Audiências 2005-2013 18112

18 de Janeiro de 2012: Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos

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Queridos irmãos e irmãs,

Começa hoje a Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos que, há mais de um século, é celebrada todos os anos por cristãos de todas as Igrejas e Comunidades eclesiais, para invocar aquele dom extraordinário pelo qual o próprio Senhor Jesus rezou durante a última Ceia, antes da sua paixão: «Para que todos sejam um só; como Tu, ó Pai, estás em mim e Eu em ti, que também eles estejam em Nós, para que o mundo creia que Tu me enviaste» (
Jn 17,21). A prática da Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos foi introduzida em 1908 pelo Padre Paul Wattson, fundador de uma comunidade religiosa anglicana que, em seguida, entrou na Igreja católica. A iniciativa recebeu a bênção do Papa são Pio X e depois foi promovida pelo Papa Bento XV, que encorajou a sua celebração em toda a Igreja católica com o Breve Romanorum Pontificum, de 25 de Fevereiro de 1916.

O oitavário de oração foi desenvolvido e aperfeiçoado nos anos trinta do século passado pelo Pe. Paul Couturier, de Lião, que apoiou a oração «pela unidade da Igreja segundo a vontade de Cristo e em conformidade com os instrumentos que Ele quiser». Nos seus últimos escritos, Pe. Couturier viu esta Semana como um meio que permite à oração universal de Cristo «entrar e penetrar em todo o Corpo cristão»; ela deve crescer até se tornar «um imenso e unânime brado de todo o Povo de Deus», que pede a Deus este grande dom. E é precisamente na Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos que o impulso dado pelo Concílio Vaticano II à busca da plena comunhão entre todos os discípulos de Cristo encontra, de ano para ano, uma das suas expressões mais eficazes. Este encontro espiritual, que une cristãos de todas as tradições, aumenta a nossa consciência sobre o facto de que a unidade para a qual tendemos não poderá ser só o resultado dos nossos esforços, mas será sobretudo um dom recebido do alto, que deve ser invocado sempre.

Todos os anos os subsídios para a Semana de Oração são preparados por um grupo ecuménico de uma diversa região do mundo. Gostaria de meditar sobre este ponto. Este ano, os textos foram propostos por um grupo misto composto por representantes da Igreja católica e do Conselho Ecuménico Polaco, do qual fazem parte várias Igrejas e Comunidades eclesiais do país. Depois, a documentação foi revista por uma comissão composta por membros do Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos e pela Comissão «Fé e Constituição» do Conselho Ecuménico das Igrejas. Também este trabalho, realizado conjuntamente em duas etapas é um sinal do desejo de unidade que anima os cristãos e da consciência de que a oração é o caminho primário para alcançar a plena unidade, para que unidos no Senhor caminhemos rumo à unidade. O tema da Semana deste ano — como ouvimos — foi tirado da Primeira Carta aos Coríntios — «Todos seremos transformados pela vitória de nosso Senhor Jesus Cristo» (cf. 1Co 15,51-58), a sua vitória transformar-nos-á. E este tema foi sugerido pelo amplo grupo ecuménico polaco que citei, o qual meditando sobre a sua experiência como nação, quis frisar como é forte o sustento da fé cristã no meio das provas e perturbações, como aquelas que caracterizaram a história da Polónia. Depois de amplos debates foi escolhido um tema centrado no poder transformador da fé em Cristo, em particular à luz da importância que ela tem para a nossa oração a favor da unidade visível da Igreja, Corpo de Cristo. Esta reflexão foi inspirada pelas palavras de são Paulo que, dirigindo-se à Igreja em Corinto, fala da natureza temporária do que pertence à nossa vida presente, marcada também pela experiência de «derrota» do pecado e da morte, em comparação com o que nos traz a «vitória» de Cristo sobre o pecado e a morte no seu Mistério pascal.

A história particular da nação polaca, que conheceu fases de convivência democrática e de liberdade religiosa, como no século XVI, foi marcada nos últimos séculos por invasões e derrotas, mas também pela luta constante contra a opressão e pela sede de liberdade. Tudo isto induziu o grupo ecuménico a meditar de maneira mais aprofundada sobre o verdadeiro significado de «vitória» — o que é a vitória — e de «derrota». Em relação à «vitória» entendida em termos triunfalistas, Cristo sugere-nos um caminho muito diverso, que não passa através do poder e da potência. Com efeito, Ele afirma: «Quem quiser ser o primeiro, seja o último de todos, o servo de todos» (Mc 9,35). Cristo fala de uma vitória através do amor sofredor, mediante o serviço recíproco, a ajuda, a nova esperança e o conforto concreto oferecido aos últimos, aos esquecidos e aos rejeitados. Para todos os cristãos, a expressão mais alta deste serviço humilde é o próprio Jesus Cristo, o dom total que Ele faz de Si mesmo, a vitória do seu amor sobre a morte na cruz, que resplandece na luz da manhã de Páscoa. Só podemos participar nesta «vitória» transformadora, se nos deixarmos transformar por Deus, se fizermos uma conversão da nossa vida e se a transformação se realizar em forma de conversão. Eis o motivo pelo qual o grupo ecuménico polaco julgou particularmente adequadas para o tema da sua meditação as palavras de são Paulo: «Todos seremos transformados pela vitória de nosso Senhor Jesus Cristo» (cfr. 1Co 15,51-58).

