Audiências 2005-2013 12046

12 de Abril de 2006: O Tríduo pascal

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Queridos irmãos e irmãs!

Inicia amanhã o Tríduo pascal, que é o centro de todo o ano litúrgico. Ajudados pelos ritos sagrados de Quinta-Feira Santa, da Sexta-Feira Santa e da solene Vigília Pascal, reviveremos o mistério da paixão, morte e ressurreição do Senhor. Estes são dias adequados para despertar em nós um desejo mais profundo de aderir a Cristo e de o seguir generosamente, conscientes de que Ele nos amou a ponto de dar a sua vida por nós. De facto, o que são os acontecimentos que o Tríduo santo nos propõe, a não ser a manifestação sublime deste amor de Deus pelo homem?

Portanto, preparemo-nos para celebrar o Tríduo pascal acolhendo a exortação de Santo Agostinho: "Considera agora atentamente os três dias santos da crucifixão, da sepultura e da ressurreição do Senhor. Destes três mistérios realizamos na vida presente aquilo de que a Cruz é símbolo, enquanto cumprimos através da fé e da esperança aquilo que a sepultura e a ressurreição simbolizam" (Carta 55, 14, 24: Nova Biblioteca Agostiniana, (NBA), XXI/II, Roma 1969, pág. 477).

O Tríduo pascal começa amanhã, Quinta-Feira Santa, com a Missa vespertina "in Cena Domini", mesmo se normalmente de manhã se celebra outra significativa liturgia, a Missa Crismal, durante a qual, reunido ao redor do Bispo, o inteiro presbitério de todas as Dioceses renova as promessas sacerdotais, e participa da bênção do óleo dos catecúmenos, dos enfermos e do Crisma, e assim faremos amanhã de manhã também aqui, em São Pedro. Além da instituição do Sacerdócio, neste dia santo comemora-se a oferta total que Cristo fez de Si à humanidade no sacramento da Eucaristia. Naquela mesma noite na qual foi traído, Ele deu-nos, como recorda a Sagrada Escritura, um mandamento novo "mandatum novum" do amor fraterno realizando o gesto comovedor do lava-pés, que chama ao humilde serviço dos servos. Este dia especial, que recorda grandes mistérios, encerra-se com a Adoração eucarística, em recordação da agonia do Senhor no horto do Getsémani. Tomado por uma grande angústia, narra o Evangelho, Jesus pede aos seus que vigiem com Ele permanecendo em oração: "Ficai aqui e vigiai comigo" (
Mt 26,38), mas os discípulos adormeceram. Ainda hoje o Senhor nos diz: "Ficai aqui e vigiai comigo". E vemos como também nós, discípulos de hoje, com frequência dormimos. Aquele foi para Jesus o momento do abandono e da solidão, ao qual seguiu, no coração da noite, o aprisionamento e o início do doloroso caminho para o Calvário.

A Sexta-feira Santa está centrada no mistério da Paixão, dia de jejum e de penitência, completamente orientada para a contemplação de Cristo na Cruz. Nas igrejas é proclamada a narração da Paixão e ressoam as palavras do profeta Zacarias: "Hão-de olhar para aquele que traspassaram" (Jn 19,37). E também nós, na Sexta-Feira Santa, desejamos realmente dirigir o olhar para o coração traspassado do Redentor, no qual escreve São Paulo estão "escondidos todos os tesouros da sabedoria e do conhecimento" (Col 2,3), aliás, no qual "habita realmente toda a plenitude da divindade" (Col 2,9), por isso o Apóstolo pode afirmar com decisão de não querer saber outra coisa "a não ser Jesus Cristo, e este, crucificado" (1Co 2,2). É verdade: a Cruz revela "a largura, o comprimento, a altura e a profundidade" as dimensões cósmicas, este é o seu sentido de um amor que ultrapassa todas as consciências o amor vai além do quanto se conhece e nos enche "de toda a plenitude de Deus" (Ep 3,18-19). No mistério do Crucificado "cumpre-se aquele virar-se de Deus contra Si próprio, com o qual Ele Se entrega para levantar o homem e salvá-lo o amor na sua forma mais radical" (Deus caritas est ). A Cruz de Cristo, escreve no século V o Papa São Leão Magno, "é fonte de todas as bênçãos, e causa de todas as graças" (Discurso 8 sobre a paixão do Senhor, 6-8; PL 54, 340-342).

No Sábado Santo a Igreja, unindo-se espiritualmente a Maria, permanece em oração junto do sepulcro, onde o corpo do Filho de Deus jaz inerte como numa condição de repouso depois da obra criadora da redenção, realizada com a sua morte (cf. He 4,1-13). Quando a noite já estiver avançada iniciará a solene Vigília pascal, durante a qual em todas as Igrejas o cântico jubiloso do Gloria e do Alleluia pascal se elevará do coração dos novos baptizados e de toda a comunidade cristã, feliz porque Cristo ressuscitou e venceu a morte.

