Jeremiah (BAV) 1





Jeremias


1 1 Palavras de Jeremias, filho de Helcias, um dos sacerdotes que viviam em Anatot, na terra de Benjamim.


2 A palavra do Senhor foi-lhe dirigida no tempo de Josias, filho de Amon, rei de Judá, no décimo terceiro ano de seu reinado.
3
Foi-lhe ainda dirigida no tempo de Joaquim, filho de Josias, rei de Judá, até o fim do décimo primeiro ano do reinado de Sedecias, filho de Josias, rei de Judá, até a deportação dos habitantes de Jerusalém, no quinto mês.

Vocação do profeta

4 Foi-me dirigida nestes termos a palavra do Senhor:
5
Antes que no seio fosses formado, eu já te conhecia; antes de teu nascimento, eu já te havia consagrado, e te havia designado profeta das nações.


6 E eu respondi: Ah! Senhor JAVÉ, eu nem sei falar, pois que sou apenas uma criança.
7
Replicou porém o Senhor: Não digas: Sou apenas uma criança: porquanto irás procurar todos aqueles aos quais te enviar, e a eles dirás o que eu te ordenar.
8
Não deverás temê-los porque estarei contigo para livrar-te - oráculo do Senhor.
9
E o Senhor, estendendo em seguida a sua mão, tocou-me na boca. E assim me falou: Eis que coloco minhas palavras nos teus lábios.


10 Vê: dou-te hoje poder sobre as nações e sobre os reinos para arrancares e demolires, para arruinares e destruíres, para edificares e plantares.


11 Nestes termos foi-me dirigida a palavra do Senhor: Que vês, Jeremias? E eu respondi: Vejo um ramo de amendoeira.
12
Viste bem, disse-me o Senhor, porque velo sobre minha palavra para que se cumpra.
13
Pela segunda vez dirigiu-se a mim a palavra do Senhor, e assim falou: Que estás vendo? Vejo, respondi, uma caldeira fervente cujo vapor toma a direção norte-sul.
14
Disse-me o Senhor: É do norte que vai transbordar a desgraça sobre todos os habitantes da terra.
15
Pois vou convocar todos os povos dos reinos do norte - oráculo do Senhor. Eles virão, e cada um estabelecerá seu sólio diante das portas de Jerusalém, em torno de suas muralhas, e de todas as cidades de Judá.
16
Eu os condenarei pelos males que cometeram, por me haverem abandonado, ofertando incenso a outros deuses e adorando a obra de suas mãos.


17 Tu, porém, cinge-te com o teu cinto e levanta-te para dizer-lhes tudo quanto te ordenar. Não temas a presença deles; senão eu te aterrorizarei à vista deles;
18
quanto a mim, desde hoje, faço de ti uma fortaleza, coluna de ferro e muro de bronze, (erguido) diante de toda nação, diante dos reis de Judá e seus chefes, diante de seus sacerdotes e de todo o povo da nação.
19
Eles te combaterão mas não conseguirão vencer-te, porque estou contigo, para livrar-te - oráculo do Senhor.

I - ORÁCULOS CONTRA JUDÁ (2-29)

Ingratidão de Israel

2 1 A palavra do Senhor foi-me dirigida nestes termos:
2
Vai e clama aos ouvidos de Jerusalém estas palavras - oráculo do Senhor: Lembro-me de tua afeição quando eras jovem, de teu amor de noivado, no tempo em que me seguias ao deserto, à terra sem sementeiras.
3
Era, então, Israel propriedade sagrada do Senhor. As primícias de sua colheita, todos quantos dela comiam, carregavam-lhe a culpa, e o mal lhes advinha - oráculo do Senhor.


4 Escutai a palavra do Senhor, casa de Jacó, e vós, famílias todas que sois da casa de Israel -
5
oráculo do Senhor: Que injustiça em mim encontraram vossos pais para que de mim se afastassem correndo após o que é nada, e tornando-se a si mesmos vãos;
6
por haverem cessado de dizer: Onde está o Senhor que nos fez sair do Egito, guiando-nos através do deserto, terra de desolação e de abismos, terra de aridez e de trevas, terra por onde nenhum homem atravessa, onde homem algum habita?


7 Encaminhei-vos a uma terra de vergéis, para lhe comerdes os frutos e saborear-lhe os bens; tão logo chegastes, maculastes-me a terra; e transformastes minha herança em lugar que me causa horror.
8
Não haviam dito os sacerdotes: Onde está o Senhor? Os depositários da lei não me conheceram; revoltaram-se contra mim os pastores, e os profetas proferiram oráculos em nome de Baal. Puseram-se a seguir aqueles (deuses) que nenhum socorro lhes dão.


