Discursos Bento XVI 167

AOS BISPOS DA CONFERÊNCIA EPISCOPAL DA BÓSNIA E HERZEGOVINA EM VISITA "AD LIMINA APOSTOLUM" Sexta-feira, 24 de Fevereiro de 2006



Venerados Irmãos no Episcopado

"Felizes os pacificadores!" (Mt 5,9). Saúdo-vos cordialmente com estas palavras de Jesus, no final da vossa visita ad limina Apostolorum. Através de vós, desejo transmitir a minha saudação também aos fiéis que o Mestre divino confiou aos vossos cuidados pastorais. Obrigado, Senhor Cardeal Vinko Puljic, pelas palavras que, inclusive em nome dos demais Bispos da Bósnia e Herzegovina, desejou dirigir-me, expressando ao mesmo tempo os sentimentos das respectivas comunidades.

Informando-me acerca da situação dos vossos fiéis, além dos aspectos problemáticos da sua existência quotidiana, vós salientastes os elementos de esperança que o seu compromisso justifica, e os programas pastorais que estais a desenvolver. Dos encontros observei em vós um forte desejo de manter viva a comunhão de intenções, para enfrentar unidos os actuais desafios com que o vosso povo se deve medir. Sem dúvida, as dificuldades são numerosas, mas grande é a confiança na Providencia divina, tanto da vossa parte como da parte dos vossos sacerdotes e fiéis. Depois dos anos tristes da recente guerra, hoje vós, agentes de paz, sois chamados a consolidar a comunhão e a difundir a misericórdia, a compreensão e o perdão em nome de Cristo, tanto no interior das comunidades cristas como no complexo tecido social da Bósnia e Herzegovina. Sei que a vossa missão não é fácil, mas sei também que vós mantendes o vosso olhar constantemente fixo em Cristo que, tendo amado todos até ao fim, confiou aos seus discípulos uma tarefa fundamental, que resume todas as outras: a do amor. Para ser fecundo no plano espiritual, o amor não deve seguir leis simplesmente terrenas, mas deve deixar-se iluminar pela verdade que é Deus e traduzir-se naquela medida superior da justiça, que é a misericórdia. Se agirdes com este espírito, vós conseguireis fazer progredir felizmente a missão que recebestes, contribuindo para cicatrizar feridas até hoje abertas e para resolver contrastes e divisões herdadas dos anos passados.

168 Impelidos pelo amor de Cristo, estais decididos a não perder a confiança, apesar dos problemas angustiantes que vos ameaçam. Refiro-me à situação dos refugiados, em relação aos quais formulo votos a fim de que se assinem acordos oportunos que garantam o respeito dos direitos de todos.

Penso de modo particular na igualdade necessária entre os cidadãos das várias religiões, na urgência de medidas que resolvam a crescente falta de trabalho para os jovens, na atenuação das tensões ameaçadoras entre as etnias, herança das complicadas vicissitudes históricas vividas pelas vossas terras. A Sé Apostólica está próxima de vós, como testemunha também a recente nomeação de um Núncio residente, que poderá ter um contacto permanente com as várias instituições do país. Queridos e venerados Irmãos, senti-vos parte viva do Corpo místico de Cristo. Vós podeis contar com a solidariedade orante, concreta e afectuosa da Santa Sé e de toda a Igreja Católica.

Enquanto vos agradeço o ministério atento que estais a desempenhar, gostaria de mencionar algumas preocupações, por vós mesmos manifestadas, acerca de determinados aspectos da vida das vossas Dioceses. Em primeiro lugar, é importante que se envidem todos os esforços para que se desenvolva cada vez mais a unidade do rebanho de Cristo: entre vós, Pastores legítimos, e os Religiosos, particularmente aqueles que desempenham um ministério pastoral no território da Diocese; entre o clero diocesano e as pessoas consagradas; enfim, entre todos aqueles que se colocam ao serviço do povo cristão superando, quando é necessário, incompreensões e dificuldades ligadas a certos acontecimentos do passado. A Igreja tem em vista em toda a parte uma única finalidade: edificar o Reino de Deus em todos os territórios e no coração de cada pessoa. Aos Sucessores dos Apóstolos, como também aos seus colaboradores no ministério pastoral, é confiada a missão de preservar intacta a herança do Senhor, aderindo fielmente ao património doutrinal e espiritual da Igreja na sua integridade.