Queridos irmãos e irmãs, para uma profunda celebração da Páscoa, a Igreja pede aos fiéis que se aproximem nestes dias do Sacramento da Penitência, que é como uma espécie de morte e ressurreição para cada um de nós. Na antiga comunidade cristã, na Quinta-Feira Santa realizava-se o rito da Reconciliação dos Penitentes presidido pelo Bispo. As condições históricas certamente mudaram, mas preparar-se para a Páscoa com uma boa confissão continua a ser um dever que se deve valorizar plenamente, porque nos oferece a possibilidade de recomeçar a nossa vida e ter realmente um novo início na alegria do Ressuscitado e na comunhão do perdão que Ele nos concede. Conscientes de ser pecadores, mas confiantes na misericórdia divina, deixemo-nos reconciliar por Cristo para gozar mais intensamente a alegria que Ele nos comunica com a sua ressurreição. O perdão, que nos é dado por Cristo no sacramento da Penitência, é fonte de paz interior e exterior e torna apóstolos de paz num mundo no qual infelizmente continua a haver divisões, sofrimentos e os dramas da injustiça, do ódio e da violência, da incapacidade de nos reconciliarmos para recomeçar com um perdão sincero. Mas nós sabemos que o mal não tem a última palavra, porque quem vence é Cristo crucificado e ressuscitado e o seu triunfo se manifesta com a força do amor misericordioso. A sua ressurreição dá-nos esta certeza: apesar da obscuridade que vem do mundo, o mal não tem a última palavra. Amparados por esta certeza poderemos comprometer-nos com mais coragem e entusiasmo para que nasça um mundo mais justo.

Formulo de coração estes votos a todos vós, queridos irmãos e irmãs, desejando que vos prepareis com fé e devoção para as festas pascais que já estão próximas. Acompanhe-vos Maria Santíssima que, depois de ter seguido o divino Filho no momento da paixão e da cruz, partilhou a alegria da sua ressurreição.



Saudações

Saúdo cordialmente os peregrinos de língua francesa presentes aqui esta manhã. Espero que possais preparar os vossos corações para celebrar estes dias santos e, no sacramento da Penitência, deixar-vos reconciliar com Cristo, acolhendo o seu perdão, para gozar mais intensamente a alegria que a sua ressurreição vos comunica.

Saúdo calorosamente todos os peregrinos de língua inglesa, incluindo os estudantes e a direcção do De Lisle Catholic College. Fazei com que a vossa peregrinação na Semana Santa seja um tempo de renovação e encorajamento espiritual. Invoco sobre vós e sobre as vossas famílias a abundância das bênçãos de Deus, e desejo a cada um de vós uma Páscoa santa e feliz!

Dirijo uma afectuosa saudação a vós, queridos peregrinos e visitantes de língua alemã, de modo especial aos da Áustria Superior, com o Presidente da Região, e os jovens de Eichstätt. As festas do Tríduo pascal aproximam-nos do sacrifício salvífico de Cristo. Preparemo-nos para ele através do sacramento da Reconciliação. A confissão é uma fonte de paz e torna-nos apóstolos de paz. Que o Senhor vos conceda a graça de trabalhar neste mundo como "homens novos". Desejo-vos uma feliz Semana Santa!

Saúdo cordialmente os peregrinos polacos. Estes dias da Semana Santa apresentam-nos os mistérios salvíficos do sofrimento, morte e ressurreição de Cristo. Eles sejam para todos vós um tempo de graça e de conversão. Desejo-vos uma digna preparação para a Páscoa e um jubiloso encontro com Cristo ressuscitado. Louvado seja Jesus Cristo.

Por fim, saúdo cordialmente os jovens, os doentes e os novos casais.Queridos amigos, disponde os vossos corações para celebrar com profunda participação o Mistério pascal, para haurir da contemplação da morte e ressurreição de Cristo a luz que vos permite caminhar fielmente nos passos do Redentor.


19 de Abril de 2006: A Páscoa

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Queridos irmãos e irmãs!