9 Por isso - oráculo do Senhor -, entro agora em juízo contra vós e contra os filhos de vossos filhos.
10
Passai, portanto, às ilhas de Cetim e olhai: enviai homens a Cedar e observai bem, vede se lá existe algo semelhante.
11
Troca uma nação seus deuses? (Os quais nem são deuses!) Meu povo, contudo, trocou (aquele que é) sua glória por aquele que nada é.


12 Ó céus, pasmai, tremei de espanto e horror - oráculo do Senhor.
13
Porque meu povo cometeu uma dupla perversidade: abandonou-me, a mim, fonte de água viva, para cavar cisternas, cisternas fendidas que não retêm a água.


14 Israel é servo, porventura? É escravo nascido na própria casa? Por que foi entregue à pilhagem?
15
Rugiram contra ele os leões enfurecidos; transformando a região em deserto, as cidades foram entregues às chamas, e já não possuem habitantes.
16
Até os homens de Mênfis e de Táfnis te raparam a cabeça.
17
Não te aconteceu tudo isso por haveres abandonado o Senhor teu Deus, quando te guiava pelo caminho?
18
E agora, por que tomas a rota do Egito para ir beber a água do Nilo? Para que tomas o caminho da Assíria a fim de beber a água do Eufrates?
19
Valeu-te este castigo tua malícia, e tuas infidelidades atraíram sobre ti a punição. Sabe, portanto, e vê quanto te foi funesto e amargo abandonar o Senhor teu Deus e não ter tido mais temor algum de mim - oráculo do Senhor JAVÉ dos exércitos.
20
Há muito rompeste o jugo e quebraste os laços; disseste, então: Não quero mais ser dominado. Sobre todas as colinas elevadas, debaixo de todas as árvores verdejantes, qual cortesã te reclinavas.
21
E eu que te havia plantado de vides escolhidas, todas de boa cepa; como te transformaste em sarmentos bastardos de uma videira estranha?
22
Ainda que te lavasses com potassa, e usasses muito sabão, continuaria teu pecado a macular-te a meus olhos - oráculo do Senhor JAVÉ.
23
Como podes dizer: Não me profanei nem andei atrás dos Baal? Olha para os sinais de teus passos no vale, vê tudo o que fizeste. Dromedária leviana, a correr sem rumo,
24
jumenta selvagem habituada ao deserto, aspirando o vento no calor da paixão, quem a deterá em seus ardores? Aqueles que a procuram não se afadigarão, pois que a encontrarão no mês (do seu cio).
25
Toma cuidado que teu pé se não descalce e tua garganta não se resseque: Não vale a pena, dizes. Não! Amo os estrangeiros e quero segui-los.
26
Assim como se embaraça o ladrão ao ser pego em flagrante, assim também serão confundidos os homens da casa de Israel, eles, seus reis e seus chefes, seus sacerdotes e profetas
27
que dizem à madeira: Tu és meu pai, e à pedra: Foste tu que me geraste. Voltam-me as costas, e não o semblante. E depois exclamam, no dia da calamidade: Salvai-nos, Senhor.
28
Onde estão os deuses que havias feito? Que se levantem, se podem salvar-te no dia da desgraça. Pois que tens tantos deuses quantas cidades, ó Judá.
29
Por que discutis comigo? Vós todos me fostes infiéis - oráculo do Senhor.
30
Em vão castiguei vossos filhos, nem deram atenção à reprimenda. A espada dizimou vossos profetas qual leão devastador.
31
Que raça que sois! Considerai o que diz o Senhor: Tenho eu sido para Israel um deserto, ou terra envolta em trevas? Por que clama o meu povo: Eis que somos nossos senhores, e não voltaremos mais para vós?
32
Esquece a jovem seus ornatos, ou a noiva seu cinto? Meu povo, porém, esqueceu-me, desde dias sem conta.
33
Bem sabes encontrar o caminho a fim de procurar o que amas! Assim foi que ensinaste a teus pés o caminho do crime.
34
Até na orla de tua veste vê-se o sangue dos pobres inocentes, que, entretanto, não havias surpreendido em falta.
35
E ainda dizes: Sou inocente; por isso afastou-se de mim a sua cólera. Eis, porém, que te vou processar, já que dizes: Não pequei!
36
Com que pressa mudas de caminho! Serás desiludida pelo Egito, como o foste pela Assíria.
37
De lá sairás também com a cabeça entre as mãos, porquanto o Senhor repele aqueles em quem confias, e seu apoio não te trará bom êxito.

