Audiências 2005-2013 40412

4 de Abril de 2012: Viagem Apostólica ao México e à República de Cuba

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Tríduo Pascal

Queridos irmãos e irmãs

Estão ainda vivas em mim as emoções vividas na recente Viagem Apostólica ao México e a Cuba, sobre a qual gostaria de meditar hoje. Brota espontânea da minha alma a acção de graças ao Senhor: na sua Providência, Ele quis que eu fosse pela primeira vez como Sucessor de Pedro a estes dois países, que conservam a memória indelével das visitas realizadas pelo Beato João Paulo II. O bicentenário da Independência do México e de outros países latino-americanos, o vigésimo aniversário das relações diplomáticas entre o México e a Santa Sé, e o quarto centenário da descoberta da imagem da Virgem da Caridade do Cobre, na República de Cuba foram as finalidades da minha peregrinação. Através dela desejei abraçar idealmente o Continente inteiro, convidando todos a viver juntos na esperança e no compromisso concreto de caminhar unidos rumo a um futuro melhor. Estou grato aos Senhores Presidentes do México e de Cuba que, com deferência e cortesia, me deram as suas boas-vindas, assim como às demais Autoridades. Agradeço de coração aos Arcebispos de León, de Santiago de Cuba e de Havana, e aos outros venerados Irmãos no Episcopado, que me receberam com grande afecto, assim como aos seus colaboradores e a quantos se dedicaram generosamente a esta minha visita pastoral. Foram dias inesquecíveis, de alegria e esperança, que permanecerão gravados no meu coração!

A primeira etapa foi León, no Estado de Guanajuato, centro geográfico do México. Ali, uma grande multidão em festa reservou-me uma hospitalidade extraordinária e entusiasmante, como sinal do abraço caloroso de um povo inteiro. Desde a cerimónia de boas-vindas, pude sentir a fé e o afecto dos sacerdotes, das pessoas consagradas e dos fiéis leigos. Na presença dos chefes das Instituições, de numerosos Bispos e de representantes da sociedade, evoquei a necessidade do reconhecimento e da tutela dos direitos fundamentais da pessoa humana, entre os quais sobressai a liberdade religiosa, garantindo a minha proximidade a quantos sofrem por causa de flagelos sociais, de conflitos antigos e novos, da corrupção e da violência. Volto a pensar com profunda gratidão no apinhamento de pessoas ao longo das estradas, que me acompanharam com entusiasmo. Naquelas mãos estendidas em sinal de saudação e de carinho, naqueles rostos alegres, naqueles gritos de júbilo senti a esperança tenaz dos cristãos mexicanos, esperança que permaneceu viva nos corações, não obstante os momentos difíceis das violências, que não deixei de deplorar, e a cujas vítimas dirigi um pensamento urgente e pude confortar pessoalmente algumas delas. Nesse mesmo dia encontrei-me com numerosas crianças e adolescentes, que são o futuro da Nação e da Igreja. A sua alegria inesgotável, expressa com cantos e músicas fragorosas, assim como os seus olhares e os seus gestos, manifestavam o forte desejo de todos os jovens do México, da América Latina e do Caribe, de poder viver em paz, em serenidade e harmonia, numa sociedade mais justa e reconciliada.

Os discípulos do Senhor devem fazer crescer a alegria de ser cristãos e o júbilo de pertencer à sua Igreja. Desta alegria nascem também as energias para servir Cristo nas situações difíceis e de sofrimento. Recordei esta verdade à multidão imensa, congregada para a celebração eucarística dominical no Parque do Bicentenário em León. Exortei todos a confiar na bondade de Deus Todo-Poderoso, que pode mudar a partir de dentro, do coração, as situações insuportáveis e obscuras. Os mexicanos responderam com a sua fé fervorosa e, na sua adesão convicta ao Evangelho, reconheci mais uma vez sinais consoladores de esperança para o Continente. O último acontecimento da minha Visita ao México foi, ainda em León, a celebração das Vésperas na Catedral de Nossa Senhora da Luz, com os Bispos mexicanos e os representantes dos Episcopados da América. Manifestei a minha proximidade ao seu compromisso diante dos vários desafios e dificuldades, e a minha gratidão a quantos anunciam o Evangelho em situações complexas e muitas vezes não desprovidas de limitações. Encorajei-os a ser Pastores zelosos e guias seguros, suscitando em toda a parte comunhão sincera e adesão cordial ao ensinamento da Igreja. Depois deixei a amada terra mexicana, onde experimentei uma devoção e um carinho especiais pelo Vigário de Cristo. Antes de partir, incentivei o povo mexicano a permanecer fiel ao Senhor e à sua Igreja, bem alicerçado nas próprias raízes cristãs.

No dia seguinte teve início a segunda parte da minha Viagem Apostólica, com a chegada a Cuba, onde fui antes de tudo para apoiar a missão da Igreja católica, comprometida a anunciar com alegria o Evangelho, não obstante a pobreza de meios e as dificuldades que ainda devem ser superadas, para que a religião possa desempenhar o seu serviço espiritual e formativo no âmbito público da sociedade. Foi isto que desejei ressaltar ao chegar a Santiago de Cuba, segunda cidade da Ilha, sem deixar de evidenciar as boas relações existentes entre Estado e Santa Sé, finalizadas ao serviço da presença viva e construtiva da Igreja local. Certifiquei também que o Papa leva no coração as preocupações e as aspirações de todos os cubanos, especialmente daqueles que sofrem devido à limitação da liberdade.