No início desta Audiência geral, que se realiza no clima jubiloso da Páscoa, gostaria de agradecer juntamente convosco ao Senhor, que depois de me ter chamado exactamente há um ano para servir a Igreja como Sucessor do apóstolo Pedro, não deixa de me assistir com a sua ajuda indispensável. Como passa depressa o tempo! Já transcorreu um ano desde quando, de modo para mim inesperado e surpreendente, os Cardeais reunidos em Conclave quiseram escolher a minha pessoa para suceder ao saudoso e amado Servo de Deus João Paulo II. Recordo com emoção o primeiro impacto que tive da loggia central da Basílica, logo após a minha eleição, com os fiéis reunidos nesta mesma Praça. Permanece impresso na minha mente e no coração aquele encontro, ao qual se seguiram muitos outros, que me proporcionaram a ocasião de experimentar como é verdadeiro quanto disse durante a solene concelebração com a qual iniciei solenemente o exercício do ministério petrino: "Sinto viva a consciência de não ter que carregar sozinho o que na realidade nunca poderia carregar sozinho". É para mim um apoio insubstituível a celeste protecção de Deus e dos santos, e conforta-me a vossa proximidade, queridos amigos, que não me fazeis faltar o dom da vossa indulgência e do vosso amor. Obrigado de coração a todos os que de vários modos me acompanham de perto ou me seguem de longe espiritualmente com o seu afecto e a sua oração. Peço a cada um que continue a apoiar-me rezando a Deus para que me conceda ser pastor manso e firme da sua Igreja.

Narra o evangelista João que Jesus precisamente depois da sua ressurreição encarregou Pedro de se ocupar do seu rebanho (cf.
Jn 21,15 Jn 21,23). Quem poderia então humanamente imaginar o desenvolvimento que teria distinguido ao longo dos séculos aquele grupo de discípulos do Senhor?

Pedro, juntamente com os outros apóstolos e depois os seus sucessores, primeiro em Jerusalém e, em seguida, até aos últimos confins da terra, difundiram a mensagem evangélica cujo centro fundamental e imprescindível está constituído pelo Mistério pascal: a paixão, a morte e a ressurreição de Cristo. A Igreja celebra este mistério na Páscoa, prolongando o seu eco jubiloso nos dias seguintes; canta o aleluia pelo triunfo de Cristo sobre o mal e sobre a morte. "A celebração da Páscoa segundo uma data do calendário observa São Leão Magno recorda-nos a festa eterna que supera qualquer tempo humano". "A Páscoa actual observa ainda é a sombra da Páscoa futura. É por isso que a celebramos para passar de uma festa anual a uma festa que será eterna". A alegria destes dias prolonga-se durante todo o ano litúrgico e renova-se particularmente aos domingos, dia dedicado à recordação da ressurreição do Senhor. Nela, que é como a "pequena Páscoa" de cada semana, a assembleia litúrgica reunida para a Santa Missa proclama no Credo que Jesus ressuscitou no terceiro dia, acrescentando que nós aguardamos "a ressurreição dos mortos e a vida do mundo que há-de vir". Desta forma, indica-se que o acontecimento da morte e ressurreição de Jesus constitui o centro da nossa fé e é sobre este anúncio que a Igreja se funda e cresce. Santo Agostinho recorda de modo incisivo: "Caríssimos, consideremos a Ressurreição de Cristo: de facto, como a sua Paixão significou a nossa vida antiga, assim a ressurreição é sacramento de vida nova... Acreditaste, foste baptizado: a vida antiga morreu, morta na cruz, sepultada no Baptismo. Foi sepultada a vida antiga na qual viveste: ressurja a nova. Vive bem: vive de modo que tu vivas, para que quando morreres, não morras" (Sermo Guelferb. 9, 3).

As narrações evangélicas, que referem as aparições do Ressuscitado, concluem-se normalmente com o convite a superar qualquer incerteza, a confrontar o acontecimento com as Escrituras, a anunciar que Jesus, além da morte, é o eterno vivente, fonte de vida nova para todos aqueles que crêem. Acontece assim, por exemplo, no caso de Maria Madalena (cf. Jn 20,11-18), que descobre o sepulcro aberto e vazio, e imediatamente teme que o corpo do Senhor tenha sido tirado dali. Então o Senhor chama-a pelo nome, e naquele momento acontece nela uma profunda mudança: o desconforto e a desorientação convertem-se em alegria e entusiasmo. Com solicitude ela vai ter com os Apóstolos e anuncia: "Vi o Senhor" (Jn 20,18): Portanto: quem encontra Jesus é transformado interiormente; não se pode "ver" o Resuscitado sem "crer" nele. A fé nasce do encontro pessoal com Cristo ressuscitado, e torna-se impulso de coragem e de liberdade que faz gritar ao mundo: Jesus ressuscitou e vive para sempre. Eis a missão dos discípulos do Senhor de todas as épocas e também deste nosso tempo: "Já que fostes ressuscitados com Cristo exorta São Paulo procurai as coisas do alto... Aspirai às coisas do alto e não às coisas da terra" (Col 3,1-2). Isto não significa desinteressar-se dos compromissos quotidianos, afastar-se das realidades terrenas; significa ao contrário recomeçar todas as actividades humanas como um respiro sobrenatural, significa tornar-se jubilosos anunciadores e testemunhas da ressurreição de Cristo, vivo eternamente (cf. Jn 20,25 Lc 24,33-34).

