Catecismo Igreja Catól. 596


OS JUDEUS NÃO SÃO COLECTIVAMENTE RESPONSÁVEIS PELA MORTE DE JESUS


597 Tendo em conta a complexidade histórica do processo de Jesus, manifestada nas narrativas evangélicas, e qualquer que tenha sido o pecado pessoal dos intervenientes no processo (Judas, o Sinédrio, Pilatos), que só Deus conhece, não se pode atribuir a responsabilidade do mesmo ao conjunto dos judeus de Jerusalém, apesar da gritaria duma multidão manipulada (430) e das censuras globais contidas nos apelos à conversão, depois do Pentecostes (431). O próprio Jesus, perdoando na cruz (432) e Pedro a seu exemplo, apelaram para «a ignorância» (433) dos judeus de Jerusalém e mesmo dos seus chefes. Menos ainda é possível estender a responsabilidade ao conjunto dos judeus no espaço e no tempo, a partir do grito do povo: «Que o seu sangue caia sobre nós e sobre os nossos filhos» (Mt 27,25), que é uma fórmula de ratificação (434):

Por isso, a Igreja declarou no II Concílio do Vaticano: «Não se pode, todavia, imputar indistintamente a todos os judeus que então viviam, nem aos judeus do nosso tempo, o que na sua paixão se perpetrou. [...] Nem por isso os judeus devem ser apresentados como reprovados por Deus e malditos, como se tal coisa se concluísse da Sagrada Escritura» (435).

430. Cf. Mc 15,11
431. Cf. Ac 2,23 Ac 2,36 Ac 3,13-14 Ac 4,10 Ac 5,30 Ac 7,52 Ac 10,39 Ac 13,27-28 1Th 2,14-15
432. Cf. Lc 23,34
433. Cf. Ac 3,17
434. Cf. Ac 5,28 Ac 18,6
435. II Concílio do Vaticano, Decl. Nostra aetate, NAE 4: AAS 58 (1966) 743.


TODOS OS PECADORES FORAM AUTORES DA PAIXÃO DE CRISTO


598 A Igreja, no magistério da sua fé e no testemunho dos seus santos, nunca esqueceu que «os pecadores é que foram os autores, e como que os instrumentos, de todos os sofrimentos que o divino Redentor suportou» (436). Partindo do princípio de que os nossos pecados atingem Cristo em pessoa (437), a Igreja não hesita em imputar aos cristãos a mais grave responsabilidade no suplício de Jesus, responsabilidade que eles muitas vezes imputaram unicamente aos judeus:

«Devemos ter como culpados deste horrível crime os que continuam a recair nos seus pecados. Porque foram os nossos crimes que fizeram nosso Senhor Jesus Cristo suportar o suplício da cruz, é evidente que aqueles que mergulham na desordem e no mal crucificam de novo em seu coração, tanto quanto deles depende, o Filho de Deus, pelos seus pecados, expondo-O à ignomínia. E temos de reconhecer: o nosso crime, neste caso, é maior que o dos judeus. Porque eles, como afirma o Apóstolo, «se tivessem conhecido a Sabedoria de Deus, não leriam crucificado o Senhor da glória» (
1Co 2,8); ao passo que nós, pelo contrário, fazemos profissão de O conhecer: e, quando O renegamos pelos nossos actos, de certo modo levantamos contra Ele as nossas mãos assassinas» (438).

«Não foram os demónios que O pregaram na cruz, mas tu com eles O crucificaste, e ainda agora O crucificas quando te deleitas nos vícios e pecados» (439).

436. CatRom 1, 5, 11. p. 64: Cf. He 12,3.
437. Cf. Mt 25,45 Ac 9,4-5.
438. CatRom 1, 5, 11, p. 64.
439. São Francisco de Assis, Admonitia 5, 3: Opuscula Sancti Patris Francisci Assisiensis, ed. G. Esser (Grottaferrata 1978) p. 66. [Fontes Franciscanas I (Braga. Editorial Franciscana. 1994) p. 114].


II. A morte redentora de Cristo no desígnio divino de salvação


«JESUS ENTREGUE, SEGUNDO O DESÍGNIO DETERMINADO DE DEUS»


599 A morte violenta de Jesus não foi fruto do acaso, nem coincidência infeliz de circunstâncias várias. Faz parte do mistério do desígnio de Deus, como Pedro explica aos judeus de Jerusalém, logo no seu primeiro discurso no dia de Pentecostes: «Depois de entregue, segundo o desígnio determinado e a previsão de Deus» (Ac 2,23). Esta linguagem bíblica não significa que os que «entregaram Jesus» (440) foram simples actores passivos dum drama previamente escrito por Deus.


600 A Deus, todos os momentos do tempo estão presentes na sua actualidade. Por isso, Ele estabelece o seu desígnio eterno de «predestinação», incluindo nele a resposta livre de cada homem à sua graça: «Na verdade, Herodes e Pôncio Pilatos uniram-se nesta cidade, com as nações pagãs e os povos de Israel, contra o vosso santo Servo Jesus, a quem ungistes (441). Cumpriram assim tudo o que o vosso poder e os vossos desígnios tinham de antemão decidido que se realizasse» (Ac 4,27-28). Deus permitiu os actos resultantes da sua cegueira (442), como fim de levar a cabo o seu plano de salvação (443).