Felizes os pacificadores! Estas palavras aplicam-se oportunamente, não só à missão externa da Igreja, mas inclusive às relações entre os seus membros, no interior da mesma. Os diversos foros eclesiais, nas suas legítimas articulações, são regulados por normas canónicas, que constituem a expressão de uma experiência secular não desprovida, no seu amadurecimento, de uma assistência do Alto. Cabe ao Bispo, Pai da comunidade que lhe foi confiada por Cristo, discernir o que contribui para a edificação da Igreja de Cristo. Neste sentido, o Bispo é pontifex, ou seja, "construtor de pontes" entre as várias exigências da comunidade eclesial. E este constitui um aspecto do ministério episcopal, particularmente importante no presente momento histórico, que vê a Bósnia e Herzegovina retomar o caminho da colaboração, para construir o seu próprio futuro de desenvolvimento e de paz.

Venerados Irmãos, o Sucessor de Pedro está ao vosso lado e assegura-vos a sua assistência constante. Estes dias que transcorrestes em Roma, assim como os encontros que tivestes comigo e com os meus colaboradores da Cúria Romana, permitiram-vos experimentar como é sincera e fraterna a nossa proximidade espiritual. Rezo ao Senhor para que derrame sobre vós, os vossos Sacerdotes, os Religiosos e as Religiosas, bem como sobre todo o povo do vosso país, a abundância das suas graças. Confio esta prece à intercessão de Maria, Mãe de Deus e da Igreja, a fim de que interceda a favor de todos os seus filhos. Com estes sentimentos, concedo-vos a todos a minha Bênção, que do íntimo do coração faço extensiva às vossas Comunidades, aos fiéis católicos e a todas as pessoas de boa vontade da amada Bósnia e Herzegovina.



AOS SÓCIOS DO CÍRCULO DE SÃO PEDRO

Sábado, 25 de Fevereiro de 2006



Prezados amigos

Estou feliz por vos receber e dirijo a minha cordial saudação a cada um de vós. Saúdo todos os membros da Presidência Geral do Círculo de São Pedro e de modo particular o Presidente, Don Leopoldo dos Duques Torlonia, a quem agradeço as amáveis palavras com que introduziu o nosso encontro. Esta reunião tradicional, que se realiza imediatamente após a festa da Cátedra do Apóstolo São Pedro, constitui um momento particularmente significativo, em que o vosso benemérito Círculo oferece ao Papa o "óbolo de São Pedro", recolhido na Diocese de Roma durante o ano passado. Portanto, para mim é uma circunstância propícia para vos manifestar a minha profunda gratidão, enquanto penso no esforço que envidais nesta obra e, mais ainda, no espírito de fé e de amor à Igreja com que a realizais.

O "óbolo de São Pedro" é a expressão mais típica da participação de todos os fiéis nas iniciativas de caridade do Bispo de Roma, em relação à Igreja universal. Trata-se de um gesto que tem um valor não apenas prático, mas também fortemente simbólico, como sinal de comunhão com o Papa e de atenção às necessidades dos irmãos e, por isso, o vosso serviço possui um valor requintadamente eclesial. Tudo isto adquire uma maior importância à luz da minha Encíclica sobre o amor cristão, Deus caritas est cuja segunda parte, como sabeis, é dedicada precisamente à prática da caridade por parte da Igreja, como "comunidade de amor".

Por conseguinte, estimados responsáveis do Círculo de São Pedro, gostaria de entregar-vos idealmente a Encíclica da qual, como fiéis leigos que se comprometem em grande medida também em actividades caritativas, sois entre os primeiros destinatários. Com efeito, pensando precisamente em quantos, como vós, colaboram para aquilo que poderíamos definir o ministério da caridade da comunidade cristã, tracei um perfil que vos poderia ser útil retomar, tanto a nível pessoal como colectivo (cf. nn. 33-39). Recordei que a motivação principal da acção deve ser sempre o amor de Cristo; que a caridade é mais que uma simples actividade, porque comporta o dom pessoal; que esta dádiva deve ser humilde, alheia a toda a superioridade; e que a sua força deriva da oração, como demonstra o exemplo dos Santos.

