Audiências 2005-2013 10056
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Queridos irmãos e irmãs!
Nas últimas duas audiências meditámos sobre o que é a Tradição na Igreja e vimos que ela é a presença permanente da palavra e da vida de Jesus no seu povo. Mas a palavra, para estar presente, tem necessidade de uma pessoa, de uma testemunha. E assim nasce esta reciprocidade: por um lado, a palavra tem necessidade da pessoa, mas, por outro, a pessoa, a testemunha, está ligada à palavra que lhe foi confiada e que ele não inventou. Esta reciprocidade entre conteúdo palavra de Deus, vida do Senhor e pessoa que lhe dá continuidade é característica da estrutura da Igreja, e hoje queremos meditar este aspecto pessoal da Igreja.
O Senhor tinha-o iniciado convocando, como vimos, os Doze, nos quais estava representado o futuro Povo de Deus. Na fidelidade ao mandamento recebido do Senhor, primeiro os Doze, depois da sua Ascensão, integram o seu número com a eleição de Matias no lugar de Judas (cf. Ac 1,15-26), e depois associam progressivamente outros nas funções que lhe foram confiadas, para que continuem o seu ministério. O próprio ressuscitado chama Paulo (cf. Ga 1,1), mas Paulo, mesmo sendo chamado pelo Senhor, confronta o seu Evangelho com o Evangelho dos Doze (cf. ibid. Ga 1,18), preocupa-se em transmitir o que recebeu (cf. 1Co 11,23 1Co 15,3-4) e na distribuição das tarefas é associado aos Apóstolos, juntamente com outros, por exemplo com Barnabé (cf. Ga 2,9). Assim como no início da condição de apóstolo há uma chamada e um envio do Ressuscitado, também a sucessiva chamada e envio de outros acontecerá, na força do Espírito, por obra de quem já foi constituído no ministério apostólico. Este é o caminho pelo qual continuará o ministério, que depois, a partir da segunda geração se chamará ministério episcopal, "episcopé".
Talvez seja útil explicar brevemente o que significa bispo. Vescovo (bispo) è a forma italiana da palavra grega "epíscopos". Esta palavra indica alguém que tem uma visão do alto, alguém que olha com o coração. Assim o próprio São Pedro, na sua primeira Carta, chama ao Senhor Jesus "pastor e bispo, guarda das vossas almas" (1P 2,25). E segundo este modelo do Senhor, que é o primeiro bispo, guarda e pastor das almas, os sucessores dos Apóstolos chamaram-se sucessivamente bispos, "epíscopoi". A eles é confiada a função do "epoiscopé". Esta função clara do Bispo evolver-se-á progressivamente, em relação ao início, até assumir a forma já claramente confirmada em Inácio de Antioquia no início do século II (cf. Ad Magnesios, 6, 1: PG 5, 668) do tríplice múnus de bispo, presbítero e diácono. É um desenvolvimento guiado pelo Espírito de Deus, que assiste a Igreja no discernimento das formas autênticas da sucessão apostólica, sempre melhor definidas entre uma pluralidade de experiências e de formas carismáticas e ministeriais, presentes nas comunidades das origens.
Desta forma, a sucessão na função episcopal apresenta-se como continuidade do ministério apostólico, garantia da perseverança na Tradição apostólica, palavra e vida, que o Senhor nos confiou. O vínculo entre o Colégio dos Bispos e a comunidade originária dos Apóstolos deve ser compreendido antes de tudo na linha da continuidade histórica. Como vimos, aos Doze são depois associados Matias, Paulo, Barnabé, e em seguida outros, até à formação na segunda e na terceira geração, do ministério do bispo. Por conseguinte, a continuidade exprime-se nesta sucessão histórica. E na continuidade da sucessão encontra-se a garantia do perseverar, na continuidade eclesial, do Colégio apostólico reunido por Cristo. Mas esta continuidade, que vemos primeiro na continuidade histórica dos ministros, deve ser vista também em sentido espiritual, porque a sucessão apostólica no ministério é considerada como lugar privilegiado da acção e da transmissão do Espírito Santo. Temos um reflexo claro destas convicções, por exemplo, no seguinte texto de Ireneu de Lião (segunda metade do século II): "A tradição dos Apóstolos, manifestada em todo o mundo, mostra-se em cada Igreja a todos os que desejam ver a verdade e nós podemos enumerar os bispos estabelecidos pelos Apóstolos nas Igrejas e os seus sucessores até nós... (Os Apóstolos) de facto quiseram que aqueles que deixavam como sucessores fossem absolutamente perfeitos e irrepreensíveis em tudo, transmitindo-lhes a própria missão de ensinamento. Se eles tivessem compreendido correctamente, dele teriam tirado grande proveito; se, ao contrário, falhassem, teriam obtido um dano gravíssimo" (Adversus haereses, III 3, 1: PG 7, 848).
