Audiências 2005-2013 21125

21 de Dezembro 2005: A luz do Natal

21125 A Audiência geral de hoje tem lugar no clima de jubilosa e trepidante expectativa pelas festividades natalícias já iminentes. Vinde, Senhor Jesus! Assim repetimos na oração destes dias, predispondo o coração para saborear a alegria do nascimento do Redentor. Em particular, nesta última semana do Advento, a liturgia acompanha e apoia o nosso caminho interior com repetidos convites a acolher o Salvador, reconhecendo-o no humilde Menino que jaz numa manjedoura.

É este o mistério do Natal, que tantos símbolos nos ajudam a compreender melhor. Entre eles encontra-se o da luz, que é um dos mais ricos de significado espiritual, e sobre o qual gostaria de me deter brevemente. A festa do Natal coincide, no nosso hemisfério, com os dias do ano em que o sol termina a sua parábola descendente e começa a aumentar gradualmente o tempo de luz diurna, segundo o recorrente suceder-se das estações. Isto ajuda-nos a compreender melhor o tema da luz que antecipa as trevas. É um símbolo que recorda uma realidade que atinge o íntimo do homem: refiro-me à luz do bem que vence o mal, do amor que supera o ódio, da vida que derrota a morte. O Natal faz pensar nesta luz interior, na luz divina, que nos volta a propor o anúncio da vitória definitiva do amor de Deus sobre o pecado e a morte. Por este motivo, na Novena do Santo Natal que estamos a fazer são numerosas e significativas as evocações da luz. Também a antífona cantada no início deste nosso encontro no-lo recorda. O Salvador esperado pelas nações é saudado como "Astro nascente", a estrela que indica o caminho e guia os homens, peregrinos entre as obscuridades e os perigos do mundo, para a salvação prometida por Deus e realizada em Jesus Cristo.

Ao prepararmo-nos para celebrar com alegria o nascimento do Salvador nas nossas famílias e nas nossas comunidades eclesiais, quando uma certa cultura moderna e consumista tende a fazer desaparecer os símbolos cristãos da celebração do Natal, seja compromisso de todos colher o valor das tradições do Natal, que fazem parte do património da nossa fé e da nossa cultura, para as transmitir às novas gerações. Em particular, ao ver estradas e praças das cidades enfeitadas com luzes resplandecentes, recordemos que estas luzes evocam outra luz, invisível aos olhos, mas não ao coração. Enquanto as admiramos, ao acendermos as velas nas igrejas ou a iluminação do presépio e da árvore de Natal nas casas, o nosso ânimo se abra à verdadeira luz espiritual trazida a todos os homens de boa vontade. O Deus connosco, nascido da Virgem Maria em Belém, é a Estrela da nossa vida!

"Ó Astro que surges, esplendor da luz eterna, Sol de justiça: vem, ilumina quem jaz nas trevas e na penumbra da morte". Fazendo nossa esta invocação da liturgia de hoje, peçamos ao Senhor que apresse a sua vinda gloriosa entre nós, entre todos os que sofrem, porque só nele as expectativas autênticas do coração humano podem ser satisfeitas. Este Astro de luz, que não conhece ocaso, nos comunique a força para seguir sempre o caminho da verdade, da justiça e do amor! Vivamos intensamente estes últimos dias que precedem o Natal, juntamente com Maria, a Virgem do silêncio e da escuta. Ela, que foi totalmente envolvida pela luz do Espírito Santo, nos ajude a compreender e a viver plenamente o mistério do Natal de Cristo. Com estes sentimentos, ao exortar-vos a manter viva a admiração interior na fervorosa expectativa da celebração já próxima do nascimento do Salvador, sinto-me feliz por formular desde já os votos mais cordiais de um santo Natal a todos vós aqui presentes, aos vossos familiares, às vossas comunidades e a quantos vos são queridos.
Bom Natal a todos!


28 de Dezembro 2005: Salmo 138 (vulg.), 18. 23-24: Sonda-me, ó Deus e conhece o meu coração!

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1. Nesta Audiência geral da quarta-feira da Oitava de Natal, festa litúrgica dos Santos Inocentes, retomamos a nossa meditação sobre o Salmo 138, cuja leitura orante é proposta pela Liturgia das Vésperas em duas etapas distintas. Depois de ter contemplado na primeira parte (cf.
Ps 139,1-12) o Deus omnisciente e omnipotente, Senhor da existência e da história, agora este hino sapiencial de intensa beleza e paixão indica a realidade mais alta e admirável de todo o universo, o homem, definido como o "prodígio" de Deus (cf. Ps 139,14). Trata-se, na realidade, de um tema profundamente em sintonia com o clima natalício que estamos vivendo nestes dias, em que celebramos o grande mistério do Filho de Deus que se fez homem, aliás, que se fez Menino para a nossa salvação.