440. Cf. Ac 3,13
441. Cf. Ps 2,1-2
442. Cf. Mt 26,54 Jn 18,36 Jn 19,11
443. Cf. Ac 3,17-18


«MORTO PELOS NOSSOS PECADOS, SEGUNDO AS ESCRITURAS»


601 Este plano divino de salvação, pela entrega à morte do «Servo, o Justo» (444), tinha sido de antemão anunciado na Escritura como um mistério de redenção universal, quer dizer, de resgate que liberta os homens da escravidão do pecado (445) São Paulo professa, numa confissão de fé que diz ter «recebido» (446), que «Cristo morreu pelos nossos pecados segundo as Escrituras» (1Co 15,3) (447). A morte redentora de Jesus deu cumprimento sobretudo à profecia do Servo sofredor (448). O próprio Jesus apresentou o sentido da sua vida e da sua morte à luz do Servo sofredor (449). Após a sua ressurreição, deu esta interpretação das Escrituras aos discípulos de Emaús (450) e depois aos próprios Apóstolos (451).

444. Cf. Is 53,11 Ac 3,14.
445. Cf. Is 53,11-12 Jn 8,34-36.
446. Cf. 1Co 15,3
447. Cf. também Ac 3,18 Ac 7,52 Ac 13,29 Ac 26,22-23
448. Cf. Is 53,7-8 Ac 8,32-35
449. Cf. Mt 20,28
450. Cf. Lc 24,25-27
451. Cf. Lc 24,44-45


«POR NÓS, DEUS FÊ-LO PECADO»


602 Consequentemente, Pedro pôde formular assim a fé apostólica no plano divino da salvação: «fostes resgatados da vã maneira de viver herdada dos vossos pais, pelo sangue precioso de Cristo, como de um cordeiro sem defeito nem mancha, predestinado antes da criação do mundo e manifestado nos últimos tempos por nossa causa» (1P 1,18-20). Os pecados dos homens, que se seguiram ao pecado original, foram castigados com a morte (452). Enviando o seu próprio Filho na condição de escravo (453), que era a de uma humanidade decaída e votada à morte por causa do pecado (454), «a Cristo, que não conhecera o pecado, Deus fê-lo pecado por amor de nós, para que, em Cristo, nos tornássemos justos aos olhos de Deus» (2Co 5,21).


603 Jesus não conheceu a reprovação como se tivesse pecado pessoalmente (455). Mas, no amor redentor que constantemente O unia ao Pai (456), assumiu-nos no afastamento do nosso pecado em relação a Deus a ponto de, na cruz, poder dizer em nosso nome: «Meu Deus, meu Deus, por que Me abandonaste?» (Mc 15,34) (457). Tendo-O feito solidário connosco, pecadores, «Deus não poupou o seu próprio Filho, mas entregou-O para morrer por nós todos» (Rm 8,32), para que fôssemos «reconciliados com Ele pela morte do seu Filho» (Rm 5,10).

452. Cf. Rm 5,12 1Co 15,56.
453. Cf. Ph 2,7
454. Cf. Rm 8,3
455. Cf. Jn 8,46
456. Cf. Jn 8,29
457. Cf. Ps 22,1


DEUS TOMA A INICIATIVA DO AMOR REDENTOR UNIVERSAL


604 Entregando o seu Filho pelos nossos pecados, Deus manifesta que o seu plano sobre nós é um desígnio de amor benevolente, independente de qualquer mérito da nossa parte: «Nisto consiste o amor: não fomos nós que amámos a Deus, foi Deus que nos amou a nós e enviou o seu Filho como vítima de propiciação pelos nossos pecados» (1Jn 4,10) (458). «Deus prova assim o seu amor para connosco: Cristo morreu por nós quando ainda éramos pecadores» (Rm 5,8).


605 Este amor é sem exclusão. Jesus lembrou-o ao terminar a parábola da ovelha perdida: «Assim, não é da vontade do meu Pai, que está nos céus, que se perca um só destes pequeninos» (Mt 18,14). E afirma «dar a Sua vida em resgate pela multidão» (Mt 20,28). Esta última expressão não é restritiva: simplesmente contrapõe o conjunto da humanidade à pessoa única do redentor, que Se entrega para a salvar (459). No seguimento dos Apóstolos (460), a Igreja ensina que Cristo morreu por todos os homens, sem excepção: «Não há, não houve, nem haverá nenhum homem pelo qual Cristo não tenha sofrido» (461).

458. Cf. 1Jn 4,19
459. Cf. Rm 5,18-19
460. Cf. 2Co 5,15.
461. Concílio de Quiercy (ano 853). De libero arbitrio hominis et de praedestinatione, canon 4: DS 624.