Depois, Ireneu indicando aqui esta rede da sucessão apostólica como garantia do perseverar na palavra do Senhor, concentra-se naquela Igreja "suma e antiquíssima e por todos conhecida" que foi "fundada e constituída em Roma pelos gloriosíssimos Apóstolos Pedro e Paulo", dando relevo à Tradição da fé, que nela chega até nós pelos Apóstolos mediante a sucessão dos bispos. Desta forma, para Ireneu e para a Igreja universal, a sucessão episcopal da Igreja de Roma torna-se o sinal, o critério e a garantia da transmissão ininterrupta da fé apostólica: "A esta Igreja, pela sua peculiar principalidade (propter potiorem principalitatem), é necessário que convirjam todas as Igrejas, isto é, os fiéis de todas as partes, porque nela a tradição dos Apóstolos sempre foi preservada..." (Adversus haereses, III 3, 2: PG 7, 484). A sucessão apostólica verificada com base na comunhão com a da Igreja de Roma é portanto o critério da permanência de cada uma das Igrejas na Tradição da comum fé apostólica, que através deste canal pôde chegar até nós desde as origens: "Com esta ordem e com esta sucessão chegaram até nós a tradição que existe na Igreja a partir dos Apóstolos e a pregação da verdade. Esta é a prova mais completa que una e única é a fé vivificante dos Apóstolos, que foi conservada e transmitida na verdade" (ibid.,III, 3, 3; PG 7, 851).
Segundo estes testemunhos da Igreja antiga, a apostolicidade da comunhão eclesial consiste na fidelidade ao ensinamento e à prática dos Apóstolos, através dos quais é garantido o vínculo histórico e espiritual da Igreja com Cristo. A sucessão apostólica do ministério episcopal é o caminho que garante a fiel transmissão do testemunho apostólico. O que os Apóstolos representam no relacionamento entre o Senhor Jesus e a Igreja das origens, representa-o analogamente a sucessão ministerial no relacionamento entre a Igreja das origens e a Igreja actual. Não é uma simples concatenação material; é o instrumento histórico do qual se serve o Espírito para tornar presente o Senhor Jesus, Chefe do seu povo, através de quantos são ordenados para o ministério através da imposição das mãos e da oração dos bispos. Mediante a sucessão apostólica é Cristo que nos alcança: na palavra dos Apóstolos e dos seus sucessores é Ele quem nos fala; mediante as suas mãos é Ele quem age nos sacramentos; no olhar deles é o seu olhar que nos envolve e nos faz sentir amados, acolhidos no coração de Deus. E também hoje, como no início, o próprio Cristo é o verdadeiro pastor e guarda das nossas almas, que nós seguimos com grande confiança, gratidão e alegria.
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Amados Irmãos e Irmãs,
Na nova série de catequeses começámos antes de tudo a compreender melhor o que é a Igreja, qual é a ideia do Senhor sobre esta sua nova família. Depois dissemos que a Igreja existe nas pessoas. E vimos que o Senhor confiou esta nova realidade, a Igreja, aos doze Apóstolos. Agora queremos vê-los um por um, para compreender nas pessoas o que significa viver a Igreja, o que significa seguir Jesus. Começamos com São Pedro.
Depois de Jesus, Pedro é a personagem mais conhecida e citada nos escritos neotestamentários: é mencionado 154 vezes com o cognome de Pétros, "pedra", "rocha", que é a tradução grega do nome aramaico que lhe foi dado directamente por Jesus Kefa, afirmado nove vezes sobretudo nas cartas de Paulo; depois, deve-se acrescentar o nome frequente Simòn (75 vezes), que é a forma helenizada do seu original nome hebraico Simeon (2 vezes: Ac 15,14 2P 1,1). Filho de João (cf. Jn 1,42) ou, na forma aramaica, bar-Jona, filho de Jonas (cf. Mt 16,17), Simão era de Betsaida (cf. Jn 1,44), uma cidadezinha a oriente do mar da Galileia, da qual provinha também Filipe e naturalmente André, irmão de Simão. O seu modo de falar traía o sotaque galileu. Também ele, como o irmão, era pescador: com a família de Zebedeu, pai de Tiago e de João, dirigia uma pequena empresa de pesca no lago de Genesaré (cf. Lc 5,10). Por isso devia gozar de um certo bem-estar económico e era animado por um sincero interesse religioso, por um desejo de Deus ele queria que Deus interviesse no mundo um desejo que o estimulou a ir com o irmão até à Judeia para seguir a pregação de João Baptista (cf. Jn 1,35-42).