3 1 (A palavra do Senhor foi-me dirigida) nestes termos: Se um homem repudia a mulher, e ela o abandona para tornar-se mulher de outro, tornará o marido a recebê-la? Não ficará esta terra gravemente profanada? E tu, após haveres pecado com inúmeros amantes, voltarás para mim? - oráculo do Senhor.
2
Ergue os olhos para os lugares (altos) e vê: onde não te prostituíste? Sentavas à beira dos caminhos a espreitá-los, qual árabe no deserto; e profanaste a terra com teus vícios e devassidões.
3
Assim foram-te as chuvas recusadas, e as águas da primavera não caíram; tu, porém, com semblante lascivo, não quiseste envergonhar-te.
4
E agora clamas: Pai, amigo de minha juventude!
5
Ficará ele para sempre irritado? E guardará de mim eterno rancor? Eis o que dizes, ainda que persistindo em praticar o mal.

As duas nações irmãs

6 No tempo do rei Josias, disse-me o Senhor: Viste o que fez Israel, a Revoltada? Andou pelas montanhas altaneiras e sob as árvores verdejantes, para entregar-se à prostituição.
7
E eu pensei comigo mesmo: depois de haver cometido todos esses crimes, ela voltará para mim... Porém, não voltou! Soube disso sua irmã, a Pérfida Judá.
8
E viu como repudiei a Revoltada Israel e lhe concedi a carta de divórcio, em razão de seus adultérios. Contudo, sua irmã, a Pérfida Judá, não se atemorizou, mas também ela se tornou prostituta!
9
E com sua ardente luxúria maculou a terra, adulterando-se com a pedra e com a madeira.
10
Não obstante tudo isso, sua irmã, a Pérfida Judá, não voltou para mim na inteireza do seu coração. Era apenas hipocrisia - oráculo do Senhor.
11
Disse-me em seguida o Senhor: A Revoltada Israel afigura-se inocente em face da Pérfida Judá.
12
Vai, inclina-te para o norte e profere em altas vozes: volta, Israel, Revoltada - oráculo do Senhor; não te mostrarei mais um semblante enfurecido, pois que sou benigno - oráculo do Senhor; não guardo rancor eterno.
13
Reconhece apenas a tua falta; foste infiel ao Senhor, teu Deus; vagaste à procura de (deuses) estrangeiros sob todas as árvores verdejantes; não escutaste minha voz - oráculo do Senhor.


14 Voltai, filhos rebeldes - oráculo do Senhor -, pois que sou vosso Senhor. Eu vos tomarei, um de cada cidade e dois de cada família e vos reconduzirei a Sião.
15
Dar-vos-ei pastores segundo o meu coração, os quais vos apascentarão com inteligência e sabedoria.
16
Quando vos multiplicardes e numerosos vos tornardes na terra, naqueles dias - oráculo do Senhor - não mais se falará da Arca da Aliança do Senhor; nem mais se pensará nela, perdendo-se a lembrança e a saudade; nem a ela se há de referir.
17
Naquele tempo, Jerusalém será chamada trono do Senhor e todas as nações lá se reunirão em nome do Senhor, sem mais persistir na obstinação do seu coração perverso.


18 Naqueles dias, a casa de Judá unir-se-á à de Israel, e das regiões do norte voltarão juntas à terra, cuja posse concedi a seus pais.

Arrependiento do povo eleito

19 Que lugar, dissera eu, vou conceder-te entre meus filhos, que terra de delícias vou dar-te como herança, a mais bela jóia das nações! E eu acrescentara: Chamar-me-ás: meu pai, e não te desviarás de mim.
20
Mas, qual a mulher que trai aquele que a ama, assim me traíste, casa de Israel - oráculo do Senhor.
21
Nas colinas ressoa um clamor: suspiros de súplica dos israelitas, porque seguiram caminhos tortuosos, esquecendo-se do Senhor, seu Deus.
22
Voltai, filhos rebeldes, e eu sanarei (as conseqüências) de vossas revoltas. Aqui estamos (dizeis), voltamos para vós, porque sois o Senhor, nosso Deus.
23
Em verdade, é ilusório (o culto) nas colinas, as festas tumultuosas nas montanhas; é realmente no Senhor, nosso Deus, que se encontra a salvação de Israel.
24
O ídolo infame devora, desde nossa juventude, o produto do labor de nossos pais, o gado e os rebanhos, seus filhos e suas filhas.
25
Deitemo-nos em nossa vergonha, e que nos sirva de coberta nossa ignomínia, pois pecamos, nós e nossos pais, desde a juventude até o dia de hoje, contra o Senhor, nosso Deus, e não escutamos a voz do Senhor, nosso Deus.