A unidade plena e visível dos cristãos, pela qual ansiamos, exige que nos deixemos transformar e conformar, de maneira cada vez mais perfeita, à imagem de Cristo. A unidade pela qual oramos requer uma conversão interior, tanto comum como pessoal. Não se trata simplesmente de cordialidade ou de cooperação, mas é preciso fortalecer sobretudo a nossa fé em Deus, no Deus de Jesus Cristo, que nos falou e se fez um de nós; é necessário entrar na nova vida em Cristo, que é a nossa vitória verdadeira e definitiva; é preciso que nos abramos uns aos outros, aproveitando todos os elementos de unidade que Deus conservou para nós e que nos oferece sempre de novo; é necessário sentir a urgência de testemunhar ao homem do nosso tempo o Deus vivo, que se fez conhecer em Cristo.

O Concílio Vaticano II pôs a busca ecuménica no centro da vida e da obra de Igreja: «Este santo Concílio exorta todos os fiéis católicos para que, reconhecendo os sinais dos tempos, participem com entusiasmo no movimento ecuménico» (Unitatis redintegratio UR 4). O beato João Paulo II ressaltou a natureza essencial de tal compromisso, dizendo: «Esta unidade, que o Senhor concedeu à sua Igreja e na qual Ele quer abraçar a todos, não é um elemento acessório, mas situa-se no centro mesmo da sua obra. Nem se reduz a um atributo secundário da Comunidade dos seus discípulos. Pelo contrário, pertence à própria essência desta Comunidade» (Enc. Ut unum sint UUS 9). Portanto, a tarefa ecuménica é uma responsabilidade de toda a Igreja e de todos os baptizados, que devem fazer crescer a comunhão parcial já existente entre os cristãos, até à plena comunhão na verdade e na caridade. Por conseguinte, a oração pela unidade não está circunscrita a esta Semana de Oração, mas deve tornar-se uma parte integrante da nossa oração, da vida orante de todos os cristãos, em todos os lugares e em todos os tempos, sobretudo quando pessoas de tradições diversas se encontram e trabalham juntas pela vitória, em Cristo, sobre tudo o que é pecado, mal, injustiça e violação da dignidade do homem.

Desde que o movimento ecuménico moderno nasceu, há mais de um século, houve sempre uma clara consciência do facto de que a falta de unidade entre os cristãos impede um anúncio mais eficaz do Evangelho, porque põe em perigo a nossa credibilidade. Como podemos dar um testemunho convincente, se estamos divididos? Sem dúvida, a propósito das verdades fundamentais da fé, une-nos muito mais de quanto nos divide. Mas as divisões subsistem, e dizem respeito também a várias questões práticas e éticas, suscitando confusão e desconfiança, debilitando a nossa capacidade de transmitir a Palavra salvífica de Cristo. Neste sentido, devemos recordar as palavras do beato João Paulo II que, na sua Encíclica Ut unum sint, fala do dano causado ao testemunho cristão e ao anúncio do Evangelho pela falta de unidade (cfr. nn. UUS 98 UUS 99). Trata-se de um grande desafio para a nova evangelização, que pode ser mais fecunda se todos os cristãos anunciarem juntos a verdade do Evangelho de Jesus Cristo e derem uma resposta comum à sede espiritual dos nossos tempos.

O caminho da Igreja, como o dos povos, está nas mãos de Cristo ressuscitado, vitorioso sobre a morte e sobre a injustiça que Ele carregou e padeceu em nome de todos. Ele faz-nos participar na sua vitória. Só Ele é capaz de nos transformar e fazer com que, de frágeis e vacilantes, nos tornemos fortes e corajosos na prática do bem. Somente Ele pode salvar-nos das consequências negativas das nossas divisões. Caros irmãos e irmãs, convido todos a unir-se em oração de modo mais intenso durante esta Semana de Oração pela Unidade, para que aumentem o testemunho comum, a solidariedade e a colaboração entre os cristãos, à espera do dia glorioso em que poderemos professar juntos a fé transmitida pelos Apóstolos e celebrar conjuntamente os Sacramentos da nossa transformação em Cristo. Obrigado!

Saudação

Amados peregrinos de língua portuguesa, nomeadamente os brasileiros vindos de São Paulo, Recife, Belo Horizonte e Rio de Janeiro, sede bem-vindos! A todos saúdo com grande afeto e alegria, exortando-vos a perseverar na oração, nesta Semana pela Unidade, para que possam crescer entre os cristãos o testemunho comum, a solidariedade e a colaboração! E que Deus vos abençoe!


Sala Paulo VI

25 de Janeiro de 2012#25112


Queridos irmãos e irmãs,

Na Catequese de hoje concentramos a nossa atenção sobre a oração que Jesus dirige ao Pai na «Hora» da sua elevação e da sua glorificação (cf. Jn 17,1-26). Como afirma o Catecismo da Igreja Católica: «A tradição cristã chama-lhe, a justo título, a oração “sacerdotal” de Jesus. Ela é, de facto, a oração de nosso Sumo Sacerdote, inseparável do seu sacrifício, da sua “passagem” [páscoa] deste mundo para o Pai, em que é inteiramente “consagrado” ao Pai» (CEC 2747).