Era um judeu crente e praticante, confiante na presença activa de Deus na história do seu povo, e sofria por não ver a sua acção poderosa nas vicissitudes das quais ele era, naquele momento, testemunha. Era casado e a sogra, curada um dia por Jesus, vivia na cidade de Cafarnaum, na casa na qual também Simão vivia quando estava naquela cidade (cf. Mt 8,14 s; Mc 1,29 s; Lc 4,38 s).
Recentes escavações arqueológicas permitiram trazer à luz, sob a pavimentação em mosaicos octagonais de uma pequena igreja bizantina, os vestígios de uma igreja mais antiga existente naquela casa, como afirmam os grafites com invocações a Pedro. Os Evangelhos informam-nos que Pedro é um dos primeiros quatro discípulos do Nazareno (cf. Lc 5,1-11), aos quais se junta um quinto, segundo o costume de cada Rabino de ter cinco discípulos (cf. Lc 5,27, chamada de Levi).
Quando Jesus passa de cinco para doze discípulos (cf. Lc 9,1-6), será clara a novidade da sua missão: Ele já não é um entre tantos rabinos, mas veio para reunir o Israel escatológico, simbolizado pelo número doze, como doze eram as tribos de Israel.
Simão aparece nos Evangelhos com um carácter decidido e impulsivo; ele está disposto a fazer valer as próprias razões também com a força (pense-se no uso da espada no Horto das Oliveiras: cf. Jn 18,10 s). Ao mesmo tempo, por vezes é também ingénuo e medroso, e contudo honesto, até ao arrependimento mais sincero (cf. Mt 26,75). Os Evangelhos permitem seguir passo a passo o seu itinerário espiritual. O ponto de partida é a chamada da parte de Jesus. Acontece num dia qualquer, enquanto Pedro está empenhado no seu trabalho de pescador. Jesus encontra-se junto do lago de Genesaré e a multidão reúne-se à sua volta para o ouvir. O número dos ouvintes gera uma certa confusão. O Mestre vê duas barcas ancoradas à margem; os pescadores desceram e lavam as redes. Então Ele pede para entrar na barca, na de Simão, e pede-lhe que se faça ao largo. Sentado naquela cátedra improvisada, da barca, começa a ensinar à multidão (cf. Lc 5,1-3). E assim a barca de Pedro torna-se a cátedra de Jesus. Quando terminou de falar, diz a Simão: "Faz-te ao largo e lança as redes para a pesca". Simão responde: "Mestre, trabalhámos durante toda a noite e nada apanhámos; mas, porque tu o dizes, lançarei as redes" (Lc 5,4-5). Jesus, que era um carpinteiro, não era perito em pesca: mas Simão, o pescador, confia neste Rabino, que não lhe dá respostas mas o chama a ter confiança. A sua reacção diante da pesca milagrosa é de admiração e de trepidação: "Afasta-te de mim, Senhor, porque sou um homem pecador" (Lc 5,8). Jesus responde convidando-o a ter confiança e a abrir-se a um projecto que ultrapassa qualquer sua perspectiva: "Não tenhas receio; de futuro, serás pescador de homens" (Lc 5,10). Pedro ainda não podia imaginar que um dia teria chegado a Roma e seria nessa cidade "pescador de homens" para o Senhor. Ele aceita esta chamada surpreendente, de se deixar envolver nesta grande aventura: é generoso, reconhece os seus limites, mas crê n'Aquele que o chama e segue o sonho do seu coração. Diz sim um sim corajoso e generoso e torna-se discípulo de Jesus.
Pedro vive outro momento significativo no seu caminho espiritual nas proximidades de Cesareia de Filipe, quando Jesus faz aos discípulos uma pergunta concreta: "Quem dizem os homens que Eu sou?" (Mc 8,27). Mas para Jesus não era suficiente a resposta do ter ouvido dizer. Daqueles que aceitaram comprometer-se pessoalmente com Ele pretende uma tomada de posição pessoal. Por isso insiste: "E vós, quem dizeis que Eu sou?" (Mc 8,29). Responde Pedro também em nome dos outros: "Tu és o Messias" (ibid. Mc 8,29), isto é, Cristo. Esta resposta de Pedro, que não veio "da carne e do sangue" dele, mas foi-lhe concedida pelo Pai que está no céu (cf. Mt 16,17), tem em si como que em gérmen a futura confissão de fé da Igreja. Contudo, Pedro ainda não tinha compreendido o conteúdo profundo da missão messiânica de Jesus, o novo sentido desta palavra: Messias.