Depois de ter considerado o olhar e a presença do Criador, que abrangem todo o horizonte cósmico, na segunda parte do Salmo que hoje meditamos, os olhos amáveis de Deus voltam-se para o ser humano, considerado na sua origem plena e completa. Ele ainda está "sem forma" no útero materno: o vocábulo hebraico usado é entendido por alguns estudiosos da Bíblia remissivo ao "embrião", descrito como uma pequena realidade oval, envolvida em si mesma, mas sobre a qual já se coloca o olhar benévolo e amoroso dos olhos de Deus (cf. Ps 139,16).

2. Para definir a acção divina dentro do ventre materno, o Salmista recorre às clássicas imagens bíblicas, enquanto a cavidade geradora da mãe é comparada com as "profundezas da terra", ou seja, com a vitalidade constante da grande mãe-terra (cf. Ps 139,15). Antes de mais nada, há o símbolo do oleiro e do escultor que "forma", plasma a sua criação artística, a sua obra-prima, exactamente como se dizia no livro da Génesis, para a criação do homem: "O Senhor plasmou o homem com pó do solo" (Gn 2,7). A seguir, há o símbolo "têxtil" que evoca a delicadeza da pele, da carne, dos nervos "tecidos" no esqueleto ósseo. Também Job evoca com força estas e outras imagens para exaltar aquela obra-prima que é a pessoa humana, apesar de ser golpeada e ferida pelo sofrimento: "As tuas mãos formaram e modelaram todo o meu ser... Lembra-te de que me fizeste do barro... Não me derramaste como leite e me coalhaste como queijo? Revestiste-me de pele e carne, e teceste-me de ossos e nervos" (Jb 10,8-11).

3. Extremamente poderosa é, no nosso Salmo, a ideia de que o Deus daquele embrião ainda "sem forma" já veja todo o futuro: no livro da vida do Senhor já estão inscritos os dias que aquela criatura viverá e cumulará de obras durante a sua existência terrena. Assim, volta a emergir a grandeza transcendente do conhecimento divino, que não abraça somente o passado e o presente da humanidade, mas também o arco ainda escondido do futuro. Mas manifesta-se também a grandeza desta pequena criatura humana nascitura, formada pelas mãos de Deus e rodeada pelo seu amor: um elogio bíblico do ser humano, desde o primeiro momento da sua existência.

Agora, gostaríamos de confiar-nos à reflexão que São Gregório Magno, nas suas Homilias sobre Ezequiel, teceu sobre a frase do Salmo, que antes comentámos: "Os teus olhos viam as minhas acções e eram todas escritas no teu livro" (Ps 139,16). Sobre estas palavras o Pontífice e Padre da Igreja edificou uma meditação original e delicada, relativa àqueles que, na Comunidade cristã, são mais frágeis no seu caminho espiritual.

E diz também que os indivíduos frágeis na fé e na vida cristã fazem parte da arquitectura da Igreja. E continua: "Contudo, nela são incluídos... em virtude da boa vontade. É verdade, são imperfeitos e pequenos, mas naquilo que conseguem compreender, amam a Deus e o próximo e não deixam de realizar o bem que podem. Embora ainda não alcancem os dons espirituais, a ponto de abrir a alma à acção perfeita e à contemplação ardente, todavia não renunciam ao amor a Deus e ao próximo, na medida em que são capazes de o compreender. Por isso, ainda que ocupem um lugar menos importante, é verdade que também eles contribuem para a edificação da Igreja porque, embora sejam inferiores por doutrina, profecia, graça dos milagres e desprezo completo pelo mundo, todavia estão alicerçados sobre o fundamento do temor e do amor, onde encontram a própria solidez" (2, 3, 12-13, Obras de Gregório Magno, III/2, Roma 1993, pp. 79 81).

Assim, a mensagem de São Gregório torna-se uma grande consolação para todos nós que, frequentemente, progredimos com dificuldade ao longo do caminho da vida espiritual e eclesial. O Senhor conhece todos nós e circunda-nos com o seu amor.