Esta oração de Jesus é compreensível na sua riqueza extrema, sobretudo se a inserirmos no cenário da festa judaica da expiação, o Yom kippur. Naquele dia, o Sumo Sacerdote cumpre a expiação primeiro para si mesmo, depois para a classe sacerdotal e finalmente para toda a comunidade do povo. A finalidade é restituir ao povo de Israel, após as transgressões de um ano, a consciência da reconciliação com Deus, a consciência de ser povo eleito, «povo santo» no meio dos outros povos. A oração de Jesus, apresentada no capítulo 17 do Evangelho segundo João, retoma a estrutura desta festa. Nessa noite, Jesus dirige-se ao Pai no momento em que se oferece a Si mesmo. Sacerdote e vítima, Ele ora por Si próprio, pelos apóstolos e por todos aqueles que acreditam nele, pela Igreja de todos os tempos (cf. Jn 17,20).

A oração que Jesus recita por Si mesmo é o pedido da sua glorificação, da própria «elevação» na sua «Hora». Na realidade, é mais do que um pedido e a declaração de plena disponibilidade a entrar, livre e generosamente, no desígnio de Deus Pai que se cumpre no ser entregue e na morte e ressurreição. Esta «Hora» começou com a traição de Judas (cf. Jn 13,31) e culminará com a elevação de Jesus ressuscitado para o Pai (cf. Jn 20,17). A saída de Judas do cenáculo é comentada por Jesus com as seguintes palavras: «Agora o Filho do homem foi glorificado, e Deus foi glorificado nele» (Jn 13,31). Não é por acaso que Ele começa a prece sacerdotal, dizendo: «Pai, chegou a hora: glorifica o teu Filho, para que o Filho te glorifique» (Jn 17,1). A glorificação que Jesus pede para Si mesmo, como Sumo Sacerdote, é o ingresso na obediência mais plena ao Pai, uma obediência que o leva à sua condição filial mais completa: «E agora, Pai, glorifica-me diante de ti com aquela glória que Eu tinha em Ti antes da criação do mundo» (Jn 17,5). Esta disponibilidade e este pedido são o primeiro acto do novo sacerdócio de Jesus, que é um doar-se totalmente na cruz, e precisamente na cruz — o supremo gesto de amor — Ele é glorificado, porque o amor é a glória autêntica, a glória divina.

O segundo momento desta oração é a intercessão que Jesus faz pelos seus discípulos, que permaneceram com Ele. Eles são aqueles sobre os quais Jesus pode dizer ao Pai: «Manifestei o teu nome aos homens que me deste do mundo. Eram teus e Tu deste-mos, e eles observaram a tua palavra» (Jn 17,6). «Manifestar o nome de Deus aos homens» é a realização de uma nova presença do Pai no meio do povo, da humanidade. Este «manifestar» não é só uma palavra, mas é realidade em Jesus; Deus está connosco, e assim o nome — a sua presença connosco, o ser um de nós — «realizou-se». Portanto, esta manifestação realiza-se na encarnação do Verbo. Em Jesus, Deus entra na carne humana, faz-se próximo de modo único e novo. E esta presença tem o seu ápice no sacrifício que Jesus realiza na sua Páscoa de morte e ressurreição.

No centro desta prece de intercessão e de expiação a favor dos discípulos encontra-se o pedido de consagração; Jesus diz ao Pai: «Eles não são do mundo, como Eu não sou do mundo. Consagra-os na verdade. A tua palavra é verdade. Como Tu me mandaste para o mundo, também Eu os enviei para o mundo; por eles consagro-me a mim mesmo, a fim de que também eles sejam consagrados na verdade» (Jn 17,16-19). Pergunto: o que significa «consagrar» neste caso? Antes de tudo, é necessário dizer que só Deus é propriamente «Consagrado», ou «Santo». Portanto, consagrar quer dizer transferir uma realidade — uma pessoa ou coisa — para a propriedade de Deus. E nisto estão presentes dois aspectos complementares: por um lado, tirar das coisas comuns, segregar, «pôr de lado» do ambiente da vida pessoal do homem, para ser doado totalmente a Deus; e por outro, esta segregação, esta transferência para a esfera de Deus tem o significado próprio de «envio», de missão: precisamente porque é doada a Deus, a realidade, a pessoa consagrada existe «para» os outros, é doada ao próximo. Doar a Deus quer dizer não existir mais para si mesmo, mas para todos. É consagrado aquele que, como Jesus, é segregado do mundo e posto à parte para Deus, em vista de uma tarefa e precisamente por isso está plenamente à disposição de todos. Para os discípulos, consistirá em continuar a missão de Jesus, ser doados a Deus para estarem assim em missão para todos. Na noite de Páscoa, o Ressuscitado, aparecendo aos seus discípulos, dir-lhes-á: «A paz esteja convosco! Assim como o Pai me enviou, também Eu vos envio» (Jn 20,21).

