
Audiências 2005-2013 20610
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Estimados irmãos e irmãs!
Depois de algumas catequeses a propósito do sacerdócio e das minhas últimas viagens, hoje voltemos ao nosso tema principal, ou seja, à meditação sobre alguns dos grandes pensadores da Idade Média. Ultimamente, tínhamos reflectido sobre a grande figura de São Boaventura, franciscano, e agora gostaria de falar daquele ao qual a Igreja chama o Doctor communis: isto é, São Tomás de Aquino. O meu venerado Predecessor, Papa João Paulo II, na sua Encíclica Fides et ratio recordava que São Tomás "foi sempre proposto pela Igreja como mestre de pensamento e modelo do modo recto de fazer teologia" (FR 43). Não surpreende que, depois de Santo Agostinho, entre os escritores eclesiásticos mencionados no Catecismo da Igreja Católica, São Tomás seja citado mais do que todos os outros, por sessenta e uma vezes! Ele foi denominado também o Doctor Angelicus, talvez pelas suas virtudes, de modo particular pela sublimidade do pensamento e pureza da vida.
Tomás nasceu entre os anos de 1224 e 1225, no castelo que a sua família, nobre e abastada, possuía em Roccasecca, nos arredores de Aquino, perto da célebre abadia de Montecassino, aonde tinha sido enviado pelos seus pais para receber os primeiros elementos da sua instrução. Alguns anos mais tarde transferiu-se para a capital do Reino da Sicília, Nápoles, onde Frederico II tinha fundado uma prestigiosa Universidade. Nela ensinava-se, sem os limites em vigor alhures, o pensamento do filósofo grego Aristóteles, no qual o jovem Tomás foi introduzido, e de quem intuiu imediatamente o grande valor. Mas sobretudo, nesses anos transcorridos em Nápoles, nasceu a sua vocação dominicana. Com efeito, Tomás sentiu-se atraído pelo ideal do Oriente, fundado não muitos anos antes de São Domingos. Todavia, quando vestiu o hábito dominicano, a sua família opôs-se a esta escolha, e ele foi obrigado a deixar o convento e a transcorrer um pouco de tempo com a família.
Em 1245, já de maior idade, pôde retomar o seu caminho de resposta ao chamamento de Deus. Foi enviado a Paris, para estudar teologia sob a guia de outro santo, Alberto Magno, sobre o qual falei recentemente. Alberto e Tomás estreitaram uma amizade verdadeira e profunda, e aprenderam a estimar-se e a respeitar-se um ao outro, a tal ponto que Alberto quis que o seu discípulo o seguisse também até Colónia, onde ele tinha sido convidado pelos Superiores da Ordem para fundar uma Casa de estudos teológicos. Então, Tomás entrou em contacto com todas as obras de Aristóteles e dos seus comentadores árabes, que Alberto ilustrava e explicava.
Naquele período, a cultura do mundo latino tinha sido profundamente estimulada pelo encontro com as obras de Aristóteles, que permaneceram desconhecidas por muito tempo. Tratava-se de escritos sobre a natureza do conhecimento, as ciências naturais, a metafísica, a alma e a ética, ricos de informações e de intuições que pareciam válidas e convincentes. Era toda uma visão completa do mundo, desenvolvida sem e antes de Cristo, com a mera razão, e parecia impor-se à razão como "a" própria visão; por conseguinte, ver e conhecer esta filosofia era para os jovens um fascínio incrível. Muitos acolheram com entusiasmo, aliás com entusiasmo acrítico, esta enorme bagagem do saber antigo, que parecia poder renovar vantajosamente a cultura, abrir horizontes totalmente novos. Porém, outros temiam que o pensamento pagão de Aristóteles estivesse em oposição à fé cristã e rejeitavam estudá-lo. Encontraram-se duas culturas: a cultura pré-cristã de Aristóteles, com a sua racionalidade radical, e a cultura clássica cristã. Determinados ambientes eram impelidos à rejeição de Aristóteles também pela apresentação que se fizera deste filósofo por parte dos comentadores árabes Avicena e Averroes. Com efeito, foram eles que transmitiram ao mundo latino a filosofia aristotélica. Por exemplo, estes comentadores tinham ensinado que os homens não dispõem de uma inteligência pessoal, mas que só existe um único intelecto universal, uma só substância espiritual, comum a todos, que age em todos como "única": portanto, uma despersonalização do homem. Outro ponto questionável, veiculado pelos comentadores árabes era aquele segundo o qual o mundo é eterno, como Deus. Compreensivelmente, desencadearam-se disputas infinitas nos mundos universitário e eclesiástico. A filosofia aristotélica ia-se difundindo até entre as pessoas simples.