Saudações

Saúdo cordialmente os peregrinos francófonos, de maneira especial os membros do Conselho geral ampliado da Congregação de Jesus e Maria, e o grupo da Paróquia de São Vítor de Meylan. Desejo a todos vós um feliz e abençoado Ano de 2006, com a Bênção Apostólica.

É-me grato saudar os peregrinos de expressão inglesa, presentes nesta Audiência, especialmente os que vieram do Japão e dos Estados Unidos da América. Sobre todos vós, invoco as Bênçãos deste período de Natal.

Saúdo de todo o coração os peregrinos de língua espanhola, que participam nesta Audiência. Nestes dias natalícios, convido todos vós a contemplar no Menino Jesus a grandeza do amor de Deus por nós. Muito obrigado e, novamente, Feliz Natal!

É com prazer que saúdo os fiéis polacos aqui presentes. Na atmosfera do Natal e do iminente Ano Novo, desejo a todos vós numerosas graças, sobretudo o dom da paz e da alegria. Deus vos abençoe!

Dirijo cordiais bons votos de Natal aos peregrinos de língua italiana. Em particular, saúdo a Comunidade dos Legionários de Cristo; os fiéis da Paróquia do Santíssimo Nome de Maria, em Caserta; os Voluntários de Dom Bosco e os representantes do Comando Especial da Guarda Fiscal, de Livorno. Além disso, saúdo os jovens, os doentes e os novos casais.

A luz de Cristo, que na Noite de Natal brilhou na humanidade, resplandeça sobre cada um de vós, dilectos amigos, e vos oriente no compromisso de um corajoso testemunho cristão.

O Papa recorda as vítimas do tsunami um ano depois

Enfim, uno-me à recordação que nestes dias vincula as queridas populações atingidas, há um ano, pelo tsunami, que causou inúmeras vítimas e ingentes prejuízos ambientais. Oremos ao Senhor por todas elas e por quantos, também noutras regiões do mundo, sofreram calamidades naturais e esperam a nossa solidariedade concreta e efectiva.




4 de Janeiro 2006: Carta aos Colossenses, 1, 3. 12-20: Cristo foi gerado antes de toda a criatura

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Queridos irmãos e irmãs

1. Nesta primeira Audiência geral do novo ano, detenhamo-nos para meditar o célebre hino cristológico contido na Carta aos Colossenses, que é como que o solene umbral de ingresso deste rico texto paulino e também um umbral de entrada neste ano. O Hino proposto à nossa reflexão é contextualizado por uma ampla fórmula de acção de graças (cf.
Col 1,3 Col 1,12-14). Ela ajuda-nos a criar a atmosfera espiritual para viver bem estes primeiros dias de 2006, assim como o nosso caminho ao longo de todo o arco do novo ano (cf. Col 1,15-20).

O louvor do Apóstolo, e também nosso, eleva-se a "Deus, Pai do Senhor nosso Jesus Cristo" (Col 1,3), fonte da salvação que é descrita negativamente como "libertação do poder das trevas" (Col 1,13), ou seja, como "redenção e remissão dos pecados" (Col 1,14). Depois, ela é reproposta positivamente como "participar na herança dos cristãos, na luz" (Col 1,12) e como entrada "no Reino do seu Filho amado" (Col 1,13).

2. Nesta altura, abre-se o grande e denso Hino, que tem Cristo no centro, do qual é exaltado o primado e a obra, tanto na criação como na história da redenção (cf. Col 1,15-20). Portanto, são dois os movimentos do cântico. No primeiro, Cristo é apresentado como o primogénito de toda a criação, Cristo, "anterior a qualquer criatura" (Col 1,15). De facto, Ele é a "imagem do Deus invisível", e esta expressão tem toda a força que o "ícone" encontra na cultura do Oriente: realça-se não tanto a semelhança, como a profunda intimidade com o sujeito representado.