O terceiro acto desta oração sacerdotal amplia o olhar até ao fim dos tempos. Nela, Jesus dirige-se ao Pai para interceder a favor de todos aqueles que forem levados à fé mediante a missão inaugurada pelos apóstolos e continuada na história: «Não oro só por estes, mas também por aqueles que acreditarem em mim mediante a sua palavra». Jesus reza pela Igreja de todos os tempos, ora também por nós (cf. Jn 17,20). O Catecismo da Igreja Católica comenta: «Jesus cumpriu perfeitamente a obra do Pai e a sua oração, assim como o seu sacrifício se estende até à consumação dos tempos. A oração da “Hora” preenche os últimos tempos e leva-os à sua consumação» (CEC 2749).

O pedido central da oração sacerdotal de Jesus, dedicada aos seus discípulos de todos os tempos, é o da unidade futura de quantos acreditarem nele. Esta unidade não é um produto mundano. Ela provém exclusivamente da unidade divina e chega até nós do Pai, mediante o Filho e no Espírito Santo. Jesus invoca um dom que provém do Céu, e que tem o seu efeito — real e perceptível — na terra. Ele reza «a fim de que todos sejam um só: assim como Tu, ó Pai, estás em mim e Eu em ti, que também eles estejam em Nós, para que o mundo creia que Tu me enviaste» (Jn 17,21). A unidade dos cristãos, por um lado, é uma realidade secreta que está no coração das pessoas crentes. Mas, ao mesmo tempo, ela deve aparecer com toda a clareza na história, deve aparecer para que o mundo creia, tem uma finalidade muito prática e concreta, deve aparecer para que todos sejam realmente um só. A unidade dos discípulos futuros, sendo unidade com Jesus — que o Pai enviou ao mundo — é também a fonte originária da eficácia da missão cristã no mundo.

«Podemos dizer que na oração sacerdotal de Jesus se cumpre a instituição da Igreja... Precisamente aqui, no acto da última Ceia, Jesus cria a Igreja. Porque, o que é a Igreja, a não ser a comunidade dos discípulos que, mediante a fé em Jesus Cristo como enviado do Pai, recebe a sua unidade e é envolvida na missão de Jesus de salvar o mundo, conduzindo-o ao conhecimento de Deus? Aqui encontramos realmente uma verdadeira definição da Igreja. A Igreja nasce da oração de Jesus. E esta prece não é apenas palavra: é o gesto em que Ele se “consagra” a Si mesmo, ou seja, se “sacrifica” pela vida do mundo» (cf. Jesus de Nazaré, II, 117 s.).

Jesus reza a fim de que os seus discípulos sejam um só. Em virtude desta unidade, recebida e conservada, a Igreja pode caminhar «no mundo» sem ser «do mundo» (cf. Jn 17,16) e viver a missão que lhe foi confiada para que o mundo creia no Filho e no Pai que O enviou. A Igreja torna-se, então, o lugar em que continua a própria missão de Cristo: conduzir o «mundo» para fora da alienação do homem em relação a Deus e a si mesmo, para fora do pecado, a fim de que ele volte a ser o mundo de Deus.

Caros irmãos e irmãs, apreendemos alguns elementos da grande riqueza da oração sacerdotal de Jesus, que vos convido a ler e meditar, para que nos oriente no diálogo com o Senhor, a fim de que nos ensine a rezar. Então, também nós na nossa oração peçamos a Deus que nos ajude a entrar, de modo mais completo, no desígnio que tem para cada um de nós; peçamos-lhe para ser «consagrados» a Ele, para lhe pertencer cada vez mais, para poder amar sempre mais os outros, próximos e distantes; peçamos-lhe para sermos capazes de abrir a nossa oração às dimensões do mundo, sem a limitar ao pedido de ajuda para os nossos problemas, mas recordando diante do Senhor o nosso próximo, apreendendo a beleza de interceder pelos outros; peçamos-lhe o dom da unidade visível entre todos os crentes em Cristo — invocámo-lo com vigor nesta Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos — orando para estarmos sempre prontos a explicar a razão da nossa esperança a quantos no-la perguntarem (cf. 1P 3,15). Obrigado!

Saudação

A minha saudação amiga para os fiéis de Santa Maria dos Pobres de Paranoá e demais peregrinos de língua portuguesa, propondo-vos como modelo de vida o Apóstolo São Paulo, cuja conversão hoje recordamos num abraço ideal que se alarga a todos os cristãos na conclusão do Oitavário de Oração pela sua Unidade. Que os vossos corações, fortes na fé, possam servir sempre os amorosos desígnios de Deus. Sobre vós e vossas famílias, desça a minha Bênção.


Sala Paulo VI

1° de Fevereiro de 2012#10212


Queridos irmãos e irmãs,

Hoje gostaria de falar sobre a oração de Jesus no Getsémani, no Jardim das Oliveiras. O cenário da narração evangélica desta prece é particularmente significativo. Jesus dirige-se para o Monte das Oliveiras, depois da Última Ceia, enquanto está a rezar com os seus discípulos. O evangelista Marcos narra: «Depois de terem entoado o hino, saíram para o Monte das Oliveiras» (Mc 14,26). Alude-se, provavelmente, ao canto de alguns Salmos do hallél com os quais se dá graças a Deus pela libertação do povo da escravidão e se pede a sua ajuda para as dificuldades e as ameaças sempre novas do presente. O percurso até ao Getsémani está constelado de expressões de Jesus, que fazem sentir incumbente o seu destino de morte e anunciam a dispersão iminente dos discípulos.