Na escola de Alberto Magno, Tomás de Aquino desempenhou um trabalho de importância fundamental para a história da filosofia e da teologia, diria para a história da cultura: estudou profundamente Aristóteles e os seus intérpretes, encontrando novas traduções latinas dos textos originais em grego. Assim, não se apoiava mais unicamente nos comentadores árabes, mas podia ler pessoalmente os textos originais, e comentou uma boa parte das obras aristotélicas, distinguindo nelas aquilo que era válido daquilo que era duvidoso, ou que devia ser totalmente rejeitado, demonstrando a consonância com os dados da Revelação cristã e utilizando ampla e perspicazmente o pensamento aristotélico na exposição dos escritos teológicos que ele mesmo compôs. Em última análise, Tomás de Aquino mostrou que entre fé cristã e razão subsiste uma harmonia natural. E foi esta a grande obra de Tomás, que naquele momento de desencontro entre duas culturas – naquele momento em que parecia que a fé devia render-se perante a razão – demonstrou que elas caminham a par e passo, que quanto parecia ser razão não compatível com a fé não era razão; e aquilo que parecia ser fé não era tal, enquanto se opunha à verdadeira racionalidade; deste modo, ele criou uma nova síntese, que veio a formar a cultura dos séculos seguintes.
Em virtude das suas excelentes qualidades intelectuais, Tomás foi chamado novamente a Paris como professor de teologia na cátedra dominicana. Ali começou também a sua produção literária, que continuou até à morte, e que contém algo de prodigioso: comentários à Sagrada Escritura, porque o professor de teologia era sobretudo intérprete da Sagrada Escritura, comentários aos escritos de Aristóteles, obras sistemáticas imponentes, entre as quais sobressai a Summa Theologiae, tratados e discursos sobre vários argumentos. Na composição dos seus escritos, era coadjuvado por alguns secretários, entre os quais o irmão dominicano Reginaldo de Piperno, que o acompanhou fielmente e com o qual o ligava uma amizade fraterna e sincera, caracterizada por uma grande confidência e confiança. Trata-se de uma característica dos santos: cultivam a amizade, porque ela é uma das manifestações mais nobres do coração humano, e contém em si algo de divino, como o próprio Tomás explicou em algumas quaestiones da Summa Theologiae, onde escreve: "A caridade é principalmente a amizade do homem com Deus, e com os seres que Lhe pertencem" (II-II 23,1).
Não permaneceu prolongada e estavelmente em Paris. Em 1259 participou no Capítulo Geral dos Dominicanos em Valenciennes, onde foi membro de uma comissão que estabeleceu o programa de estudos na Ordem. Depois, de 1261 a 1265, Tomás esteve em Orvieto. O Pontífice Urbano IV, que nutria uma grande estima por ele, comissionou-lhe a composição dos textos litúrgicos para a festa do Corpus Christi, que celebramos amanhã, instituída a seguir ao milagre eucarístico de Bolsena. Tomás tinha uma alma requintadamente eucarística. Os lindos hinos que a liturgia da Igreja entoa, para celebrar o mistério da presença real do Corpo e do Sangue do Senhor na Eucaristia são atribuídos à sua fé e à sua sabedoria teológica. De 1265 a 1268 Tomás residiu em Roma onde, provavelmente, dirigia um Studium, ou seja uma Casa de estudos da Ordem, e onde começou a escrever a sua Summa Theologiae (cf. Jean-Pierre Torrell, Tommaso d'Aquino. L'uomo e il teologo, Casale Monf., 1994, págs. 118-184).
Em 1269 foi chamado novamente a Paris, para um segundo ciclo de ensino. Os estudantes – pode-se compreender – entusiasmavam-se com as suas lições. Um dos seus ex-alunos declarou que uma enorme multidão de estudantes seguia os cursos de Tomás, a tal ponto que as salas tinham dificuldades em contê-los e, com um apontamento pessoal, acrescentava que "ouvi-lo era para ele uma profunda felicidade". A interpretação de Aristóteles formulada por Tomás não era aceite por todos, mas até os seus adversários no campo académico, como Gofredo de Fontaines, por exemplo, admitiam que a doutrina de frei Tomás era superior a outras pela sua utilidade e valor, e servia como correctivo para aquelas de todos os outros doutores. Talvez também para o subtrair dos intensos debates em curso, os Superiores enviaram-no novamente a Nápoles, para permanecer à disposição do rei Carlos I, que tencionava reorganizar os estudos universitários.
