Catecismo Igreja Catól. 495

A MATERNIDADE DIVINA DE MARIA


495 Chamada nos evangelhos «a Mãe de Jesus» (Jn 2,1 Jn 19,25)(150), Maria é aclamada, sob o impulso do Espírito Santo e desde antes do nascimento do seu Filho, como «a Mãe do meu Senhor» (Lc 1,43). Com efeito, Aquele que Ela concebeu como homem por obra do Espírito Santo, e que Se tornou verdadeiramente seu Filho segundo a carne, não é outro senão o Filho eterno do Pai, a segunda pessoa da Santíssima Trindade. A Igreja confessa que Maria é, verdadeiramente, Mãe de Deus («Theotokos») (151).

150. Cf. Mt 13,55
151. Cf. Concílio de Éfeso, Epistula II Cyrilli Alexandrini ad Nestorium: DS 251


A VIRGINDADE DE MARIA


496 Desde as primeiras formulações da fé (152), a Igreja confessou que Jesus foi concebido unicamente pelo poder do Espírito Santo no seio da Virgem Maria, afirmando igualmente o aspecto corporal deste acontecimento: Jesus foi concebido « absque semine, [...] ex Spiritu Sancto – do Espírito Santo, sem sémen [de homem]» (153). Os Santos Padres vêem, na conceição virginal, o sinal de que foi verdadeiramente o Filho de Deus que veio ao mundo numa humanidade como a nossa:

Diz, por exemplo, Santo Inácio de Antioquia (princípio do século II): «Vós estais firmemente convencidos, a respeito de nosso Senhor, que Ele é verdadeiramente da raça de David segundo a carne (154). Filho de Deus segundo a vontade e o poder de Deus (155); verdadeiramente nascido duma virgem [...], foi verdadeiramente crucificado por nós, na sua carne, sob Pôncio Pilatos [...] e verdadeiramente sofreu, como também verdadeiramente ressuscitou» (156).


497 As narrativas evangélicas (157) entendem a conceição virginal como uma obra divina que ultrapassa toda a compreensão e possibilidade humanas (158): «O que foi gerado nela vem do Espírito Santo», diz o anjo a José, a respeito de Maria, sua esposa (Mt 1,20). A Igreja vê nisto o cumprimento da promessa divina feita através do profeta Isaías: «Eis que a virgem conceberá e dará à luz um filho» (Is 7,14), segundo a tradução grega de Mt 1,23.


498 Tem, por vezes, causado impressão o silêncio do Evangelho de São Marcos e das epístolas do Novo Testamento sobre a conceição virginal de Maria Também foi questionado, se não se trataria aqui de lendas ou construções teológicas fora do âmbito da historicidade. A isto há que responder: a fé na conceição virginal de Jesus encontrou viva oposição, troça ou incompreensão por parte dos não-crentes, judeus e pagãos (159); mas não tinha origem na mitologia pagã, nem era motivada por qualquer adaptação às ideias do tempo. O sentido deste acontecimento só é acessível à fé. que o vê no «nexo que liga os mistérios entre si» (160), no conjunto dos mistérios de Cristo, da Encarnação até à Páscoa. Já Santo Inácio de Antioquia fala deste nexo: «O príncipe deste mundo não teve conhecimento da virgindade de Maria e do seu parto, tal como da morte do Senhor: três mistérios extraordinários, que se efectuaram no silêncio de Deus» (161).

152. Cf.
DS 10-64
153. Concílio de Latrão (ano 649), Canon 3: DS 503.
154. Cf. Rm 1,3
155. Cf. Jn 1,13
156. Santo Inácio de Antioquia, Epistula ad Smyrnaeos 1-2: SC 10bis. p. 132-134 (Funk 1, 274-276).
157. Cf. Mt 1,18-25 Lc 1,26-38.
158. Cf. Lc 1,34
159. Cf. São Justino, Dialogus cum Tryphone Iudaeo 66-67: CA 2 234-236 (PG 6,628-629); Orígenes, Contra Celsum, 1. 32: SC 132,162-164 (PG 8, 720-724); Ibid. 1,69, SC 132,270 (PG 8,788-789), e outros.
160. I Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Filius, c. 4: DS 3016
161. Santo Inácio de Antioquia, Epistula ad Ephesios 19, 1: SC l0bis- 74 (Funk 1, 228); cf. 1Co 2,8.



MARIA – «SEMPRE VIRGEM»


499 O aprofundamento da fé na maternidade virginal levou a Igreja a confessar a virgindade real e perpétua de Maria (162), mesmo no parto do Filho de Deus feito homem (163). Com efeito, o nascimento de Cristo «não diminuiu, antes consagrou a integridade virginal» da sua Mãe (164).