Desejo confiar o Círculo de São Pedro aos Santos da caridade que, a começar pelo Diácono Lourenço, enriqueceram a história da Igreja de Roma. Queridos amigos, agradeço-vos novamente esta vossa visita e o serviço que, com dedicação, desempenhais desde há muitos anos ao serviço do Papa. Invoco sobre cada um a protecção de Maria Santíssima, para que vos acompanhe e vos sustente sempre. Quanto a mim, asseguro-vos uma lembrança na minha oração, enquanto vos abençoo do íntimo do coração, juntamente com todos os Sócios e as vossas famílias.



AOS MEMBROS DO XVII GRUPO DO CORPO DE POLÍCIA MUNICIPAL DE ROMA


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Sábado, 25 de Fevereiro de 2006


Queridos amigos

Bem-vindos e obrigado por esta amável visita. Sei que desejastes muito encontrar-vos comigo, e também por isso é um prazer receber-vos. Nos meus longos anos de permanência em Roma, quando morava nas proximidades do Vaticano, tive muitas vezes o ensejo de vos ver trabalhar, diligentes e corteses no controle do trânsito, nem sempre fácil de gerir, especialmente nas ocasiões de grandes afluências de peregrinos à Praça e à Basílica de São Pedro. Hoje, tenho a alegria de vos receber em audiência especial como Sucessor do Apóstolo Pedro, e aproveito de bom grado esta oportunidade para vos agradecer o serviço que desempenhais. Portanto, dirijo com afecto a cada um de vós a minha sincera e cordial saudação, que vos peço que torneis extensiva às respectivas famílias e a todos os vossos entes queridos. Em particular, gostaria de saudar o Comandante-Geral do Corpo da Polícia Municipal, Dr. Aldo Zanetti, e o Comandante do vosso Grupo, Dr. Rolando Marinelli.

A vossa actividade diária exige um compromisso constante, porque a área adjacente ao Vaticano é frequentada por numerosas pessoas e o trânsito é intenso. De facto, ao movimento ligado à normal actividade deste bairro acrescenta-se o fluxo constante das pessoas que entram ou saem do Vaticano, as filas de visitantes dos Museus do Vaticano, a afluência de grupos que cada quarta-feira chegam de todas as partes para as Audiências gerais, a vinda de peregrinos e de romanos para participar, na Praça de São Pedro, na recitação do Angelus dominical e nos outros dias de festa, o vaivém de devotos e de turistas pela Praça e na Basílica e, não raro, as visitas oficiais de Embaixadores e de outras Autoridades. Vós procurais oferecer sempre a vossa assistência a todos; agradeço-vos porque estou convicto de que vos esforçais por agir com profissionalidade e dedicação. E um exemplo de profissionalidade e dedicação já o destes, de modo particular, durante os memoráveis e agitados dias da doença, da morte e do funeral do amado Papa João Paulo II, assim como por ocasião da minha eleição como Sumo Pontífice, no mês de Abril do ano passado. Também por isto vos estou sinceramente reconhecido.

Dilectos amigos, vós exerceis uma profissão que vos põe em contacto com numerosas pessoas, em grande parte peregrinos que se dirigem a um dos lugares mais queridos aos católicos do mundo inteiro, o túmulo do Apóstolo Pedro, sobre o qual está edificada a Basílica de Michelangelo. Além disso, tendes com frequência a oportunidade de assistir, ainda que de longe, aos encontros do Papa com os fiéis ou às celebrações litúrgicas na Praça de São Pedro. Formulo cordiais bons votos a fim de que isto vos possa ajudar a crescer espiritualmente e a sentir sempre ao vosso lado a presença de Cristo. Com a sua ajuda podereis desempenhar a vossa actividade com tranquilidade, conscientes de que estais a prestar um serviço à comunidade. Que Ele vele com bondade sobre vós e as vossas famílias, realizando todos os vossos desejos de bem. Invoco a sua ajuda por intercessão de Maria a fim de que, como Mãe cheia de desvelos, vos proteja e acompanhe incessantemente. Com estes sentimentos, renovo-vos o meu reconhecimento por esta vossa visita enquanto, de coração, vos abençoo a todos, bem como os vossos entes queridos.



DURANTE A VISITA AO PONTIFÍCIO

SEMINÁRIO MAIOR ROMANO NA FESTA DE NOSSA SENHORA DA CONFIANÇA Sábado, 25 de Fevereiro de 2006


Queridos Irmãos no Episcopado
e no Presbiterado
Amados Seminaristas
Irmãos e irmãs!