Além do estudo e do ensino, Tomás dedicou-se inclusive à pregação pública. E também o povo ia ouvi-lo de bom grado. Diria que é verdadeiramente uma grande graça, quando os teólogos sabem falar com simplicidade e fervor aos fiéis. Por outro lado, o ministério da pregação ajuda os próprios estudiosos de teologia a ter um sadio realismo pastoral, e enriquece a sua investigação com estímulos intensos.
Os últimos meses da vida terrena de Tomás permanecem circundados por uma atmosfera particular, diria misteriosa. Em Dezembro de 1273 ele chamou o seu amigo e secretário Reginaldo para lhe comunicar a decisão de interromper todos os trabalhos porque, durante a celebração da Missa, tinha compreendido, a seguir a uma revelação sobrenatural, que tudo aquilo que tinha escrito até então era apenas "um monte de palha". É um episódio misterioso, que nos ajuda a compreender não só a humildade pessoal de Tomás, mas também o facto de que tudo o que conseguimos pensar e dizer sobre a fé, por mais elevado e puro que seja, é infinitamente ultrapassado pela grandeza e pela beleza de Deus, que nos será revelada plenamente no Paraíso. Alguns meses depois, cada vez mais absorvido numa meditação reflexiva, Tomás faleceu enquanto viajava para Lião, aonde ia para participar no Concílio Ecuménico proclamado pelo Papa Gregório X. Veio a falecer na Abadia cisterciense de Fossanova, depois de ter recebido o Viático com sentimentos de grande piedade.
A vida e o ensinamento de São Tomás de Aquino poder-se-iam resumir num episódio transmitido pelos antigos biógrafos. Enquanto o Santo, como fazia habitualmente, estava em oração diante do Crucifixo, de manhã cedo na Capela de São Nicolau em Nápoles, Domingos de Caserta, o sacristão da igreja, ouviu um diálogo. Tomás perguntava, preocupado, se aquilo que tinha escrito sobre os mistérios da fé cristã era correcto. E o Crucificado respondeu-lhe:"Tu falaste bem de mim, Tomás. Qual será a tua recompensa?". E a resposta que Tomás deu é aquela que também nós, amigos e discípulos de Jesus, sempre gostaríamos de lhe dizer: "Nada mais do que Tu, Senhor!" (Ibid., pág. 320).
Saudação
Uma saudação afetuosa a todos os peregrinos vindos do Brasil e demais países lusófonos, nomeadamente os fiéis da diocese de Serrinha, acompanhados do seu bispo Dom Ottorino Assolari! Possa cada um de vós encontrar a Jesus Cristo vivo e operante na Igreja através da sua presença real na Eucaristia. E assim, fortalecidos com a sua Graça, possais servi-Lo nos irmãos. De coração, a todos abençôo. Ide com Deus!
Praça de São Pedro9610
Estimados irmãos e irmãs!
Hoje, desejo meditar sobre a minha viagem apostólica a Chipre, que sob muitos aspectos se colocou em continuidade com as precedentes viagens à Terra Santa e a Malta. Graças a Deus, esta visita pastoral foi muito bem sucedida, porque felizmente alcançou as suas finalidades. Por si só ela constituía um acontecimento histórico; com efeito, antes o Bispo de Roma nunca tinha ido àquela terra abençoada pela obra apostólica de São Paulo e São Barnabé, e tradicionalmente considerada parte da Terra Santa. No sulco do Apóstolo das nações, fiz-me peregrino do Evangelho, antes de tudo para confirmar a fé das Comunidades católicas, minoria pequena mas viva na ilha, encorajando-as também a continuar o caminho rumo à plena unidade entre os cristãos, de modo especial com os irmãos ortodoxos. Ao mesmo tempo, idealmente desejei abraçar todas as populações do Oriente Médio e abençoá-las em nome do Senhor, invocando de Deus a dádiva da paz. Recebi uma hospitalidade cordial, que me foi reservada em toda a parte, e é de bom grado que aproveito esta ocasião para expressar novamente a minha profunda gratidão, em primeiro lugar ao Arcebispo de Chipre dos Maronitas, D. Youssef Soueif, e a Sua Beatitude D. Fouad Twal, juntamente com os colaboradores, renovando a cada um o meu apreço pela sua obra apostólica. Além disso, dirijo o meu sentido reconhecimento ao Santo Sínodo da Igreja ortodoxa de Chipre, nomeadamente a Sua Beatitude Crisóstomo II, Arcebispo de Nova Justiniana e de todo Chipre, que tive a alegria de abraçar com afecto fraternal, assim como ao Presidente da República, a todas as Autoridades civis e a quantos, de vários modos, se prodigalizaram louvavelmente para o bom êxito desta minha visita pastoral.