III. Cristo ofereceu-Se a Si mesmo ao Pai pelos nossos pecados


TODA A VIDA DE CRISTO É OBLAÇÃO AO PAI


606 O Filho de Deus, «descido do céu, não para fazer a sua vontade mas a do seu Pai, que O enviou» (462), «diz, ao entrar no mundo: [...] Eis-me aqui, [...] ó Deus, para fazer a tua vontade. [...] E em virtude dessa mesma vontade, é que nós fomos santificados, pela oferenda do corpo de Jesus Cristo, feita de uma vez para sempre» (He 10,5-10). Desde o primeiro instante da sua Encarnação, o Filho faz seu o plano divino de salvação, no desempenho da sua missão redentora: «O meu alimento é fazer a vontade d'Aquele que Me enviou e realizar a sua obra» (Jn 4,34). O sacrifício de Jesus «pelos pecados do mundo inteiro» (1Jn 2,2) é a expressão da sua comunhão amorosa com o Pai: «O Pai ama-Me, porque Eu dou a minha vida» (Jn 10,17). «O mundo tem de saber que amo o Pai e procedo como o Pai Me ordenou» (Jn 14,31).


607 Este desejo de fazer seu o plano do amor de redenção do seu Pai, anima toda a vida de Jesus (463). A sua paixão redentora é a razão de ser da Encarnação: «Pai, salva-Me desta hora! Mas por causa disto, é que Eu cheguei a esta hora» (Jn 12,27). «O cálice que o Pai Me deu, não havia de bebê-lo?» (Jn 18,11). E ainda na cruz, antes de «tudo estar consumado» (Jn 19,30), diz: «Tenho sede» (Jn 19,28).

462. Cf. Jn 6,38
463. Cf. Lc 12,50 Lc 22,15, Mt 16,21-23


«O CORDEIRO QUE TIRA O PECADO DO MUNDO»


608 Depois de ter aceitado dar-Lhe o baptismo como aos pecadores (464), João Baptista viu e mostrou em Jesus o «Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo» (465). Manifestou deste modo que Jesus é, ao mesmo tempo, o Servo sofredor, que Se deixa levar ao matadouro sem abrir a boca (466), carregando os pecados das multidões (467), e o cordeiro pascal, símbolo da redenção de Israel na primeira Páscoa (468), Toda a vida de Cristo manifesta a sua missão: «servir e dar a vida como resgate pela multidão» (469).

464. Cf.
Lc 3,21 Mt 3,14-15
465. Cf. Jn 1,29 Jn 1,36
466. Cf. Is 53,7 Jr 11,19.
467. Cf. Is 53,12
468. Cf. Ex 12,3-14 Jn 19,36 1Co 5,7
469. Cf. Mc 10,45



JESUS PARTILHA LIVREMENTE O AMOR REDENTOR DO PAI


609 Ao partilhar, no seu coração humano, o amor do Pai para com os homens, Jesus «amou-os até ao fim» (Jn 13,1), «pois não há maior amor do que dar a vida por aqueles que se ama» (Jn 15,13). Assim, no sofrimento e na morte, a sua humanidade tornou-se instrumento livre e perfeito do seu amor divino, que quer a salvação dos homens (470). Com efeito, Ele aceitou livremente a sua paixão e morte por amor do Pai e dos homens a quem o Pai quer salvar: «Ninguém Me tira a vida. Sou Eu que a dou espontaneamente» (Jn 10,18). Daí, a liberdade soberana do Filho de Deus, quando Ele próprio vai ao encontro da morte (471).

470. Cf. He 2,10 He 2,17-18 He 4,15 He 5,7-9
471. Cf. Jn 18,4-6 Mt 26,53


NA CEIA, JESUS ANTECIPOU A OBLAÇÃO LIVRE DA SUA VIDA


610 Jesus exprimiu de modo supremo a oblação livre de Si mesmo na refeição que tornou com os doze Apóstolos (472), na «noite em que foi entregue» (1Co 11,23). Na véspera da sua paixão, quando ainda era livre, Jesus fez desta última Ceia com os Apóstolos o memorial da sua oblação voluntária ao Pai (473) para a salvação dos homens: «Isto é o meu Corpo, que vai ser entregue por vós» (Lc 22,19). «Isto é o meu "Sangue da Aliança", que vai ser derramado por uma multidão, para remissão dos pecados» (Mt 26,28).


611 A Eucaristia, que neste momento instituiu, será o «memorial» (474) do seu sacrifício. Jesus incluiu os Apóstolos na sua própria oferenda e pediu-lhes que a perpetuassem (475). Desse modo, instituiu os Apóstolos como sacerdotes da Nova Aliança: «Eu consagro-me por eles, para que também eles sejam consagrados na verdade» (Jn 17,19) (476).

472. Cf. Mt 26,20
473. Cf. 1Co 5,7
474. Cf. 1Co 11,25
475. Cf. Lc 22,19
476. Cf. Concílio de Trento, Sess. 22ª, Doctrina de sanctissimo Missae Sacriftcio, canon 2: DS 1752, Sess. 23ª, Doctrina de sacramento Ordinis, c. 1: DS 1764



A AGONIA NO GETSÉMANI


612 O cálice da Nova Aliança, que Jesus antecipou na Ceia, oferecendo-Se a Si mesmo (477), é aceite seguidamente por Jesus das mãos do Pai, na agonia no Getsémani (478), fazendo-Se «obediente até á morte» (Ph 2,8) (479). Na sua oração, Jesus diz: «Meu Pai, se é possível, que se afaste de Mim este cálice [...]» (Mt 26,39). Exprime desse modo o horror que a morte representa para a sua natureza humana. Com efeito, esta, como a nossa, está destinada à vida eterna. Mas, diferentemente da nossa, é perfeitamente isenta do pecado (480) que causa a morte (481). E, sobretudo, é assumida pela pessoa divina do «Príncipe da Vida» (482), do «Vivente» (483). Aceitando, com a sua vontade humana, que se faça a vontade do Pai (484) aceita a sua morte enquanto redentora, para «suportar os nossos pecados no seu corpo, no madeiro da cruz» (1P 2,24).