Tendo chegado ao horto no Monte das Oliveiras, também naquela noite Jesus se prepara para a oração pessoal. Mas desta vez acontece algo de novo: parece que Ele não quer permanecer só. Muitas vezes Jesus afastava-se da multidão e dos próprios discípulos, permanecendo «em lugares desertos» (cf. Mc 1,35) ou subindo «ao monte», diz são Marcos (cf. Mc 6,46). No Getsémani, contudo, ele convida Pedro, Tiago e João, para que fiquem com ele. São os discípulos que Ele chamou para estar com Ele no Monte da Transfiguração (cf. Mc 9,2-13). Esta proximidade dos três durante a oração no Getsémani é significativa. Também naquela noite Jesus rezará ao Pai «sozinho», porque a sua relação com Ele é totalmente única e singular: é a relação do Filho Unigénito. Aliás, dir-se-ia sobretudo que naquela noite ninguém possa aproximar-se verdadeiramente do Filho, que se apresenta ao Pai na sua identidade absolutamente única, exclusiva. Mas Jesus, mesmo chegando «sozinho» ao ponto onde se deterá para rezar, deseja que pelo menos três discípulos permaneçam não distantes, numa relação mais íntima com Ele. Trata-se de uma proximidade espacial, de um pedido de solidariedade no momento em que sente aproximar-se a morte, mas é principalmente uma proximidade na oração, para expressar de algum modo a sintonia com Ele, no momento em que se prepara para cumprir até ao fim a vontade do Pai, e é um convite a cada discípulo, a segui-lo no caminho da Cruz. O evangelista Marcos narra: «Levou consigo Pedro, Tiago e João; e começou a sentir pavor e a angustiar-se. E disse-lhes: “A minha alma está numa tristeza mortal; ficai aqui e vigiai”» (Mc 14,33-34).

Na palavra que dirige aos três, mais uma vez Jesus se expressa com a linguagem dos Salmos: «A minha alma está triste», uma expressão do Salmo 43 (cf. v. Ps 43,5). Depois, a dura determinação, «mortal», evoca uma situação vivida por muitos dos enviados de Deus no Antigo Testamento e expressa na sua oração. Com efeito, seguir a missão que lhes é confiada não raro significa encontrar hostilidade, rejeição e perseguição. Moisés sente de modo dramático a prova que padece enquanto guia o povo no deserto, e diz a Deus: «Eu sozinho não posso suportar todo esse povo; ele é pesado demais para mim. Em vez de me tratar assim, rogo-vos que antes me façais morrer, se achei agrado aos vossos olhos» (Nb 11,14-15). Também para o profeta Elias não é fácil dar continuidade ao serviço a Deus e aos seu povo. No primeiro Livro dos Reis, narra-se: «Ele andou pelo deserto um dia de caminho. Sentou-se debaixo de um junípero e desejou a morte: “Basta, Senhor, disse ele; tirai-me a vida, porque não sou melhor do que meus pais”» (1R 19,4).

As palavras de Jesus aos três discípulos que Ele quer próximos durante a oração no Getsémani revelam como Ele sente pavor e angústia naquela «Hora», como experimenta a última e profunda solidão precisamente enquanto o desígnio de Deus se está a realizar. E em tal pavor e angústia de Jesus está recapitulado todo o horror do homem diante da própria morte, a certeza da sua inexorabilidade e a percepção do peso do mal que ameaça a nossa vida.

Depois do convite a permanecer e a vigiar em oração, feito aos três, Jesus dirige-se «sozinho» ao Pai. O evangelista Marcos narra que Ele «adiantando-se alguns passos, prostrou-se com a face por terra e orava que, se fosse possível, afastasse dele aquele cálice» (Mc 14,35). Jesus prostrou-se com a face por terra: é uma posição da oração que exprime a obediência à vontade do Pai, o abandonar-se com plena confiança nele. É um gesto que se repete no início da Celebração da Paixão, na Sexta-Feira Santa, assim como na profissão monástica e nas Ordenações diaconal, presbiteral e episcopal, para expressar na oração, inclusive corporalmente, o confiar-se completo a Deus, o confiar nele. Depois, Jesus pede ao Pai que, se fosse possível, afastasse dele aquele cálice. Não é só o pavor e a angústia do homem diante da morte, mas é o transtorno do Filho de Deus, que vê a massa terrível do mal, que Ele deverá assumir sobre Si para o superar, para o privar do poder.

Caros amigos, também nós na oração temos que ser capazes de apresentar a Deus as nossas dificuldades, o sofrimento de certas situações, de determinados dias, o compromisso quotidiano de O seguir, de ser cristãos, e também o peso do mal que vemos em nós e ao nosso redor, para que Ele nos infunda esperança, nos faça sentir a sua proximidade, nos conceda um pouco de luz no caminho da vida.