A primeira Santa Missa que tive a alegria de celebrar em terras cubanas inseria-se no contexto do IV centenário da descoberta da imagem da Virgem da Caridade do Cobre, Padroeira de Cuba. Tratou-se de um momento de grande intensidade espiritual, com a participação atenta e orante de milhares de pessoas, sinal de uma Igreja que vem de situações não fáceis, mas com um testemunho vivo de caridade e de presença concreta na vida das pessoas. Aos católicos cubanos que, juntamente com toda a população, esperam num futuro cada vez melhor, dirigi o convite a dar novo vigor à sua fé e a contribuir, com a coragem do perdão e da compreensão, para a construção de uma sociedade aberta e renovada, onde haja cada vez mais espaço para Deus, porque quando Deus é expulso, o mundo transforma-se num lugar inóspito para o homem. Antes de partir de Santiago de Cuba visitei o Santuário de Nossa Senhora da Caridade do Cobre, tão querida ao povo cubano. A peregrinação da imagem de Nossa Senhora da Caridade pelas famílias da Ilha suscitou grande entusiasmo espiritual, representando um significativo acontecimento de nova evangelização e uma ocasião de redescoberta da fé. À Virgem Santa recomendei sobretudo as pessoas que sofrem e os jovens cubanos.

A segunda etapa cubana foi Havana, capital da Ilha. Os jovens, em particular, foram os principais protagonistas do acolhimento exuberante ao longo do percurso rumo à Nunciatura, onde tive a oportunidade de dialogar com os Bispos do país para falar dos desafios que a Igreja cubana é chamada a enfrentar, na consciência de que as pessoas olham para ela com confiança crescente. No dia seguinte presidi à Santa Missa na Praça principal de Havana, apinhada de gente. Recordei a todos que Cuba e o mundo têm necessidade de mudanças, mas elas só se verificarão se cada um se abre à verdade integral sobre o homem, pressuposto imprescindível para alcançar a liberdade, e decide semear ao seu redor reconciliação e fraternidade, fundando a própria vida em Jesus Cristo: só Ele pode dispersar as trevas do erro, ajudando-nos a derrotar o mal e tudo o que nos oprime. Desejei também reiterar que a Igreja não quer privilégios, mas deseja proclamar e celebrar inclusive publicamente a fé, levando a mensagem de esperança e de paz do Evangelho a todos os ambientes da sociedade. Ao apreciar os passos dados até agora neste sentido pelas Autoridades cubanas, sublinhei que é necessário continuar por este caminho de liberdade religiosa cada vez mais plena.

No momento de deixar Cuba, dezenas de milhares de cubanos vieram saudar-me ao longo da estrada, apesar da chuva torrencial. Na cerimónia de despedida recordei que na hora presente os vários componentes da sociedade cubana são chamados a um esforço de colaboração sincera e de diálogo paciente para o bem da pátria. Nesta perspectiva, a minha presença na Ilha como testemunha de Jesus Cristo quis ser um encorajamento a abrir as portas do coração a Ele, que é fonte de esperança e de força para fazer crescer o bem. Por isso, saudei os cubanos exortando-os a reavivar a fé dos seus antepassados e a edificar um futuro sempre melhor.

Esta Viagem ao México e a Cuba, graças a Deus, atingiu o almejado êxito pastoral. Possam os povos mexicano e cubano obter dela frutos abundantes para construir na comunhão eclesial e com coragem evangélica um futuro de paz e de fraternidade.

Caros amigos, amanhã à tarde, com a Santa Missa in Coena Domini, entraremoo no Tríduo Pascal, ápice de todo o Ano litúrgico, para celebrar o Mistério central da fé: a Paixão, Morte e Ressurreição de Cristo. No Evangelho de são João, este momento culminante da missão de Jesus é chamado a sua «hora», que começa com a Última Ceia. O Evangelista introdu-lo assim: «Antes da festa da Páscoa, Jesus, sabendo que chegara a sua hora de passar deste mundo para o Pai, dado que amava os seus que estavam no mundo, amou-os até ao fim» (
Jn 13,1). Toda a vida de Jesus está orientada para esta hora, caracterizada por dois aspectos que se iluminam reciprocamente: é a hora da «passagem» (metabasis) e é a hora do «amor (agape) até ao fim». Com efeito, é precisamente o amor divino, o Espírito Santo do qual Jesus está repleto, que faz «passar» o próprio Jesus através do abismo do mal e da morte, levando-o a sair no «espaço» novo da Ressurreição. É o agape, o amor, que realiza esta transformação, de maneira que Jesus ultrapassa os limites da condição humana marcada pelo pecado e supera a barreira que mantém o homem prisioneiro, separado de Deus e da vida eterna. Participando com fé nas celebrações litúrgicas do Tríduo Pascal, somos convidados a viver esta transformação realizada pelo agape. Cada um de nós foi amado por Jesus «até ao fim», ou seja, até ao dom total de Si na Cruz, quando clamou: «Tudo está consumado!» (Jn 19,30). Deixemo-nos alcançar por este amor, deixemo-nos transformar, para que a ressurreição verdadeiramente se realize em nós. Portanto, convido-vos a viver com intensidade o Tríduo Pascal e desejo a todos uma Santa Páscoa! Obrigado.

Saudação

De coração dou as boas-vindas aos amados brasileiros e demais peregrinos de língua portuguesa. Amanhã tem início o Tríduo Pascal, onde celebraremos o mistério central da nossa fé: a paixão, morte e ressurreição de Cristo. Deixai-vos transformar pelo amor de Cristo, manifestado na sua Cruz, para que assim se realize em vós a ressurreição. Uma Santa Páscoa para todos!