Cristo repropõe no meio de nós, de modo visível, o "Deus invisível"; n'Ele vemos o rosto de Deus através da natureza comum que os une. Em virtude desta sua altíssima dignidade, Cristo precede "todas as coisas", não só por causa da sua eternidade, mas também e sobretudo pela sua obra criadora e providente: "porque n'Ele foram criadas todas as coisas, tanto as celestes como as terrestres, tanto as visíveis como as invisíveis... e tudo n'Ele subsiste" (Col 1,16-17). Aliás, as coisas foram criadas "para Ele" (Col 1,16). E assim, São Paulo indica-nos uma verdade muita importante: a história tem uma meta, uma direcção. A história orienta-se rumo à humanidade unida em Cristo, ao homem perfeito, ao humanismo perfeito. Por outras palavras, São Paulo diz-nos: sim, há progresso na história. Há por assim dizer uma evolução da história. Progresso é tudo o que nos aproxima de Cristo e assim nos aproxima da humanidade unida, do verdadeiro humanismo. Desta forma, no interior destas indicações esconde-se também um imperativo para nós: trabalhar pelo progresso é o que todos nós queremos. Podemos fazê-lo, trabalhando pela aproximação dos homens a Cristo; podemos fezê-lo, conformando-nos pessoalmente a Cristo, caminhando deste modo na linha do progresso autêntico.

3. O segundo movimento do Hino (cf. Col 1,18-20) é dominado pela figura de Cristo salvador no interior da história da salvação. A sua obra revela-se, antes de tudo, no ser "Cabeça do corpo, que é a Igreja" (Col 1,18): este é o horizonte salvífico privilegiado em que se manifestam plenamente a libertação e a redenção, a comunhão vital que se interpõe entre a Cabeça e os membros do corpo, ou seja, entre Cristo e os cristãos. O olhar do Apóstolo orienta-se para a meta última em que a história converge: Cristo é "o primogénito dos que ressuscitam dentre os mortos" (Col 1,18), é Aquele que abre as portas para a vida eterna, libertando-nos do limite da morte e do mal.

De facto, eis aquele pleroma, aquela "plenitude" de vida e de graça, que está no próprio Cristo e que nos é doada e comunicada (cf. Col 1,19). Com esta presença vital, que nos torna partícipes da divindade, transformamo-nos interiormente, reconciliados, apaziguados: é uma harmonia de todo o ser redimido, em que Deus será "tudo em todos" (1Co 15,28); e viver como cristão significa deixar-se desse modo transformar interiormente segundo a forma de Cristo. Realiza-se a reconciliação, o apaziguamento.

4. A este grandioso mistério da redenção dedicamos agora um olhar contemplativo, e fazemo-lo com as palavras de São Proclo de Constantinopla, morto no ano de 446. Na sua Primeira Homilia sobre a Mãe de Deus, Maria, ele repropõe o mistério da Redenção como consequência da Encarnação.

De facto, recorda o Bispo, Deus fez-se homem para nos salvar e assim para nos libertar do poder das trevas e nos reconduzir ao reino do Filho amado, como lembra também este hino da Carta aos Colossenses. "Quem nos redimiu não é um mero homem observa Proclo de facto, todo o género humano estava subjugado ao pecado; mas também não era um Deus desprovido da natureza humana: com efeito, Ele tinha um corpo. Se não tivesse sido revestido de mim, não me teria salvado. Nascido no seio da Virgem, Ele vestiu-se de condenado. Ali teve lugar o tremendo comércio: Ele deu o espírito e tomou a carne" (8: Testi mariani del primo millennio, I, Roma 1988, p. 561).

Portanto, estamos diante da obra de Deus, que realizou a Redenção precisamente porque também é homem. Contemporaneamente, Ele é Filho de Deus, Salvador, mas é inclusive nosso irmão, e é com esta proximidade que infunde em nós o dom divino. É realmente o Deus connosco. Amém!

Saudações

Saúdo cordialmente os peregrinos de língua francesa, presentes nesta audiência, em particular os jovens da Instituição de Nossa Senhora das Dunas, de Dunkerque. Que a vossa peregrinação vos ajude a colocar Cristo no centro da vossa vida, ao longo do Ano Novo. Bom e santo Ano a todos!

Dou as boas-vindas aos peregrinos anglófonos, hoje aqui presentes, inclusive aos grupos oriundos da Coreia e dos Estados Unidos da América. De modo particular, saúdo os delegados participantes no Capítulo Geral da Congregação dos Irmãos de São Gabriel. Rezo a fim de que o tempo que estais a transcorrer aqui em Roma vos ajude a crescer no amor ao Senhor. No momento em que tem início o Novo Ano, peço a Deus que abençoe todos vós, assim como os vossos irmãos e as vossas famílias em casa.

É com carinho que saúdo os visitantes de expressão espanhola, de maneira especial a Comunidade Juvenil de Monte Rei, no México. Exorto-vos a dar graças a Deus por nos ter enviado o seu Filho que, tornando-se homem, se transformou em nosso Salvador e Irmão.