4 1 Se tu, Israel, voltares - oráculo do Senhor, se voltares para mim, se ante meu olhar te despojares de tuas práticas abomináveis; se não andares a vaguear de um lado para outro,
2
se pela vida do Senhor jurares, lealmente, com retidão e justiça, então as nações incluir-te-ão em suas bênçãos, e almejarão partilhar de tua glória.
3
Assim fala o Senhor aos homens de Judá e Jerusalém: Desbravai um novo campo, evitai semear entre espinhos, ó homens de Judá e Jerusalém.
4
Circuncidai-vos em honra do Senhor, tirai os prepúcios de vossos corações, para que meu furor se não converta em fogo, e não vos consuma, sem que ninguém possa extingui-lo, por causa da perversidade de vossos atos.

Invasão da Palestina

5 Dai o alarme ao povo de Judá, avisai Jerusalém; mandai soar a trombeta pela terra inteira; gritai em altas vozes! Proclamai: Reuni-vos! Retiremo-nos para as cidades fortificadas!
6
Erguei um estandarte dos lados de Sião! Abrigai-vos, não vos detenhais! Pois que vou desencadear do norte uma desgraça, catástrofe imensa.
7
Do seu covil parte um leão, e qual demolidor de nações se põe a caminho, saindo de seu refúgio para transformar em deserto a tua terra, e as cidades em desolação, onde ninguém mais habitará.
8
Revesti-vos, pois, de saco, chorai e gemei, pois que a tremenda cólera do Senhor não se afastou de nós.
9
Naquele dia, - oráculo do Senhor -, faltará a coragem tanto ao rei como aos chefes; os sacerdotes serão tomados de terror; e os profetas, de espanto.
10
Dir-se-á: Ah! Senhor JAVÉ! Na verdade enganastes este povo e Jerusalém, quando lhe dissestes: Tereis a paz, no momento em que a espada ia feri-los de morte.
11
Naquele tempo, dir-se-á a esse povo e a Jerusalém: qual vento abrasador desencadeado das colinas do deserto; incapaz de joeirar e purificar, assim é o proceder da filha do meu povo;
12
vento impetuoso chega de lá até mim, mas, por minha vez, vou agora pronunciar minha sentença:
13
eis que alguém se levanta, como nuvens tempestuosas. São seus carros semelhantes ao furacão, seus cavalos, mais ligeiros que águias. Ai de nós! Estamos perdidos!
14
Jerusalém, limpa o coração da maldade, a fim de que consigas a salvação. Até quando abrigarás no coração pensamentos que te são funestos?
15
Eis que uma voz, vinda de Dã, dá o alarme, e desde os montes de Efraim anuncia a calamidade.
16
Proclamai-a às nações, ei-la! Levai a notícia até Jerusalém: assaltantes chegam de terra longínqua, lançando clamores contra as cidades de Judá.
17
Quais guardiães de campo, circundam a cidade, por se haver ela revoltado contra mim - oráculo do Senhor.
18
É o teu proceder, são os teus atos que te acarretam essas desgraças. Eis o fruto de tua malícia, uma amargura que te fere o coração.
19
Minhas entranhas! Minhas entranhas! Sofro! Oh! as fibras de meu coração! O coração me bate, não me posso calar! Ouço o som das trombetas e o fragor da batalha.
20
Anunciam-se desastres sobre desastres, todo o país foi devastado. Foram de repente destruídas minhas tendas; num instante, meus pavilhões.
21
Até quando verei o estandarte, e ouvirei o som da trombeta?
22
Está louco o meu povo; nem mais me conhece. São filhos insensatos, desprovidos de inteligência, hábeis em praticar o mal, incapazes do bem.
23
Olho para a terra: tudo é caótico e deserto; para o céu: dele desapareceu toda a luz.
24
Olho para as montanhas e as vejo vacilar; e as colinas todas estremecem.
25
Olho: já não há nenhum ser humano; todas as aves do céu fugiram.
26
Olho: tornaram-se desertos os campos; todas as cidades foram destruídas diante do Senhor, ante a fúria de sua cólera.
27
Porque toda a terra será devastada - oráculo do Senhor -, mas não a exterminarei completamente.
28
Eis a razão pela qual a terra cobriu-se de luto, e o céu, lá no alto, revestiu-se de negror. Pois que eu disse, e assim decretei: não voltarei atrás e não me retratarei.
29
Ao grito de: Cavaleiros! Arqueiros!, toda a terra desandou em fuga. Lançaram-se nos esconderijos e galgaram rochedos, as cidades foram abandonadas e os habitantes desapareceram.
30
E tu, devastada, para que revestir-te de púrpura, engalanar-te com ornamentos de ouro, e alongar-te os olhos com pinturas? Em vão tentas ser bela; desprezam-te os amantes. É tua vida que odeiam.
31
Ouço gritos como os da mulher ao dar à luz, gritos de angústia quais os do primeiro parto. São os clamores da filha de Sião; geme e ergue as mãos: Desgraçada de mim! Desfaleço ante os algozes.