Praça de São Pedro

Quarta-feira, 11 de Abril de 2012

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Queridos irmãos e irmãs!

Depois das solenes celebrações da Páscoa, o nosso encontro de hoje está imbuído de alegria espiritual, mesmo se o céu está cinzento, no coração levamos a alegria da Páscoa, a certeza da Ressurreição de Cristo que triunfou definitivamente sobre a morte. Antes de tudo renovo a cada um de vós os cordiais votos pascais: em todas as casas e em todos os corações ressoe o anúncio jubiloso da Ressurreição de Cristo, de modo que faça renascer a esperança.

Nesta catequese gostaria de mostrar a transformação que a Páscoa de Jesus causou nos seus discípulos. Comecemos pela noite do dia da Ressurreição. Os discípulos estão fechados em casa com medo dos judeus (cf.
Jn 20,19). O temor aperta o coração e impede de ir ao encontro dos outros, ao encontro da vida. O Mestre já não está com eles. A recordação da sua Paixão alimenta a incerteza. Mas Jesus toma a peito os seus e está para cumprir a promessa que tinha feito durante a Última Ceia: «Não vos deixarei órfãos, virei ter convosco» (Jn 14,18) e diz isto também a nós, igualmente em tempos obscuros: «Não vos deixarei órfãos». Esta situação de angústia dos discípulos muda radicalmente com a chegada de Jesus. Ele entra com as portas fechadas, está no meio deles e concede a paz que tranquiliza: «A paz seja convosco» (Jn 20,19). É uma saudação comum que contudo adquire agora um significado novo, porque realiza uma mudança interior; é a saudação pascal, que faz com que os discípulos superem qualquer receio. A paz que Jesus traz é o dom da salvação que Ele tinha prometido durante os seus discursos de despedida: «Deixo-vos a Minha paz, a Minha paz vos dou. Mas não vo-la dou como o mundo a dá. Não se perturbe o vosso coração e não receeis» (Jn 14,27). Neste dia de Ressurreição, Ele concede-a em plenitude e ela torna-se para a comunidade fonte de alegria, certeza de vitória, segurança ao apoiar-se em Deus. «Não se perturbe o vosso coração e não tenhais medo» (Jn 14,1) diz também a nós. Depois desta saudação, Jesus mostra aos discípulos as feridas das mãos e do lado (cf. Jn 20,20), sinais do que foi e que nunca mais se cancelará: a sua humanidade gloriosa permanece «ferida». Este gesto tem a finalidade de confirmar a nova realidade da Ressurreição: o Cristo que agora está entre os seus é uma pessoa real, o mesmo Jesus que três dias antes foi pregado na cruz. E é assim que, na luz resplandecente da Páscoa, no encontro com o Ressuscitado, os discípulos captam o sentido salvífico da sua paixão e morte. Então, da tristeza e do medo passam para a alegria plena. A tristeza e as próprias feridas tornam-se fonte de alegria. A alegria que nasce no coração deles é originada pela «visão do Senhor» (Jn 20,20). Ele diz-lhe novamente: «A paz seja convosco» (v. Jn 20,21). Agora é evidente que não é só uma saudação. É um dom, o dom que o Ressuscitado deseja fazer aos seus amigos, e é ao mesmo tempo uma recomendação: esta paz, adquirida por Cristo com o seu sangue, é para eles mas também para todos, e os discípulos deverão levá-la a todo o mundo. De facto, Ele acrescenta: «Assim como o Pai Me enviou, também Eu vos envio a vós» (ibid. Jn 20,21). Jesus ressuscitado voltou entre os discípulos para os enviar. Ele completou a sua obra no mundo, agora compete a eles semear a fé nos corações para que o Pai, conhecido e amado, reúna todos os seus filhos dispersos. Mas Jesus sabe que os seus ainda têm muito receio, sempre. Por isso realiza o gesto de soprar sobre eles para os regenerar no seu Espírito (cf. Jn 20,22); este gesto é o sinal da nova criação. De facto, com o dom do Espírito Santo que provém do Cristo ressuscitado iniciou um mundo novo. Com o envio em missão dos discípulos, inaugura-se o caminho no mundo do povo da nova aliança, povo que crê n'Ele e na sua obra de salvação, povo que testemunha a verdade da ressurreição. Esta novidade de vida que não morre, que a Páscoa traz, deve ser difundida em toda a parte, para que os espinhos do pecado que ferem o coração do homem, deixem o lugar aos rebentos da Graça, da presença de Deus e do seu amor que vencem o pecado e a morte.

Queridos amigos, também hoje o Ressuscitado entra nas nossas casas e nos nossos corações, não obstante por vezes as portas estejam fechadas. Entra doando alegria e paz, vida e esperança, dons dos quais temos necessidade para o nosso renascimento humano e espiritual. Só Ele pode afastar aquelas pedras sepulcrais que muitas vezes o homem coloca nos seus sentimentos, nas suas relações, nos seus comportamentos; pedras que sancionam a morte: divisões, inimizades, rancores, invejas, desconfianças, indiferenças. Só Ele, o Vivente, pode dar sentido à existência e fazer retomar o caminho a quem está cansado e se sente triste, desanimado e sem esperança. Foi quanto experimentaram os dois discípulos que no dia de Páscoa estavam a caminho de Jerusalém para Emaús (cf. Lc 24,13-35). Eles falam de Jesus, mas o seu «rosto triste» (cf. v. Lc 24,17) expressa as esperanças desiludidas, a incerteza e a melancolia. Tinham deixado as suas cidades para seguir Jesus com os seus amigos, e tinham descoberto uma realidade nova, na qual o perdão e o amor já não eram só palavras, mas tocavam concretamente a existência. Jesus de Nazaré tinha renovado todas as coisas, tinha transformado a vida deles. Mas agora Ele morrera e tudo parecia ter terminado.