Queridos irmãos e Irmãs, na Páscoa do seu Filho unigénito Deus revela plenamente a si mesmo, a sua força vitoriosa sobre as forças da morte, a força do Amor trinitário. A Virgem Maria, que viveu intimamente a paixão, morte e ressurreição do Filho e aos pés da Cruz tornou-se Mãe de todos os crentes, nos ajude a compreender este mistério de amor que muda os corações e nos faça gozar plenamente a alegria pascal, para a poder depois, por nossa vez, comunicar aos homens e às mulheres do terceiro milénio.

Saudações

Caríssimos amigos!

Jesus Cristo vive. Esta é a certeza que a Igreja põe em nossos corações, nesta semana da Oitava de Páscoa. Ela nos convida a fazer reflectir em nossas vidas a presença do Ressuscitado, sendo testemunhas credíveis da Sua presença no mundo. A todos os peregrinos de língua portuguesa, especialmente ao grupo de portugueses aqui presentes, renovo os meus votos de Feliz Páscoa, exortando-vos a proclamar a grandeza do amor de Deus, mediante uma vida autenticamente cristã.

Saúdo cordialmente os peregrinos de língua francesa, em particular os seminaristas da Diocese de Fréjus-Toulon, com D. Dominique Rey, os estudantes da Arquidiocese de Cambrai, com D. François Garnier, assim como todos os jovens, sobretudo os de Reims e de Joigny. Que a Virgem Maria vos ajude a compreender o mistério de amor de Deus vitorioso da morte; que ela nos faça viver a alegria pascal, para a comunicar a todos os nossos contemporâneos.

O meu pensamento dirige-se também aos doentes e aos novos casais. Para vós, queridos doentes, a ressurreição de Cristo seja fonte inexaurível de conforto e de esperança. E vós, queridos novos casais, sede testemunhas do Senhor ressuscitado com o vosso fiel amor conjugal.

O Papa expressa dor e firme condenação pelo atentado em Tel Aviv

Foi com grande dor que tomei conhecimento da notícia do terrível atentado perpetrado na segunda-feira passada em Tel Aviv, em Israel, e sinto o dever de expressar a mais firme condenação por este acto terrorista. Não é com semelhantes abomináveis actos que se podem tutelar os direitos legítimos de um povo.

O Senhor, Príncipe da paz, esteja próximo dos israelitas e palestinos, para que não se entreguem a uma trágica deriva, mas retomem os passos que os levam a viver em paz e segurança, uns ao lado dos outros, como filhos do mesmo Pai que está nos céus.


26 de Abril de 2006: A comunhão no tempo: a Tradição

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Queridos irmãos e irmãs!

Obrigado pelo vosso afecto! Com a nova série de catequeses, iniciada há pouco tempo, procuramos compreender o desígnio originário da Igreja querida pelo Senhor, para assim compreender melhor também a nossa colocação, a nossa vida cristã, na grande comunhão da Igreja. Até agora compreendemos que a comunhão eclesial é suscitada e alimentada pelo Espírito Santo, guardada e promovida pelo ministério apostólico. E esta comunhão, a que nós chamamos Igreja, não se alarga só a todos os crentes de um certo momento histórico, mas abraça também todos os tempos e todas as gerações. Por conseguinte, temos uma dupla universalidade: a universalidade sincrónica estamos unidos com os crentes de todas as partes do mundo e também uma universalidade chamada diacrónica, isto é: todos os tempos nos pertencem, também os crentes do passado e os crentes do futuro formam connosco uma única grande comunhão. É o Espírito quem garante a presença activa do mistério na história, Aquele que garante a sua realização ao longo dos séculos. Graças ao Paráclito a experiência do Ressuscitado, feita pela comunidade apostólica nas origens da Igreja, poderá ser sempre vivida pelas gerações sucessivas, porque transmitida e actualizada na fé, no culto e na comunhão do Povo de Deus, peregrino no tempo. E assim nós agora, no tempo pascal, vivemos o encontro com o Ressuscitado, não só como uma coisa do passado, mas na comunhão presente da fé, da liturgia, da vida da Igreja. A Tradição apostólica da Igreja consiste nesta transmissão dos bens da salvação, que faz da comunidade cristã a actualização permanente, na força do Espírito, da comunhão originária. Ela é chamada assim porque surgiu do testemunho dos Apóstolos e da comunidade dos discípulos no tempo das origens, foi entregue sob a guia do Espírito Santo nos textos do Novo Testamento e na vida sacramental, na vida da fé, e a ela a esta tradição, que é toda a realidade sempre actual do dom de Jesus a Igreja refere-se continuamente como ao seu fundamento e à sua norma através da sucessão ininterrupta do mistério apostólico.

