Discursos Bento XVI 10509

BÊNÇÃO DAS PRIMEIRA PEDRAS DAS IGREJAS DOS LATINOS E DOS GRECO-MELQUITAS

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Betânia do outro lado do Jordão

Domingo, 10 de Maio de 2009




Altezas Reais
Amados Irmãos Bispos
Prezados amigos

É com grande alegria espiritual que venho benzer as primeiras pedras das duas igrejas católicas que serão edificadas na outra margem do rio Jordão, um lugar marcado por muitos acontecimentos memoráveis na história bíblica. O profeta Elias, o Tisbita, era oriundo desta região não distante do norte de Galaad. Aqui perto, diante de Jericó, as águas do Jordão abriram-se diante de Elias que foi arrebatado pelo Senhor num carro de fogo (cf.
2R 2,9-12). Aqui, o Espírito do Senhor chamou João, o filho de Zacarias, para anunciar a conversão dos corações. Nesta área, o Evangelista João colocou também o encontro entre João Baptista e Jesus, que por ocasião do baptismo foi "ungido" pelo Espírito de Deus, que desceu em forma de pomba, e foi proclamado Filho dilecto do Pai (cf. Jn 1,28 Mc 1,9-11).

Sinto-me honrado por ser recebido neste importante lugar por Suas Majestades o Rei Abdullah II e a Rainha Rania. Mais uma vez gostaria de expressar a minha sincera gratidão pela calorosa hospitalidade que me reservaram durante a minha visita ao Reino Hachemita da Jordânia.

Saúdo com alegria Sua Beatitude Gregório III Laham, Patriarca de Antioquia para a Igreja greco-melquita. Saúdo com afecto também Sua Beatitude o Arcebispo D. Fouad Twal, Patriarca Latino de Jerusalém. Estendo calorosamente os meus melhores votos a Sua Beatitude Michel Sabbah, aos Bispos Auxiliares aqui presentes, particularmente ao Arcebispo D. Yasser Ayyach e ao Reverendíssimo Salim Sayegh, a quem agradeço as suas amáveis palavras de boas-vindas. Estou feliz por saudar todos os Bispos, sacerdotes, religiosos e fiéis leigos que nos acompanham hoje. Alegramo-nos ao reconhecer que os dois edifícios, um latino e o outro greco-melquita, servirão para construir, cada qual segundo as tradições da respectiva comunidade, a única família de Deus.

A primeira pedra de uma igreja é símbolo de Cristo. A Igreja fundamenta-se sobre Cristo, é sustentada por Ele e dele não pode ser separada. Ele é o único fundamento de cada comunidade cristã, a pedra viva, rejeitada pelos construtores mas preciosa aos olhos de Deus e por Ele escolhida como pedra angular (cf. 1P 2,4-5 1P 2,7). Com Ele, também nós somos pedras vivas, construídas como edifício espiritual, lugar de morada para Deus (cf. Ef Ep 2,20-22 1P 2,5). Santo Agostinho gostava de se referir ao mistério da Igreja como ao Christus totus, o Cristo inteiro, o Corpo de Cristo pleno e completo, Cabeça e membros. Esta é a realidade da Igreja; ela é Cristo em nós, Cristo connosco. Ele permanece connosco como a videira está com os seus ramos (cf. Jn 15,1-8). A Igreja é em Cristo uma comunidade de vida nova, uma realidade dinâmica de graça que deriva dele. Através da Igreja, Cristo purifica os nossos corações, ilumina as nossas mentes, une-nos ao Pai e, no único Espírito, conduz-nos a um exercício quotidiano de amor cristão. Confessamos esta alegre realidade como a Igreja Una, Santa, Católica e Apostólica.