477. Cf. Lc 22,20
478. Cf. Mt 26,42
479. Cf. He 5,7-8
480. Cf. He 4,15
481. Cf. Rm 5,12
482. Cf. Ac 3,15


A MORTE DE CRISTO É O SACRIFÍCIO ÚNICO E DEFINITIVO


613 A morte de Cristo é, ao mesmo tempo, o sacrifício pascal que realiza a redenção definitiva dos homens (485) por meio do «Cordeiro que tira o pecado do mundo» (486), e o sacrifício da Nova Aliança (487)que restabelece a comunhão entre o homem e Deus (488), reconciliando-o com Ele pelo «sangue derramado pela multidão, para a remissão dos pecados» (489).


614 Este sacrifício de Cristo é único, leva à perfeição e ultrapassa todos os sacrifícios (490). Antes de mais, é um dom do próprio Deus Pai: é o Pai que entrega o seu Filho para nos reconciliar consigo (491). Ao mesmo tempo, é oblação do Filho de Deus feito homem, que livremente e por amor (492) oferece a sua vida (493) ao Pai pelo Espírito Santo (494) para reparar a nossa desobediência.

483. Cf.
Ap 1,18 Jn 1,4 Jn 5,26
484. Cf. Mt 26,42
485. Cf. 1Co 5,7 Jn 8,34-36
486. Cf. Jn 1,29 1P 1,19.
487. Cf. 1Co 11,25
488. Cf. Ex 24,8
489. Cf. Mt 26,28 Lv 16,15-16
490. Cf. He 10,10
491. Cf. 1Jn 4,10



JESUS SUBSTITUI A NOSSA DESOBEDIÊNCIA PELA SUA OBEDIÊNCIA


615 «Como pela desobediência de um só homem, muitos se tornaram pecadores, assim também, pela obediência de um só, muitos se tornarão justos» (Rm 5,19). Pela sua obediência até à morte, Jesus realizou a acção substitutiva do Servo sofredor, que oferece a sua vida como sacrifício de expiação, ao carregar com o pecado das multidões, que justifica carregando Ele próprio com as suas faltas (495). Jesus reparou as nossas faltas e satisfez ao Pai pelos nossos pecados (496).

492. Cf. Jn 15,13
493. Cf. Jn 10,17-18
494. Cf. He 9,14
495. Cf. Is 53,10-12
496. Cf. Concílio de Trento, Sess. 6ª, Decretum de iustificatione, c. 7: DS 1529


NA CRUZ, JESUS CONSUMA O SEU SACRIFÍCIO


616 É o «amor até ao fim» (497) que confere ao sacrifício de Cristo o valor de redenção e reparação, de expiação e satisfação. Ele conheceu-nos e amou-nos a todos no oferecimento da sua vida (498). «O amor de Cristo nos pressiona, ao pensarmos que um só morreu por todos e que todos, portanto, morreram» (2Co 5,14). Nenhum homem, ainda que fosse o mais santo, estava em condições de tornar sobre si os pecados de todos os homens e de se oferecer em sacrifício por todos. A existência, em Cristo, da pessoa divina do Filho, que ultrapassa e ao mesmo tempo abrange todas as pessoas humanas e O constitui cabeça de toda a humanidade, é que torna possível o seu sacrifício redentor por todos.


617 «Sua sanctissima passione in ligno crucis nobis justificationem meruit – Pela sua santíssima paixão no madeiro da cruz, Ele mereceu-nos a justificação» – ensina o Concílio de Trento (499), sublinhando o carácter único do sacrifício de Cristo como fonte de salvação eterna (500). E a Igreja venera a Cruz cantando: «O crux, ave, spes unica! – Avé, ó cruz, esperança única!» (501).

497. Cf.
Jn 13,1
498. Cf. Ga 2,20 Ep 5,2 Ep 5,25
499. Concílio de Trento, Sess. 6ª. Decretum de iustificatione, c. 1: DS 1529
500. Cf. He 5,9
501. Aditamento litúrgico ao Hino «Vexilla Regis»: Liturgia Horarum, editio typica. N. 2 (Typis Polyglottis Vaticanis 1974) p. 313: v. 4, p. 1129 [a versão litúrgica em português difere um pouco: «Cruz do Senhor, és única esperança!»: Liturgia das Horas. v. 2 (Gráfica de Coimbra 1983) p. 366; v. 4. p. 1267].