Jesus, ainda na sua vida histórica, limitava a sua missão à casa de Israel, mas já fazia compreender que o dom era destinado não só ao povo de Israel, mas a todo o mundo e a todos os tempos. Depois, o Ressuscitado confia explicitamente aos Apóstolos (cf.
Lc 6,13) a tarefa de fazer discípulos de todas as nações, garantindo a sua presença e a sua ajuda até ao fim dos tempos (cf. Mt 28,19s.). O universalismo da salvação exige, entre outras coisas, que o memorial da Páscoa seja celebrado sem interrupção na história até à vinda gloriosa de Cristo (cf. 1Co 11,26). Quem actualizará a presença salvífica do Senhor Jesus mediante o ministério dos apóstolos chefes do Israel escatológico (cf. Mt 19,28) e através de toda a vida do apóstolo da nova aliança? A resposta é clara: o Espírito Santo. Os Actos dos Apóstolos em continuidade com o desígnio do Evangelho de Lucas apresentam ao vivo a compenetração entre o Espírito, os enviados de Cristo e a comunidade por eles reunida. Graças à acção do Paráclito os Apóstolos e os seus sucessores podem realizar no tempo a missão recebida do Ressuscitado: "Vós sois as testemunhas destas coisas. E Eu vou mandar sobre vós o que meu Pai prometeu..." (Lc 24,48s.). "Ides receber uma força, a do Espírito Santo, que descerá sobre vós, e sereis minhas testemunhas em Jerusalém, por toda a Judeia e Samaria e até aos confins do mundo" (Ac 1,8). E esta promessa, no início incrível, já se realizou no tempo dos Apóstolos: "E nós somos testemunhas destas coisas, juntamente com o Espírito Santo, que Deus tem concedido àqueles que lhe obedecem" (Ac 5,32).

Portanto, é o próprio Espírito que, mediante a imposição das mãos e a oração dos Apóstolos, consagra e envia os novos missionários do Evangelho (assim, por exemplo, em Ac 13,3s. e 1Tm 4,14). É interessante observar que, enquanto em alguns trechos se diz que Paulo estabelece os presbíteros nas Igrejas (cf. Ac 14,23), noutras partes afirma-se que é o Espírito quem constitui os pastores do rebanho (cf. Ac 20,28). A acção do Espírito e a de Paulo sobressaem profundamente compenetradas. No momento das decisões solenes para a vida da Igreja, o Espírito está presente para a guiar. Esta presença-guia do Espírito Santo sente-se particularmente no Concílio de Jerusalém, em cujas palavras conclusivas ressoa a afirmação: "O Espírito Santo e nós próprios resolvemos..." (Ac 15,28); a Igreja cresce e caminha "no temor do Senhor e, com a assistência do Espírito Santo..." (Ac 9,31). Esta actualização permanente da presença activa de Jesus Senhor no seu povo, realizada pelo Espírito Santo e expressa na Igreja através do ministério apostólico e a comunhão fraterna, é aquilo que em sentido teológico se quer dizer com a palavra Tradição: ela não é a simples transmissão material de quanto foi doado no início aos Apóstolos, mas a presença eficaz do Senhor Jesus, crucificado e ressuscitado, que acompanha e guia no Espírito a comunidade por ele reunida.

A Tradição é a comunhão dos fiéis à volta dos legítimos Pastores no decorrer da história, uma comunhão que o Espírito Santo alimenta garantindo a ligação entre a experiência da fé apostólica, vivida na originária comunidade dos discípulos, e a experiência actual de Cristo na sua Igreja. Por outras palavras, a Tradição é a continuidade orgânica da Igreja, Templo santo de Deus Pai, erigido sobre o fundamento dos Apóstolos e reunido pela pedra angular, Cristo, mediante a acção vivificante do Espírito: "Portanto, já não sois estrangeiros nem imigrantes, mas sois concidadãos dos santos e membros da casa de Deus, edificados sobre o alicerce dos Apóstolos e dos Profetas, tendo por pedra angular o próprio Cristo Jesus. É nele que toda a construção, bem ajustada, cresce para formar um templo santo, no Senhor. É nele que também vós sois integrados na construção, para formardes uma habitação de Deus, pelo Espírito" (Ep 2,19-22). Graças à Tradição, garantida pelo ministério dos Apóstolos e dos seus sucessores, a água da vida que saiu do lado de Cristo e o seu sangue saudável alcançam as mulheres e os homens de todos os tempos. Assim, a Tradição é a presença permanente do Salvador que vem encontrar-se connosco, redimir-nos e santificar-nos no Espírito mediante o ministério da sua Igreja, para glória do Pai.

