provindos de Cabo Verde. Aí, desempenham o
seu papel, tanto o arcebispo de Évora como a equipe de formadores. Mas isso não
exime os demais sacerdotes de exercerem, também eles, a função paternal que
lhes corresponde. Na verdade, os seminaristas são como nossos filhos, e serão nossos
herdeiros.
A fim de aprofundar este tema, queria agora chamar a
atenção para a ligação entre formação
inicial e formação permanente. É habitual considerar-se a formação
permanente como uma continuação e actualização do que já foi transmitido
durante a formação básica. Mas talvez seja o inverso. A formação permanente
cria o clima em que se torna possível a formação básica. Tratemos, então, de
examinar mais de perto as diferenças entre estes dois postulados.
Ao tomar-se a formação permanente como mera continuidade
em relação à formação básica, está a dar-se por pressuposto que, no Seminário,
já se alcançaram os elementos fundamentais, e que estes não mudarão, bastando
simplesmente aplicá-los, ou, em todo o caso, actualizá-los, ao longo da vida
sacerdotal. Assim, supor-se-ia que, entre os sacerdotes, existiria uma
disposição para actualizar, completar ou enriquecer o já antes adquirido, mas
faltar-lhes-ia a disponibilidade para renovar os fundamentos e voltar a
aprender desde a raiz. Não existiria, portanto, essa atitude formativa que
consiste na docilidade e disponibilidade para aprender com os acontecimentos da
vida. Uma aprendizagem profunda e com significado é aquela que não vem apenas
enriquecer o que já foi posto, mas propõe-se outrossim renovar profundamente o
que já se aprendeu, facilitando deste modo a autêntica experiência de quem volta a aprender. Não quero com isto
dizer que a aprendizagem precedente não seja válida, mas apenas que pode, e
deve, ser reformulada desde a base por meio da formação permanente. Toda a
aprendizagem ou experiência humana, para ser cristã, e, por conseguinte,
sacerdotal, tem de estar aberta e disponível para a purificação que o Espírito
Santo suscita através dos “sinais dos tempos”.
Talvez sejam úteis alguns exemplos, para clarificar esta
ideia. Se um sacerdote está convencido de que já sabe fazer exercícios
espirituais, acudirá a uma experiência de exercícios com a intenção de aplicar
o que já sabe, ou, em todo o caso, para captar algum elemento que possa
enriquecer ou actualizar o modo de fazer exercícios que já era o seu. Mas já
não se mostrará disposto a voltar a aprender como se fazem exercícios, ou
sequer a questionar o seu modo de os fazer. Procedendo assim, acabará por se
fechar; em particular, em relação a uma nova metodologia que se venha a propor
durante os exercícios. E ainda: se um sacerdote, baseando-se nas suas próprias
experiências em matéria de pastoral juvenil, está convencido de que esta
pastoral é muito difícil de se fazer, então, acabará por se fechar a qualquer
nova proposta de pastoral juvenil, porque a sua convicção se converterá num
muro que o impedirá de ver um novo horizonte que se lhe venha a apresentar.
Coisa bem diferente será que, sensibilizado pelo contacto com os jovens, ele
aceite abrir-se a uma experiência com rasgos de novidade, capaz de questionar
as suas convicções do passado.
Como falte ao presbitério uma atitude formativa, sem que
se dê conta, acabaremos por transmitir aos seminaristas aquelas que são as
nossas próprias convicções, caindo num círculo
vicioso. Os sacerdotes jovens, que, entretanto, se forem ordenando,
acabarão por manejar os mesmos conteúdos e mostrar as mesmas convicções,
precludindo, desta forma, a própria possibilidade de aprender. Com efeito, é a
formação permanente que precede a formação básica, porque os formadores são
membros do presbitério e representam a capacidade formativa do mesmo. Mas
também porque os seminaristas observam o que sucede no interior do presbitério
e vão aprendendo directamente com ele.
Somos agora chegados a um ponto importante da nossa
reflexão. Entre presbitério e
seminaristas, dá-se uma conexão
profunda, significativa e operante. Ela é maior do que habitualmente se
imagina. Se comparássemos a igreja particular a uma árvore, o presbitério seria
como que o tronco, e o seminário, um dos ramos. É impossível que o ramo esteja
de boa saúde, se o tronco estiver doente. Ou, dito pela positiva, a boa saúde
do sacerdote é algo que se transmite imediatamente ao seminário. Este é um
princípio que também vale para os estilos formativos. Se o presbitério estiver
habituado ao mínimo esforço, ao individualismo e à rotina, acabará por instilar
nos seminaristas um estilo semelhante. Pelo contrário, se o presbitério estiver
acostumado à criatividade e ao trabalho de equipa, também os seminaristas verão
como algo normal a criatividade e o trabalho de equipa.