Jesus continua a sua prece: «Abbá! Pai! Tudo te é possível; afasta de mim este cálice! Contudo, não se faça o que Eu quero, mas sim o que Tu queres» (Mc 14,36). Esta invocação contém três passagens reveladoras. No início temos a duplicação do termo com que Jesus se dirige a Deus: «Abbá! Pai!» (Mc 14,36a). Sabemos bem que a palavra aramaica Abbá era utilizada pelo filho para se dirigir ao pai, e portanto exprime a relação de Jesus com Deus Pai, uma relação de ternura, de confiança e de abandono. Na parte central da invocação há o segundo elemento: a consciência da omnipotência do Pai — «tudo te é possível» — que introduz um pedido no qual, mais uma vez, aparece o drama da vontade humana de Jesus perante a morte e o mal: «Afasta de mim este cálice!». Mas há uma terceira expressão da prece de Jesus, que é decisiva, na qual a vontade humana adere plenamente à vontade divina. Com efeito, Jesus conclui dizendo com vigor: «Contudo, não se faça o que Eu quero, mas sim o que Tu queres» (Mc 14,36c). Na unidade da pessoa divina do Filho, a vontade humana encontra a sua plena realização no abandono total do Eu ao Tu do Pai, chamado Abbá. São Máximo, o Confessor, afirma que desde o momento da criação do homem e da mulher, a vontade humana está orientada para a divina, e é precisamente no «sim» a Deus que a vontade humana é plenamente livre e encontra a sua realização. Infelizmente, por causa do pecado, este «sim» a Deus transformou-se em oposição: Adão e Eva pensavam que o «não» a Deus fosse o ápice da liberdade, o ser plenamente eles mesmos. No Monte das oliveiras, Jesus restitui a vontade humana ao «sim» completo a Deus; nele a vontade natural está plenamente integrada na orientação que lhe confere a Pessoa Divina. Jesus vive a sua existência segundo o centro da sua Pessoa: o seu ser Filho de Deus. A sua vontade humana é atraída para dentro do Eu do Filho, que se abandona totalmente ao Pai. Assim Jesus diz-nos que só conformando a própria vontade com a divina, o ser humano alcança a sua verdadeira altura, tornando-se «divino»; só saindo de si mesmo, só no «sim» a Deus, se realiza o desejo de Adão, de todos nós, de sermos completamente livres. É isto que Jesus realiza no Getsémani: transferindo a vontade humana para a vontade divina nasce o homem verdadeiro, e nós somos remidos.

O Compêndio do Catecismo da Igreja Católica ensina sinteticamente: «A oração de Jesus durante a agonia no Jardim do Getsémani e nas últimas palavras sobre a cruz revelam a profundidade da sua oração filial: Jesus conduz à sua realização o desígnio de amor do Pai e toma sobre si todas as angústias da humanidade, todas as interrogações e intercessões da história da salvação. Ele apresenta-as ao Pai que as acolhe e escuta, para além de toda a esperança, ressuscitando-O dos mortos» (n. 543). Verdadeiramente, «em nenhuma oura parte da Sagrada Escritura olhamos tão profundamente para dentro do mistério interior de Jesus, como na oração no Monte das Oliveiras» (Jesus de Nazaré II, 177).

Estimados irmãos e irmãs, cada dia na oração do Pai-Nosso nós pedimos ao Senhor: «Seja feita a vossa vontade, assim na terra como no céu» (Mt 6,10). Isto é, reconhecemos que há uma vontade de Deus connosco e para nós, uma vontade de Deus sobre a nossa vida, que deve tornar-se cada dia mais a referência da nossa vontade e do nosso ser; além disso, reconhecemos que é no «céu» que se cumpre a vontade de Deus, e que a «terra» só se torna «céu», lugar da presença do amor, da bondade, da verdade e da beleza divina, se nela se cumprir a vontade de Deus. Na prece de Jesus ao Pai, naquela noite terrível e admirável do Getsémani, a «terra» tornou-se «céu»; a «terra» da sua vontade humana, abalada pelo pavor e pela angústia, foi assumida pela sua vontade divina, de maneira que a vontade de Deus se cumpriu sobre a terra. E isto é importante inclusive na nossa oração: devemos aprender a confiar-nos mais à Providência divina, pedir a Deus a força para sairmos de nós mesmos e renovarmos o nosso «sim», para lhe repetirmos: «Seja feita a vossa vontade», para conformarmos a nossa vontade com a sua. Trata-se de uma prece que devemos recitar quotidianamente, porque nem sempre é fácil confiar-nos à vontade de Deus, repetir o «sim» de Jesus, o «sim» de Maria. As narrações evangélicas do Getsémani demonstram dolorosamente que os três discípulos, escolhidos por Jesus para estar ao seu lado, não foram capazes de vigiar com Ele, de compartilhar a sua oração, a sua adesão ao Pai, e foram dominados pelo sono. Caros amigos, peçamos ao Senhor para sermos capazes de vigiar com Ele em oração, de cumprirmos a vontade de Deus todos os dias, mesmo quando se fala de Cruz, de viver uma intimidade cada vez maior com o Senhor, para trazer a esta «terra» um pouco do «céu» de Deus. Obrigado!