Nós entramos na Igreja mediante o Baptismo. A memória do próprio baptismo de Cristo está profundamente presente neste lugar. Jesus pôs-se na fila com os pecadores e aceitou o baptismo de penitência de João como um sinal profético da sua própria paixão, morte e ressurreição, para o perdão dos pecados. Ao longo dos séculos, muitos peregrinos vieram ao Jordão para procurar a purificação, renovar a sua fé e estar mais próximos do Senhor. Assim fez a peregrina Egéria, que deixou um escrito acerca da sua visita no final do século IV. O Sacramento do Baptismo, que haure o seu poder da morte e ressurreição de Cristo, será particularmente considerado pelas comunidades cristãs que se congregarem nas novas igrejas. Possa o Jordão recordar-vos sempre que fostes lavados nas águas do Baptismo e que vos tornastes membros da família de Jesus. As vossas vidas, em obediência à sua palavra, são transformadas na sua imagem e semelhança. Esforçando-vos por ser fiéis ao vosso compromisso baptismal de conversão, testemunho e missão, sabei que sois fortalecidos pelo dom do Espírito Santo.

Caros Irmãos e Irmãs, possa a contemplação destes mistérios enriquecer-vos de alegria espiritual e coragem moral. Com o Apóstolo Paulo, exorto-vos a crescer em toda a série de atitudes nobres que se inserem sob o bendito nome de ágape, amor cristão (cf. 1Co 13,1-13). promovei o diálogo e a compreensão na sociedade civil, especialmente quando reivindicais os vossos direitos legítimos. No Médio Oriente, assinalado por um sofrimento trágico, por anos de violência e de tensões não resolvidas, os cristãos são chamados a oferecer a sua contribuição, inspirada pelo exemplo de Jesus, de reconciliação e paz através do perdão e a generosidade. Continuai a agradecer àqueles que vos guiam e servem fielmente como ministros de Cristo. Fazeis bem em aceitar a sua orientação na fé, conscientes de que ao receber o ensinamento apostólico que eles transmitem, acolheis Cristo e recebeis o Único que O enviou (cf. Mt 10,40).

Meus queridos Irmãos e Irmãs, procedamos agora à bênção destas duas pedras, o início de dois novos edifícios sagrados. Queira o Senhor sustentar, revigorar e incrementar as comunidades que neles vierem a praticar o seu culto. E abençoe todos vós com o seu dom de paz. Amém!




CERIMÓNIA DE DESPEDIDA Aeroporto Internacional Queen Alia - Amã Segunda-feira, 11 de Maio de 2009

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Excelências
Queridos amigos

Preparando-me para a próxima etapa da minha peregrinação nas terras da Bíblia, desejo agradecer a todos vós a calorosa hospitalidade que nestes dias recebi na Jordânia. Estou grato a Sua Majestade o rei Abdullah II por me ter convidado a visitar o Reino Hachemita, pela sua hospitalidade e pelas suas gentis palavras. Expresso também o meu apreço pelo grande trabalho levado a cabo com a finalidade de tornar possível a minha visita e de assegurar a realização ordenada dos vários encontros e das celebrações que se realizaram. As autoridades públicas, assistidas por um grande número de voluntários, trabalharam prolongada e denodadamente para orientar as multidões e organizar os diversos acontecimentos. O trabalho dos mass media permitiu a inúmeras pessoas acompanhar as celebrações, ainda que não tenham podido estar fisicamente presentes. Enquanto agradeço àqueles que tornaram isto possível, desejo dirigir um agradecimento particular a todos os que estão a ouvir a rádio ou a assistir à televisão, especialmente aos doentes e aos que são obrigados a permanecer em casa.