É com grande prazer que esta tarde me encontro entre vós, no Seminário Maior Romano, numa ocasião tão singular como é a festa da vossa Padroeira, Nossa Senhora da Confiança. A todos saúdo com afecto e agradeço-vos ter-me acolhido com tanto carinho. Saúdo de modo especial o Cardeal Vigário e os Bispos presentes; saúdo o Reitor, Mons. Giovanni Tani, e agradeço-lhe as palavras que me dirigiu em nome dos outros sacerdotes e de todos os seminaristas, aos quais faço de bom grado extensiva a minha saudação. Depois, saúdo os jovens e todos os que, das diversas paróquias de Roma, vieram para transcorrer juntamente connosco este momento de alegria.

170 Eu esperava há algum tempo a ocasião para vir pessoalmente visitar-vos a vós, que formais a comunidade do Seminário, um dos lugares mais importantes da Diocese. Em Roma há outros seminários, mas este é em sentido próprio o Seminário diocesano, como recorda a sua posição aqui no Latrão, ao lado da Catedral de São João, a Catedral de Roma. Por este motivo, seguindo uma tradição querida ao amado Papa João Paulo II, aproveitei a ocasião da festa hodierna para me encontrar aqui convosco, onde rezais, estudais e viveis em fraternidade, preparando-vos para o futuro ministério pastoral.

É deveras muito bonito e significativo que a Virgem Maria, Mãe dos sacerdotes, seja venerada por vós com o singular título de Nossa Senhora da Confiança. Isto faz pensar num duplo significado: a confiança dos Seminaristas, que com a sua ajuda percorrem o seu caminho de resposta a Cristo que os chamou; e a confiança da Igreja de Roma, e sobretudo do seu Bispo, que invoca a protecção de Maria, Mãe de todas as vocações, neste viveiro sacerdotal. É com a sua ajuda que vós, queridos seminaristas, vos podeis preparar hoje para a vossa missão de presbíteros ao serviço da Igreja. Quando, há pouco, me recolhi em oração diante da venerada imagem de Nossa Senhora da Confiança na vossa Capela, que representa o coração do Seminário, rezei por todos vós.

Entretanto eu pensava nos numerosos seminaristas que passaram para o Seminário Romano e depois serviram com amor a Igreja de Cristo penso, entre outros, no Pe. Andrea Santoro, assassinado recentemente na Turquia enquanto rezava. E invoquei assim a Mãe do Redentor para que obtenha também para vós o dom da santidade. Possa o Espírito Santo, que plasmou o Coração sacerdotal de Jesus no seio da Virgem e depois na casa de Nazaré, agir em vós com a sua graça, preparando-vos para as futuras tarefas que vos forem confiadas.

É de igual modo belo e apropriado que, juntamente com a Virgem Mãe da Confiança, hoje veneremos de modo especial o seu esposo São José, no qual D. Marco Frisina se inspirou este ano para o seu Oratório. Agradeço-lhe a sua delicadeza, tendo optado por honrar o meu santo Padroeiro, e congratulo-me por esta composição, enquanto agradeço de coração aos solistas, aos coristas, ao organista e a todos os membros da Orquestra. Este Oratório, significativamente intitulado "Sombra do Pai", oferece-me a ocasião para realçar como o exemplo de São José, "homem justo", diz o Evangelista, plenamente responsável diante de Deus e em relação a Maria, constitui para todos um encorajamento no caminho rumo ao sacerdócio. Ele mostra-se sempre atento à voz do Senhor, que guia os acontecimentos da história e pronto para seguir as suas indicações; sempre fiel, generoso e imperturbável no serviço; mestre eficaz de oração e de trabalho no escondimento de Nazaré. Queridos Seminaristas, posso garantir-vos que quanto mais progredirdes, com a graça de Deus, no caminho do sacerdócio, tanto mais experimentareis como é rico de frutos espirituais fazer referência a São José e invocar o seu amparo no cumprimento do próprio dever quotidiano.

Queridos seminaristas, aceitai os meus votos mais cordiais para o presente e para o futuro. Coloco-os nas mãos de Maria Santíssima, Nossa Senhora da Confiança. Quantos se formam no Seminário Maior aprendem a repetir a bonita invocação "Mater mea, fiducia mea", que o meu venerado Predecessor Bento XV definiu como a fórmula distintiva deles. Rezo para que estas palavras se imprimam no coração de cada um de vós, e vos acompanhem sempre durante a vossa vida e o vosso ministério sacerdotal. Assim podereis difundir ao vosso redor, onde quer que estejais, o perfume da confiança de Maria, que é a confiança no amor generoso e fiel de Deus.