Ela teve início a 4 de Junho, na antiga cidade de Pafos, onde me senti envolvido numa atmosfera que parecia quase a síntese perceptível de dois mil anos de história cristã. Os achados arqueológicos ali presentes constituem o sinal de uma herança espiritual única e gloriosa, que ainda hoje conserva um forte impacto sobre a vida do país. Na igreja de Santa Ciríaca Chrysopolitissa, lugar de culto ortodoxo aberto também aos católicos e aos anglicanos, situado no interior do espaço arqueológico, realizou-se uma emocionante celebração ecuménica. Juntamente com o Arcebispo ortodoxo Crisóstomo ii e com os representantes das Comunidades arménia, luterana e anglicana, pudemos renovar fraternalmente o compromisso ecuménico recíproco e irreversível. Manifestei estes sentimentos sucessivamente a Sua Beatitude Crisóstomo II, no cordial encontro realizado na sua residência, durante o qual constatei também como a Igreja ortodoxa de Chipre está vinculada à sorte daquele povo, conservando a memória devota e grata do Arcebispo Macário III, geralmente considerado pai e benfeitor da Nação, a quem também eu quis prestar homenagem, detendo-me brevemente diante do monumento que o representa. Este arraigamento na tradição não impede que a Comunidade ortodoxa esteja comprometida com determinação no diálogo ecuménico, juntamente com a Comunidade católica, ambas animadas pelo desejo sincero de restabelecer a comunhão plena e visível entre as Igrejas do Oriente e do Ocidente.
No dia 5 de Junho em Nicósia, capital da ilha, encetei a segunda etapa da viagem, visitando o Presidente da República, que me recebeu com grande cortesia. Quando me encontrei com as Autoridades civis e o Corpo Diplomático, confirmei a importância de fundar a lei positiva sobre os princípios éticos da lei natural, com a finalidade de promover a verdade moral na vida pública. Foi um apelo à razão, assente nos princípios éticos e repleto de implicações exigentes para a sociedade contemporânea, que muitas vezes não reconhece mais a tradição cultural sobre a qual está fundada.
A liturgia da Palavra, celebrada na escola elementar São Maron, representou um dos momentos mais sugestivos do encontro com a Comunidade católica de Chipre, nos seus componentes maronita e latino, e permitiram-me conhecer de perto o fervor apostólico dos católicos cipriotas. Ele exprime-se também mediante a actividade educativa e assistencial, com dezenas de estruturas, que se colocam ao serviço da colectividade, e são estimadas pelas Autoridades governamentais, assim como pela população inteira. Foi um momento de júbilo e de festa, animado pelo entusiasmo de um elevado número de crianças, adolescentes e jovens. Não faltou o aspecto da memória, que tornou perceptível de modo comovedor a alma da Igreja maronita, que precisamente este ano celebra 1.600 anos da morte do Fundador, São Maron. A este propósito, foi particularmente significativa a presença de alguns católicos maronitas, originários de quatro povoados da ilha, onde os cristãos são um povo que sofre e espera; desejei manifestar-lhes a minha compreensão paternalpelas suas aspirações e dificuldades.
Nessa mesma celebração, pude admirar o compromisso apostólico da Comunidade latina, chefiada pela solicitude do Patriarca latino de Jerusalém e pelo zelo pastoral dos Frades Menores da Terra Santa, que se põem ao serviço da população com generosidade perseverante. Os católicos de rito latino, muito activos no âmbito caritativo, reservam uma atenção especial aos trabalhadores e aos mais necessitados. A todos, latinos e maronitas, assegurei a minha lembrança na oração, animando-os a dar testemunho do Evangelho inclusive mediante um trabalho paciente de confiança recíproca entre cristãos e não-cristãos, para construir uma paz duradoura e uma harmonia entre os povos.