Feliz Ano Novo!

Saúdo cordialmente os fiéis polacos aqui presentes. No início deste Novo Ano, peço a Deus que vos cumule, bem como as vossas famílias, com graças abundantes, que vos proteja com carinho e vos abençoe. Bom Ano! Louvado seja Jesus Cristo!

Saúdo os peregrinos croatas aqui presentes! Enquanto nos corações ainda ressoa o cântico de glória da noite de Natal, que sobre as vossas famílias e os vossos relacionamentos com os próximos seja derramada a bênção, concedida pelo Rei da Paz, nascido uma vez para sempre, para permanecer eternamente no meio de nós.

Louvados sejam Jesus e Maria!

Vê-se e sente-se a força da Igreja que está na Itália. Dirijo os meus cordiais cumprimentos aos peregrinos de língua italiana. De forma especial, saúdo os representantes da Associação de Professores Católicos, enquanto os encorajo a continuar com generosidade o seu compromisso de testemunho cristão, tanto na escola como na sociedade.

Além disso, quero saudar as Irmãs Dominicanas de São Sisto, as Irmãs da Adoração do Sagrado Coração e as Irmãs Dominicanas "Servas do Senhor", aqui reunidas por ocasião dos respectivos Capítulos Gerais. Depois, transmito a minha saudação a dois Institutos, que recordam o primeiro centenário da sua fundação: as Irmãs Oblatas de Santo António de Pádua e as Irmãs Catequistas do Sagrado Coração. Queridas Religiosas, formulo-vos votos a fim de que possais continuar a servir o Evangelho e a Igreja, em fidelidade ao vosso respectivo carisma. Saúdo, outrossim, os jovens do Oratório de São João Bosco, de Gessate.

Enfim, dirijo uma particular saudação aos jovens, aos doentes e aos novos casais. Jesus, que contemplamos no mistério da Natividade, seja para todos vós um guia seguro ao longo do Novo Ano, há pouco iniciado.



11 de Janeiro 2006: Salmo 143 (vulg.), 1-8: Oração do Rei pela vitória e pela paz

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1. O nosso itinerário no Saltério usado na Liturgia das Vésperas chega agora a um hino real, o Salmo 143, do qual foi proclamada a primeira parte: de facto, a Liturgia propõe este cântico subdividindo-o em dois momentos.

A primeira parte (cf.
Ps 144,1-8) revela de modo claro a característica literária desta composição: o Salmista recorre a citações de outros textos sálmicos, desenvolvendo-os num novo projecto de canto e oração.

Precisamente porque o Salmo pertence a uma época sucessiva é fácil pensar que o rei exaltado já não tem os traços do soberano davídico, pois a realeza hebraica concluiu-se com o exílio babilónio do século VI a.C., mas representa contudo a figura luminosa e gloriosa do Messias, cuja vitória não é um acontecimento bélico-político, mas uma intervenção de libertação contra o mal. Portanto a palavra "messias" que em hebraico indica o "consagrado", como era o soberano é substituída por "Messias" por excelência que, na releitura cristã, tem o rosto de Jesus Cristo, "filho de David, filho de Abraão" (Mt 1,1).

2. O hino inicia com uma bênção, ou seja, com uma exclamação de louvor dirigida ao Senhor, celebrado com uma pequena ladainha de títulos salvíficos: ele é a rocha segura e estável, é a graça amorosa, é a fortaleza protegida, o refúgio defensivo, a libertação, o escudo que afasta qualquer ataque do mal (cf. Ps 144,1-2). Há também a imagem marcial do Deus que adestra para a guerra o seu fiel para que saiba enfrentar as hostilidades do ambiente, os poderes obscuros do mundo.

Diante do Senhor omnipotente o orante, mesmo na sua dignidade real, sente-se débil e frágil. Então ele faz uma profissão de humildade que é formulada, assim se dizia, com as palavras dos Salmos 8 e 38. De facto, ele sente que é "como um sopro", semelhante a uma sombra passageira, frágil e inconsistente, imerso no fluxo do tempo que passa, marcado pelos limites que são característicos da criatura (cf. Ps 144,4).

3. Eis, então, a pergunta: por que é que Deus cuida e pensa nesta criatura tão miserável e caduca? A esta pergunta (Ps 144,3) responde a grandiosa irrupção divina, a chamada teofania que é acompanhada por um cortejo de elementos cósmicos e acontecimentos históricos, orientados para celebrar a transcendência do Rei supremo do ser, do universo e da história.