A Liturgia da Igreja celebra Maria “Aeiparthenos” como a «sempre Virgem»(165)


500 A isso objecta-se, por vezes, que a Escritura menciona irmãos e irmãs de Jesus (166). A Igreja entendeu sempre estas passagens como não designando outros filhos da Virgem Maria. Com efeito, Tiago e José, «irmãos de Jesus» (Mt 13,55), são filhos duma Maria discípula de Cristo (167) designada significativamente como «a outra Maria» (Mt 28,1). Trata-se de parentes próximos de Jesus, segundo uma expressão conhecida do Antigo Testamento (168).


501 Jesus é o filho único de Maria. Mas a maternidade espiritual de Maria (169) estende-se a todos os homens que Ele veio salvar: «Ela deu à luz um Filho que Deus estabeleceu como "primogénito de muitos irmãos" (Rm 8,29), isto é, dos fiéis para cuja geração e educação Ela coopera com amor de mãe» (170).

162. II Concílio de Constantinopla, Sess. 8ª Canon 6 : DS 427
163. Cf. São Leão Magno, Tomus ad Flavianum: DS 291; Ibid.: DS 294; Pelágio I, Ep. Humani generis: DS 442; Concílio e Latrão, Canon 3: DS 503 XVI Concílio de Toledo, Symbolum: DS 571 Paulo IV, Const. Cum quorumdam hominum: DS 1880
164. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, LG 57, AAS 57 (1965) 61.
165. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, LG 52, AAS 57 (1965) 58.
166. Cf. Mc 3,31-35 Mc 6,3 1Co 9,5 Ga 1,19
167. Cf. Mt 27,56
168. Cf. Gn 13,8 Gn 14,16 Gn 29,15; etc.
169. Cf. Jn 19,26-27 Ap 12,17
170. Cf. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, LG 63, AAS 57 (1965) 64.



A MATERNIDADE VIRGINAL DE MARIA NO PLANO DE DEUS


502 O olhar da fé pode descobrir, em ligação com o conjunto da Revelação, as razões misteriosas pelas quais Deus, no seu desígnio salvífico, quis que o seu Filho nascesse duma virgem. Tais razões dizem respeito tanto à pessoa e missão redentora de Cristo como ao acolhimento dessa missão por Maria, para bem de todos os homens:


503 A virgindade de Maria manifesta a iniciativa absoluta de Deus na Encarnação. Jesus só tem Deus por Pai (171). «A natureza humana, que Ele assumiu, nunca O afastou do Pai [...]. Naturalmente Filho do seu Pai segundo a divindade, naturalmente Filho da sua Mãe segundo a humanidade, mas propriamente Filho de Deus nas suas duas naturezas» (172).


504 Jesus é concebido pelo Espírito Santo no seio da Virgem Maria, porque Ele é o Novo Adão (173), que inaugura a criação nova: «O primeiro homem veio da terra e do pó: o segundo homem veio do céu» (1Co 15,47). A humanidade de Cristo é, desde a sua conceição, cheia do Espírito Santo, porque Deus «não dá o Espírito por medida» (Jn 3,34). É da «sua plenitude», que Lhe é própria enquanto cabeça da humanidade resgatada que «nós recebemos graça sobre graça» (Jn 1,16).


505 Jesus, o novo Adão, inaugura, pela sua conceição virginal, o novo nascimento dos filhos de adopção, no Espírito Santo, pela fé, «Como será isso?» (Lc 1,34) (175). A parti­cipação na vida divina não procede «do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus» (Jn 1,13). A recepção desta vida é virginal, porque inteiramente dada ao homem pelo Espírito. O sentido esponsal da vocação humana, em relação a Deus (176), foi perfeitamente realizado na maternidade virginal de Maria.


506 Maria é virgem, porque a virgindade é nela o sinal da sua fé, «sem a mais leve sombra de dúvida» (177) e da sua entrega sem reservas à vontade de Deus (178). É graças à sua fé que ela vem a ser a Mãe do Salvador: «Beatior est Maria percipiendo fïdem Christi quam concipiendo carnem Christi – Maria é mais feliz por receber a fé de Cristo do que por conceber a carne de Cristo» (179).


507 Maria é, ao mesmo tempo, virgem e mãe, porque é a figura e a mais perfeita realização da Igreja (180): «Por sua vez, a Igreja, que contempla a sua santidade misteriosa e imita a sua caridade, cumprindo fielmente a vontade do Pai, torna-se também, ela própria, mãe, pela fiel recepção da Palavra de Deus: efectivamente, pela pregação e pelo Baptismo, gera, para uma vida nova e imortal, os filhos concebidos por acção do Espírito Santo e nascidos de Deus. E também ela é virgem, pois guarda fidelidade total e pura ao seu esposo» (181).