Concluindo e resumindo, podemos afirmar portanto que a Tradição não é transmissão de coisas ou palavras, uma colecção de coisas mortas. A Tradição é o rio vivo que nos liga às origens, o rio vivo no qual as origens estão sempre presentes. O grande rio que nos conduz ao porto da eternidade. E sendo assim, neste rio vivo realiza-se sempre de novo a palavra do Senhor, que no início ouvimos dos lábios do leitor: "E sabei que Eu estarei sempre convosco até ao fim dos tempos" (Mt 29,20).

Apelo do Papa aos responsáveis pelo destino da humanidade

Recorda-se precisamente hoje o vigésimo aniversário do trágico desastre que aconteceu na central nuclear de Chernobyl. Nesta circunstância, sinto o dever de expressar o meu profundo apreço às famílias, às associações, às administrações civis e às comunidades cristãs que, no decorrer destes anos, se comprometeram em hospedar e de cuidar adultos e especialmente de crianças atingidas pelas consequências deste doloroso acontecimento.

Enquanto rezamos mais uma vez pelas vítimas de uma calamidade com consequências tão amplas e por quantos levam no seu corpo as marcas da mesma, invocamos do Senhor a luz para quantos são responsáveis pelo destino da humanidade, para que com um esforço comum se ponham todas as energias ao serviço da paz, no respeito pelas exigências do homem e da natureza.

Saudações

Amados peregrinos de língua portuguesa, uma saudação afectuosa a todos os presentes, nomeadamente aos brasileiros de Fortaleza, aos portugueses vindos das paróquias de Pontével, Valada e Vale da Pedra, e ao grupo de radiouvintes bragançanos. Aqui, em Roma, os Santos Apóstolos Pedro e Paulo derramaram o seu sangue, confessando a sua fé no Senhor Jesus; as gerações recolheram e transmitiram esse testemunho: hoje é a nossa hora! O Espírito Santo ilumine e robusteça o vosso coração para mostrardes a felicidade que é amar Jesus Cristo. De coração, dou-vos a minha Bênção, extensiva às vossas famílias e comunidades.

Saúdo cordialmente os peregrinos de língua francesa, em particular as religiosas de Maria Auxiliadora e de São José da Aparição, bem como os jovens das dioceses de Nîmes e de Saint-Etienne, e os coroinhas de Nancy. Que a alegria da páscoa permaneça em vós!

Saúdo de todo o coração os peregrinos polacos aqui presentes. Esta semana celebrámos a festa de Santo Adalberto, bispo e mártir, padroeiro da Polónia. A sua morte como mártir tornou-se o fundamento da identidade da vossa nação. Que ele impetre por vós, junto de Deus, a graça de uma fé profunda e um desenvolvimento propício para a vossa Pátria. Deus vos abençoe.

Ainda no clima jubiloso da Páscoa, desejo dirigir um pensamento afectuoso aos jovens, aos doentes e aos novos casais. A vós, queridos jovens, especialmente a vós estudantes das escolas católicas da Diocese de Frosinone-Veroli-Ferentino, guiados pelo Bispo D. Salvatore Boccaccio, exorto-vos a seguir fielmente os passos de Cristo. Queridos doentes, convido cada um de vós a acolher com fé os sofrimentos e as provas da vida, procurando neles manifestações misteriosas do amor divino. A vós, queridos novos casais, desejo que vivais o matrimónio como dom e itinerário quotidiano de maturação pessoal e familiar para vos tornardes servos generosos do Evangelho.


3 de Maio de 2006: A Tradição Apostólica

3056 Queridos irmãos e irmãs

Nestas Catequeses desejamos compreender o que é a Igreja. A última vez meditámos sobre o tema da Tradição apostólica. Vimos que ela não é uma colecção de objectos, de palavras como uma caixa que contém coisas mortas; a Tradição é o rio da vida nova que vem das origens, de Cristo até nós, e envolve-nos na história de Deus com a humanidade. Este tema da Tradição é tão importante que também hoje desejo deter-me sobre ele: de facto, é de grande importância para a vida da Igreja.