Garanto-vos que todos os dias estareis presentes na minha oração, pois constituís a esperança da Igreja de Roma. E agora é com alegria que vos concedo de coração, a vós e a todos os presentes, assim como aos vossos familiares e a quantos vos estão próximos no caminho rumo ao sacerdócio, a Bênção Apostólica.




AOS MEMBROS DO COLÉGIO TEOLÓGICO DA "APOSTOLIKI DIAKONIA" DA GRÉCIA Segunda-feira 27 de Fevereiro de 2006

Excelência
Reverendíssimos Arquimandritas
Sacerdotes, Seminaristas e todos vós
Participantes na "visita de estudo" a Roma

171 Ao receber-vos com alegria e com gratidão, por ocasião da iniciativa desta visita a Roma, desejo recordar uma exortação que Santo Inácio, o grande Bispo de Antioquia, dirigia aos Efésios: "Procurai reunir-vos mais frequentemente, para dar graças a Deus e celebrar os seus louvores, pois se vos reunirdes com frequência, as forças do mal serão derrotadas e a sua obra de morte destruída pela concórdia da vossa fé".

Para nós, cristãos do Oriente e do Ocidente, no início do segundo milénio, as forças do mal agiram também nas divisões que ainda perduram entre nós. No entanto, nos últimos quarenta anos muitos sinais consoladores e repletos de esperança fizeram-nos distinguir um novo alvorecer, o do dia em que haveremos de compreender plenamente que estar arraigado e alicerçado na caridade de Cristo significa encontrar de maneira concreta um caminho para superar as nossas divisões através de uma conversão pessoal e comunitária, a prática da escuta do outro e a oração conjunta pela nossa unidade.

Entre os sinais consoladores deste percurso, comprometedor e irrenunciável, apraz-me recordar a recente e positiva evolução das relações entre a Igreja de Roma e a Igreja Ortodoxa da Grécia. Depois do memorável encontro no Areópago de Atenas, entre o meu amado Predecessor, o Papa João Paulo II, e Sua Beatitude Christodoulos, Arcebispo de Atenas e de toda a Grécia, seguiram-se vários actos de colaboração e tomaram-se iniciativas úteis para nos conhecermos mais de perto e para favorecermos a formação das gerações mais jovens. A troca de visitas e de bolsas de estudo, e a cooperação no campo editorial revelaram-se como formas eficazes de promover o diálogo e de aprofundar a caridade, que é a perfeição da vida como afirma ainda Santo Inácio e que, unida ao princípio, a fé, saberá prevalecer sobre as discórdias deste mundo.

Agradeço de coração à Apostoliki Diakonia esta visita a Roma e os projectos de formação que ela está a desenvolver juntamente com a Comissão Católica para a Colaboração Cultural com as Igrejas Ortodoxas no âmbito do Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos. Estou convicto de que a caridade recíproca saberá alimentar as nossas iniciativas e nos levará a percorrer novos caminhos. Devemos enfrentar os desafios que ameaçam a fé, cultivar o humus espiritual que alimentou a Europa durante séculos, confirmar os valores cristãos, promover a paz e o encontro também nas condições mais difíceis, aprofundar os elementos da fé e da vida eclesial que podem levar-nos à meta da plena comunhão na verdade e na caridade, sobretudo agora que o diálogo teológico oficial entre a Igreja Católica e a Igreja Ortodoxa no seu conjunto está a retomar o seu caminho com vigor renovado.

Fé, esperança e caridade na vida cristã caminham juntas. Como seria mais verdadeiro e eficaz o nosso testemunho no mundo de hoje, se compreendêssemos que o caminho rumo à unidade exige de todos nós uma fé mais viva, uma esperança mais sólida e uma caridade que seja verdadeiramente a inspiração mais profunda que alimenta as nossas relações recíprocas! Todavia, a esperança exerce-se na paciência, na humildade e na confiança naquele que nos guia. A meta da unidade entre os discípulos de Cristo, por mais que possa parecer não imediata, não nos impede de vivermos entre nós, já agora, a todos os níveis da caridade. Não há lugar nem tempo em que o amor, modelado em conformidade com o do nosso Mestre Cristo, seja supérfluo; ele não poderá deixar de abreviar o caminho rumo à plena comunhão.