Enormidade dos crimes de Judá

5 1 Percorrei as ruas de Jerusalém, olhai, perguntai; procurai nas praças, vede se nelas encontrais um homem, um só homem que pratique a justiça e que seja leal; então eu perdoarei a cidade.
2
Mesmo quando juram: Pela vida de Deus!, é para prestar falso juramento.
3
Senhor, não se compraz o vosso olhar em contemplar a lealdade? Vós os feris, e eles não sentem a dor; vós os abateis, e recusam aceitar a correção. Mais duro que o rochedo apresentam o semblante, recusando converter-se.
4
E a mim mesmo eu dizia: são apenas vulgares e insensatos, porque não conhecem os caminhos do Senhor, a lei do seu Deus.
5
Irei procurar os grandes para falar-lhes, pois que eles conhecem as sendas do Senhor, a lei do seu Deus. Mas todos esses também quebraram o jugo, e romperam os laços.
6
Eis por que o leão da floresta os ferirá e o lobo da estepe os dizimará; a pantera os espreitará em suas cidades; e aquele que dela sair será despedaçado, porquanto numerosos são os seus delitos, e sem conta suas revoltas.
7
Por que perdoar-te? Teus filhos abandonaram-me; juram por deuses que não o são. Cumulei-os de dons; e eles cometem o adultério, acercando-se das casas de devassidão.
8
Garanhões bem nutridos, no calor do cio, cada qual relincha ante a mulher do próximo.
9
E não os punirei por esses crimes? - oráculo do Senhor. Não se vingaria minha alma de semelhante nação?
10
Escalai muros (de minha videira), destruí-a, mas não a aniquileis completamente. Arrancai-lhe os sarmentos, porquanto não pertencem ao Senhor.
11
A casa de Israel e a casa de Judá foram-me infiéis - oráculo do Senhor.
12
Renegaram o Senhor, e exclamaram: Não há Deus! Nenhum mal nos advirá, não veremos a espada e a fome.
13
São apenas vento os profetas, de ninguém são arautos; assim lhes aconteça a eles mesmos.
14
Por isso, o Senhor, Deus dos exércitos, vos diz: Já que tendes essa linguagem, vou introduzir minhas palavras como fogo em tua boca, e desse povo fazer lenha que a chama devorará.
15
Ó casa de Israel, vou lançar contra vós uma nação que vem de longe - oráculo do Senhor -, nação antiga e poderosa, da qual não compreendes a linguagem, e ignoras a fala.
16
Sua aljava é qual sepulcro escancarado, e seus homens todos são valentes;
17
ela devorará tuas searas e teu pão, devorará teus filhos e tuas filhas, devorará teus rebanhos e teu gado, devorará tuas vinhas e tuas figueiras, à ponta da espada conquistará as praças fortes nas quais depositas tua confiança.
18
Mesmo, porém, naqueles dias, disse o Senhor, não vos exterminarei de todo.
19
E, quando disserdes: Por que assim nos tratou o Senhor Deus? - responderás: Assim como me abandonastes para servir em vossa terra a deuses estrangeiros, assim também servireis a estrangeiros em terra que não é a vossa.
20
Anunciai isto à casa de Jacó, proclamai o que segue à terra de Judá:
21
escutai bem, povo insensato e sem inteligência: vós que tendes olhos para não ver e ouvidos para não ouvir:
22
Não temeis a minha face? - oráculo do Senhor. Não tremeis diante de mim, eu que fixei a areia como limite ao mar, barreira eterna que não será ultrapassada? Por mais que se lhe agitem as ondas, são impotentes, murmuram, mas não vão além;
23
enquanto tiver esse povo um coração indócil e rebelde, recuará e ir-se-á embora.
24
E em seu coração não dirá: temamos ao Senhor, nosso Deus, que no tempo devido nos manda a chuva do outono e a chuva da primavera, e nos garante as semanas destinadas à colheita.
25
Foram vossas iniqüidades que alteraram essa ordem, vossos pecados que vos privaram desses bens.
26
Porquanto perversos se encontram no seio de meu povo, que espreitam, de tocaia, como caçadores de pássaros, armando laços para apanhar os homens.
27
À semelhança de uma gaiola cheia de pássaros, assim estão suas casas repletas (de fruto) de suas presas. Por esta forma tornam-se ricos e poderosos,
28
e se apresentam nutridos e reluzentes; ultrapassam, porém, os limites do mal. Não procedem com justiça para com o órfão, mas prosperam! E não fazem justiça aos infelizes!
29
Como não repreender tamanhos excessos - oráculo do Senhor - e não vingar-me de semelhante nação?
30
Coisas horríveis, espantosas, ocorreram nesta terra:
31
mentem os profetas em seus oráculos, os sacerdotes dominam pela força. E meu povo mostra-se satisfeito! Que fareis vós, quando chegar o fim?