171. Cf.
Lc 2,48-49
172. Concílio de Friúl (ano 796). Symbolum: DS 619.
173. Cf. 1Co 15,45
174. Cf. Col 1,18
175. Cf. Jn 3,9
176. Cf. 2Co 11,2
177. Cf. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, LG 63, AAS 57 (1965) 64.
178. Cf. 1Co 7,34-35
179. Santo Agostinho, De sancta virginitate, 3, 3: CSEL 41. 237 (PL 40, 398).
180. Cf. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, LG 63, AAS 57 (1965) 64.
181. Cf. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, LG 64, AAS 57 (1965) 64.


Resumindo:


508 Na descendência de Eva, Deus escolheu a Virgem Maria para ser a Mãe do seu Filho. «Cheia de graça», ela é «o mais excelso fruto da Redenção» (182). Desde o primeiro instante da sua conceição, ela foi totalmente preservada imune da mancha do pecado original, e permaneceu pura de todo o pecado pessoal ao longo da vida.


509 . Maria é verdadeiramente «Mãe de Deus», pois é a Mãe do Filho eterno de Deus feito homem que, Ele próprio, é Deus.


510 . Maria permaneceu «Virgem ao conceber o seu Filho, Virgem ao dá-Lo à luz, Virgem grávida, Virgem fecunda, Virgem perpétua» (183); com todo o seu ser; ela é a «serva do Senhor» (Lc 1,38).


511 A Virgem Maria «cooperou livremente, pela sua fé e obediência, na salvação dos homens» (184). Pronunciou o seu «fiat» – faça-se – «loco totius humanae naturae – em vez de toda a humanidade» (185): pela sua obediência, tornou-se a nova Eva, mãe dos vivos.

182. II Concílio do Vaticano, Const. Sacrosanctum Concilium,
SC 103, AAS 56 (1964) 125.
183. Santo Agostinho, Sermão 186, 1: PL 38, 999.
184. Cf. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, LG 5 LG 6, AAS 57 (1965) 60.
185. São Tomás de Aquino, Summa theologiae, III 30,1. c: Ed. Leon. 11, 315.



PARÁGRAFO 3

OS MISTÉRIOS DA VIDA DE CRISTO


512 Relativamente à vida de Cristo, o Símbolo da Fé apenas fala dos mistérios da Encarnação (conceição e nascimento) e da Páscoa (paixão, crucifixão, morte, sepultura, descida à mansão dos mortos, ressurreição, ascensão). Nada diz explicitamente dos mistérios da vida oculta e pública de Jesus. Mas os artigos que dizem respeito à Encarnação e à Páscoa de Jesus esclarecem toda a vida terrena de Cristo. «Tudo o que Jesus fez e ensinou desde o princípio até ao dia em que foi elevado ao céu» (Ac 1,1-2) deve ser visto á luz dos mistérios do Natal e da Páscoa.


513 A catequese, segundo as circunstâncias, explanará toda a riqueza dos mistérios de Jesus. Aqui, basta indicar alguns elementos comuns a todos os mistérios da vida de Cristo (I), para depois esboçar os principais mistérios da vida oculta (II) e pública (III) de Jesus.

I. Toda a vida de Cristo é mistério


514 Muitas coisas que interessam à curiosidade humana, a respeito de Jesus, não figuram nos evangelhos. Quase nada se diz da sua vida em Nazaré e mesmo grande parte da sua vida pública não é relatada (186). O que foi escrito nos evangelhos, foi-o «para acreditardes que Jesus é o Messias, o Filho de Deus, e para que, acreditando, tenhais a vida em seu nome» (Jn 20,31).


515 Os evangelhos foram escritos por homens que foram dos primeiros a receber a fé (187) e que quiseram partilhá-la com outros. Tendo conhecido, pela fé, quem é Jesus, puderam ver e fazer ver os traços do seu mistério em toda a sua vida terrena. Desde os panos do nascimento (188) até ao vinagre da paixão (189) e ao sudário da ressurreição (190), tudo, na vida de Jesus, é sinal do seu mistério. Através dos seus gestos, milagres e palavras, foi revelado que «n'Ele habita corporalmente toda a plenitude da Divindade» (Col 2,9). A sua humanidade aparece, assim, como «sacramento», isto é, sinal e instrumento da sua divindade e da salvação que Ele veio trazer. O que havia de visível na sua vida terrena conduz ao mistério invisível da sua filiação divina e da sua missão redentora.