Confio-vos a tarefa de transmitir a expressão dos meus sentimentos de sincera caridade fraternal a Sua Beatitude Christodoulos. Ele esteve ao nosso lado, aqui em Roma, para manifestar o extremo adeus ao Papa João Paulo II. O Senhor indicar-nos-á os modos e os tempos para renovar o nosso encontro na atmosfera jubilosa de uma reunião entre irmãos.

Possa a vossa visita ter todo o bom êxito almejado. Que a minha Bênção vos acompanhe.




AOS PARTICIPANTES NO CONGRESSO INTERNACIONAL PROMOVIDO PELA PONTIFÍCIA ACADEMIA PARA A VIDA Segunda-feira, 27 de Feveriro de 2006



Venerados Irmãos
no Episcopado e no Sacerdócio
Ilustres Senhores e Senhoras!

172 Dirijo a todos a minha saudação deferente e cordial por ocasião da Assembleia Geral da Pontifícia Academia para a Vida e do Congresso internacional, que acabou de iniciar, sobre "O embrião humano na fase do pré-implante". Saúdo de modo especial o Cardeal Javier Lozano Barragán, Presidente do Pontifício Conselho para a Pastoral no Campo da Saúde, assim como D. Elio Sgreccia, ao qual agradeço as gentis palavras com as quais realçou o interesse particular das temáticas que são tratadas nesta circunstância, e saúdo o Cardeal eleito, amigo desde há muito tempo, Carlo Caffarra. De facto, o tema de estudo escolhido para a vossa Assembleia, "O embrião humano na fase do pré-implante", isto é, nos primeiríssimos dias que seguem a concepção, é uma questão extremamente importante hoje, quer pelas evidentes repercussões sobre a reflexão filosófico-antropológica e ética, quer pelas perspectivas aplicativas no âmbito das ciências biomédicas e jurídicas. Trata-se sem dúvida de um assunto fascinante, mas difícil e empenhativo, considerando a delicada natureza do sujeito e a complexidade dos problemas epistemológicos que dizem respeito à relação entre o levantamento dos factos a nível das ciências experimentais e a consequente e necessária reflexão sobre os valores a nível antropológico.

Como se pode compreender, nem a Sagrada Escritura nem a Tradição cristã mais antiga podem conter desenvolvimentos explícitos do vosso tema. Não obstante, São Lucas ao narrar o encontro da Mãe de Jesus, que o tinha concebido no seu seio virginal havia poucos dias, com a mãe de João Baptista, já no sexto mês de gravidez, testemunha a presença activa, apesar de estar escondida, dos dois meninos: "Ao ouvir Isabel a saudação de Maria, o menino saltou-lhe de alegria no seio" (
Lc 1,41). Santo Ambrósio comenta: Isabel "sentiu a chegada de Maria, ele (João) a chegada do Senhor; a mulher a chegada da mulher, o menino a chegada do menino" (Comm. in Lc 2,19 Lc 2,22-26). Contudo, também na falta de ensinamentos explícitos sobre os primeiríssimos dias de vida do nascituro, é possível encontrar na Sagrada Escritura indicações preciosas que motivam sentimentos de admiração e de cuidado em relação ao homem acabado de conceber, sobretudo em quem, como vós, se propõe estudar o mistério da geração humana. De facto, os livros sagrados pretendem mostrar o amor de Deus por cada ser humano ainda antes de assumir forma no seio da mãe. "Antes que fosses formado no ventre de tua mãe, Eu já te conhecia; antes que saísses do seio materno, Eu te consagrei" (Jr 1,5), diz Deus ao profeta Jeremias. E o Salmista reconhece com gratidão: "Vós que plasmastes o meu interior, me tecestes no seio de minha mãe. Dou-Vos graças por tantas maravilhas; as Vossas obras são admiráveis, conheceis a sério a minha alma" (Ps 139,13-14). Estas são palavras que adquirem toda a sua riqueza de significado quando se pensa que Deus intervém directamente na criação da alma de cada novo ser humano.