Demonstra-o pouco depois, deixando compreender que o Messias que persegue nos seus sonhos é muito diferente do verdadeiro projecto de Deus. Perante o anúncio da paixão escandaliza-se e protesta, suscitando uma reacção enérgica de Jesus (cf. Mc 8,32-33). Pedro quer um Messias "homem divino", que cumpra as expectativas do povo impondo a todos o seu poder: é também nosso desejo que o Senhor imponha o seu poder e transforme imediatamente o mundo; Jesus apresenta-se como o "Deus humano", o servo de Deus, que altera as expectativas da multidão encaminhando-se por uma via de humildade e de sofrimento. É a grande alternativa, que também nós devemos aprender sempre de novo: privilegiar as próprias expectativas recusando Jesus ou acolher Jesus na verdade da sua missão e abandonando as expectativas demasiado humanas.
Pedro impulsivo como é não hesita em repreender Jesus separadamente. A resposta de Jesus abala todas as suas falsas expectativas, quando o chama à conversão e ao seguimento: "Vai-te da minha frente, Satanás, porque os teus pensamentos não são os de Deus, mas os dos homens" (Mc 8,33). Não me indiques tu o caminho, eu sigo o meu percurso e tu põe-te atrás de mim.
Pedro aprende desta forma o que significa verdadeiramente seguir Jesus. É a sua segunda chamada, análoga à de Abraão em Gn 22, depois de Gn 12: "Se alguém quiser vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me. Na verdade, quem quiser salvar a sua vida, há-de perdê-la, mas quem perder a sua vida por causa de mim e do Evangelho, há-de salvá-la" (Mc 8,34-35). É a lei exigente do seguimento: é preciso saber renunciar, se for necessário, ao mundo inteiro para salvar os verdadeiros valores, para salvar a alma, para salvar a presença de Deus no mundo (cf. Mc 8,36-37). Mesmo com dificuldade, Pedro aceita o convite e prossegue o seu caminho seguindo os passos do Mestre.
Parece-me que estas diversas conversões de São Pedro e toda a sua figura são de grande conforto e um forte ensinamento para nós. Também nós sentimos o desejo de Deus, também nós queremos ser generosos, mas também nós esperamos que Deus seja forte no mundo e transforme imediatamente o mundo segundo as nossas ideias, segundo as necessidades que vemos. Deus escolhe outro caminho. Deus escolhe o caminho da transformação dos corações no sofrimento e na humildade. E nós, como Pedro, devemos converter-nos sempre de novo. Devemos seguir Jesus em vez de o preceder: é Ele quem nos indica o caminho. Assim Pedro diz-nos: Tu pensas que tens a receita e que deves transformar o cristianismo, mas é o Senhor quem conhece o caminho. É o Senhor que diz a mim, diz a ti: segue-me! E devemos ter coragem e humildade para seguir Jesus, porque Ele é o caminho, a Verdade e a Vida.
Saudações
Amados Irmãos e Irmãs
Nossa Catequese de hoje trata da vocação do Apóstolo Pedro, na dupla dimensão de seguidor de Cristo e na fundamentação da entrega dos verdadeiros seguidores do Mestre: os que respondem à sua chamada com uma autentica renúncia assumida, por amor a Deus, com a cruz.
Saúdo a todos os peregrinos de língua portuguesa, de modo especial aos brasileiros aqui presentes. Que a luz de Cristo anime sempre a vossa fé, esperança e caridade, numa vida digna, crista e repleta de alegrias. Que Deus vos abençoe!
Dirijo-me agora aos jovens, aos doentes e aos novos casais, exortando todos a intensificar a piedosa prática do santo Rosário, especialmente neste mes de Maio dedicado à Mãe de Deus.
Convido-vos, queridos jovens, a valorizar esta tradicional oração mariana, que ajuda a compreender melhor os momentos centrais da salvação realizada por Cristo.
Exorto-vos, queridos doentes, a dirigir-vos com confiança a Nossa Senhora mediante este piedoso exercício, confiando-lhe todas as vossas necessidades.
Formulo-vos bons votos, queridos novos casais, para que façais da recitação do Rosário em família um momento de crescimento espiritual sob o olhar materno da Virgem Maria.
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Queridos irmãos e irmãs!
Nestas catequeses estamos a meditar sobre a Igreja. Dissemos que a Igreja vive nas pessoas e, por isso, na última catequese, começámos a meditar sobre as figuras de cada um dos Apóstolos, começando por São Pedro. Vimos duas etapas decisivas da sua vida: a chamada junto do Lago da Galileia e, depois, a profissão de fé: "Tu és Cristo, o Messias". Uma confissão, dissemos, ainda insuficiente, inicial e contudo aberta. São Pedro coloca-se num caminho de seguimento. E assim, esta confissão inicial tem em si, como em gérmen, já a futura fé da Igreja. Hoje queremos considerar outros dois acontecimentos importantes na vida de Pedro: a multiplicação dos pães — ouvimos no trecho agora lido a pergunta do Senhor e a resposta de Pedro — e depois o Senhor que chama Pedro para ser pastor da Igreja universal.