186. Cf. Jn 20,3
187. Cf. Mc 1,1 Jn 21,24
188. Cf. Lc 2,7
189. Cf. Mt 27,48



OS TRAÇOS COMUNS DOS MISTÉRIOS DE JESUS


516 Toda a vida de Cristo é revelação do Pai: as suas palavras e actos, os seus silêncios e sofrimentos, a maneira de ser e de falar. Jesus pode dizer: «Quem Me vê, vê o Pai» (Jn 14,9); e o Pai: «Este é o meu Filho predilecto: escutai-O» (Lc 9,35). Tendo-Se nosso Senhor feito homem para cumprir a vontade do Pai (191), os mais pequenos pormenores dos seus mistérios manifestam «o amor de Deus para connosco» (192).


517 Toda a vida de Cristo é mistério de redenção. A redenção vem-nos, antes de mais, pelo sangue da cruz (193). Mas este mistério está actuante em toda a vida de Cristo: já na sua Encarnação, pela qual, fazendo-Se pobre, nos enriquece com a sua pobreza (194); na vida oculta que, pela sua obediência (195), repara a nossa insubmissão; na palavra que purifica os seus ouvintes (196): nas curas e expulsões dos demónios, pelas quais «toma sobre Si as nossas enfermidades e carrega com as nossas doenças» (Mt 8,17)(197); na ressurreição, pela qual nos justifica (198).


518 Toda a vida de Cristo é mistério de recapitulação. Tudo o que Jesus fez, disse e sofreu tinha por fim restabelecer o homem decaído na sua vocação originária:

«Quando Ele encarnou e Se fez homem, recapitulou em Si a longa história dos homens e proporcionou-nos, em síntese, a salvação, de tal forma que aquilo que havíamos perdido em Adão – isto é, sermos imagem e semelhança de Deus – o recuperássemos em Cristo Jesus» (199). «Aliás, foi por isso que Cristo passou por todas as idades da vida, restituindo assim a todos os homens a comunhão com Deus» (200).

190. Cf.
Jn 20,7
191. Cf. He 10,5-7
192. Cf. 1Jn 4,9
193. Cf. Ep 1,7 Col 1,13-14 (Vulgata); 1P 1,18-19.
194. Cf. 2Co 8,9
195. Cf. Lc 2,51
196. Cf. Jn 15,3
197. Cf. Is 53,4
198. Cf. Rm 4,25
199. Santo Ireneo de Lião, Adversus haereses 3, 18, 1: SC 211,342-344 (PG 7,932)
200. Ibidem, 18. 7: SC 211,366 (PG 7,937); cf. Ibid. 2,22,4: SC 294,220-222 (PG 7, 784).



A NOSSA COMUNHÃO NOS MISTÉRIOS DE JESUS


519 Toda a riqueza de Cristo «se destina a todos os homens e constitui o bem de cada um» (201). Cristo não viveu para Si mesmo, mas para nós, desde a Encarnação «por nós homens e para nossa salvação» (202) até á sua morte «por causa dos nossos pecados» (1Co 15,3) e à sua ressurreição «para nossa justificação» (Rm 4,25). Ainda agora, Ele é «o nosso advogado junto do Pai» (1Jn 2,1), «sempre vivo para interceder por nós» (He 7,25). Com tudo o que viveu e sofreu por nós, uma vez por todas, Ele está para sempre presente «em nosso favor, na presença de Deus» (He 9,24).


520 Em toda a sua vida, Jesus mostra-Se como nosso modelo (203): é «o homem perfeito» (204), que nos convida a tornarmo-nos seus discípulos e a segui-Lo; com a sua humilhação, deu-nos um exemplo a imitar (205); com a sua oração, convida-nos à oração (206); com a sua pobreza, incita--nos a aceitar livremente o despojamento e as perseguições (207).


521 Tudo o que Cristo viveu, Ele próprio faz com que o possamos viver n'Ele e Ele vivê-lo em nós. «Pela sua Encarnação, o Filho de Deus uniu-Se, de certo modo, a cada homem» (208). Nós somos chamados a ser um só com Ele; Ele faz-nos comungar, enquanto membros do seu corpo, em tudo o que Ele próprio viveu na sua carne por nós, e como nosso modelo:

«Devemos continuar a completar em nós os estados e mistérios da vida de Jesus e pedir-Lhe continuamente que Se digne consumá-los perfeitamente em nós e em toda a sua Igreja [...]. Na verdade, o Filho de Deus deseja comunicar e prolongar, de certo modo, os seus mistérios em nós e em toda a sua Igreja, [...] quer pelas graças que decidiu conceder-nos, quer pelos efeitos que deseja produzir em nós, por meio destes mistérios. É neste sentido que Ele quer completá-los em nós» (209).