O amor de Deus não faz diferença entre o neoconcebido ainda no seio da sua mãe, e a criança, o jovem, o homem maduro e o idoso. Não faz diferença porque em cada um deles vê a marca da própria imagem e semelhança (Gn 1,26).Não faz diferença porque em todos distingue o rosto reflectido de seu Filho Unigénito, no qual "nos escolheu antes da constituição do mundo,... predestinou-nos para sermos Seus filhos adoptivos... por Sua livre vontade" (Ep 1,4-5). Este amor ilimitado e quase incompreensível de Deus pelo homem revela até que ponto a pessoa humana seja digna de ser amada por si mesma, independentemente de qualquer outra consideração inteligência, beleza, saúde, juventude, integridade, etc.. Numa palavra, a vida humana é sempre um bem, porque "ela é no mundo manifestação de Deus, sinal da sua presença, vestígio da sua glória" (cf. Evangelium vitae EV 34). De facto, ao homem é concedida uma altíssima dignidade, que tem as suas raízes no vínculo profundo que o une ao seu Criador: no homem, em cada homem, em qualquer estádio ou condição da sua vida, resplandece um reflexo da própria realidade de Deus. Por isso o Magistério da Igreja proclamou constantemente o carácter sagrado e inviolável de cada vida humana, desde a sua concepção até ao seu fim natural (cf. Evangelium vitae EV 57). Este juízo moral já é válido no início da vida de um embrião, antes ainda que se tenha implantado no seio materno, que o protegerá e alimentará durante nove meses até ao momento do nascimento: "A vida humana é sagrada e inviolável em cada momento da sua existência, também no inicial, que precede o nascimento" (ibid., 61).

Bem sei, queridos estudiosos, com quais sentimentos de admiração e de profundo respeito pelo homem dais continuidade ao vosso trabalho empenhatio e frutuoso de pesquisa sobre a própria origem da vida humana: um mistério cujo significado a ciência será capaz de iluminar cada vez mais, mesmo se dificilmente conseguirá decifrá-lo totalmente. De facto, logo que a razão consegue ultrapassar um limite considerado insuperável, outros limites até então desconhecidos a desafiam. O homem permanecerá sempre um enigma profundo e impenetrável. Já no século IV, São Cirilo de Jerusalém apresentava aos catecúmenos que se preparavam para receber o baptismo a seguinte reflexão: "Quem é aquele que predispôs a cavidade do útero para a procriação dos filhos? Quem animou nele o feto inanimado? Quem nos predispôs com nervos e ossos circundando-nos, depois, com pele e carne (cf. Jb Jb 10,11) e, logo que a criança nasce, faz sair do peito abundância de leite? De que maneira, a criança, crescendo, se torna adolescente, de adolescente se transforma em jovem, sucessivamente em homem e por fim em idoso, sem que ninguém consiga aperceber-se do dia exacto no qual se verifica a mudança?" E concluía: "Estás a ver, homem, o artífice; estás a ver o sábio Criador?" (Catequese baptismal, 9, 15-16). No início do terceiro milénio, permanecem ainda válidas estas considerações que se dirigem, não tanto ao fenómeno físico ou fisiológico, quanto ao seu significado antropológico e metafísico. Melhorámos em grande medida os nossos conhecimentos e identificámos melhor os limites da nossa ignorância; mas para a inteligência humana parece ter-se tornado demasiado difícil aperceber-se de que, olhando para a criação, nos deparamos com a marca do Criador. Na realidade, quem ama a verdade, como vós queridos estudiosos, deveria compreender que a pesquisa sobre temas tão profundos nos coloca na condição de ver e também quase de tocar a mão de Deus. Além dos limites do método experimental, no confim do reino que alguns chamam meta-análise, lá onde só a percepção sensorial ou a verificação científica sozinhas não são suficientes ou não são possíveis, começa a aventura da transcendência, o compromisso de "ir além".

Queridos pesquisadores e estudiosos, faço votos por que consigais cada vez mais não só examinar a realidade, objecto das vossas fadigas, mas também contemplá-la de tal forma que, juntamente com as vossas descobertas, surjam também as perguntas que farão descobrir na beleza das criaturas o reflexo do Criador. Neste contexto, é-me grato expressar um apreço e um agradecimento à Pontifícia Academia para a Vida pelo seu precioso trabalho de "estudo, formação e informação" do qual beneficiam os Órgãos da Santa Sé, as Igrejas locais e os estudiosos atentos a tudo o que a Igreja propõe a nível da pesquisa científica e acerca da vida humana na sua relação com a ética e o direito. Devido à urgência e à importância destes problemas, considero providencial a instituição deste Órgão por parte do meu venerado predecessor, João Paulo II. Por conseguinte, desejo expressar com sincera cordialidade a todos vós, Presidência, funcionários e membros da Pontifícia Academia para a Vida, a minha proximidade e o meu apoio. Com estes sentimentos, confiando o vosso trabalho à protecção de Maria, concedo a todos vós a Bênção Apostólica.