Visão do sítio de Jerusalém

6 1 Fugi, filhos de Benjamim, para longe de Jerusalém! Tocai as trombetas em Técua, erguei uma flâmula no alto de Betacarém! Porque dos lados do setentrião surge uma desgraça, uma grande calamidade.
2
A bela e delicada filha de Sião, eu a destruo.
3
Para ela caminham pastores e rebanhos, que armam ao redor as suas tendas; cada um apascenta o seu quinhão.
4
Declarai-lhe guerra! De pé! Cavalguemos em pleno dia! Desgraçados que somos! O dia cai, estendem-se as sombras da noite.
5
Ergamo-nos. Travemos combate à noite, e lhe destruamos os palácios!
6
Eis o que diz o Senhor dos exércitos: abatei as árvores, erguei plataformas contra Jerusalém! É ela a cidade que deve ser castigada, pois que se intumesceu de violências.
7
Como a nascente faz brotar a água, assim ela expande sua maldade; nela apenas soam palavras de violência e ruína, e só se vêem chagas e feridas.
8
Corrige-te, Jerusalém, para que de ti não se afaste minha alma, e eu não te transforme em deserto, terra sem habitantes.
9
Eis o que diz o Senhor dos exércitos: rebuscar-se-ão como numa vinha os restos de Israel; põe lá de novo tua mão como o vindimador ao sarmento.
10
A quem falar? Quem tomar por testemunha para que me escutem? Estão-lhes os ouvidos incircuncidados, e são incapazes de atenção. A palavra do Senhor tornou-se-lhes objeto de tédio, e nela não encontram prazer algum.
11
Estou, porém, possuído do furor do Senhor, cansado de contê-lo. Difunde-o à criança que vagueia pelas ruas e à assembléia dos jovens, porque todos serão presos, o marido e a mulher, o ancião e aquela que é cumulada de dias.
12
A outros passarão suas moradas, assim como os campos e as mulheres; pois que vou estender a mão sobre os habitantes desta terra - oráculo do Senhor.
13
Na verdade, do maior ao menor, todos se entregam aos ganhos desonestos; desde o profeta ao sacerdote praticam todos a mentira;
14
tratam com negligência as feridas do meu povo, e exclamam: Tudo vai bem! Tudo vai bem!, quando tudo vai mal.
15
Assim serão confundidos pelo procedimento abominável, mas a vergonha lhes é desconhecida, e já não sabem o que seja enrubescer; cairão, portanto, com os que tombarem, e perecerão no dia em que os castigar - oráculo do Senhor.
16
Assim fala o Senhor: sustai vossos passos e escutai; informai-vos sobre os caminhos de outrora, vede qual a senda da salvação; segui-a, e encontrareis a quietude para vossas almas. Responderam, porém: Não a seguiremos!
17
Coloquei sentinelas junto de vós, ficai atentos ao som das trombetas. E eles responderam: Não lhes prestaremos ouvidos!
18
Portanto, escutai, ó nações: saiba a assembléia o que lhe vai acontecer.
19
Terra, escuta: vou mandar sobre esse povo uma desgraça, fruto de suas maquinações, já que não ouviu as minhas palavras, e desprezou os meus ensinamentos.
20
Que me importam o incenso de Sabá e as canas aromáticas de longínquos países? Não me agradam vossos holocaustos, nem me comprazem os sacrifícios.
21
Eis por que, assim fala o Senhor: vou criar obstáculos a esse povo onde pais e filhos tropeçarão. E vizinho e amigo encontrarão neles a morte.
22
Assim fala o Senhor: Eis que do norte surge um povo, e dos confins do mundo ergue-se uma grande nação.
23
Manejam o arco e o dardo, e são cruéis e sem compaixão. Seus urros assemelham-se ao bramido do mar; e montarão em cavalos, dispostos a combater como um só homem contra ti, filha de Sião.
24
Ante tal notícia caíram-nos os braços, a angústia apossou-se de nós, como as dores de uma mulher no parto.
25
Não saiais para o campo, nem andeis pelos caminhos, porquanto o inimigo empunha a espada, e por toda parte reina o pavor.
26
Ó filha de meu povo, veste o saco, revolve-te nas cinzas. Cobre-te de luto como se fora por um filho único, e ecoem teus amargos gemidos, porquanto vai cair de repente sobre nós o devastador.
27
Qual experimentador de metais, coloquei-te entre meu povo, para que lhe conheças e examines a conduta.
28
São rebeldes entre rebeldes, caluniadores, depravados e de coração duro como o cobre e o ferro.
29
Queimou-se o fole, o chumbo se esgotou, fundiram em vão o metal e o refundiram; as escórias, porém, não se soltaram.
30
Chamai esse povo de moeda falsa, pois que o Senhor o rejeitou.