Mas de repente já não são duas mas três pessoas que caminham. Jesus aproxima-se dos dois discípulos e caminha com eles, mas eles são incapazes de O reconhecer. Certamente, tinham ouvido vozes acerca da sua ressurreição, de facto contam-lhe: «Algumas mulheres, das nossas, perturbaram-nos; foram ao sepulcro de manhã cedo e, não tendo encontrado o seu corpo, vieram dizer-nos que tiveram também uma visão dos anjos, os quais afirmam que ele está vivo» (vv. Lc 24,22-23). Mas tudo isto não tinha sido suficiente para os convencer, porque «eles não O viram» (v. Lc 24,24). Então Jesus, com paciência, «começando por Moisés e por todos os profetas, explicou-lhes em todas as Escrituras o que se referia a Ele» (v. Lc 24,27). O Ressuscitado explica aos discípulos a Sagrada Escritura, oferecendo a chave de leitura fundamental dela, ou seja, Ele mesmo e o seu Mistério pascal: d'Ele as Escrituras dão testemunho (cf. Jn 5,39-47). O sentido de tudo, da Lei, dos Profetas e dos Salmos, de repente abre-se e torna-se claro aos seus olhos. Jesus tinha-lhes aberto a mente à inteligência das Escrituras (cf. Lc 24,45).

Entretanto, tinham chegado à aldeia, provavelmente à casa de um dos dois. O viandante forasteiro comporta-se «como se tivesse que ir mais longe» (v. Lc 24,28), mas depois pára porque lhe pedem com fervor: «Fica connosco» (v. Lc 24,29). Também nós devemos dizer ao Senhor sempre de novo com fervor: «Fica connosco». «Quando estava à mesa com eles, tomou o pão, recitou a bênção, partiu-o e deu-lho» (v. Lc 24,30). A referência aos gestos realizados por Jesus na Última Ceia é evidente. «Então abriram-se-lhe os olhos e reconheceram-no» (v. Lc 24,31). A presença de Jesus, inicialmente com as palavras, depois com o gesto de partir o pão, dá a possibilidade aos discípulos de O reconhecer, e eles podem sentir de maneira nova quanto já tinham sentido ao caminhar com Ele: «Não ardia porventura em nós o nosso coração quando ele conversava connosco ao longo do caminho, quando nos explicava as Escrituras?» (v. Lc 24,32). Este episódio indica-nos dois «lugares» privilegiados onde podemos encontrar o Ressuscitado que transforma a nossa vida: a escuta da Palavra, em comunhão com Cristo, e o partir do Pão; dois «lugares» profundamente unidos entre eles porque «Palavra e Eucaristia pertencem-se tão intimamente que uma sem a outra não pode ser compreendida: a Palavra de Deus faz-se carne sacramentalmente no acontecimento eucarístico» (Exort. ap. pós-sin. Verbum Domini, 54-55).

Depois deste encontro, os dois discípulos «partiram sem hesitar e regressaram a Jerusalém, onde encontraram reunidos os Onze e os outros que andavam com eles, os quais diziam: «Verdadeiramente o Senhor ressuscitou e apareceu a Simão!» (vv. Lc 24,33-34). Em Jerusalém eles ouvem a notícia da ressurreição de Jesus e, por sua vez, contam a própria experiência, inflamada de amor pelo Ressuscitado, que lhes abriu o coração para uma alegria irreprimível. Foram — como diz são Pedro — «regenerados para uma esperança viva da ressurreição de Cristo dos mortos» (cf. 1P 1,3). Com efeito, renasce neles o entusiasmo da fé, o amor pela comunidade, a necessidade de comunicar a boa nova. O Mestre ressuscitou e com Ele toda a vida ressurge; testemunhar este acontecimento torna-se para eles uma necessidade irreprimível.

Queridos amigos, o Tempo pascal seja para todos nós a ocasião propícia para redescobrir com alegria e entusiasmo as nascentes da fé, a presença do Ressuscitado entre nós. Trata-se de realizar o mesmo itinerário que Jesus fez com que os dois discípulos de Emaús percorressem, através da redescoberta da Palavra de Deus e da Eucaristia, ou seja, andar com o Senhor e deixar-se abrir os olhos ao verdadeiro sentido da Escritura e à sua presença ao partir do pão. O ápice deste caminho, hoje como naquela época, é a Comunhão eucarística: na Comunhão Jesus alimenta-nos com o seu Corpo e com o seu Sangue, para estar presente na nossa vida, para nos renovar, animados pelo poder do Espírito Santo.

Para concluir, a experiência dos discípulos convida-nos a reflectir acerca do sentido da Páscoa para nós. Deixemo-nos encontrar por Jesus ressuscitado! Ele, vivo e verdadeiro, está sempre presente no meio de nós; caminha connosco para guiar a nossa vida, para abrir os nossos olhos. Tenhamos confiança no Ressuscitado que tem o poder de dar a vida, de nos fazer renascer como filhos de Deus, capazes de crer e de amar. A fé n'Ele transforma a nossa vida: liberta-a do medo, dá-lhe esperança firme, anima-a com o que confere sentido pleno à existência, o amor de Deus. Obrigado.