Concluindo, pode dizer-se que não basta que o Seminário
tenha a melhor formação possível. É
necessário que o Seminário tenha à disposição uma referência viva de formação
permanente. O presbitério não influi sobre os seminaristas apenas em alguns
momentos de contacto privilegiado, como quando estes são enviados para uma
actividade pastoral numa paróquia; essa influência é constante, e deriva do estilo de vida que cada sacerdote escolha
cultivar. Por fim, ocorre que se trabalhe paralelamente com o Seminário e
com o presbitério, para que se consiga suscitar um clima formativo adequado.
A esta condição de quem é ponto de referência vivo e à
responsabilidade que isso implica, podemos dar o nome de “paternidade”. Como já dissemos, a dupla condição para que exista
uma autêntica paternidade reside na filiação e na fraternidade. Por isso,
gostaríamos de lançar aos sacerdotes um triplo apelo: que, na relação com os
seminaristas, assumam a responsabilidade da filiação, da fraternidade e, por
último, da paternidade.
O contacto dos sacerdotes com o Seminário comporta quatro momentos privilegiados. O
primeiro, que é fundamental, tem a ver com o acompanhamento inicial, realizado habitualmente no âmbito das
paróquias e com a intervenção do pároco, que avaliza ou recomenda um rapaz,
para que entre no Seminário. Um segundo momento corresponderá aos períodos de férias, durante os quais os
seminaristas mantêm um contacto directo com as suas paróquias. O terceiro
momento chega com o processo para a
recepção das ordens, altura em que se dá, de novo, a intervenção dos
párocos.
Depois, todos nós sacerdotes temos ocasiões para uma colaboração indirecta com a formação
dos seminaristas. Fazemo-lo, desde logo, com a mera presença, mas, sobretudo,
com as nossas atitudes, sempre que elas se mostrem como um reflexo do Bom
Pastor. Quando os profetas emitem os seus oráculos contra os maus pastores
pondo na boca de Deus expressões como esta: “Dar‑lhes‑ei pastores segundo o meu coração” (Jer 3, 15), estão a atribuir ao pastor
o carácter de símbolo pessoal da
presença de Deus. Quer isto dizer que é a própria pessoa a ser erigida como
símbolo, um símbolo cujo significado aparece expresso nas atitudes, palavras e
acções dessa mesma pessoa. É por isso que os documentos da Igreja insistem em
dizer que a pastoral das vocações sacerdotais depende, concretamente, da vida e
do ministério dos próprios pastores. Sabemos que quem vive com convicção e de
modo claro os valores sacerdotais, torna-se um chamariz para esses mesmos
valores. Ora, na formação, acontece algo semelhante. Os maus exemplos
escandalizam os seminaristas, mas a influência positiva de um bom sacerdote
ficará definitivamente gravada na sua memória.
Hoje em dia, todos os critérios fundamentais levam a que,
na formação dos seminários, se aceite a importância da integralidade e da
gradualidade. A par disso, podemos identificar como que dois núcleos que
marcam o ritmo do processo formativo: a oração e o acompanhamento. Por fim,
há-de ter-se em conta que todo este processo se realiza no seio de uma comunidade formativa. Estes cinco
elementos podem funcionar como um guia para os sacerdotes, sempre que lhes
caiba apoiar a formação oferecida no Seminário aos candidatos, mas também para
a sua própria formação permanente. Olhemos, agora, com mais vagar para cada um
deles.
A integralidade
supõe que se cultive equilibrada e harmoniosamente as diversas dimensões da
personalidade, que não se justapõem, mas antes se integram, cada uma segundo a
própria natureza. A dimensão espiritual, como eixo de todo o processo
formativo; a dimensão humana, como base necessária do processo; a dimensão
intelectual, como fundamentação que dá a capacidade para que se alcance uma
explicação coerente da realidade e para que nesta se possa depois actualizar a
dimensão pastoral, finalidade última de todo o processo formativo. O testemunho
sacerdotal que podemos oferecer aos seminaristas será o da formação permanente integral, isto é, o de que conservemos sempre
uma atitude formativa, para que, assim, permanecermos disponíveis para a
aprendizagem, em qualquer uma das quatro dimensões da nossa personalidade, que
são também dimensões da nossa vida e do nosso ministério sacerdotais.