Exortação à porta do templo

7 1 A palavra do Senhor foi nestes termos dirigida a Jeremias:
2
Vai à porta do templo do Senhor; lá pronunciarás este discurso: escutai a palavra do Senhor, vós todos, povos de Judá, que entrais por estas portas para vos prosternar diante dele.
3
Eis o que diz o Senhor dos exércitos, o Deus de Israel: reformai vosso procedimento e a maneira de agir, e eu vos deixarei morar neste lugar.
4
Não vos fieis em palavras enganadoras, semelhantes a estas: Templo do Senhor, templo do Senhor, aqui está o templo do Senhor.
5
Se reformardes vossos costumes e modos de proceder, se verdadeiramente praticardes a justiça;
6
se não oprimirdes o estrangeiro, o órfão, a viúva; se não espalhardes neste lugar o sangue inocente e não correrdes, para vossa desgraça, atrás dos deuses alheios,
7
então permitirei que permaneçais neste lugar, nesta terra que dei a vossos pais por todos os séculos.
8
Vós, contudo, vos fiais em fórmulas enganadoras que de nada vos servirão.
9
Roubais, matais, cometeis adultérios, prestais juramentos falsos; ofereceis incenso a Baal e procurais deuses que vos são desconhecidos;
10
E depois, vindes apresentar-vos diante de mim, nesta casa em que foi invocado meu nome, e exclamais: Estamos salvos! - para, em seguida, recomeçar a cometer todas essas abominações.
11
É, por acaso, a vossos olhos uma caverna de bandidos esta casa em que meu nome foi invocado? Também eu o vejo - oráculo do Senhor.


12 Ide, portanto, à minha casa de Silo, onde a princípio habitou meu nome, e vede o que lhe fiz por causa da maldade do meu povo de Israel.
13
E agora, porque tendo-vos já continuamente advertido, não me atendestes,
14
vou fazer da casa em que foi invocado meu nome e na qual depositastes vossa confiança, desse lugar que vos dei assim como a vossos pais, o que fiz de Silo,
15
e vos repelirei de minha presença, assim como repeli vossos irmãos, a raça inteira de Efraim.
16
Quanto a ti, não intercedas por esse povo. Não ergas em favor dele queixas ou súplicas e não insistas junto de mim, porque não te escutarei.
17
Não vês o que faz ele nas cidades de Judá e nas ruas de Jerusalém?
18
Os filhos juntam lenha, os pais acendem o fogo e as mulheres sovam a massa para fazer tortas destinadas à rainha do céu, depois fazem libações a deuses estranhos, o que provoca a minha ira.
19
Será, porém, a mim próprio que ele fere - oráculo do Senhor - ou a si mesmo, para sua maior vergonha?
20
Por isso eis o que diz o Senhor JAVÉ: eis que minha cólera vai extravasar-se sobre este lugar, sobre os homens e os animais, sobre as árvores dos campos e os frutos da terra. E ela se inflamará para não mais se extinguir.
21
Eis aqui o que diz o Senhor dos exércitos, o Deus de Israel: Amontoai holocaustos sobre sacrifícios, e deles comei a carne;
22
porquanto não falei a vossos pais e nada lhes prescrevi a respeito de holocaustos e sacrifícios, no dia em que os fiz sair do Egito.


23 Foi esta a única ordem que lhes dei: escutai minha voz: serei vosso Deus e vós sereis o meu povo; segui sempre a senda que vos indicar, a fim de que sejais felizes.
24
Eles, porém, não escutaram, nem prestaram ouvidos, seguindo os maus conselhos de seus corações empedernidos; voltaram-me as costas em lugar de me apresentarem seus rostos.
25
Desde o dia em que vossos pais deixaram o Egito até agora, enviei-vos todos os meus servos, os profetas. Todos os dias sem cessar os mandei.
26
Eles, porém, não os escutaram, nem lhes deram atenção; endureceram a cerviz e procederam pior que os pais.
27
Quando tudo isso lhes transmitires, também a ti não escutarão. Chamá-los-ás e não obterás resposta.
28
Dir-lhes-ás então: Esta é a nação que não escuta a voz do Senhor, seu Deus, e não aceita suas advertências. A lealdade desapareceu, tendo sido banida de sua boca.