201. João Paulo II, Enc. Redemptor hominis,
RH 11, AAS 71 (1979) 278.
202. Cf. Símbolo Niceno-Contantinopolitano: DS 150
203. Cf. Rm 15,5 Ph 2,5
204. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, GS 38, AAS 58 (1966) 1055.
205. Cf. Jn 13,15
206. Cf. Lc 11,1
207. Cf. Mt 5,11-12
208. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, GS 22, AAS 58 (1966) 1042.
209. São João Eudes: Le royaume de Jésus, 3, 4: Oeuvres complètes, v. 1 (Vannes 1905) p. 310-311 [2ª leitura do Ofício de Leituras de sexta-feira da 33ª semana do Tempo Comum: Liturgia das Horas, v. 4 (Gráfica de Coimbra 1983), p. 539].


II. Os mistérios da infância e da vida oculta de Jesus


OS PREPARATIVOS


522 A vinda do Filho de Deus à terra é um acontecimento tão grandioso, que Deus quis prepará-lo durante séculos. Ritos e sacrifícios, figuras e símbolos da «primeira Aliança» (210), tudo Deus faz convergir para Cristo. Anuncia-O pela boca dos profetas que se sucedem em Israel. E, por outro lado, desperta no coração dos pagãos a obscura expectativa desta vinda.


523 São João Baptista é o precursor imediato do Senhor (211), enviado para Lhe preparar o caminho (212). «Profeta do Altíssimo» (Lc 1,76), supera todos os profetas (213), é o último deles (214) inaugura o Evangelho (215); saúda a vinda de Cristo desde o seio da sua Mãe (216) e põe a sua alegria em ser «o amigo do esposo» (Jn 3,29) que ele designa como «Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo» (Jn 1,29). Precedendo Jesus «com o espírito e o poder de Elias» (Lc 1,17), dá testemunho d'Ele pela sua pregação, pelo seu baptismo de conversão e, finalmente, pelo seu martírio (217).


524 Ao celebrar em cada ano a Liturgia do Advento, a Igreja actualiza esta expectativa do Messias. Comungando na longa preparação da primeira vinda do Salvador, os fiéis renovam o ardente desejo da sua segunda vinda (218). Pela celebração do nascimento e martírio do Precursor, a Igreja une-se ao seu desejo: «Ele deve crescer e eu diminuir» (Jn 3,30).

210. Cf. He 9,15
211. Cf. Ac 13,24
212. Cf. Mt 3,3
213. Cf. Lc 7 Lc 26
214. Cf. Mt 11,13
215. Cf. Ac 1,22 Lc 16,16.
216. Cf. Lc 1,41
217. Cf. Mc 6,17-29
218. Cf. Ap 22,17



O MISTÉRIO DO NATAL


525 Jesus nasceu na humildade dum estábulo, no seio duma família pobre (219). As primeiras testemunhas deste acontecimento são simples pastores. E é nesta pobreza que se manifesta a glória do céu (220). A Igreja não se cansa de cantar a glória desta noite:

«Hoje a Virgem dá à luz o Eterno
e a terra oferece uma gruta ao Inacessível.
Cantam-n'O os anjos e os pastores,
e com a estrela os magos põem-se a caminho,
porque Tu nasceste para nós,
pequeno Infante. Deus eterno!» (221)


526 «Tornar-se criança» diante de Deus é a condição para entrar no Reino (222), e para isso, é preciso abaixar-se (223) tornar-se pequeno. Mais ainda: é preciso «nascer do Alto» (Jn 3,7), «nascer de Deus» (224) para se «tornar filho de Deus» (225). O mistério do Natal cumpre-se em nós quando Cristo «Se forma» em nós (226). O Natal é o mistério desta «admirável permuta»:

«O admirabile commercium! Creator generis humani, animatum corpus sumens de Virgine nasci dignatus est; et, procedens homo sine semine, largitus est nobis suam deitatem». – «Oh admirável permuta! O Criador do género humano, tomando corpo e alma, dignou-Se nascer duma Virgem; e, feito homem sem progenitor humano, tornou-nos participantes da sua divindade!» (227).

219. Cf. Lc 2,6-7
220. Cf. Lc 2,8-20
221. São Romano o Melódio, Kontakion, 10, In diem Nativitatis Christi, Prooemium: SC 110,50.
222. Cf. Mt 18,3-4
223. Cf. Mt 23,12
224. Cf. Jn 1,13
225. Cf. Jn 1,12
226. Cf. Ga 4,19
227. Solenidade de Santa Maria Mãe de Deus, 1ª Antífona das I e II Vésperas: Liturgia Horarum, editio typica, v. I (Typis Polyglottis Vaticanis 1973), p. 385 e 397 [a versão oficial portuguesa é menos exacta: «Oh admirável mistério! O Criador do género humano, tomando corpo e alma, dignou-Se nascer duma Virgem; e, feito homem, tornou-nos participantes da sua divindade!»: Liturgia das Horas. v. 1 (Gráfica de Coimbra 1983). p. 426 e 441].