Desejei repetir o convite à confiança e à esperança, durante a Santa Missa celebrada na paróquia de Santa Cruz, na presença dos sacerdotes, das pessoas consagradas, dos diáconos, dos catequistas e dos representantes das associações e dos movimentos laicos da ilha. Comecei a partir da reflexão sobre o mistério da Cruz e, depois, dirigi um apelo urgente a todos os católicos do Médio Oriente a fim de que, não obstante as grandes provações e as dificuldades que todos conhecem, não cedam ao desânimo e nem à tentação de emigrar, uma vez que a sua presença nessa região constitui um sinal insubstituível de esperança. Garanti-lhes, e de modo especial aos presbíteros e aos religiosos, a solidariedade afectuosa e intensa da parte da Igreja inteira, assim como a oração incessante a fim de que o Senhor os ajude a ser sempre uma presença viva e pacificadora.
Sem dúvida, o momento culminante da viagem apostólica foi a entrega do Instrumentum laboris da Assembleia Especial para o Médio Oriente do Sínodo dos Bispos. Este gesto teve lugar no domingo 6 de Junho, no palácio do desporto de Nicósia, no final da solene Celebração eucarística, em que participaram os Patriarcas e os Bispos das várias Comunidades eclesiais do Médio Oriente. A participação do Povo de Deus foi coral, "entre cânticos de alegria e de louvor da multidão em festa", como diz o Salmo (Ps 42,2 [41], 2). Fizemos uma experiência concreta disto, também graças à presença dos numerosos imigrantes, que formam um grupo significativo na população católica da ilha, onde se integraram sem dificuldade. Em conjunto, rezamos pela alma do saudoso Bispo D. Luigi Padovese, Presidente da Conferência Episcopal da Turquia, cuja morte repentina e trágica nos deixou amargurados e assustados.
O tema da Assembleia Especial para o Médio Oriente, que se realizará em Roma no próximo mês de Outubro, fala de comunhão e de abertura à esperança: "A Igreja católica no Médio Oriente: comunhão e testemunho". Com efeito, este acontecimento importante configura-se como uma reunião da cristandade católica daquela região, nos seus diferentes ritos, mas ao mesmo tempo como busca renovada de diálogo e de coragem para o futuro. Por conseguinte, será acompanhado pelo afecto orante de toda a Igreja, em cujo coração o Médio Oriente ocupa um lugar especial, enquanto foi precisamente ali que Deus se fez conhecer aos nossos pais na fé. Todavia, não faltará a atenção de outros representantes da sociedade mundial, nomeadamente dos protagonistas da vida pública, chamados a trabalhar com compromisso constante a fim de que aquela região possa superar as situações de sofrimento e de conflito, que ainda a afligem, e voltar a encontrar finalmente a paz na justiça.
Antes de me despedir de Chipre, desejei visitar a Catedral maronita de Nicósia – onde estava presente também o Cardeal Pierre Nasrallah Sfeir, Patriarca de Antioquia dos Maronitas. Renovei a minha proximidade sincera e a minha compreensão fervorosa de cada uma das comunidades da antiga Igreja maronita espalhada pela ilha, a cujo litoral os Maronitas chegaram em diversos períodos e foram muitas vezes duramente provados para permanecer fiéis à sua herança cristã específica, e cujas memórias históricas e artísticas constituem um património cultural para a humanidade inteira.
Prezados irmãos e irmãs, regressei ao Vaticano com a alma repleta de gratidão a Deus e com sentimentos sinceros de carinho e estima pelos habitantes de Chipre, pelos quais me senti acolhido e compreendido. Na nobre terra cipriota, pude ver a obra apostólica das diversas tradições da única Igreja de Cristo e praticamente senti numerosos corações baterem em uníssono, precisamente como afirmava o tema da viagem: "Um coração, uma alma". A Comunidade católica cipriota, nas suas subdivisões maronita, arménia e latina, esforça-se de maneira incessante por ser um só coração e uma só alma, tanto no seu interior como nas relações cordiais e construtivas com os irmãos ortodoxos e com as demais nações do Médio Oriente, com os seus governantes e os representantes das diversas religiões, construir em conjunto um futuro de paz, de amizade e de colaboração fraterna. E oremos a fim de que, por intercessão de Maria Santíssima, o Espírito Santo torne fecunda esta viagem apostólica, animando no mundo inteiro a missão da Igreja instituída por Cristo, para anunciar a todos os povos o Evangelho da verdade, do amor e da paz.