Comecemos com a vicissitude da multiplicação dos pães. Vós sabeis que o povo tinha ouvido o Senhor durante horas. No fim, Jesus diz: estão cansados, têm fome, devemos dar de comer a este povo. Os Apóstolos perguntam: Mas como? E André, irmão de Pedro, chama a atenção de Jesus para um jovem que levava consigo cinco pães e dois peixes. Mas o que são para tantas pessoas, interrogam-se os Apóstolos. Mas o Senhor faz sentar as pessoas e distribuir estes cinco pães e os dois peixes e todos se saciam. Aliás, o Senhor encarrega os Apóstolos, e entre eles Pedro, que recolham o que sobrou em abundância: doze cestas de pão (cf. Jn 6,12-13). Sucessivamente o povo, vendo este milagre — que parece ser a renovação, tão esperada de um novo "maná", do dom do pão do céu — deseja fazer dele o seu rei. Mas Jesus não aceita e retira-se para o monte para rezar sozinho. No dia seguinte, Jesus na outra margem do lago, na Sinagoga de Cafarnaum, interpretou o milagre — não no sentido de uma realeza sobre Israel com um poder deste mundo no modo esperado pela multidão, mas no sentido da doação de si: "o pão que Eu hei-de dar é a minha carne, pela vida do mundo" (Jn 6,51). Jesus anuncia a cruz, e com a cruz a verdadeira multiplicação dos pães, o pão eucarístico — o seu modo absolutamente novo de ser rei, um modo totalmente contrário às expectativas do povo.
Nós podemos compreender como estas palavras do Mestre — que não deseja cumprir todos os dias uma multiplicação dos pães, que não quer oferecer a Israel um poder deste mundo — pareciam verdadeiramente difíceis, aliás, inaceitáveis para a multidão. "Da sua carne": O que significa? E também para os discípulos é inaceitável o que Jesus diz neste momento. Era e é para o nosso coração, para a nossa mentalidade, um sermão "duro", que provava a fé (cf. Jn 6,60). Muitos dos discípulos se afastaram. Queriam alguém que renovasse realmente o Estado de Israel, do seu povo, e não um que dizia: "Eu dou a minha carne". Podemos imaginar como as palavras de Jesus eram difíceis também para Pedro, que em Cesareia de Filipe se tinha oposto à profecia da cruz. E contudo quando Jesus perguntou aos doze: "Quereis retirar-vos vós também?", Pedro reagiu com o impulso do seu coração generoso, guiado pelo Espírito Santo. Em nome de todos respondeu com palavras imortais, que são também nossas: "Senhor, a quem iremos? Tu tens palavras de vida eterna; nós cremos e conhecemos que tu és o Santo de Deus" (cf. Jn 6,66-69).
Aqui, como em Cesareia, com as suas palavras Pedro começa a profissão da fé cristológica da Igreja e torna-se também o intérprete dos outros Apóstolos e também de nós, crentes de todos os tempos. Isto não significa que já tivesse compreendido o mistério de Cristo em toda a sua profundidade. A sua fé ainda estava no início, uma fé a caminho; teria chegado à verdadeira plenitude apenas mediante a experiência dos acontecimentos pascais. Mas contudo já era fé, aberta à realidade maior — aberta sobretudo porque não era fé em algo, era fé em Alguém: n'Ele, Cristo. Assim, também a nossa fé é sempre uma fé inicial, e devemos percorrer ainda um longo caminho. Mas é fundamental que seja uma fé aberta e que nos deixemos guiar por Jesus, porque Ele não só conhece o Caminho, mas é o Caminho.
Mas a generosidade impetuosa de Pedro não o salvaguarda dos riscos relacionados com a debilidade humana. De resto, é o que também nós podemos reconhecer com base na nossa vida. Pedro seguiu Jesus com ímpeto, superou a prova da fé, abandonando-se a Ele. Contudo chega o momento no qual também ele cede aos receios e cai: trai o Mestre (cf. Mc 14,66-72). A escola da fé não é uma marcha triunfal, mas um caminho repleto de sofrimentos e de amor, de provas e de fidelidade a ser renovada todos os dias. Pedro, que já tinha prometido fidelidade absoluta, conhece a amargura e a humilhação da renegação: o atrevido aprende à sua custa a humildade. Também Pedro deve aprender a ser frágil e carente de perdão. Quando finalmente perde a máscara e compreende a verdade do seu coração frágil de pecador crente, cai num libertador choro de arrependimento. Depois deste choro ele já está pronto para a sua missão.