OS MISTÉRIOS DA INFÂNCIA DE JESUS


527 A circuncisão de Jesus, oito dias depois do seu nascimento (228), sinal da sua inserção na descendência de Abraão, no povo da Aliança, da sua submissão à Lei (229) e da sua deputação para o culto de Israel, no qual participará durante toda a sua vida. Este sinal prefigura «a circuncisão de Cristo», que é o Baptismo (230).


528 A Epifania é a manifestação de Jesus como Messias de Israel, Filho de Deus e salvador do mundo. Juntamente com o baptismo de Jesus no Jordão e as bodas de Caná (231), a Epifania celebra a adoração de Jesus pelos «magos» vindos do Oriente (232). Nestes «magos», representantes das religiões pagãs circunvizinhas, o Evangelho vê as primícias das nações, que acolhem a Boa-Nova da salvação pela Encarnação. A vinda dos magos a Jerusalém, para «adorar o rei dos judeus» (233), mostra que eles procuram em Israel, à luz messiânica da estrela de David (234), Aquele que será o rei das nações (235). A sua vinda significa que os pagãos não podem descobrir Jesus e adorá-Lo como Filho de Deus e Salvador do mundo, senão voltando-se para os Judeus (236) e recebendo deles a sua promessa messiânica, tal como está contida no Antigo Testamento (237). A Epifania manifesta que «todos os povos entram na família dos patriarcas» (238) e adquire a « israelitica dignitas» – a dignidade própria do povo eleito (239).


529 A apresentação de Jesus no templo (240) mostra-O como Primogénito que pertence ao Senhor (241). Com Simeão e Ana, é toda a expectativa de Israel que vem ao encontro do seu Salvador (a tradição bizantina designa por encontro este acontecimento). Jesus é reconhecido como o Messias tão longamente esperado, «luz das nações» e «glória de Israel», mas também como «sinal de contradição». A espada de dor, predita a Maria, anuncia essa outra oblação, perfeita e única, da cruz, que trará a salvação que Deus «preparou diante de todos os povos».


530 A fuga para o Egipto e o massacre dos Inocentes (242) manifestam a oposição das trevas à luz: «Ele veio para o que era seu e os seus não O receberam» (Jn 1,11). Toda a vida de Cristo decorrerá sob o signo da perseguição. Os seus partilham-na com Ele (243). O seu regresso do Egipto (244) lembra o Êxodo (245) e apresenta Jesus como o libertador definitivo.

228. Cf. Lc 2,21
229. Cf. Ga 4,4
230. Cf. Col 2,11-13
231. Cf. Solenidade da Epifania do Senhor. Antífona do «Magnificat» das II Vésperas: Liturgia Horarum, editio typica, v. 1 (Typis Polyglottis Vaticanis 1973) p. 465 [Liturgia das Horas, v. 1 (Gráfica de Coimbra 1983) p. 528].
232. Cf. Mt 2,1
233. Cf. Mt 2,2
234. Cf. Nb 24,17 Ap 22,16,
235. Cf. Nb 24,17-19
236. Cf. Jn 4,22
237. Cf. Mt 2,4-6
238. São Leão Magno, Sermão 33, 3: CCL 138, 173 (PL 54. 242) [Solenidade da Epifania do Senhor, 2ª Leitura do Ofício de Leituras: Liturgia das Horas, v. 1 (Gráfica de Coimbra 1983) p. 519].
239. Vigília Pascal, Oração depois da 3ª leitura: Missale Romanum, editio typica (Typis Polyglottis Vaticanis 1970), p. 277 [Missal Romano, Gráfica de Coimbra 1992, 305].
240. Cf. Lc 2,22-39
241. Cf. Ex 13,2 Ex 13,12-13
242. Cf. Mt 2,13-18
243. Cf. Jn 15,20
244. Cf. Mt 2,15
245. Cf. Os 11,1



OS MISTÉRIOS DA VIDA OCULTA DE JESUS


531 Durante a maior parte da sua vida, Jesus partilhou a condição da imensa maioria dos homens: uma vida quotidiana sem grandeza aparente, vida de trabalho manual, vida religiosa judaica sujeita à Lei de Deus (246), vida na comunidade. De todo este período, é-nos revelado que Jesus era «submisso» a seus pais (247) e que «ia crescendo em sabedoria, em estatura e em graça, diante de Deus e dos homens» (Lc 2,52).