A NOSSA PARTICIPAÇÃO NO SACRIFÍCIO DE CRISTO


618 A cruz é o único sacrifício de Cristo, mediador único entre Deus e os homens (502). Mas porque, na sua pessoa divina encarnada. «Ele Se uniu, de certo modo, a cada homem» (503), «a todos dá a possibilidade de se associarem a este mistério pascal, por um modo só de Deus conhe­cido» (504). Convida os discípulos a tomarem a sua cruz e a segui-Lo(505) porque sofreu por nós, deixando-nos o exemplo, para que sigamos os seus passos (506). De facto, quer associar ao seu sacrifício redentor aqueles mesmos que são os primeiros beneficiários (507). Isto realiza-se, em sumo grau, em sua Mãe, associada, mais intimamente do que ninguém, ao mistério do seu sofrimento redentor (508):

Há uma só escada verdadeira fora do paraíso; fora da cruz, não há outra escada por onde se suba ao céu» (509).

502. Cf.
1Tm 2,5
503. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, GS 22, AAS 58 (1966) 1042.
504. Cf. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, GS 22, AAS 58 (1966) 1043.
505. Cf. Mt 16,24
506. Cf. 1P 2,21
507. Cf. Mc 10,39 Jn 21,18-19 Col 1,24
508. Cf. Lc 2,35
509. Santa Rosa de Lima: P. Hansen. Vita mirabilis [...] venerabilis sororis Rosae de sancta Maria Limensis (Romae 1664), p. 137.


Resumindo:


619 «Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras» (1Co 15,3).


620 A nossa salvação procede da iniciativa amorosa de Deus em nosso favor, pois «foi Ele que nos amou a nós e enviou o seu Filho como vítima de propiciação pelos nossos pecados» (1Jn 4,10). «Foi Deus que, em Cristo, reconciliou consigo o mundo» (2Co 5,19).


621 Jesus ofereceu-Se livremente para nossa salvação. Este dom, significa-o e realiza-o Ele, de antemão, durante a Ultimo Ceia: «Isto é o meu Corpo, que vai ser entregue por vós» (Lc 22,19).


622 Nisto consiste a redenção de Cristo: Ele «veio dar a sua vida em resgate pela multidão»(Mt 20,28), quer dizer; veio «amuar os seus até ao fim» (Jn 13,1), para que fossem libertos da má conduta herdada dos seus pais (510).


623 . Pela sua obediência amorosa ao Pai, «até d morte de cruz» (Ph 2,8), Jesus cumpriu a missão expiatória (511) do Servo sofredor, que justifica as multidões, tomando sobre Si o peso das suas faltas (Is 53,11) (512).

510. Cf. 1P 1,18
511. Cf. Is 53,10
512. Cf. Is 53,11 Rm 5,19



PARÁGRAFO 3

JESUS CRISTO FOI SEPULTADO


624 «Pela graça de Deus, ele experimentou a morte, para proveito de todos» (He 2,9). No seu plano de salvação, Deus dispôs que o seu Filho, não só «morresse pelos nossos pecados» (1Co 15,3), mas também «saboreasse a morte», isto é, conhecesse o estado de morte, o estado de separação entre a sua alma e o seu corpo, durante o tempo compreendido entre o momento em que expirou na cruz e o momento em que ressuscitou. Este estado de Cristo morto é o mistério do sepulcro e da descida à mansão dos mortos. É o mistério do Sábado Santo, em que Cristo, depositado no túmulo (513), manifesta o repouso sabático de Deus (514) depois da realização (515) da salvação dos homens, que pacifica todo o universo (516).

513. Cf. Jn 19,42
514. Cf. He 4,4-9
515. Cf. Jn 19,30
516. Cf. Col 1,18-20


O CORPO DE CRISTO NO SEPULCRO


625 A permanência do corpo de Cristo no túmulo constitui o laço real entre o estado passível de Cristo antes da Páscoa e o seu estado glorioso actual de ressuscitado. É a mesma pessoa do «Vivente» que pode dizer: «Estive morto e eis-Me vivo pelos séculos dos séculos» (Ap 1,18):

«É este o mistério do desígnio de Deus àcerca da morte e da ressurreição dos mortos: se Ele não impediu que a morte separasse a alma do corpo, segundo a ordem necessária da natureza: mas juntou-os de novo um ao outro pela ressurreição, a fim de ser Ele próprio na sua pessoa o ponto de encontro da morte e da vida, suspendendo em Si a decomposição da natureza produzida pela morte e tornando-Se, Ele próprio, princípio de reunião para as partes separadas» (517).


626 Uma vez que o «Príncipe da Vida», a quem deram a morte (518), é precisamente o mesmo «Vivente que ressuscitou» (519), é forçoso que a pessoa divina do Filho de Deus tenha continuado a assumir a alma e o corpo, separados um do outro pela morte:

«Embora Cristo, enquanto homem tenha sofrido a morte e a sua santa alma tenha sido separada do seu corpo imaculado, nem por isso a divindade se separou, de nenhum modo, nem da alma nem do corpo: e nem por isso a Pessoa única foi dividida em duas. Tanto o corpo como a alma tiveram existência simultânea, desde o início, na Pessoa do Verbo; e, apesar de na morte terem sido separados, nenhum dos dois deixou de subsistir na Pessoa única do Verbo» (520).