Numa manhã de Primavera esta missão ser-lhe-á confiada por Jesus ressuscitado. O encontro será na margem do lago de Tiberíades. O evangelista João narra-nos o diálogo que naquela circunstância se realiza entre Jesus e Pedro. Nele revela-se um jogo de verbos muito significativo. Em grego o verbo "filéo" expressa o amor de amizade, terno mas não totalizante enquanto o verbo "agapáo" significa o amor sem reservas, total e incondicionado. Jesus pergunta a Pedro pela primeira vez: "Simão... tu amas-Me (agapâs-me)" com este amor total e incondicionado ( cf. Jn 21,15)? Antes da experiência da traição o Apóstolo teria certamente respondido: "Amo-Te (agapô-se) incondicionalmente". Agora, que conheceu a amarga tristeza da infidelidade, o drama da própria debilidade, diz apenas: "Senhor... tu sabes que sou deveras teu amigo (filô-se), isto é, "amo-te com o meu pobre amor humano". Cristo insiste: "Simão, tu amas-Me com este amor total que Eu quero?". E Pedro repete a resposta do seu humilde amor humano: "Kyrie, filô-se", "Senhor, tu sabes que eu sou deveras teu amigo". Pela terceira vez Jesus pergunta a Simão: "Fileîs-me?", "tu amas-Me?". Simão compreende que para Jesus é suficiente o seu pobre amor, o único de que é capaz, e contudo sente-se entristecido porque o Senhor teve que lhe falar daquele modo. Por isso, responde: "Senhor, Tu sabes tudo; Tu bem sabes que eu sou deveras teu amigo! (filô-se)". Seria para dizer que Jesus se adaptou a Pedro, e não Pedro a Jesus! É precisamente esta adaptação divina que dá esperança ao discípulo, que conheceu o sofrimento da infidelidade. Surge daqui a confiança que o torna capaz do seguimento até ao fim: "E disse isto para indicar o género de morte com que ele havia de dar glória a Deus. Depois destas palavras acrescentou: "Segue-Me"!" (Jn 21,19).
A partir daquele dia Pedro "seguiu" o Mestre com a clara consciência da própria fragilidade; mas esta consciência não o desencorajou. De facto, ele sabia que podia contar com a presença do Ressuscitado. Dos ingénuos entusiasmos da adesão inicial, passando pela experiência dolorosa da negação e pelo choro da conversão, Pedro alcançou a confiança naquele Jesus que se adaptou à sua pobre capacidade de amor. E mostra assim também a nós o caminho, apesar da nossa debilidade. Sabemos que Jesus se adapta a esta nossa debilidade.
Nós seguimo-lo com a nossa capacidade de amor e sabemos que Jesus é bom e nos aceita. Para Pedro foi um longo caminho que fez dele uma testemunha de confiança, "pedra" da Igreja, porque constantemente aberto à acção do Espírito de Jesus. O próprio Pedro qualificar-se-á como "testemunha dos padecimentos de Cristo e também participante da glória que se há-de manifestar" (1P 5,1). Quando escreveu estas palavras já era idoso, encaminhado para a conclusão da sua vida que selou com o martírio.
Então, foi capaz de descrever a alegria verdadeira e de indicar de onde ela pode ser obtida: a fonte é Cristo acreditado e amado com a nossa fé frágil mas sincera, apesar da nossa fragilidade. Por isso escreveu aos cristãos da sua comunidade, e di-lo também a nós: "Sem o terdes visto, vós o amais; sem o ver ainda, credes nele e vos alegrais com uma alegria indescritível e irradiante, alcançando assim a meta da vossa fé: a salvação das almas" (1P 1,8-9).
Saudações
Saúdo também o grupo vindo do Brasil e demais peregrinos de língua portuguesa, desejando que esta visita aos lugares santificados pela pregação e martírio do Apóstolo Pedro a todos fortaleça na fé e consolide, no amor divino, os vínculos de cada um com a sua família, comunidade eclesial e civil. A Virgem Mãe vos acompanhe e proteja!
***
Amanhã irei à Polónia, pátria do amado Papa João Paulo II; repercorrerei os lugares da sua vida e do seu ministério sacerdotal e episcopal. Agradeço ao Senhor a oportunidade que me oferece de realizar um desejo que eu trazia, desde há muito tempo, no coração.
Queridos irmãos e irmãs, convido-vos a acompanhar-me com a oração nesta Viagem apostólica, que me preparo para realizar com grande esperança e que confio à Virgem Santa, tão venerada na Polónia. Que Ela guie os meus passos para que possa confirmar na fé a amada comunidade católica polaca e encorajá-la a enfrentar, com uma acção evangelizadora determinante, os desafios do momento actual. Maria obtenha àquela Nação uma renovada Primavera de fé e de progresso civil, conservando sempre viva a memória do meu grande Predecessor.
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Queridos irmãos e irmãs!