                                                          Março de 2006


DURANTE O ENCONTRO COM O CLERO DIOCESANO DE ROMA NO INÍCIO DA QUARESMA Quinta-feira, 2 de Março de 2006


Falo agora, porque de outro modo o meu monólogo se torna demasiado longo, se espero que se concluam todas as intervenções. Em primeiro lugar, gostaria de expressar a minha alegria por estar hoje aqui convosco, queridos Sacerdotes de Roma. É uma alegria real: a de ver tantos bons pastores ao serviço do "Bom Pastor" aqui, na primeira Sede da Cristandade, na Igreja que "preside à caridade" e que deve ser modelo das outras Igrejas locais. Obrigado pelo vosso serviço!

Temos o exemplo luminoso do Pe. Andrea, que nos mostra como "ser" sacerdote até ao fundo: morrer por Cristo no momento da oração e assim testemunhar, por um lado, a interioridade da própria vida com Cristo e, por outro, o próprio testemunho pelos homens num ponto realmente "panperiférico" do mundo, circundado pelo ódio e pelo fanatismo de outros. É um testemunho que inspira todos a seguir Cristo, a dar a vida pelo próximo e a encontrar precisamente assim a Vida. Em relação à primeira intervenção, dirijo, antes de tudo, um grande obrigado por esta maravilhosa poesia! Existem também poetas e artistas na Igreja de Roma, no presbitério de Roma, e terei também a possibilidade de meditar, de interiorizar estas bonitas palavras e de ter presente que esta "janela" está sempre "aberta". Talvez esta seja a ocasião para recordar a herança fundamental do grande Papa João Paulo II, para continuar a assimilar cada vez mais esta herança.

Iniciámos ontem a Quaresma. A Liturgia de hoje oferece-nos uma profunda indicação do significado fundamental da Quaresma: é um indicador de caminho para a nossa vida. Por isso me parece refiro-me ao Papa João Paulo II que devemos insistir um pouco sobre a primeira Leitura do dia de hoje. O grande discurso de Moisés no limiar da Terra Santa, depois dos quarenta anos da peregrinação no deserto, é um resumo de toda a Torah, de toda a Lei. Encontramos aqui o essencial não só para o povo hebraico mas também para nós. Este essencial é a palavra de Deus: "Coloco diante de ti a vida e a morte, a felicidade e a maldição. Escolhe a vida" (Dt 30,19). Estas palavras fundamentais da Quaresma são também as palavras fundamentais da herança do nosso grande Papa João Paulo II: escolhe a vida. Esta é a nossa vocação fundamental: escolher nós próprios a vida e ajudar os outros a escolher a vida. Trata-se de renovar, por assim dizer, na Quaresma a nossa "opção fundamental", a opção pela vida.

Mas, surge imediatamente a interrogação: como se escolhe a vida? Como se faz? Reflectindo, veio-me à mente que a grande definição do Cristianismo feita no Ocidente nos últimos cem anos, foi realizada precisamente em nome da opção pela vida. Foi dito penso em Nietzsche mas também em muitos outros que o Cristianismo é uma opção contra a vida. Com a Cruz, com todos os Mandamentos, com todos os "Não" que nos propõe, fecha-nos a porta da vida. Mas nós queremos ter a vida, e escolhemos, optamos, finalmente, pela vida libertando-nos da Cruz, libertando-nos de todos estes Mandamentos e de todos estes "Não". Queremos ter a vida em abundância, nada mais que a vida. Vem logo à mente a palavra do Evangelho de hoje: "Quem quiser salvar a sua vida, perdê-la-á, mas quem perder a sua vida por Minha causa, salvá-la-á" (Lc 9,24). Eis o paradoxo que devemos antes de tudo ter presente na opção pela vida. Não pretendendo a vida só para nós mas unicamente dando a vida, não tendo-a e tomando-a, mas dando-a é que a podemos encontrar. Este é o sentido último da Cruz: não a reter para si, mas dar a vida.


Discursos Bento XVI 167