532 A submissão de Jesus à sua Mãe e ao seu pai legal foi o cumprimento perfeito do quarto mandamento. É a imagem temporal da sua obediência filial ao Pai celeste. A submissão diária de Jesus a José e a Maria anunciava e antecipava a submissão de Quinta-Feira Santa: «Não se faça a minha vontade [...]» (Lc 22,42). A obediência de Cristo, no quotidiano da vida oculta, inaugurava já a recuperação daquilo que a desobediência de Adão tinha destruído (248).


533 A vida oculta de Nazaré permite a todos os homens entrar em comunhão com Jesus, pelos diversos caminhos da vida quotidiana:

«Nazaré é a escola em que se começa a compreender a vida de Jesus, é a escola em que se inicia o conhecimento do Evangelho [...] Em primeiro lugar, uma lição de silêncio. Oh! se renascesse em nós o amor do silêncio, esse admirável e indispensável hábito do espírito [...]! Uma lição de vida familiar Que Nazaré nos ensine o que é a família, a sua comunhão de amor, a sua austera e simples beleza, o seu carácter sagrado e inviolável [...]. Uma lição de trabalho, Nazaré, a casa do "Filho do carpinteiro"! Aqui desejaríamos compreender e celebrar a lei, severa mas redentora, do trabalho humano [...] Daqui, finalmente, queremos saudar os trabalhadores de todo o mundo e mostrar-lhes o seu grande modelo, o seu Irmão divino» (249)


534 O reencontro de Jesus no templo (250) é o único acontecimento que quebra o silêncio dos evangelhos sobre os anos ocultos de Jesus. Nele, Jesus deixa entrever o mistério da sua consagração total à missão decorrente da sua filiação divina: «Não sabíeis que Eu tenho de estar na casa do meu Pai?». Maria e José «não compreenderam» esta palavra, mas acolheram-na na fé, e Maria «guardava no coração todas estas recordações», ao longo dos anos em que Jesus permaneceu oculto no silêncio duma vida normal.


246. Cf.
Ga 4,4.
247. Cf. Lc 2,51
248. Cf. Rm 5,19
249. Paulo VI, Alocução na igreja da Anunciação à bem-aventurada Virgem Maria em Nazaré, 5 de Janeiro de 1964: AAS 56 (1964) 167-168 [Festa da Sagrada Família, 2ª Leitura do Ofício de Leitura: Liturgia das Horas, v. 1 (Gráfica de Coimbra 1983) p. 381-382].
250. Cf. Lc 2,41-52


III. Os mistérios da vida pública de Jesus


O BAPTISMO DE JESUS


535 O início (251) da vida pública de Jesus é o seu baptismo por João, no rio Jordão (252). João pregava «um baptismo de penitência, em ordem à remissão dos pecados» (Lc 3,3). Uma multidão de pecadores, publicanos e soldados (253), fariseus e saduceus (254) e prostitutas vinha ter com ele, para que os baptizasse. «Então aparece Jesus». O Baptista hesita, Jesus insiste: e recebe o baptismo. Então o Espírito Santo, sob a forma de pomba, desce sobre Jesus e uma voz do céu proclama: «Este é o meu Filho muito amado» (Mt 3,13-17).Tal foi a manifestação («epifania») de Jesus como Messias de Israel e Filho de Deus.


536 Da parte de Jesus, o seu baptismo é a aceitação e a inauguração da sua missão de Servo sofredor. Deixa-se contar entre o número dos pecadores (256). É já «o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo» (Jn 1,29), e antecipa já o «baptismo» da sua morte sangrenta (257). Vem, desde já, para «cumprir toda a justiça» (Mt 3,15). Quer dizer que Se submete inteiramente à vontade do Pai e aceita por amor o baptismo da morte para a remissão dos nossos pecados (258). A esta aceitação responde a voz do Pai, que põe toda a sua complacência no Filho (259). O Espírito que Jesus possui em plenitude, desde a sua conceição, vem «repousar» sobre Ele (Jn 1,32-33) (260) e Jesus será a fonte do mesmo Espírito para toda a humanidade. No baptismo de Cristo, «abriram-se os céus» (Mt 3,16) que o pecado de Adão tinha fechado, e as águas são santificadas pela descida de Jesus e do Espírito, prelúdio da nova criação.