Desejo hoje repercorrer, juntamente convosco, as etapas da viagem apostólica que pude realizar nestes dias na Polónia. Agradeço ao Episcopado polaco, sobretudo aos Arcebispos Metropolitas de Varsóvia e de Cracóvia, o zelo e o cuidado com que prepararam esta visita. Renovo a expressão do meu reconhecimento ao Presidente da República e às diversas Autoridades do País, assim como a todos os que cooperaram para a realização deste acontecimento. Sobretudo desejo dizer um grande "obrigado" aos católicos e a todo o povo polaco, do qual senti a proximidade num abraço rico de calor humano e espiritual. E muitos de vós viram isto através da televisão. Ele era uma verdadeira expressão da catolicidade, do amor à Igreja, que se expressa no amor pelo Sucessor de Pedro.
Depois da chegada ao aeroporto de Varsóvia, foi a Catedral desta importante metrópole o lugar do meu primeiro encontro reservado aos sacerdotes no dia em que se celebrava o 50º de Ordenação presbiteral do Cardeal Józef Glemp, Pastor daquela Arquidiocese. Assim a minha peregrinação começou no sinal do sacerdócio e prosseguiu depois com um testemunho de solicitude ecuménica, prestado na igreja luterana da Santíssima Trindade. Nessa ocasião, juntamente com os representantes das diversas Igrejas e Comunidades eclesiais que vivem na Polónia, recordei o firme propósito de considerar o compromisso pela reconstituição da unidade plena e visível entre os cristãos uma verdadeira prioridade do meu ministério. Depois houve a solene Eucaristia na Praça Pilsudski, na presença de numerosíssimos fiéis, no centro de Varsóvia.
Este lugar, onde celebrámos solenemente e com alegria a Eucaristia, já adquiriu um valor simbólico, tendo hospedado acontecimentos históricos como as Santas Missas celebradas por João Paulo II e a que foi celebrada para o funeral do Cardeal Primaz, Stefan Wyszynski, assim como algumas participadíssimas celebrações de sufrágio nos dias depois da morte do meu venerado Predecessor.
No programa não podia faltar a visita aos Santuários que marcaram a vida do sacerdote e bispo Karol Wojtyla; sobretudo três: Czestochowa, Kalwaria Zebrzidowska e Divina Misericórdia.
Não posso esquecer a visita ao célebre Santuário mariano de Jasna Góra. Naquele Claro Monte, coração da Nação polaca, como num cenáculo ideal, numerosíssimos fiéis e sobretudo religiosos, religiosas, seminaristas e representantes dos Movimentos eclesiais reuniram-se ao redor do Sucessor de Pedro para se pur, juntamente comigo, na escuta de Maria. Inspirando-me na maravilhosa meditação mariana que João Paulo II ofereceu à Igreja na Enciclica Redemptoris Mater, quis repropor a fé como atitude fundamental do espírito que não é uma coisa apenas intelectual ou sentimental a fé verdadeira envolve toda a pessoa: pensamentos, afectos, intenções, relações, corporeidade, actividades, trabalho quotidiano. À Virgem das Dores, visitando depois o maravilhoso Santuário de Kalwaria Zebrzydowska perto de Cracóvia, pedi que fortalecesse a fé da Comunidade eclesial nos momentos de dificuldade e provações; a etapa seguinte ao Santuário da Divina Misericórdia, em Lagiewniki, deu-me a oportunidade de realçar que só a Misericórdia Divina ilumina o mistério do homem. No convento perto deste Santuário, contemplando as chagas luminosas de Cristo ressuscitado, a Irmã Faustina Kowalska recebeu uma mensagem de confiança para a humanidade, a mensagem da Misericórdia Divina, da qual João Paulo II se fez eco e intérprete, e que é realmente uma mensagem central precisamente para o nosso tempo: a Misericórdia como força de Deus, como limite divino contra o mal do mundo.
Quis visitar outros "santuários" simbólicos: refiro-me a Wadowice, localidade que se tornou famosa porque ali Karol Wojtyla nasceu e foi baptizado. Visitá-la ofereceu-me a oportunidade de agradecer ao Senhor pelo dom deste incansável servidor do Evangelho. As raízes da sua fé robusta, da sua humanidade tão sensível e aberta, do seu amor pela beleza e pela verdade, da sua devoção a Nossa Senhora, do seu amor à Igreja e sobretudo da sua vocação à santidade encontram-se nesta cidade onde ele recebeu a primeira educação e formação. Outro lugar querido a João Paulo II é a Catedral de Wawel, em Cracóvia, lugar símbolo para a Nação polaca: na cripta daquela Catedral Karol Wojtyla celebrou a sua Primeira Missa.