517. São Gregório de Nissa, Oratio catechetica, 16, 9: TD 7, 90 (PG 45, 52).
518. Cf.
Ac 3,15
519. Cf. Lc 24,5-6
520. São João Damasceno, Expositio fidei, 71 [De Fide orthodoxa 3, 27]. PTS 12, 170 (PG 94, 1098).



«NÃO DEIXAREIS O VOSSO SANTO SOFRER A CORRUPÇÃO»


627 A morte de Cristo foi uma verdadeira morte, na medida em que pôs fim à sua existência humana terrena. Mas por causa da união que a Pessoa do Filho manteve com o seu corpo, este não se tornou um despojo mortal como os outros, porque «não era possível que Ele ficasse sob o domínio» da morte (Ac 2,24) e, por isso, «o poder divino preservou o corpo de Cristo da corrupção» (521). De Cristo pode dizer-se ao mesmo tempo: «Foi cortado da terra dos vivos» (Is 53,8) e: «A minha carne repousará na esperança, porque Tu não abandonarás a minha alma na mansão dos mortos, nem deixarás que o teu santo conheça a corrupção» (Ac 2,26-27) (522). A ressurreição de Jesus «ao terceiro dia» (1Co 15,4 Lc 24,46) (523) era disso sinal, até porque se julgava que a corrupção começava a manifestar-se a partir do quarto dia (524).

521. São Tomás de Aquino, Summa theologiae, III 51,3. ad 2: ED. Leon. 11, 490.
522. Cf. Ps 16,9-10
523. Cf. Mt 12,40 Jn 2,1 Os 6,2
524. Cf. Jn 11,39


«SEPULTADOS COM CRISTO...»


628 O Baptismo, cujo sinal original e pleno é a imersão, significa eficazmente a descida ao túmulo, por parte do cristão que morre para o pecado com Cristo, com vista a uma vida nova. «Fomos sepultados com Ele, pelo Baptismo, na sua morte, para que, assim como Cristo ressuscitou dos mortos, pela glória do Pai, também nós vivamos uma vida nova» (Rm 6,4) (525).

525. Cf. Col 2,12 Ep 5,26.

Resumindo:


629 Para benefício de todos os homens, Jesus experimentou a morte (526). Foi, de verdade, o Filho de Deus feito homem que morreu e foi sepultado.

526. Cf.
He 2,9

630 Durante a permanência de Cristo no túmulo, a sua pessoa divina continuou a assumir tanto a alma como o corpo, apesar de sepa­rados entre si pela morte. Por isso, o corpo de Cristo morto «não sofreu a corrupção» (Ac 13,37).

ARTIGO 5


«JESUS CRISTO DESCEU À MANSÃO DOS MORTOS,


AO TERCEIRO DIA RESSUSCITOU DOS MORTOS»



631 «Jesus desceu às regiões inferiores da Terra. Aquele que desceu é precisamente o mesmo que subiu» (Ep 4,9-10). O Símbolo dos Apóstolos confessa, num mesmo artigo da fé, a descida de Cristo a mansão dos mortos e a sua ressurreição dos mortos ao terceiro dia, porque, na sua Páscoa, é da profundidade da morte que Ele faz jorrar a vida:

«Christus, Filius tuus,
qui, regressos ab inferis,
humano generi serenus illuxit,
et vivit et regnat in saecula saeculorum. Amen».
«Jesus Cristo, vosso Filho,
que, ressuscitando de entre os mortos,
iluminou o género humano com a sua luz e a sua paz
e vive glorioso pelos séculos dos séculos. Ámen» (527).

527. Vigília Pascal, Precónio Pascal («Exsultet»): Missale Romanum, editio typica (Typis Polyglottis Vaticanis 1970), p. 273 e 275 [Missal Romano, Gráfica de Coimbra 1992, p. 292 e 295].



PARÁGRAFO 1

CRISTO DESCEU À MANSÃO DOS MORTOS


632 As frequentes afirmações do Novo Testamento, segundo as quais Jesus «ressuscitou de entre os mortos» (1Co 15,20) (528), pressupõem que, anteriormente à ressurreição, Ele tenha estado na mansão dos mortos (529) este o sentido primeiro dado pela pregação apostólica à descida de Jesus à mansão dos mortos: Jesus conheceu a morte, como todos os homens, e foi ter com eles à morada dos mortos. Porém, desceu lá como salvador proclamando a Boa-Nova aos espíritos que ali estavam prisioneiros (530).


633 A morada dos mortos, a que Cristo morto desceu, é chamada pela Escritura os infernos, Sheol ou Hades (531), porque aqueles que aí se encontravam estavam privados da visão de Deus (532). Tal era o caso de todos os mortos, maus ou justos, enquanto esperavam o Redentor (533), o que não quer dizer que a sua sorte fosse idêntica, como Jesus mostra na parábola do pobre Lázaro, recebido no «seio de Abraão» (534). «Foram precisamente essas almas santas, que esperavam o seu libertador no seio de Abraão, que Jesus Cristo libertou quando desceu à mansão dos mortos» (535). Jesus não desceu à mansão dos mortos para de lá libertar os condenados (536), nem para abolir o inferno da condenação (537), mas para libertar os justos que O tinham precedido (538).