A gradualidade
reconhece que, no processo formativo, existem diversas etapas de
amadurecimento, propondo uma exigência crescente e um desenvolvimento contínuo
da pessoa. É já habitual pensar-se em quatro grandes etapas presentes no tempo
de Seminário: o curso introdutório, a filosofia, a teologia, e a etapa pastoral
ou de preparação para as ordens. A gradualidade continua, porém, a fazer-se
notar ao longo de toda a vida sacerdotal. São igualmente familiares expressões
como: sacerdotes jovens, crise da meia idade, fase da sabedoria, sacerdotes
idosos. O testemunho que podemos dar como sacerdotes é o de quem vive com profundidade a etapa em que calhe
encontrar-se em cada momento, respondendo constantemente ao repto do
amadurecimento. Os seminaristas são inteligentes, e apercebem-se perfeitamente
se estamos, ou não, nessa longitude de onda.
A oração é
aquele meio fundamental através do qual o Espírito Santo forma em nós os traços
do rosto de Cristo, e, portanto, o meio mais importante para uma configuração
com o Bom Pastor que dá a vida pelo rebanho. Esta configuração espiritual ocupa
um lugar central na formação inicial. Por isso, é mister que, no Seminário, se
tome grande cuidado em mostrar o caminho da oração, para que os seminaristas
possam amadurecer gradualmente na oração. No entanto, aquela configuração é
também um processo dinâmico, que se estende ao longo de toda a vida sacerdotal.
Na verdade, o que se estabelece no Seminário é um princípio, uma boa raiz; será
depois, ao longo da vida e do ministério sacerdotais, que nos configuraremos
com Cristo Pastor. O testemunho que nos cumpre dar é o de sermos pessoas de oração, que vivem nesse
mesmo dinamismo de união com o Pai que marcou a vida de Jesus. Quando se dá
esta textura espiritual, todos os actos do ministério e da própria pessoa do
sacerdote ficam como que ungidos pela contínua presença do Espírito de Deus.
O acompanhamento é
o outro meio fundamental à nossa disposição, e é levado a cabo pelos formadores
e pelos directores espirituais. Hoje, estamos convencidos da importância de pôr
em prática no Seminário um acompanhamento de tipo sistemático e profundo, capaz
de tocar o coração dos candidatos ao ministério ordenado, a todos conduzindo ao
amor pela verdade, à sinceridade e à unidade de vida. O vínculo íntimo que se estabelece
entre acompanhante e acompanhado é uma concretização daqueles conceitos ligados
ao domínio familiar a que já fiz alusão: a filiação, a fraternidade e a
paternidade. Também na vida sacerdotal, se sente a necessidade de
acompanhamento, que vai mudando de
estilo à medida que se sucedem as diferentes etapas da formação permanente.
Desde um acompanhamento que dá continuidade ao processo formativo do Seminário,
durante as primeiras etapas, até ao adquirir da capacidade para se ser
acompanhante dos outros, que acontecerá a partir de certa altura do processo. A
direcção espiritual entre sacerdotes apresenta três pontos de referência que se
vão combinando ao longo da vida: o acompanhamento prestado a sacerdotes jovens;
a ajuda recíproca entre sacerdotes da mesma geração; e o deixar-se acompanhar
por sacerdotes mais velhos. Um presbitério em que os sacerdotes se acompanham
uns aos outros constitui um modelo precioso de fraternidade sacerdotal, isto é, um grupo de sacerdotes em que se nota um verdadeiro cuidado com o
processo vocacional dos irmãos. As relações positivas entre bispo, sacerdotes e
fiéis, como bem explica a Presbyterorum Ordinis[1],
são uma base importante a partir
da qual se pode depois arrostar a formação dos futuros pastores.
Todo o processo formativo se dá no contexto de uma comunidade formativa. A razão
apresentada pela Pastores dabo vobis
como fundamento desta experiência comunitária liga-se tanto ao presbitério como
à formação permanente: “O ministério ordenado tem
uma radical ‘forma comunitária’ ” [2]. O testemunho sacerdotal
há-de ser o de alguém que se sabe e se sente como pertencendo a uma comunidade.
Fundamentalmente, a comunidade diocesana, mas mais especificamente, a
comunidade paroquial e a comunidade presbiteral. Quando os sacerdotes dão um
testemunho de vida e de trabalho em equipa, convertem-se em modelos do sentido
comunitário que deve estar presente desde o tempo do Seminário.
Enquanto presbitério, temos muito que fazer em prol das
vocações e, em especial, em prol das vocações sacerdotais. E fazemo-lo
principalmente com a nossa própria vida, que, fecundada pelo dom do Espírito,
apresenta sempre possibilidades de renovação. Daí o convite a não permanecermos
passivos, limitando-nos a observar de longe o que acontece no Seminário e na Pastoral
Vocacional, devendo antes converter-nos em verdadeiros agentes que promovem as
vocações e amparam o Seminário. Isto,
far-se-á com o nosso modo de viver, com as nossas obras e atitudes, e, se
necessário, também com as nossas palavras.
X Jorge Carlos Patrón Wong
Arzobispo-Obispo emérito de Papantla
Secretario para los
Seminarios