Saudações

Amados peregrinos de língua portuguesa, a minha saudação amiga para todos, de modo particular para os brasileiros aqui presentes. Deixai-vos encontrar por Cristo Ressuscitado, pois só Ele tem o poder de dar a vida e fazer renascer como filhos de Deus: Ele libertar-vos-á do medo e dará pleno sentido às vossas vidas. Ide em paz!


Praça de São Pedro

Quarta-feira, 18 de Abril de 2012

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Amados irmãos e irmãs!

Depois das grandes festas, voltamos agora às catequeses sobre a oração. Na audiência antes da Semana Santa reflectimos sobre a figura da Bem-Aventurada Virgem Maria, presente no meio dos Apóstolos em oração no momento em que aguardavam a descida do Espírito Santo. Uma atmosfera orante acompanha os primeiros passos da Igreja. O Pentecostes não é um episódio isolado, porque a presença e a acção do Espírito Santo guiam e animam constantemente o caminho da comunidade cristã. Com efeito, nos Actos dos Apóstolos, são Lucas, além de narrar a grande efusão que se deu no Cenáculo cinquenta dias depois da Páscoa (cf.
Ac 2,1-13), refere outras irrupções extraordinárias do Espírito Santo, que se repetem na história da Igreja. E hoje desejo analisar aquela que foi definida o «pequeno Pentecostes», que se verificou no ápice de uma fase difícil na vida da Igreja nascente.

Os Actos dos Apóstolos narram que, depois da cura de um paralítico junto do Templo de Jerusalém (cf. Ac 3,1-10), Pedro e João foram presos (cf. Ac 4,1) porque anunciavam a Ressurreição de Jesus a todo o povo (cf. Ac 3,11-26). Depois de um processo sumário e de terem sido libertados, foram ao encontro dos seus irmãos e contaram-lhes tudo o que tiveram que suportar por causa do testemunho dado de Jesus o Ressuscitado. Naquele momento, diz são Lucas, «todos elevaram unânimes a sua voz a Deus» (Ac 4,24). Aqui são Lucas refere a oração mais ampla da Igreja que encontramos no Novo Testamento, no final da qual, como ouvimos, «o lugar no qual se encontravam reunidos tremeu e todos ficaram cheios do Espírito Santo e proclamavam a Palavra de Deus com franqueza» (Ac 4,31).

Antes de considerar esta bonita oração, observamos uma atitude de fundo importante: diante do perigo, da dificuldade, da ameaça, a primeira comunidade cristã não procura analisar o modo como reagir, como encontrar estratégias, como se defender, quais medidas adoptar, mas, diante da prova, põe-se em oração, entra em contacto com Deus.

E que característica tem esta oração? Trata-se de uma oração unânime e concorde de toda a comunidade, que enfrenta uma situação de perseguição por causa de Jesus. No original grego são Lucas usa a palavra «homothumadon» — «todos juntos», «concordes» — uma palavra que é usada noutras partes dos Actos dos Apóstolos para ressaltar esta oração perseverante e concorde (cf. Ac 1,14 Ac 2,46). Esta concórdia é o elemento fundamental da primeira comunidade e deveria ser sempre fundamental para a Igreja. Não é então só a oração de Pedro e de João, que se encontraram em perigo, mas de toda a comunidade, porque quanto os dois Apóstolos vivem não diz respeito só a eles, mas a toda a Igreja. Face às perseguições suportadas por causa de Jesus, a comunidade não só não se assusta nem se divide, mas está profundamente unida na oração, como uma só pessoa, para invocar o Senhor. Diria que este é o primeiro prodígio que se realiza quando os crentes são postos à prova por causa da sua fé: a unidade consolida-se, em vez de ser comprometida, porque é apoiada por uma oração inabalável. A Igreja não deve recear as perseguições que na sua história é obrigada a suportar, mas ter sempre confiança, como Jesus no Getsémani, na presença, na ajuda e na força de Deus, invocado na oração.

Façamos mais um passo: o que pede a Deus a comunidade cristã no momento de prova? Não pede a incolumidade da vida diante da perseguição, nem que o Senhor puna aqueles que aprisionaram Pedro e João; pede unicamente que lhe seja concedido «proclamar com toda a franqueza» a Palavra de Deus (cf. Ac 4,29), ou seja, reza para não perder a coragem da fé, a coragem de anunciar a fé. Mas antes procura compreender em profundidade o que aconteceu, procura ler os acontecimentos à luz da fé e faz isto precisamente através da Palavra de Deus, que nos faz decifrar a realidade do mundo.