Saudação
Amados peregrinos de língua portuguesa, cordiais saudações para todos vós, de modo especial para o grupo de sacerdotes da diocese de Santo André com o seu Bispo, Dom Nélson Westrupp. Agradeço a visita, desejo que ela reforce a vossa fidelidade sacerdotal, reproduzindo a fidelidade de Cristo. Sobre vós e grupos de Brasília, Mação e Santa Cruz, e da paróquia de Milagres e Bidoeira, desça a minha Bênção.
Praça de São Pedro16610
Estimados irmãos e irmãs!
Hoje gostaria de continuar a apresentação de São Tomás de Aquino, um teólogo de valor tão grande que o estudo do seu pensamento foi explicitamente recomendado pelo Concílio Vaticano II em dois documentos, o decreto Optatam totius, sobre a formação para o sacerdócio, e a declaração Gravissimum educationis, que fala a respeito da educação cristã. De resto, já em 1880 o Papa Leão XIII, seu grande apreciador e promotor de estudos tomistas, quis declarar São Tomás Padroeiro das Escolas e das Universidades católicas.
O motivo principal deste apreço reside não só no conteúdo do seu ensinamento, mas também no método por ele adoptado, sobretudo a sua nova síntese e distinção entre filosofia e teologia. Os Padres da Igreja encontravam-se confrontados com várias filosofias de tipo platónico, nas quais se apresentava uma visão completa do mundo e da vida, incluindo a questão de Deus e da religião. No confronto com estas filosofias, eles mesmos tinham elaborado uma visão completa da realidade, começando a partir da fé e utilizando elementos do platonismo, para responder às interrogações essenciais dos homens. Esta visão, assente na revelação bíblica e elaborada com um platonismo correcto à luz da fé, era por eles denominada a "nossa filosofia". Portanto, a palavra "filosofia" não era expressão de um sistema puramente racional e, como tal, distinto da fé, mas indicava uma visão global da realidade, construída à luz da fé, mas tornada própria e pensada pela razão; uma visão que, sem dúvida, ia além das capacidades próprias da razão mas que, como tal, era também satisfatória para ela. Para São Tomás de Aquino, o encontro com a filosofia pré-cristã de Aristóteles (falecido por volta de 322 a.c.) abria uma nova perspectiva. A filosofia aristotélica era, obviamente, uma filosofia elaborada sem conhecimento do Antigo e do Novo Testamento, uma explicação do mundo sem revelação, unicamente pela razão. E esta racionalidade consequente era convincente. Assim, a antiga forma da "nossa filosofia" dos Padres já não funcionava. A relação entre filosofia e teologia, entre fé e razão, devia ser reconsiderada. Existia uma "filosofia" completa e convincente em si mesma, uma racionalidade precedente à fé, e depois a "teologia", um pensar com a fé e na fé. A questão urgente era esta: o mundo da racionalidade, a filosofia pensada sem Cristo e o mundo da fé são compatíveis? Ou então excluem-se? Não faltavam elementos que afirmavam a incompatibilidade entre os dois mundos, mas São Tomás estava firmemente convencido da sua compatibilidade aliás, que a filosofia elaborada sem o conhecimento de Cristo praticamente esperava a luz de Jesus para ser completa. Esta foi a grande "surpresa" de São Tomás, que determinou o seu caminho de pensador. Mostrar esta independência de filosofia e teologia e, ao mesmo tempo, a sua relacionalidade recíproca, foi a missão histórica do grande mestre. E assim compreende-se porque no século XIX, quando se declarava fortemente a incompatibilidade entre razão moderna e fé, o Papa Leão XIII indicou São Tomás como guia no diálogo entre uma e outra. No seu trabalho teológico, São Tomás supõe e concretiza esta relacionalidade. A fé consolida, integra e ilumina o património de verdade que a razão humana adquire. A confiança que São Tomás concede a estes dois instrumentos do conhecimento – a fé e a razão – pode ser reconduzida à convicção de que ambas derivam da única nascente de toda a verdade, o Logos divino que age tanto no âmbito da criação, como no contexto da redenção.
Além do acordo entre razão e fé, deve-se reconhecer, por outro lado, que elas se valem de procedimentos cognoscitivos diferentes. A razão acolhe uma verdade em virtude da sua evidência intrínseca, mediata ou imediata; a fé, ao contrário, aceita uma verdade com base na autoridade da Palavra de Deus que se revela. São Tomás escreve no início da sua Summa Theologiae: "É dúplice a ordem das ciências; algumas procedem de princípios conhecidos mediante a luz natural da razão, como a matemática, a geometria e semelhantes; outras procedem de princípios conhecidos através de uma ciência superior: como a perspectiva procede de princípios conhecidos mediante a geometria, e a música de princípios conhecidos através da matemática. E deste modo, a doutrina sagrada (ou seja, a teologia) é ciência porque procede dos princípios conhecidos através da luz de uma ciência superior, isto é, a ciência de Deus e dos Santos" (I 1,2).