Saudação

Amados peregrinos de língua portuguesa, a todos dou as boas-vindas, pedindo a Deus que vos encha de esperança e conceda a luz para descobrir a sua vontade sobre a vossa vida e fazer dela o ponto de referência diário do vosso querer e do vosso ser. E que as suas Bênçãos sempre vos acompanhem. Ide em paz!


Sala Paulo VI

8 de Fevereiro de 2012: A oração de Jesus diante da morte (MC e Mt)

8212

Queridos irmãos e irmãs

Hoje gostaria de meditar convosco sobre a oração de Jesus na iminência da morte, detendo-me sobre aquilo que nos referem são Marcos e são Mateus. Os dois evangelistas mencionam a oração de Jesus moribundo não só na língua grega, na qual está escrita a sua narração mas, pela importância destas palavras, também numa mistura de hebraico e aramaico. Deste modo, eles transmitiram não só o conteúdo, mas até o som que tal oração teve nos lábios de Jesus: ouvimos realmente as palavras de Jesus como eram. Ao mesmo tempo, eles descreveram-nos a atitude de quantos estavam presentes na crucifixão, que não entenderam — ou não queriam entender — esta prece.

Como ouvimos, são Marcos escreve: «Desde a hora sexta até a hora nona, houve trevas por toda a terra. E à hora nona Jesus bradou em alta voz: “Elli, Elli, lemá sabactháni?”, que quer dizer: Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?» (
Mc 15,33-34). Na estrutura desta narração a prece, o clamor de Jesus eleva-se no final das três horas de trevas que, do meio-dia às três horas da tarde, desceram sobre toda a terra. Estas três horas de escuridão são, por sua vez, a continuação de um precedente espaço de tempo, também de três horas, começado com a crucifixão de Jesus. Com efeito, o evangelista Marcos informa-nos que: «Era a hora terceira, quando O crucificaram» (cf. Mc 15,25). Do conjunto das indicações horárias da narração, as seis horas de Jesus na cruz são subdivididas em duas partes cronologicamente equivalentes.

Nas primeiras três horas, das nove horas ao meio-dia, inserem-se os escárnios de vários grupos de pessoas, que mostram o seu cepticismo, afirmam que não acreditam. São Marcos escreve: «Quantos passavam injuriavam-no» (Mc 15,29); «Desta maneira, escarneciam dele também os sumos sacerdotes e os escribas» (Mc 15,31); «Até aqueles que tinham sido crucificados com Ele O insultavam» (Mc 15,32). Nas três horas seguintes, do meio-dia «às três horas da tarde», o evangelista fala somente das trevas que desceram sobre toda a terra; a escuridão ocupa sozinha toda a cena, sem qualquer referência a movimentos de personagens ou a palavras. À medida que Jesus se aproxima sempre mais da morte, há só a escuridão que desce «sobre toda a terra». Até o cosmos participa neste acontecimento: a escuridão envolve pessoas e coisas, mas inclusive neste momento de trevas Deus está presente, não abandona. Na tradição bíblica, a escuridão tem um significado ambivalente: é sinal da presença e da obra do mal, mas também de uma misteriosa presença e acção de Deus, que é capaz de vencer todas as trevas. No Livro do Êxodo, por exemplo, lemos: «Então, o Senhor disse a Moisés: “Eis que me vou aproximar de ti na obscuridade de uma nuvem”» (Ex 19,9); e ainda: «E o povo conservou-se à distância, enquanto Moisés se aproximava da nuvem onde se encontrava Deus» (Ex 20,21). E nos discursos do Deuteronómio, Moisés narra: «E eis que o abrasava [o monte] um fogo que subia até às alturas do céu, onde havia trevas, nuvens e escuridão» (Dt 4,11); vós, «depois que ouvistes a voz que saía do meio das trevas, vistes o monte arder em fogo» (Dt 5,23). Na cena da crucifixão de Jesus, as trevas envolvem a terra e são trevas de morte em que o Filho de Deus se imerge para trazer a vida, com o seu gesto de amor.

Voltando à narração de são Marcos, diante dos insultos das várias categorias de pessoas, perante a escuridão que desce sobre tudo no momento em que se encontra diante da morte, Jesus com o brado da sua oração mostra que, juntamente com o peso do sofrimento e da morte em que parece haver abandono, ausência de Deus, Ele tem a plena certeza da proximidade do Pai, que aprova este gesto supremo de amor, de dom total de Si, embora não se ouça, como noutros momentos, a voz do alto. Lendo os Evangelhos, damo-nos conta de que noutros trechos importantes da sua existência terrena Jesus tinha visto associar-se aos sinais da presença do Pai e da aprovação ao seu caminho de amor, também a voz esclarecedora de Deus. Assim, na vicissitude que se segue ao baptismo no Jordão, ao abrir-se dos céus, ouviu-se a palavra do Pai: «Tu és o meu Filho muito amado; em ti ponho a minha afeição» (Mc 1,11). Depois, na transfiguração, o sinal da nuvem era acompanhado pela expressão: «Este é o meu Filho muito amado; ouvi-o!» (Mc 9,7). Contudo, ao aproximar-se a morte do Crucificado, desce o silêncio, não se ouve voz alguma, mas o olhar de amor do Pai permanece fixo no dom de amor do Filho.