Outra experiência muito agradável foi o encontro com os jovens, que teve lugar em Cracóvia, no grande Parque de Blonie. Confiei simbolicamente aos numerosos jovens presentes a "Chama da misericórdia", para que sejam no mundo arautos do Amor e da Misericórdia divina. Meditei com eles sobre a palavra evangélica da casa construída sobre a rocha (cf. Mt 7,24-27), lida também hoje, no início desta audiência. Detive-me a reflectir sobre a palavra de Deus também na manhã de domingo, solenidade da Ascensão, durante a Celebração conclusiva da minha visita. Foi um encontro litúrgico animado de uma extraordinária participação de fiéis, no mesmo Parque no qual na tarde do dia anterior se tinha realizado o encontro com os jovens. Aproveitei a ocasião para renovar no meio do povo polaco o anúncio maravilhoso da verdade cristã sobre o homem, criado e remido em Cristo; aquela verdade que tantas vezes João Paulo II proclamou com vigor para estimular todos a ser fortes na fé, na esperança e no amor. Permanecei firmes na fé! Foi esta recomendação que deixei aos filhos da amada Polónia, encorajando-os a perseverar na fidelidade a Cristo e à Igreja, para que não falte à Europa e ao mundo o contributo do seu testemunho evangélico. Todos os cristãos se devem sentir comprometidos a dar testemunho, para evitar que a humanidade do terceiro milénio possa voltar a conhecer horrores semelhantes aos que foram tragicamente evocados no campo de extermínio de Auschwitz-Birkenau.
Precisamente naquele lugar tristemente conhecido em todo o mundo eu quis deter-me antes de regressar a Roma. No campo de Auschwitz-Birkenau, como noutros campos semelhantes, Hitler fez exterminar mais de seis milhões de judeus. Em Auschwitz-Birkenau morreram cerca de 150.000 polacos e dezenas de milhares de homens e mulheres de outras nacionalidades. Face ao horror de Auschwitz não há outra resposta a não ser a Cruz de Cristo: o Amor que desceu até ao fundo do abismo do mal, para salvar o homem pela raiz, onde a sua liberdade se pode rebelar a Deus. Que a humanidade de hoje não se esqueça de Auschwitz e das outras "fábricas de morte" nas quais o regime nazista tentou eliminar Deus para assumir o seu lugar! Não ceda à tentação do ódio racial, que está na base das piores formas de anti-semitismo! Voltem os homens a reconhecer que Deus é Pai de todos e a todos chama em Cristo a construir juntos um mundo de justiça, de verdade e de paz! É isto que desejamos pedir ao Senhor por intercessão de Maria que hoje, na conclusão do mês de Maio, contemplamos cuidadosa e amorosa ao visitar a sua idosa parente Isabel.
Saudação
Queridos amigos de língua portuguesa!
Domingo passado concluiu-se a minha Viagem Pastoral à Polónia, terra do amado Papa João Paulo II. Dou continuamente graças a Deus por me ter permitido realizar este encontro com o povo polaco, juntamente com os seus Pastores e suas comunidades locais. Peço a todos, mormente ao numeroso grupo de brasileiros aqui presentes e a alguns visitantes vindos de Portugal, para que se unam às minhas preces pelos frutos dessa Viagem apostólica, que de bom grado desejo colocar nas mãos de Nossa Senhora, na festa da Visitação a Santa Isabel!
É com alegria que recebo os peregrinos de língua francesa, em particular os membros da Embaixada de França junto da Santa Sé, o destacamento da Força Aérea Francesa de Orleães e o grupo da escola internacional de formação e de evangelização de Paray-le-Monial. Que este tempo de preparação para o Pentecostes vos permita acolher os dons do Espírito Santo com um coração aberto e generoso!
Por fim, dirijo uma afectuosa saudação aos jovens, aos doentes e aos novos casais. Queridos e irmãos, na hodierna festa da Visitação da Bem-Aventurada Virgem a Igreja recorda Maria que vai a casa da idosa parente Isabel para lhe prestar serviço. Torna-se assim para nós exemplo e modelo de solicitude para com quem está em necessidade. Queridos jovens, aprendei de Maria a crescer na fiel adesão a Cristo e no amor serviçal aos irmãos. A Virgem Santa vos ajude, queridos doentes, a fazer do vosso sofrimento uma oferenda ao Pai celeste, em união com Cristo crucificado. Amparados pela materna intercessão de Nossa Senhora, vós, estimados novos casais, deixai-vos guiar sempre pelo Evangelho na vossa vida conjugal.
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Apelo pela paz em Timor Leste
O meu pensamento dirige-se agora à querida Nação de Timor Leste, nestes dias envolvida em tensões e violências, que causaram vítimas e destruições. Enquanto encorajo a Igreja local e as organizações católicas a continuar, juntamente com as outras organizações internacionais, o compromisso de assistência aos desabrigados, convido-vos a rezar à Virgem Santa para que ampare com a sua materna protecção os esforços de quantos estão a contribuir para a pacificação dos corações e para o restabelecimento da normalidade.
Audiências 2005-2013 10056