537 Pelo Baptismo, o cristão é sacramentalmente assimilado a Jesus que, no seu baptismo, antecipa a sua morte e ressurreição. Deve entrar neste mistério de humilde abatimento e de penitência, descer à água com Jesus, para de lá subir com Ele, renascer da água e do Espírito para se tornar, no Filho, filho-amado do Pai e «viver numa vida nova» (Rm 6,4):

«Sepultemo-nos com Cristo pelo Baptismo, para com Ele ressuscitarmos; desçamos com Ele, para com Ele sermos elevados; tornemos a subir com Ele, para n'Ele sermos glorificados» (261).
«Tudo o que se passou com Cristo dá-nos a conhecer que, depois do banho de água, o Espírito Santo desce sobre nós do alto dos céus e, adoptados pela voz do Pai, tornamo-nos filhos de Deus» (262).

251. Cf. Lc 3,23
252. Cf. Ac 1,22
253. Cf. Lc 3,10-14
254. Cf. Mt 3,7
255. Cf. Mt 21,32
256. Cf. Is 53,12
257. Cf. Mc 10,38 Lc 12,50
258. Cf. Mt 26,39
259. Cf. Lc 3,22 Is 42,1
260. Cf. Jn 1,32-33
261. São Gregório Nazianzeno, Oratio 40, 9: SC 358,216 (PG 36,369)
262. Santo Hilário de Poitiers, In evangelium Matthaei 2, 6: SC 254,110 (PL 9,227)



A TENTAÇÃO DE JESUS


538 Os evangelhos falam dum tempo de solidão que Jesus passou no deserto, imediatamente depois de ter sido baptizado por João: «Impelido»pelo Espírito para o deserto, Jesus ali permanece sem comer durante quarenta dias. Vive com os animais selvagens e os anjos servem-n'O (263).

No fim desse tempo, Satanás tenta-O por três vezes, procurando pôr em causa a sua atitude filial para com Deus; Jesus repele esses ataques, que recapitulam as tentações de Adão no paraíso e de Israel no deserto; e o Diabo afasta-se d'Ele «até determinada altura» (
Lc 4,13).


539 Os evangelistas indicam o sentido salvífico deste acontecimento misterioso, Jesus é o Novo Adão, que Se mantém fiel naquilo em que o primeiro sucumbiu à tentação. Jesus cumpre perfeitamente a vocação de Israel: contrariamente aos que outrora, durante quarenta anos, provocaram a Deus no deserto (264), Cristo revela-Se o Servo de Deus totalmente obediente à vontade divina. Nisto, Jesus vence o Diabo: «amarrou o homem forte», para lhe tirar os despojos (265). A vitória de Jesus sobre o tentador, no deserto, antecipa a vitória da paixão, suprema obediência do seu amor filial ao Pai.


540 A tentação de Jesus manifesta a maneira própria de o Filho de Deus ser Messias, ao contrário da que Lhe propõe Satanás e que os homens (266) desejam atribuir-Lhe. Foi por isso que Cristo venceu o Tentador, por nós: «Nós não temos um sumo-sacerdote incapaz de se compadecer das nossas fraquezas; temos um, que possui a experiência de todas as provações, tal como nós, com excepção do pecado» (He 4,15). Todos os anos, pelos quarenta dias da Grande Quaresma, a Igreja une-se ao mistério de Jesus no deserto.

263. Cf. Mc 1,13
264. Cf. Si 95,10
265. Cf. Mc 3,27
266. Cf. Mt 16,21-23



«O REINO DE DEUS ESTÁ PRÓXIMO»


541 «Depois de João ter sido preso, Jesus partiu para a Galileia. Aí proclamava a Boa-Nova da vinda de Deus, nestes termos: "Completou-se o tempo e o Reino de Deus está próximo: convertei-vos e acreditai na Boa-Nova!"» (Mc 1,14-15). «Por isso, Cristo, a fim de cumprir a vontade do Pai, deu começo na terra ao Reino dos céus» (267). Ora a vontade do Pai é «elevar os homens à participação da vida divina» (268). E fá-lo reunindo os homens em torno do seu Filho, Jesus Cristo. Esta reunião é a Igreja, a qual é na terra «o germe e o princípio» do Reino de Deus» (269).


542 Cristo está no centro desta reunião dos homens na «família de Deus». Reúne-os à sua volta pela sua palavra, pelos seus sinais que manifestam o Reino de Deus, pelo envio dos discípulos. E realizará a vinda do seu Reino sobretudo pelo grande mistério da sua Páscoa: a sua morte de cruz e a sua ressurreição. «E Eu, uma vez elevado da Terra, atrairei todos a Mim» (Jn 12,32). Todos os homens são chamados a esta união com Cristo (270).

267. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, LG 3, AAS 57 (1965) 6.
268. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, LG 2, AAS 57 (1965) 5-6.
269. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, LG 5, AAS 57 (1965) 8.
270. Cf. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, LG 3, AAS 57 (1965) 6.



Catecismo Igreja Catól. 495