O Concílio Vaticano II realçou, a este propósito, que a Tradição é apostólica antes de tudo nas suas origens: "Dispôs Deus, em toda a sua benignidade, que tudo quanto revelara para a salvação de todos os povos permanecesse íntegro para sempre e fosse transmitido a todas as gerações. Por isso, Cristo Senhor, em quem se consuma toda a revelação de Deus Sumo (cf.
2Co 1,30 2Co 3,16 2Co 4,6), mandou aos Apóstolos que pregassem a todos os homens o Evangelho... como fonte de toda a verdade salutar e de toda a disciplina de costumes, comunicando-lhes os dons divinos" (Const. dogm. Dei Verbum DV 7).

O Concílio prossegue, anotando como tal empenho foi fielmente seguido "pelos Apóstolos que, pela sua pregação oral, exemplos e instituições, comunicaram aquilo que tinham recebido pela palavra, convivência e obras de Cristo, ou aprendido por inspiração do Espírito Santo" (ibid. DV 7). Com os Apóstolos, acrescenta o Concílio, colaboraram também "varões apostólicos que, sob a inspiração do mesmo Espírito Santo, escreveram a Mensagem da salvação" (ibid. DV 7).

Como chefes do Israel escatológico, também eles doze como doze eram as tribos do povo eleito, os Apóstolos continuam a "recolha" iniciada pelo Senhor, e fazem-no antes de tudo transmitindo fielmente o dom recebido, a boa nova do Reino que veio até aos homens em Jesus Cristo. O seu número expressa não só a continuidade com a santa raiz, o Israel das doze tribos, mas também o destino universal do seu ministério, que leva a salvação até aos extremos confins da terra. Pode-se captar isto do valor simbólico que têm os números no mundo semítico: doze resulta da multiplicação de três, número perfeito, e quatro, número que remete para os quatro pontos cardeais, e portanto para todo o mundo.

A comunidade, que surgiu do anúncio evangélico, reconhece-se convocada pela palavra daqueles que foram os primeiros a fazer a experiência do Senhor e por Ele foram enviados. Ela sabe que pode contar com a orientação dos Doze, como também com a de quantos a eles se associam pouco a pouco como sucessores no ministério da Palavra e no serviço à comunhão. Por conseguinte, a comunidade sente-se comprometida a transmitir aos outros a "feliz notícia" da presença actual do Senhor e do seu mistério pascal, que age no Espírito.

Isto é bem evidenciado nalguns trechos do epistolário paulino: "Transmiti-vos... o que eu próprio recebi" (1Co 15,3). E isto é importante. São Paulo, como se sabe, originariamente chamado por Cristo com uma vocação pessoal, é um verdadeiro Apóstolo e, contudo, também para ele conta sobretudo a fidelidade a quanto recebeu. Ele não queria "inventar" um novo cristianismo, por assim dizer "paulino". Por isso insiste: "Transmiti-vos... o que eu próprio recebi". Transmitiu o dom inicial que vem do Senhor e é a verdade que salva. Depois, no fim da vida, escreve a Timóteo: "Guarda, pelo Espírito Santo que habita em nós, o precioso bem que te foi confiado" (2Tm 1,14).

Mostra isto com eficiência também este antigo testemunho da fé cristã, escrita por Tertuliano por volta do ano 200: "(Os Apóstolos) no princípio afirmaram a fé em Jesus Cristo e estabeleceram Igrejas para a Judeia e logo a seguir, espalhados pelo mundo, anunciaram a mesma doutrina e uma mesma fé às nações e, por conseguinte, fundaram Igrejas em cada cidade. Depois, delas, as outras Igrejas mutuaram a ramificação da sua fé e as sementes da doutrina, e continuamente a mutuam para serem precisamente Igrejas. Desta forma também elas são consideradas apostólicas como descendência das Igrejas dos apóstolos" (De praescriptione haereticorum, 20: PL 2, 32).

O Concílio Vaticano II comenta: "Aquilo que os Apóstolos transmitiram compreende todas aquelas coisas que são necessárias para que o Povo de Deus viva santamente e para que aumente a sua fé, e deste modo a Igreja, na sua doutrina, vida e culto, perpetua e transmite a todas as gerações tudo o que ela é, tudo o que ela acredita" (Const. Dei Verbum DV 8). A Igreja transmite tudo o que ela é e crê, transmite-o no culto, na vida, na doutrina. A Tradição é, portanto, o Evangelho vivo, anunciado pelos Apóstolos na sua integridade, com base na plenitude da sua experiência única e irrepetível: pela sua acção a fé é comunicada aos outros, até nós, até ao fim do mundo.