Na oração que eleva ao Senhor, a comunidade começa por recordar e invocar a grandeza e a imensidade de Deus: «Senhor, tu que criaste o céu e a terra, o mar e todas as coisas que nele habitam» (Ac 4,24). E a invocação ao Criador: sabemos que tudo provém d'Ele, que tudo está nas Suas mãos. É esta a consciência que nos dá certeza e coragem: tudo provém d'Ele, tudo está nas Suas mãos. Em seguida reconhece o modo como Deus agiu na história — por conseguinte começa com a criação e prossegue na história — como esteve próximo do seu povo mostrando-se um Deus que se interessa pelo homem, que não se retirou, que não abandona o homem sua criatura; e neste ponto é citado explicitamente o Salmo 2, à luz do qual é lida a situação de dificuldade que a Igreja está a viver naquele momento. O Salmo 2 celebra a entronização do rei de Judá, mas refere-se profeticamente à vinda do Messias, contra o qual nada poderão fazer a rebelião, a perseguição, a injustiça dos homens: «Por que as nações agitar-se-ão e os povos tramaram coisas vãs? Insurgiram os reis da terra e os príncipes aliaram-se juntos contra o Senhor e contra o seu Cristo» (Ac 4,25). Profeticamente o Salmo já diz isto acerca do Messias, e é característica em toda a história esta rebelião dos poderosos contra o poder de Deus. Precisamente lendo a Sagrada Escritura, que é Palavra de Deus, a comunidade pode dizer a Deus na sua oração: «deveras nesta cidade... reuniram-se contra o teu santo servo Jesus, que tu consagraste, para cumprir o que a tua mão e a tua vontade tinham decidido que acontecesse» (Ac 4,27). O que aconteceu é lido à luz de Cristo, que é a chave para compreender também a perseguição; a Cruz, que é sempre a chave para a Ressurreição. A oposição a Jesus, a sua Paixão e Morte, são relidas, através do Salmo 2, como realização do projecto de Deus Pai para a salvação do mundo. Encontra-se aqui também o sentido da experiência de perseguição que a primeira comunidade cristã está a viver; esta primeira comunidade não é uma simples associação, mas uma comunidade que vive em Cristo; portanto, o que lhe acontece faz parte do desígnio de Deus. Como aconteceu com Jesus, também os discípulos encontram oposição, incompreensão, perseguição. Na oração, a meditação sobre a Sagrada Escritura à luz do mistério de Cristo ajuda a ler a realidade presente no interior da história de salvação que Deus realiza no mundo, sempre à sua maneira.

Precisamente por isto o pedido que a primeira comunidade cristã de Jerusalém formula a Deus na oração não é para ser defendida, poupada à prova, ao sofrimento, não é a prece para ter sucesso, mas unicamente a de poder proclamar com «parresia», isto é, com franqueza, com liberdade, com coragem, a Palavra de Deus (cf. Ac 4,29).

Acrescenta depois o pedido que este anúncio seja acompanhado pela mão de Deus, para que se cumpram curas, sinais, prodígios (cf. Ac 4,30), isto é, que a bondade de Deus seja visível, como força que transforma a realidade, que muda o coração, a mente, a vida dos homens e traga a novidade radical do Evangelho.

No final da oração — escreve são Lucas — «o lugar onde estavam reunidos tremeu e todos foram colmados do Espírito Santo e proclamavam a palavra de Deus com franqueza» (Ac 4,31), o lugar tremeu, isto é, a fé e a força de transformar a terra e o mundo. O mesmo Espírito que falou por meio do Salmo 2 na oração da Igreja, irrompe na casa e enche o coração de todos os que invocaram o Senhor. Isto é o fruto da oração coral que a comunidade cristã eleva a Deus: a efusão do Espírito, dom do Ressuscitado que ampara e guia o anúncio livre e corajoso da Palavra de Deus, que estimula os discípulos do Senhor a sair sem receio para levar a boa nova até aos confins do mundo.

Também nós, queridos irmãos, devemos saber levar os acontecimentos da nossa vida quotidiana à nossa oração, para procurar o seu significado profundo. E como a primeira comunidade cristã, também nós, deixando-nos iluminar pela Palavra de Deus, através da meditação sobre a Sagrada Escritura, podemos aprender a ver que Deus está presente na nossa vida, presente também e precisamente nos momentos difíceis, e que tudo — até as coisas incompreensíveis — faz parte de um desígnio superior de amor no qual a vitória final sobre o mal, sobre o pecado e sobre a morte é deveras a vitória do bem, da graça, da vida, de Deus.

Como para a primeira comunidade cristã, a oração ajuda-nos a ler a história pessoal e colectiva na perspectiva mais justa e fiel, a de Deus. E também nós queremos renovar o pedido do dom do Espírito Santo, que aqueça o coração e ilumine a mente, para reconhecer como o Senhor realiza as nossas invocações segundo a sua vontade de amor e não segundo as nossas ideias. Guiados pelo Espírito de Jesus Cristo, seremos capazes de viver com serenidade, coragem e alegria qualquer situação da vida e com são Paulo orgulhar-nos «nas tribulações, sabendo que a tribulação produz paciência, a paciência a virtude provada e a virtude provada a esperança»: aquela esperança que «não desilude, porque o amor de Deus foi derramado nos nossos corações por meio do Espírito Santo que nos foi doado» (Rm 5,3-5). Obrigado.

Saudação

Aos peregrinos de língua portuguesa, especialmente aos grupos vindos de Minas Gerais, as minhas boas-vindas a todos vós, com votos de que esta peregrinação a Roma seja ocasião para uma maior consciência e escuta do Espírito Santo, que vos fará fortes na fé e corajosos no testemunho cristão. Sobre vós e sobre a vossa casa e comunidade cristã, desça a minha Bênção.