634 «A Boa-Nova foi igualmente anunciada aos mortos...» (1P 4,6). A descida à mansão dos mortos é o cumprimento, até à plenitude, do anúncio evangélico da salvação. É a última fase da missão messiânica de Jesus, fase condensada no tempo, mas imensamente vasta no seu significado real de extensão da obra redentora a todos os homens de todos os tempos e de todos os lugares, porque todos aqueles que se salvaram se tornaram participantes da redenção.


635 Cristo, portanto, desceu aos abismos da morte (539), para que «os mortos ouvissem a voz do Filho do Homem e os que a ouvissem, vivessem» (Jn 5,25). Jesus, «o Príncipe da Vida» (540), «pela sua morte, reduziu à impotência aquele que tem o poder da morte, isto é, o Diabo, e libertou quantos, por meio da morte, se encontravam sujeitos à servidão durante a vida inteira» (He 2,14-15). Desde agora, Cristo ressuscitado «detém as chaves da morte e do Hades» (Ap 1,18) e «ao nome de Jesus todos se ajoelhem, no céu, na terra e nos abismos» (Ph 2,10).

«Um grande silêncio reina hoje sobre a terra; um grande silêncio e uma grande solidão. Um grande silêncio, porque o rei dorme. A terra estremeceu e ficou silenciosa, porque Deus adormeceu segundo a carne e despertou os que dormiam há séculos [...]. Vai à procura de Adão, nosso primeiro pai, a ovelha perdida. Quer visitar os que jazem nas trevas e nas sombras da morte. Vai libertar Adão do cativeiro da morte. Ele que é ao mesmo tempo seu Deus e seu filho [...] "Eu sou o teu Deus, que por ti me fiz teu filho [...] Desperta tu que dormes, porque Eu não te criei para que permaneças cativo no reino dos mortos: levanta-te de entre os mortos; Eu sou a vida dos mortos"» (541).

528. Cf. Ac 3,15 Rm 8,11
529. Cf. He 13,20
530. Cf. 1P 3,18-19
531. Cf. Ph 2,10 Ac 2,24, Ap 1,18 Ep 4,9
532. Cf. Ps 6,6 Ps 88,11-13
533. Cf. Ps 89,49 1S 28,19, Ez 32,17-32.
534. Cf. Lc 16,22-26,
535. CatRom 1. 6. 3. p. 71.
536. Cf. Concílio de Roma (ano 745), De descensu Christi ad inferos: DS 587.
537. Cf. Bento XII, Libellus, Cum dudum (1341). 18: DS 1011; Clemente VI, Ep. Super quibusdam (ano 1351), c. 15, 13: DS 1077.
538. Cf. IV Concílio de Toledo (ano 633). Capitulum, 1: DS 485; Mt 27,52-53.
539. Cf Mt 12,40 Rm 10,7 Ep 4,9
540. Cf. Ac 3,15
541. Antiga homilia para Sábado Santo: PG 43. 440.452.461 [Sábado Santo, 2ª Leitura do Ofício de Leituras: Liturgia das Horas, s. 2 (Gráfica de Coimbra 1983) p. 454-4551.


Resumindo:


636 Na expressão «Jesus desceu à mansão dos mortos», o Símbolo confessa que Jesus morreu realmente, e que, por ter morrido por nós, venceu a morte e o Diabo «que tem o poder da morte» (He 2,14).


637 Cristo morto, na sua alma unida à pessoa divina, desceu à morada dos mortos. E abriu aos justos, que O tinham precedido, as portas do céu.

PARÁGRAFO 2

AO TERCEIRO DIA, RESSUSCITOU DOS MORTOS


638 «Nós vos anunciamos a Boa-Nova de que a promessa feita aos nossos pais, a cumpriu Deus para nós, seus filhos, ao ressuscitar Jesus» (Ac 13,32-33). A ressurreição de Jesus é a verdade culminante da nossa fé em Cristo, acreditada e vivida como verdade central pela primeira comunidade cristã, transmitida como fundamental pela Tradição, estabelecida pelos documentos do Novo Testamento, pregada como parte essencial do mistério pascal, ao mesmo tempo que a cruz:

«Cristo ressuscitou dos mortos.
Pela Sua morte venceu a morte,
e aos mortos deu a vida» (542).

542. Liturgia bizantina, Tropário no dia de Páscoa: «Pentêkostárion» (Romae 1884) p. 6.


I. Acontecimento histórico e transcendente


639 O mistério da ressurreição de Cristo é um acontecimento real, com manifestações historicamente verificadas, como atesta o Novo Testamento. Já São Paulo, por volta do ano 56, pôde escrever aos Coríntios: «Transmiti-vos, em primeiro lugar, o mesmo que havia recebido: Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras, e foi sepultado e ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras: a seguir, apareceu a Pedro, depois aos Doze» (1Co 15,3-4). O Apóstolo fala aqui da tradição viva da ressurreição, de que tinha tomado conhecimento após a sua conversão, às portas de Damasco (543).