Eis os montes que fumegam em erupções vulcânicas (cf. Ps 144,5), raios que se assemelham a setas que afugentam os inimigos (cf. Ps 144,6), eis as "águas caudalosas" oceânicas que são símbolo do caos do qual, contudo, o rei é salvo por obra da própria mão divina (cf. Ps 144,7). Em segundo plano permanecem os ímpios que dizem "mentiras" e "juram falso" (cf. Ps 144,7-8), uma representação concreta, segundo o estilo semítico, da idolatria, da perversão moral, do mal que verdadeiramente se opõe a Deus e ao seu fiel.

4. Agora nós, com a nossa meditação, deter-nos-emos inicialmente na profissão de humildade que o Salmista faz e confiar-nos-emos às palavras de Orígenes, cujo comentário ao nosso texto chegou até nós na versão latina de São Jerónimo. "O Salmista fala da fragilidade do corpo e da condição humana", porque "no que diz respeito à condição humana, o homem é uma nulidade. "Vaidade das vaidades, tudo é vaidade", disse o Eclesiastes". Mas volta então a pergunta admirada e reconhecida: ""Senhor, que é o homem, para cuidares dele?"... Que grande felicidade é para o homem, conhecer o seu Criador. Nisto, nós diferenciamo-nos das feras e dos outros animais, porque sabemos que temos o nosso Criador, enquanto que eles não o sabem". Vale a pena meditar um pouco sobre estas palavras de Orígenes, que vê a diferença fundamental entre o homem e os outros animais no facto de que o homem é capaz da verdade, capaz de um conhecimento que se torna relação, amizade. É importante, no nosso tempo, que não esqueçamos Deus, juntamente com todos os outros conhecimentos que entretanto adquirimos, e são tantos! Eles tornam-se todos problemáticos, por vezes perigosos, se falta o conhecimento fundamental que dá sentido e orientação a tudo: o conhecimento de Deus Criador.

Voltemos a Orígenes. Ele diz: "Não poderás salvar esta miséria que é o homem, se tu mesmo não a assumes sobre ti. "Senhor, abaixa os céus e desce". A tua ovelha perdida não se poderá curar, se não for colocada sobre os teus ombros... Estas palavras dirigem-se ao Filho: "Senhor, abaixa os céus e desce"... desceste, abaixaste os céus e estendeste lá do alto a tua mão, e muitos acreditaram em ti" (Orígenes Jerónimo, 74 homilias sobre o livro dos Salmos, Milão 1993, pp. 512-515).

Para nós, cristãos, Deus já não é, como na filosofia precedente ao cristianismo, uma hipótese mas uma realidade, porque Deus "abaixou os céus e desceu". O céu é Ele mesmo, e desceu entre nós.

Justamente Orígenes vê na parábola da ovelha perdida, que o pastor carrega sobre os ombros, a parábola da Encarnação de Deus. Sim, na Encarnação Ele desceu e assumiu sobre os ombros a nossa carne, a nós próprios. Assim o conhecimento de Deus tornou-se realidade, amizade, comunhão. Demos graças ao Senhor porque "abaixou os céus e desceu", carregou sobre os seus ombros a nossa carne e nos guia pelas estradas da nossa vida.

O Salmo, tendo partido da nossa descoberta de sermos débeis e estarmos afastados do esplendor divino, chega no final a uma surpresa: ao nosso lado está o Deus-Emanuel, que para o cristão tem o rosto amoroso de Jesus Cristo, Deus que se fez homem, que se fez um de nós.

Saudações

Saúdo com viva satisfação o grupo de peregrinos de língua portuguesa e, de modo especial, os juristas brasileiros aqui presentes. Faço votos que a oportunidade de visitar o túmulo dos Apóstolos vos sirva de estímulo para uma renovada confiança na Lei de Deus e nos princípios que dela derivam. A todos desejo muita paz e alegria no Espírito Santo. Que o Senhor vos abençoe!

É de todo o coração que saúdo os peregrinos de língua francesa, presentes na manhã de hoje, em particular os diáconos e os jovens sacerdotes do Seminário de Lila, assim como os grupos de jovens. Que a vossa peregrinação a Roma reavive a vossa fé e abra os vossos corações à esperança, para acolher cada dia nas vossas vidas o Emanuel, o Príncipe da Paz!