Praça de São Pedro

Quarta-feira, 25 de Abril de 2012

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Queridos irmãos e irmãs

Na catequese passada demonstrei que a Igreja, desde os primórdios do seu caminho, teve que enfrentar situações imprevistas, novas questões e emergências, às quais procurou dar uma resposta à luz da fé, deixando-se orientar pelo Espírito Santo. Hoje, gostaria de meditar sobre mais uma destas situações, sobre um problema sério que a primeira comunidade cristã de Jerusalém teve que enfrentar e resolver, como nos narra são Lucas no capítulo sexto dos Actos dos Apóstolos, acerca da pastoral da caridade para com as pessoas sozinhas e necessitadas de assistência e ajuda. A questão não é secundária para a Igreja, e naquele momento corria o risco de criar divisões no interior da Igreja; com efeito, o número dos discípulos ia aumentando, mas os de língua grega começaram a queixar-se contra aqueles de língua hebraica, porque as suas viúvas eram negligenciadas na distribuição diária (cf.
Ac 6,1). Diante desta urgência que dizia respeito a um aspecto fundamental na vida da comunidade, ou seja, a caridade para com os débeis, os pobres e os indefesos, e a justiça, os Apóstolos convocam todo o grupo dos discípulos. Neste momento de emergência pastoral sobressai o discernimento realizado pelos Apóstolos. Eles encontram-se perante a exigência primária de anunciar a Palavra de Deus em conformidade com o mandato do Senhor, mas — embora esta seja a exigência primária da Igreja — consideram com igual seriedade o dever da caridade e da justiça, isto é, de assistir as viúvas e os pobres, de providenciar com amor às situações de necessidade em que se podem encontrar os irmãos e as irmãs, para responder ao mandato de Jesus: amai-vos uns aos outros, como Eu vos tenho amado (cf. Jn 15,12 Jn 15,17). Portanto, as duas realidades que devem viver na Igreja — o anúncio da Palavra, o primado de Deus, e a caridade concreta, a justiça — estão a criar dificuldades e deve-se encontrar uma solução, para que ambas possam ter o seu lugar, a sua relação necessária. A reflexão dos Apóstolos é muito clara; como ouvimos, eles afirmam: «Não convém deixarmos a Palavra de Deus, para servirmos às mesas. Irmãos, é melhor procurardes entre vós sete homens de boa reputação, cheios do Espírito e de sabedoria; confiar-lhes-emos essa tarefa. Quanto a nós, entregar-nos-emos assiduamente à oração e ao serviço da Palavra» (Ac 6,2-4).

Sobressaem dois dados: primeiro, desde aquele momento na Igreja existe um ministério da caridade. A Igreja não deve apenas anunciar a Palavra, mas também realizar a Palavra, que é caridade e verdade. E, segundo ponto, estes homens não só devem gozar de boa reputação, mas devem ser homens cheios de Espírito Santo e de sabedoria, ou seja, não podem ser unicamente organizadores que sabem «fazer», mas devem «fazer» no espírito da fé com a luz de Deus, na sabedoria do coração, e portanto também a sua função — embora seja sobretudo prática — é todavia uma função espiritual. A caridade e a justiça não são apenas obras sociais, mas obras espirituais realizadas à luz do Espírito Santo. Portanto, podemos dizer que esta situação é enfrentada com grande responsabilidade por parte dos Apóstolos, que tomam esta decisão: são escolhidos sete homens; os Apóstolos rezam para pedir a força do Espírito Santo; e depois impõem-lhes as mãos para que se dediquem de modo particular a esta diaconia da caridade. Assim, na vida da Igreja, nos primeiros passos que ela dá, medita-se de um certo modo sobre o que tinha acontecido durante a vida pública de Jesus, na casa de Marta e Maria, em Betânia. Marta estava totalmente concentrada no serviço da hospitalidade a oferecer a Jesus e aos seus discípulos; Maria, ao contrário, dedica-se à escuta da Palavra do Senhor (cf. Lc 10,38-42). Em ambos os casos, não são contrapostos os momentos da oração e da escuta de Deus, e a actividade quotidiana, o exercício da caridade. A admoestação de Jesus: «Marta, Marta, andas inquieta e perturbada com muitas coisas; mas uma só é necessária. Maria escolheu a melhor parte, que não lhe será tirada» (Lc 10,41-42), assim como a reflexão dos Apóstolos: «Quanto a nós... entregar-nos-emos à oração e ao serviço da Palavra» (Ac 6,4), mostram a prioridade que devemos dar a Deus. Agora não gostaria de entrar na interpretação desta perícope Marta-Maria. Contudo, não se deve condenar a actividade a favor do próximo, do outro, mas é preciso ressaltar que deve ser penetrada interiormente também pelo espírito da contemplação. Por outro lado, santo Agostinho diz que esta realidade de Maria é uma visão da nossa situação do céu, portanto na terra nunca a podemos ter completamente, mas um pouco de antecipação deve estar presente em toda a nossa actividade. Deve estar presente inclusive a contemplação de Deus. Não podemos perder-nos no activismo puro, mas devemos deixar-nos penetrar sempre na nossa actividade pela luz da Palavra de Deus e assim aprender a caridade autêntica, o serviço verdadeiro ao outro, que não tem necessidade de muitas coisas — precisa sem dúvida das coisas necessárias — mas carece sobretudo do afecto do nosso coração, da luz de Deus.

Santo Ambrósio, comentando o episódio de Marta e Maria, assim exorta os seus fiéis, e também a nós: «Procuremos também nós ter aquilo que não nos pode ser tirado, prestando à Palavra do Senhor uma atenção diligente, não distraída: até as sementes da palavra celeste podem perder-se, se forem lançadas ao longo do caminho. Estimule-te também a ti, como a Maria, o desejo de saber: esta é a obra maior e mais perfeita». E acrescenta que também «o cuidado pelo ministério não deve distrair do conhecimento da palavra celeste», da oração (Expositio Evangelii secundum Lucam, VII, 85: pl 15, 1720). Portanto, os santos experimentaram uma profunda unidade de vida entre oração e acçã0, entre o amor total a Deus e o amor aos irmãos. São Bernardo, que é um modelo de harmonia entre contemplação e laboriosidade, no livro De consideratione, dedicado ao Papa Inocêncio ii para lhe oferecer algumas reflexões a respeito do seu ministério, insiste precisamente sobre a importância do recolhimento interior, da oração para se defender dos perigos de uma actividade excessiva, independentemente da condição em que se encontra e da tarefa que está a cumprir. San Bernardo afirma que as ocupações excessivas, uma vida frenética, terminam muitas vezes por endurecer o coração e fazer sofrer o espírito (cf. ii, 3).