Mas que significado tem a oração de Jesus, aquele brado que Ele lança ao Pai: «Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?», a dúvida da sua missão, da presença do Pai? Nesta oração não há porventura precisamente a consciência de ter sido abandonado? As palavras que Jesus dirige ao Pai são o início do Salmo 22, em que o Salmista manifesta a Deus a tensão entre o sentir-se abandonado e a consciência certa da presença de Deus no meio do seu povo. O Salmista reza: «Meu Deus, grito de dia e não me respondes; de noite, e não há trégua para mim. E no entanto Tu és o Santo, Tu estás sentado no trono entre os louvores de Israel» (vv. Ps 22,3-4). O Salmista fala de «grito» para expressar todo o sofrimento da sua oração diante de Deus, aparentemente ausente: no momento de angústia, a prece torna-se um grito.

E isto acontece também na nossa relação com o Senhor: perante as situações mais difíceis e dolorosas, quando parece que Deus não ouve, não devemos ter medo de confiar a Ele todo o peso que levamos no nosso coração, não devemos ter medo de gritar a Ele o nosso sofrimento, temos que estar convictos de que Deus está próximo, embora aparentemente esteja calado.

Repetindo da cruz precisamente as palavras iniciais do Salmo — «Elli, Elli, lemá sabactháni?» — «Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?» (Mt 27,46), clamando as palavras do Salmo, Jesus reza no momento da última rejeição dos homens, na hora do abandono; mas reza com o Salmo, na consciência da presença de Deus Pai também naquela hora em que sente o drama humano da morte. Mas em nós surge uma pergunta: como é possível que um Deus tão poderoso não intervenha para subtrair o seu Filho a esta prova terrível? É importante compreender que a prece de Jesus não é um grito de quem vai ao encontro da morte com o desespero, e nem sequer de quem sabe que foi abandonado. Nesse momento, Jesus faz seu todo o Salmo 22, o Salmo do povo de Israel que sofre, e deste modo assume sobre Si não só o sofrimento do seu povo, mas inclusive o de todos os homens que padecem pela opressão do mal e, ao mesmo tempo, leva tudo isto ao Coração do próprio Deus, na certeza de que o seu clamor será atendido na Ressurreição: «O grito no tormento extremo é ao mesmo tempo certeza da resposta divina, certeza da salvação — não só para o próprio Jesus, mas para “muitos”» (Jesus de Nazaré II, 239-240). Nesta oração de Jesus estão encerrados a extrema confiança e o abandono nas mãos de Deus, mesmo quando parece ausente, mesmo quando parece permanecer em silêncio, seguindo um desígnio que nos é incompreensível. No Catecismo da Igreja Católica lemos assim: «No amor redentor que constantemente O unia ao Pai, [Jesus] assumiu-nos no afastamento do nosso pecado em relação a Deus a ponto de, na cruz, poder dizer em nosso nome: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?”» (CEC 603). O seu é um sofrer em comunhão connosco e por nós, que deriva do amor e já contém em si a redenção, a vitória do amor.

As pessoas presentes ao pé da cruz de Jesus não conseguem compreender e pensam que o seu grito é uma súplica dirigida a Elias. Numa cena agitada, elas procuram saciar a sede dele para lhe prolongar a vida e verificar se verdadeiramente Elias vem em seu socorro, mas um forte brado põe termo à vida terrena de Jesus e ao desejo delas. No momento extremo, Jesus deixa que o seu Coração exprima a dor mas, ao mesmo tempo, deixa sobressair o sentido da presença do Pai e o consenso ao seu desígnio de salvação da humanidade. Também nós estamos sempre e novamente diante do «hoje» do sofrimento, do silêncio de Deus — manifestamo-lo tantas vezes na nossa oração — mas encontramo-nos inclusive perante o «hoje» da Ressurreição, da resposta de Deus que assumiu sobre Si os nossos sofrimentos, para os carregar juntamente connosco e para nos incutir a esperança firme de que serão vencidos (cf. Carta enc. Spe salvi ).

Caros amigos, na oração levamos a Deus as nossas cruzes diárias, na certeza de que Ele está presente e nos ouve. O brado de Jesus recorda-nos que na oração devemos superar as barreiras do nosso «eu» e dos nossos problemas, e abrir-nos às necessidades e sofrimentos do próximo. A oração de Jesus moribundo na Cruz ensina-nos a orar com amor pelos numerosos irmãos e irmãs que sentem o peso da vida quotidiana, que vivem momentos difíceis, que estão na dor, que não recebem uma palavra de conforto; levemos tudo isto ao Coração de Deus, para que também eles possam sentir o amor de Deus que nunca nos abandona. Obrigado!

Saudação

Saúdo os fiéis da arquidiocese de Porto Alegre e restantes peregrinos de língua portuguesa. Sede bem-vindos! Com a sua ressurreição, Cristo abriu a estrada para além da morte; temos a estrada desimpedida até ao Céu. Que nada vos impeça de viver e crescer na amizade do Pai celeste, e testemunhar a todos a sua bondade e misericórdia! Sobre vós e vossas famílias, desça a sua Bênção generosa.




Sala Paulo VI

Quarta-feira, 15 de Fevereiro de 2012


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