Faço extensivas as minhas calorosas boas-vindas aos peregrinos e visitantes de expressão inglesa, hoje aqui presentes, inclusive os grupos da Finlândia, do Japão e dos Estados Unidos da América. Sobre vós e sobre os vossos entes queridos em casa, invoco a alegria e a paz de Cristo nosso Senhor! Desejo transmitir uma saudação sincera aos estudantes e professores do Instituto Ecuménico de Bossey, na Suíça. Faço votos por que a vossa visita aos túmulos dos Apóstolos Pedro e Paulo, juntamente com os vossos encontros, constitua um estímulo que há-de fortalecer o vosso compromisso na tarefa vital de promoção da unidade entre os cristãos.

Saúdo cordialmente os visitantes e peregrinos vindos da Espanha e da América Latina. Conscientes da dignidade de ser filhos de Deus, animo-vos a levar a vossa vida cristã com alegria e fidelidade aos vossos compromissos baptismais.

Dirijo uma cordial saudação aos peregrinos de língua italiana. Em particular, saúdo os representantes da Federação Italiana das Comunidades Terapêuticas, que recorda o 25º aniversário de actividade, e formulo-lhes votos a fim de que continuem com entusiasmo a obra de ajuda e de recuperação de quantos são vítimas da droga e da marginalização. Além disso, saúdo o grupo da Obra Romana de Peregrinações e os jovens do Movimento dos Focolares.

Por fim, dirijo o meu pensamento aos jovens, aos doentes e aos novos casais. A festa do Baptismo do Senhor, que encerrou o tempo do Natal, vos sirva de estímulo, prezados amigos, para que na recordação do vosso baptismo estejais prontos a dar testemunho alegre da fé em Cristo em todas as situações, na saúde e na doença, na família, no trabalho e em todos os ambientes.


18 de Janeiro 2006: Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos

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"Se dois de entre vós se unirem, na Terra, para pedir qualquer coisa, hão-de obtê-la de meu Pai que está no Céu" (
Mt 18,19). Esta solene certeza de Jesus aos seus discípulos sustém também a nossa oração. Hoje tem início a já tradicional "Semana de oração pela unidade dos cristãos", encontro importante para reflectir sobre o drama da divisão da comunidade cristã e pedir juntamente com o próprio Jesus "que todos sejam um... e o mundo creia" (Jn 17,21). Também nós hoje o fazemos aqui, em sintonia com uma grande multidão no mundo. De facto, a oração "pela unidade de todos" envolve de formas, tempos e modos diversos, católicos, ortodoxos e protestantes, irmanados na fé em Jesus Cristo, único Senhor e Salvador.

A oração pela unidade faz parte daquele núcleo central que o Concílio Vaticano II chama "a alma de todo o movimento ecuménico" (Unitatis redintegratio UR 8), núcleo que inclui precisamente as orações públicas e privadas, a conversão do coração e a santidade de vida. Esta visão reconduz-nos ao centro do problema ecuménico, que é a obediência ao Evangelho para fazer a vontade de Deus com a sua ajuda necessária e eficaz. O Concílio indicou isto explicitamente aos fiéis declarando: "quanto mais unidos estiverem estivermos em estreita comunhão com o Pai, com o Verbo e com o Espírito Santo, tanto mais íntima e facilmente poderão aumentar as mútuas relações fraternas" (ibid., UR 7).

Os elementos que, apesar da divisão permanente ainda unem os cristãos, apoiam a possibilidade de elevar uma oração comum a Deus. Esta comunhão em Cristo apoia todo o movimento ecuménico e indica a finalidade da busca da unidade de todos os cristãos na Igreja de Deus. Isto distingue o movimento ecuménico de qualquer outra iniciativa de diálogo e de relações com outras religiões e ideologias. Também neste aspecto tinha sido claro o ensinamento do decreto sobre o ecumenismo do Concílio Vaticano II: "Participam neste movimento pela unidade, chamado ecuménico, todos os que invocam a Santíssima Trindade e professam a fé em Jesus Senhor e Salvador" (ibid., UR 1). As orações comuns que se recitam no mundo inteiro, particularmente neste período, ou no tempo do Pentecostes, exprimem também a vontade do compromisso comum pelo restabelecimento da plena comunhão de todos os cristãos. Estas orações comuns "são, sem dúvida, um meio muito eficaz para pedir a graça da unidade" (ibid., UR 8). Com esta afirmação o Concílio Vaticano II interpreta em substância quanto diz Jesus aos seus discípulos, aos quais garante que se dois se puserem de acordo na terra para pedir algo ao Pai que está nos céus, ele concedê-lo-á, "porque" onde dois ou três estiverem reunidos em Seu nome, Ele está no meio deles. Depois da ressurreição ele garante ainda que estará "sempre com eles até ao fim do mundo" (Mt 28,20). A presença de Jesus na comunidade dos discípulos e na nossa oração, garante a sua eficiência. A ponto que promete que "tudo o que ligardes na terra será ligado no céu, e tudo o que desligardes na terra será desligado no céu" (Mt 18,18).