Esta distinção assegura a autonomia, tanto das ciências humanas como das ciências teológicas. Porém, ela não equivale à separação, mas implica sobretudo uma colaboração recíproca e vantajosa. Com efeito, a fé protege a razão de toda a tentação de desconfiança nas próprias capacidades, estimula-a a abrir-se a horizontes mais vastos, mantém viva nela a busca dos fundamentos e, quando a própria razão se aplica à esfera sobrenatural da relação entre Deus e homem, enriquece o seu trabalho. Segundo São Tomás, por exemplo, a razão humana pode chegar indubitavelmente à afirmação da existência de um único Deus, mas só a fé, que acolhe a Revelação divina, é capaz de haurir do mistério do Amor de Deus Uno e Trino.
Por outro lado, não é apenas a fé que ajuda a razão. Também a razão, com os seus meios, pode fazer algo de importante para a fé, prestando-lhe um tríplice serviço, que São Tomás resume no proémio do seu comentário ao De Trinitate, de Boécio: "Demonstrar os fundamentos da fé; explicar mediante semelhanças as verdades da fé; rejeitar as objecções que se levantam contra a fé" (q. 2, a. 2). Toda a história da teologia é, no fundo, o exercício deste compromisso da inteligência, que mostra a inteligibilidade da fé, a sua articulação e harmonia interna, o seu bom senso e a sua capacidade de promover o bem do homem. A exactidão dos raciocínios teológicos e o seu significado cognoscitivo real fundamentam-se no valor da linguagem teológica que, segundo São Tomás, é principalmente uma linguagem analógica. A distância entre Deus, o Criador e o ser das suas criaturas é infinita; a dessemelhança é sempre maior do que a semelhança (cf. DS 806). Não obstante, em toda a diferença entre Criador e criatura, existe uma analogia entre o ser criado e o ser do Criador, que nos permite falar sobre Deus com palavras humanas.
São Tomás fundou a doutrina da analogia sobre argumentações puramente filosóficas, e também sobre o facto de que, com a Revelação, foi o próprio Deus quem nos falou e, portanto, nos autorizou a falar dele. Considero importante evocar esta doutrina. Com efeito, ela ajuda-nos a superar algumas objecções do ateísmo contemporâneo, o qual nega que a linguagem religiosa possui um significado objectivo, e afirma ao contrário que só tem um valor subjectivo, ou simplesmente emotivo. Esta objecção deriva do facto que o pensamento positivista está convencido de que o homem não conhece o ser, mas somente as funções experimentáveis da realidade. Com São Tomás e com a grande tradição filosófica, estamos persuadidos de que, na realidade, o homem não conhece apenas as funções, objecto das ciências naturais, mas conhece algo do próprio ser por exemplo, conhece a pessoa, o Tu do outro, e não apenas o aspecto físico e biológico do seu ser.
À luz deste ensinamento de São Tomás, a teologia afirma que, por mais limitada que seja, a linguagem religiosa é dotada de sentido – porque nos referimos ao ser – como uma seta que se dirige rumo à realidade que ela significa. Este acordo fundamental entre razão humana e fé cristã entrevê-se num outro princípio basilar do pensamento do Aquinate: a Graça divina não anula, mas supõe e aperfeiçoa a natureza humana. Com efeito, esta última, mesmo depois do pecado, não é completamente corrupta, mas ferida e debilitada. A Graça, concedida por Deus e comunicada através do Mistério do Verbo encarnado, é uma dádiva absolutamente gratuita com que a natureza é curada, fortalecida e ajudada a perseguir o desejo inato no coração de cada homem e de cada mulher: a felicidade. Todas as faculdades do ser humano são purificadas, transformadas e elevadas pela Graça divina.