É uma exortação preciosa para nós, hoje, habituados a considerar tudo com o critério da produtividade e da eficácia. O trecho dos Actos dos Apóstolos recorda-nos a importância do trabalho — sem dúvida, cria-se um verdadeiro ministério — do compromisso nas actividades quotidianas que devem ser desempenhadas com responsabilidade e dedicação, mas também a nossa necessidade de Deus, da sua guia, da sua luz que nos dão força e esperança. Sem a oração quotidiana, vivida com fidelidade, o nosso fazer esvazia-se, perde a alma profunda, reduz-se a um simples activismo que, no final, nos deixa insatisfeitos. Há uma bonita invocação da tradição cristã, a recitar antes de cada actividade, que reza assim: «Actiones nostras, quaesumus, Domine, aspirando praeveni et adiuvando prosequere, ut cuncta nostra oratio et operatio a te semper incipiat, et per te coepta finiatur», ou seja: «Inspirai as nossas acções, Senhor, e acompanhai-as com a vossa ajuda, para que cada nosso falar e agir receba sempre de Vós o seu início e em Vós tenha o seu cumprimento». Cada passo da nossa vida, cada acção, inclusive da Igreja, deve ser feita diante de Deus, à luz da sua Palavra.

Na catequese da quarta-feira passada eu tinha sublinhado a oração unânime da primeira comunidade cristã diante da provação e como, precisamente na oração, na meditação sobre a Sagrada Escritura, ela pôde compreender os acontecimentos que estavam a ocorrer. Quando a oração é alimentada pela Palavra de Deus, podemos ver a realidade com olhos novos, com os olhos da fé, e o Senhor, que fala à mente e ao coração, infunde nova luz no caminho, em cada momento e em cada situação. Nós acreditamos na força da Palavra de Deus e da oração. Também a dificuldade que a Igreja estava a viver diante do problema do serviço aos pobres, da questão da caridade, é superada na oração, à luz de Deus, do Espírito Santo. Os Apóstolos não se limitam a ratificar a escolha de Estêvão e dos outros homens, mas «depois de orarem, impuseram-lhes as mãos» (Ac 6,6). O evangelista recordará novamente estes gestos, por ocasião da eleição de Paulo e Barnabé, onde lemos: «Depois de terem jejuado e orado, impuseram-lhes as mãos e deixaram-nos partir» (Ac 13,3). Volta a confirmar que o serviço concreto da caridade é um serviço espiritual. Ambas as realidades devem caminhar juntas.

Com o gesto da imposição das mãos, os Apóstolos conferem um ministério particular a sete homens, para que lhes seja concedida a graça correspondente. O relevo da oração — «depois de orarem», dizem — é importante porque põe em evidência precisamente a dimensão espiritual do gesto; não se trata simplesmente de conferir um cargo, como acontece numa organização social, mas é um acontecimento eclesial em que o Espírito Santo se apropria de sete homens escolhidos pela Igreja, consagrando-os na Verdade, que é Jesus Cristo: Ele é o protagonista silencioso, presente na imposição das mãos a fim de que os eleitos sejam transformados pelo seu poder e santificados para enfrentar os desafios concretos, os desafios pastorais. E o relevo da oração recorda-nos, além disso, que somente da relação íntima com Deus, cultivada todos os dias, nasce a resposta à escolha do Senhor e é confiado cada ministério na Igreja.

Caros irmãos e irmãs, o problema pastoral que induziu os Apóstolos a escolher e a impor as mãos sobre sete homens encarregados do serviço da caridade, para se dedicarem à oração e ao anúncio da Palavra, indica também a nós o primado da oração e da Palavra de Deus que, todavia, produz depois também a obra pastoral. Para os Pastores, esta é a primeira e mais preciosa forma de serviço a favor do rebanho que lhes foi confiado. Se os pulmões da oração e da Palavra de Deus não alimentarem a respiração da nossa vida espiritual, correremos o risco de sufocar no meio das inúmeras actividades de cada dia: a oração é a respiração da alma e da vida. E há outra exortação preciosa, que gostaria de sublinhar: na relação com Deus, na escuta da sua Palavra, no diálogo com Deus, mesmo quando nos encontramos no silêncio de uma igreja ou do nosso quarto, estamos unidos no Senhor a numerosos irmãos e irmãs na fé, como um conjunto de instrumentos que, apesar da sua individualidade, elevam a Deus uma única grande sinfonia de intercessão, de acção de graças e de louvor. Obrigado!

Saudação

Uma saudação cordial aos diversos grupos de brasileiros e demais peregrinos de língua portuguesa, nomeadamente aos fiéis da Diocese de Serrinha acompanhados do seu Bispo, Dom Ottorino Assolari. No meio dos inúmeros afazeres diários, é justamente na oração, alimentada pela Palavra de Deus, que encontrareis novas luzes para vos guiar em cada momento e situação. E que Deus vos abençoe a vós e vossas famílias


Praça de São Pedro

Quarta-feira, 2 de Maio de 2012


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