543. Cf. Ac 9,3-18



O TÚMULO VAZIO


640 «Por que motivo procurais entre os mortos Aquele que está vivo? Não está aqui, ressuscitou» (Lc 24,5-6). No quadro dos acontecimentos da Páscoa, o primeiro elemento que se nos oferece é o sepulcro vazio. Isso não é, em si, uma prova directa. A ausência do corpo de Cristo do sepulcro poderia explicar-se doutro modo (544). Apesar disso, o sepulcro vazio constitui, para todos, um sinal essencial. A descoberta do facto pelos discípulos foi o primeiro passo para o reconhecimento do facto da ressurreição. Foi, primeiro, o caso das santas mulheres (545), depois o de Pedro (546). «O discípulo que Jesus amava» (Jn 20,2) afirma que, ao entrar no sepulcro vazio e ao descobrir «os lençóis no chão» (Jn 20,6), «viu e acreditou» (547); o que supõe que ele terá verificado, pelo estado em que ficou o sepulcro vazio "', que a ausência do corpo de Jesus não podia ter sido obra humana e que Jesus não tinha simplesmente regressado a uma vida terrena, como fora o caso de Lázaro (549).

544. Cf.
545. Cf. Lc 24,3 Lc 24,22-23
546. Cf. Lc 24,12
547. Cf. Jn 20,8
548. Cf. Jn 20,5-7
549. Cf. Jn 11,44


AS APARIÇÕES DO RESSUSCITADO


641 Maria Madalena e as santas mulheres, que vinham para acabar de embalsamar o corpo de Jesus (550), sepultado à pressa por causa do início do «Sábado», no fim da tarde de Sexta-feira Santa (551), foram as primeiras pessoas a encontra-se com o Ressuscitado (552). Assim, as mulheres foram as primeiras mensageiras da ressurreição de Cristo para os próprios Apóstolos (553). Em seguida, foi a eles que Jesus apareceu: primeiro a Pedro, depois aos Doze (554). Pedro, incumbido de consolidar a fé dos seus irmãos (555), vê, portanto, o Ressuscitado antes deles e é com base no seu testemunho que a comunidade exclama: «Realmente, o Senhor ressuscitou e apareceu a Simão» (Lc 24,34 Lc 24,36).


642 Tudo quanto aconteceu nestes dias pascais empenha cada um dos Apóstolos – e muito particularmente Pedro – na construção da era nova, que começa na manhã do dia de Páscoa. Como testemunhas do Ressuscitado, eles são as pedras do alicerce da sua Igreja. A fé da primeira comunidade dos crentes está fundada no testemunho de homens concretos, conhecidos dos cristãos e, a maior parte, vivendo ainda entre eles. Estas «testemunhas da ressurreição de Cristo» (556) são, em primeiro lugar, Pedro e os Doze. Mas há outros: Paulo fala claramente de mais de quinhentas pessoas às quais Jesus apareceu em conjunto, além de Tiago e de todos os Apóstolos (557).


643 Perante estes testemunhos, é impossível interpretar a ressurreição de Cristo fora da ordem física e não a reconhecer como um facto histórico. Resulta, dos factos, que a fé dos discípulos foi submetida à prova radical da paixão e morte de cruz do seu Mestre, por este de antemão anunciada (558). O abalo provocado pela paixão foi tão forte que os discípulos (pelo menos alguns) não acreditaram imediatamente na notícia da ressurreição. Longe de nos apresentar uma comunidade tomada de exaltação mística, os evangelhos apresentam-nos os discípulos abatidos (de «rosto sombrio»: Lc 24,17) e apavorados (559). Foi por isso que não acreditaram nas santas mulheres, regressadas da sua visita ao túmulo, e «as suas narrativas pareceram-lhe um desvario» (Lc 24,11) (560). Quando Jesus apareceu aos onze, na tarde do dia de Páscoa, «censurou-lhes a falta de fé e a teimosia em não quererem acreditar naqueles que O tinham visto ressuscitado» (Mc 16,14).


644 Mesmo confrontados com a realidade de Jesus Ressuscitado, os discípulos ainda duvidam (561) de tal modo isso lhes parecia impossível: julgavam ver um fantasma (562). «Por causa da alegria, estavam ainda sem querer acreditar e cheios de assombro» (Lc 24,41). Tomé experimentará a mesma provação da dúvida (563), e quando da última aparição na Galileia, referida por Mateus, «alguns ainda duvidavam» (Mt 28,17).É por isso que a hipótese, segundo a qual a ressurreição teria sido um «produto» da fé (ou da credulidade) dos Apóstolos, é inconsistente. Pelo contrário, a sua fé na ressurreição nasceu — sob a acção da graça divina da experiência directa da realidade de Jesus Ressuscitado.

550. Cf. Mc 16,1 Lc 24,1
551. Cf. Jn 19,31 Jn 19,42
552. Cf. Mt 28,9-10 Jn 20,11-18
553. Cf. Lc 24,9-10
554. Cf. 1Co 15,5
555. Cf. Lc 22,31-32
556. Cf. Ac 1,22
557. Cf. 1Co 15,4-8
558. Cf. Lc 22,31-32
559. Cf. Jn 20,19
560. Cf. Mc 16,11 Mc 16,13
561. Cf. Lc 24,38
562. Cf. Lc 24,37


Catecismo Igreja Catól. 596