Reconhece-se uma aplicação importante desta relação entre a natureza e a Graça na teologia moral de São Tomás de Aquino, que é de grande actualidade. No centro do seu ensinamento neste campo, ele insere a lei nova, que é a lei do Espírito Santo. Com um olhar profundamente evangélico, insiste sobre o facto de que esta lei é a Graça do Espírito Santo, concedida a todos aqueles que acreditam em Cristo. A tal Graça une-se o ensinamento escrito e oral das verdades doutrinais e morais, transmitido pela Igreja. Sublinhando o papel fundamental, na vida moral, da acção do Espírito Santo, da Graça, da qual brotam as virtudes teologais e morais, São Tomás faz compreender que cada cristão pode alcançar as elevadas perspectivas do "Sermão da Montanha", se viver uma autêntica relação de fé em Cristo, se se abrir à acção do seu Espírito Santo. Porém – acrescenta o Aquinate – "embora a Graça seja mais eficaz do que a natureza, todavia a natureza é mais essencial para o homem" (Summa Theologiae, I-II 94,6, ad 2), pelo que, na perspectiva moral cristã existe um espaço para a razão, que é capaz de discernir a lei moral natural. A razão pode reconhecê-la, considerando o que é bom fazer e o que é bom evitar, para a consecução daquela felicidade que está a peito de cada um, e que impõe uma responsabilidade para com os demais e, portanto, a busca do bem comum. Em síntese, as virtudes do homem, teologais e morais, estão arraigadas na natureza humana. A Graça divina acompanha, sustém e incentiva o compromisso ético mas, por si só, segundo São Tomás, todos os homens, crentes e não-crentes, são chamados a reconhecer as exigências da natureza humana e a inspirar-se nela na formulação das leis positivas, ou seja, daquelas que são emanadas pelas autoridades civis e políticas para regular a convivência humana.
Quando a lei natural e a responsabilidade que ela implica são negadas, abre-se dramaticamente o caminho ao relativismo ético no plano individual e ao totalitarismo do Estado a nível político. A defesa dos direitos universais do homem e a afirmação do valor absoluto da dignidade da pessoa postulam um fundamento. Não é precisamente a lei natural, este fundamento com os valores não negociáveis que ela indica? O Venerável João Paulo II escrevia na sua Encíclica Evangelium vitae palavras que permanecem de grande actualidade: "Para o bem do futuro da sociedade e do progresso de uma democracia sadia, urge pois redescobrir a existência de valores humanos e morais essenciais e naturais, que derivam da própria verdade do ser humano, e exprimem e tutelam a dignidade da pessoa: valores que nenhum indivíduo, nenhuma maioria e nenhum estado jamais poderá criar, modificar ou destruir, mas apenas os deverá reconhecer, respeitar e promover" (EV 71).
Concluindo, São Tomás propõe-nos um conceito amplo e confiante da razão humana: amplo, porque não está limitado aos espaços da chamada razão empírito-científica, mas aberto a todo o ser e por conseguinte também às questões fundamentais e irrenunciáveis do viver humano; e confiante, porque a razão humana, sobretudo se acolhe as aspirações da fé cristã, é promotora de uma civilização que reconhece a dignidade da pessoa, a intangibilidade dos seus direitos e a improrrogabilidade dos seus deveres. Não surpreende que a doutrina acerca da dignidade da pessoa, fundamental para o reconhecimento da inviolabilidade dos direitos do homem, tenha amadurecido em ambientes de pensamento que recolheram a herança de São Tomás de Aquino, que tinha um conceito extremamente elevado da criatura humana. Definiu-a, com a sua linguagem rigorosamente filosófica, como "aquilo que de mais perfeito se encontra em toda a natureza, ou seja, um sujeito subsistente numa natureza racional" (Summa Theologiae, I 29,3).
A profundidade do pensamento de São Tomás de Aquino brota – nunca o esqueçamos – da sua fé viva e da sua piedade fervorosa, que expressava em orações inspiradas, como esta em que pede a Deus: "Concedei-me, suplico-vos, uma vontade que vos procure, uma sabedoria que vos encontre, uma vida que vos agrade, uma perseverança que vos espere confiadamente e uma confiança que no final chegue a possuir-vos".
Saudações
Saúdo cordialmente todos os peregrinos lusófonos, em particular os brasileiros da paróquia São Vicente Mártir de Porto Alegre e os irmãos da Misericórdia de Maringá, como também os professores e alunos portugueses do Centro Cultural Sénior de Braga, para todos implorando uma vontade que procure a Deus, uma sabedoria que O encontre, uma vida que Lhe agrade, uma perseverança que por Ele espere e a confiança de chegar a possuí-Lo. São os meus votos e também a minha Bênção!
Sala Paulo VI
Audiências 2005-2013 20610