Mas não nos limitemos a impetrar. Também podemos agradecer ao Senhor a nova situação fadigosamente criada pelas relações ecuménicas entre os cristãos na reencontrada fraternidade pelos fortes vínculos de solidariedade estabelecidos, pelo crescimento da comunhão e pelas convergências realizadas certamente de modo desigual entre os vários diálogos. Há tantos motivos para agradecer. E se ainda há tanto para esperar e para fazer, não esqueçamos que Deus nos concedeu muito no caminho da unidade. Por isso lhe estamos gratos por estes dons. O futuro está diante de nós. O Santo Padre João Paulo II de feliz memória que tanto fez e sofreu pela questão ecuménica ensinou-nos oportunamente que "reconhecer o que Deus já concedeu é a condição que nos predispõe a receber os dons ainda indispensáveis para levar a cabo a obra ecuménica da unidade" (Ut unum sint UUS 41). Portanto, irmãos e irmãs, continuemos a rezar para que estejamos conscientes de que a santa causa do restabelecimento da unidade dos cristãos supera as nossas pobres forças humanas e que a unidade definitiva é dom de Deus.

Neste sentido e com estes sentimentos, seguindo os passos de João Paulo II na próxima quarta-feira, 25 de Janeiro, festa da conversão do Apóstolo das Nações, irei à Basílica de São Paulo fora dos Muros para rezar com os irmãos ortodoxos e protestantes: rezar para agradecer tudo o que o Senhor nos concedeu; rezar para que o Senhor nos guie pelo caminho da unidade.

Além disso, no mesmo dia, 25 de Janeiro, será finalmente publicada a minha primeira Encíclica, cujo título já é conhecido "Deus caritas est", "Deus é amor". O tema não é imediatamente ecuménico, mas o quadro e o pano de fundo são ecuménicos, porque Deus e o nosso amor são a condição da unidade dos cristãos. São a condição da paz no mundo.

Nesta Encíclica desejo mostrar o conceito de amor nas suas diversas dimensões. Hoje, na terminologia que se conhece, o "amor" com frequência está muito distante do que pensa um cristão se fala de caridade. Da minha parte, gostaria de mostrar que se trata de um movimento com diversas dimensões. O "eros", este dom de amor entre homem e mulher, provém da mesma fonte de bondade do Criador, assim como a possibilidade de um amor que renuncia a si em benefício do outro. O "eros" transforma-se em "ágape" na medida em que os dois se amam realmente e um não procura mais a si mesmo, a sua alegria, o seu prazer, mas sobretudo o bem do outro. E assim isto, que é "eros" transforma-se em caridade, num caminho de purificação, de aprofundamento. Da própria família abre-se de par em par à família mais vasta da sociedade, à família da Igreja, à família do mundo.

Procuro demonstrar também como o acto pessoalíssimo que nos vem de Deus é um único acto de amor. Ele deve expressar-se também como acto eclesial, organizativo. Se é realmente verdade que a Igreja é expressão do amor de Deus, daquele amor que Deus tem pela sua criatura humana, também deve ser verdade que o acto fundamental da fé que cria e une a Igreja e nos dá a esperança da vida eterna e da presença de Deus no mundo, gera um acto eclesial. Na prática a Igreja, também como Igreja, como comunidade, de maneira institucional, deve amar. E a chamada "Caritas" não é uma mera organização, como outras organizações filantrópicas, mas necessária expressão do acto mais profundo do amor pessoal com que Deus nos criou, suscitando no nosso coração o estímulo para o amor de Deus, reflexo do Deus Amor que nos torna sua imagem.
Transcorreu bastante tempo antes que o texto estivesse pronto e traduzido. Agora parece-me um dom da Providência, que o texto seja publicado precisamente no dia em que rezaremos pela unidade dos cristãos. Espero que ele possa iluminar e ajudar a nossa vida cristã.


Audiências 2005-2013 21125