Por conseguinte, a Tradição é a história do Espírito que age na história da Igreja através da mediação dos Apóstolos e dos seus sucessores, em fiel continuidade com a experiência das origens. É quanto esclarece o Papa São Clemente Romano nos finais do século I: "Os Apóstolos escreve ele anunciaram-nos o Evangelho enviados pelo Senhor Jesus Cristo, Jesus Cristo foi enviado por Deus. Cristo vem portanto de Deus, os Apóstolos de Cristo: ambos procedem ordinariamente da vontade de Deus... Os nossos Apóstolos chegaram ao conhecimento por meio de Nosso Senhor Jesus Cristo que teriam surgido contendas acerca da função episcopal. Por isso, prevendo perfeitamente o futuro, estabeleceram os eleitos e deram-lhe por conseguinte a ordem, para que, quando morressem, outros homens provados assumissem o seu serviço" (Ad Corinthios, 42.44: PG 1, 292.296).

Esta corrente do serviço continua até hoje, continuará até ao fim do mundo. De facto, o mandato conferido por Jesus aos Apóstolos foi por eles transmitido aos seus sucessores. Além da experiência do contacto pessoal com Cristo, experiência única e irrepetível, os Apóstolos transmitiram aos Sucessores o envio solene ao mundo recebido do Mestre.

Apóstolo deriva precisamente da palavra grega "apostéllein", que significa enviar. O envio apostólico como mostra o texto de Mt 28, 19s. exige um serviço pastoral ("fazei discípulos de todas as nações..."), litúrgico ("baptizai-as...") e profético ("ensinando-lhes a cumprir tudo quanto vos tenho mandado"), garantido pela proximidade do Senhor até à consumação do tempo ("eis que Eu estarei convosco todos os dias até ao fim do mundo").

Assim, de uma forma diferente da dos Apóstolos, temos nós também uma experiência verdadeira e pessoal da presença do Senhor ressuscitado. Através do ministério apostólico é o próprio Cristo que alcança quem está chamado à fé. A distância dos séculos é superada e o Ressuscitado oferece-se vivo e operante por nós, no hoje da Igreja e do mundo. Esta é a nossa grande alegria. No rio vivo da Tradição Cristo não está distante dois mil anos, mas está realmente presente entre nós e doa-nos a Verdade, e doa-nos a luz que nos faz viver e encontrar o caminho para o futuro.

Saudações

Amados irmãos e irmãs!

Cristo mandou aos apóstolos que o Evangelho (...) eles o pregassem a todos, como fonte de toda a verdade salutar e de toda a regra moral (cf. Const. dogm. Dei Verbum DV 7). A Comunidade, nascida pelo anúncio do Evangelho, se reconhece convocada pela palavra daqueles que foram por Ele enviados. A Tradição é, por isso, Evangelho vivo, história do Espírito que age no seio da Igreja. Peço a Deus que reforçeis a fé na Tradição Apostólica e recomendo ao Todo-Poderoso os peregrinos de Portugal, nomeadamente do Colégio de Nossa Senhora da Assunção de Anadia, e um grupo de visitantes do Brasil. A todos concedo, extensível aos vossos parentes e amigos, a minha Bênção Apostólica.

Saúdo cordialmente os peregrinos da Polónia reunidos hoje em tão grande número. Quer para a Igreja na Polónia, quer para toda a nação este é um dia especialmente solene. A Igreja celebra a solenidade da Mãe de Deus Rainha da Polónia. Este ano celebra-se o 350º aniversário desde quando o rei Jan Kazimierz lhe atribuiu este título. Ao mesmo tempo a nação polaca comemora a ratificação, em 1791, da Constituição de 3 de Maio e relacionadas com elas grandes esperanças para a renovação da vida política e social.

Saúdo o Episcopado Polaco reunido em Jasna Gora e todos os fiéis. Confiando à vossa oração os preparativos para a minha já próxima peregrinação à Polónia, abençoo-vos de coração. Louvado seja Jesus Cristo!

Saúdo de coração os peregrinos de língua alemã. Saúdo de modo especial a Associação dos Empresários Católicos e o grupo de Jornalistas da Baviera. Encorajo todos vós a manter vivos a palavra e o exemplo de Cristo no mundo e a tornar-vos mensageiros da Sua paz para todas as pessoas. A alegria do Espírito Santo vos acompanhe todos os dias. Desejo a todos vós uma estadia agradável em Roma!

Desejo dirigir-me agora aos jovens, aos doentes e aos novos casais. Acabamos de iniciar o mês de Maio, particularmente dedicado à Virgem Maria e exorto-vos, queridos jovens a colocar-vos na sua escola para aprender dela a cumprir a vontade de Deus. Contemplando a Mãe de Cristo crucificado, vós queridos doentes, sabei colher o valor salvífico de qualquer cruz, também da mais pesada. Por fim, confio-vos a vós, queridos novos casais, à protecção materna da Virgem Santíssima, para que possais criar nas vossas famílias o clima de oração e de amor da casa de Nazaré.




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