29 Corta teus cabelos e lança-os fora. Ergue um canto fúnebre sobre as colinas, porquanto o Senhor rejeita e abandona essa raça contra a qual se encolerizou.
30
Fizeram os filhos de Judá o que é mal a meus olhos, - oráculo do Senhor; colocaram ídolos abomináveis na casa em que meu nome foi invocado, e o macularam.
31
Ergueram o lugar alto de Tofet, no vale do Filho de Inom para lá queimarem seus filhos e filhas, não lhes havendo eu ordenado tal coisa que nem me passara pela mente.
32
Eis por que virão os dias - oráculo do Senhor -, em que não mais se dirá Tofet, nem vale do Filho de Inom, mas vale do Massacre, onde, por falta de lugar, serão enterrados os mortos em Tofet.
33
Os cadáveres desse povo servirão de pasto às aves do céu e aos animais da terra, sem que ninguém os expulse.
34
Nas cidades de Judá e nas ruas de Jerusalém farei silenciarem os gritos de alegria e os cantos de júbilo, cantos do esposo e vozes da esposa, porquanto a terra será reduzida a um deserto.


8 1 Naquele tempo - oráculo do Senhor - serão retirados de seus sepulcros os ossos dos reis de Judá, dos seus chefes e sacerdotes, dos seus profetas e habitantes de Jerusalém.
2
E serão expostos ao sol, à lua e à multidão das estrelas que tanto amaram e serviram, e que seguiram, consultaram e adoraram. Esses ossos não serão mais recolhidos, nem enterrados, permanecendo como adubo na superfície do solo.
3
Preferível à vida será a morte para os sobreviventes dessa raça perversa, em todos os lugares pelos quais eu os houver dispersado - oráculo do Senhor dos exércitos.
4
Dir-lhe-ás, então: Eis o que diz o Senhor: não se deverá levantar aquele que tomba? Não voltará aquele que se desviou?
5
Por que persiste esse povo de Jerusalém em perpétua loucura? Obstinam-se na má fé, recusando converter-se.
6
Atentamente os escutei: não falam, porém, com sinceridade. Nem um deles se arrepende da maldade e não clama: Que fiz eu? Retomam todos a caminhada, à semelhança do cavalo que se arremessa à batalha.
7
Até a cegonha pelo ar reconhece a estação, e as rolas e as andorinhas são fiéis à migração. O meu povo, porém, não conhece a lei do Senhor.
8
Como podeis dizer: Somos sábios, e temos conosco a lei do Senhor? Na verdade foi a mentira que fez desta lei o estilete enganador dos escribas.
9
Os sábios consternados e confundidos ficarão cobertos de vergonha, por haverem repelido a palavra do Senhor; qual seria então a sabedoria deles?
10
Eis por que a outros darei suas mulheres, e seus campos a novos donos, já que, do menor ao maior deles, todos se entregam aos lucros desonestos. Desde o profeta até o sacerdote, praticam todos a mentira.
11
Tratam sem cuidado da ferida da filha do meu povo, e dizem: Vai tudo bem! Vai tudo bem! quando vai tudo mal.
12
Pelo seu proceder abominável serão confundidos, mas nem ao menos conhecem a vergonha, e nem o que seja enrubescer. Assim como os que caem, tombarão também e perecerão no dia do castigo - oráculo do Senhor.
13
Vou reuni-los todos e arrebatá-los - oráculo do Senhor. Mas não havia uma só uva na vinha, nem figo na figueira. A folhagem havia murchado. E assim lhes dei quem os haveria de conquistar.
14
Para que ainda nos determos? Reuni-vos, e vamos para as praças fortes: lá havemos de perecer. Porquanto o Senhor, nosso Deus, decidiu que pereçamos, fazendo-nos beber água envenenada, já que pecamos contra ele.
15
Aguardávamos a felicidade e nenhum bem encontramos, nenhum tempo de exaltação, e só vemos o terror.
16
Ouve-se, desde Dã, o relinchar dos cavalos, e toda a terra estremece com o estrépito de seus corcéis, que ao chegarem destroem a terra e o quanto nela existe: a cidade e os habitantes.
17
Vou lançar serpentes contra vós, e víboras insensíveis aos encantamentos, que vos morderão - oráculo do Senhor.
18
Onde encontrar consolo para a minha dor? Dentro de mim sofre o coração. Chega-me de uma terra longínqua
19
a voz amargurada da filha do meu povo: Não está mais o Senhor em Sião? E nela não mora mais o seu rei? Por que me irritaram com seus ídolos, com as vãs divindades de outros países?
20
Passou a ceifa; terminou a colheita, e não nos chegou a libertação.
21
Faz-me sofrer a chaga da filha de meu povo, cobre-me o luto; apossa-se de mim a desolação.
22
Não haverá mais bálsamo de Galaad? Nem se poderá encontrar um médico? Por que, então, a ferida da filha de um povo não se há de cicatrizar?
23
Oh! tivesse eu em minha cabeça um manancial, e em meus olhos uma fonte de lágrimas! Dia e noite eu choraria os mortos da filha de meu povo.


Jeremiah (BAV) 1