Tive a especial alegria de estar presente no lançamento de numerosas e importantes iniciativas promovidas pela comunidade católica aqui na Jordânia. O novo espaço do Centro Regina Pacis oferecerá possibilidades concretas de infundir esperança naqueles que lutam com dificuldades de todos os tipos, bem como nas suas famílias. As duas igrejas que serão construídas em Betânia tornarão possível às respectivas comunidades acolher peregrinos e promover o crescimento espiritual daqueles que forem rezar nesse lugar santo. A Universidade de Madaba deve oferecer uma contribuição particularmente importante para a comunidade mais ampla, formando jovens de várias tradições nas competências que os tornarão capazes de modelar o futuro da sociedade civil. A todos aqueles que estão comprometidos nestes projectos, formulo os melhores votos e a promessa das minhas orações.

Um dia particularmente luminoso, entre os que estou a viver, foi o da minha visita à Mesquita al-Hussein bin-Talal, onde tive o prazer de me encontrar com os chefes religiosos muçulmanos, juntamente com os membros dos corpos diplomáticos e os reitores das Universidades. Gostaria de encorajar todos os jordanos, quer cristãos quer muçulmanos, a construir nos sólidos fundamentos da tolerância religiosa, que torna capazes os membros das diversas comunidades, de viver juntos em paz e respeito mútuo. Sua Majestade o Rei tem sido muito activo na promoção do diálogo inter-religioso, e desejo ressaltar como é apreciado o seu compromisso a este propósito. Reconheço também com gratidão a particular consideração que ele demonstra pela comunidade cristã na Jordânia. Este espírito de abertura não só ajuda os membros das várias comunidades étnicas neste país a viver juntas em paz e concórdia, mas também tem contribuído inclusive para as iniciativas políticas clarividentes da Jordânia, em ordem a construir a paz em todo o Médio Oriente.

Estimados amigos, como sabeis, vim à Jordânia sobretudo como peregrino e pastor. Por conseguinte, as experiências destes dias que permanecerão firmemente gravados na minha memória, são as minhas visitas aos lugares santos e os momentos de oração que celebrámos em conjunto. Mais uma vez, desejo manifestar o apreço de toda a Igreja àqueles que conservam os lugares de peregrinação nesta terra e desejo também agradecer às numerosas pessoas que contribuíram para a preparação das Vésperas de sábado na Catedral de São Jorge e da Missa de ontem no estádio internacional. Para mim foi uma verdadeira alegria experimentar estas celebrações pascais com fiéis católicos de diferentes tradições, unidos na comunhão da Igreja e no seu testemunho de Cristo. Encorajo-os todos unidos, a permanecer fiéis ao seu compromisso baptismal, recordando que o próprio Cristo recebeu o baptismo de João nas águas do rio Jordão.

Ao despedir-me de vós, desejo que saibais que levo no meu coração o povo do Reino Hachemita e todos aqueles que vivem nesta região. Rezo para que tenhais a alegria da paz e da prosperidade, agora e para as gerações vindouras. Uma vez mais, obrigado! E que Deus abençoe todos vós!




CERIMÓNIA DE BOAS-VINDAS Aeroporto Internacional Ben Gurion - Tel Aviv Segunda-feira, 11 de Maio de 2009

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Senhor Presidente
Senhor Primeiro-Ministro
Excelências, Senhoras e Senhores

Estou grato pelo vosso caloroso acolhimento no Estado de Israel, nesta terra que é considerada santa por milhões de fiéis em todo o mundo. Agradeço ao Presidente, Senhor Shimon Peres, as suas gentis palavras e aprecio a ocasião que me é oferecida para realizar esta peregrinação a uma terra tornada santa pelas pegadas de patriarcas e profetas, uma terra que os Cristãos têm em particular veneração como lugar dos eventos da vida, morte e ressurreição de Jesus Cristo. Tomo a minha posição numa longa fila de peregrinos cristãos a estes lugares, uma fila que remonta no tempo até aos primeiros séculos da história cristã e que, estou convicto, continuará a prolongar-se no futuro. Como muitos antes de mim, vim para rezar nos lugares santos, para rezar de modo especial pela paz paz aqui na Terra Santa e paz no mundo inteiro.

Senhor Presidente, a Santa Sé e o Estado de Israel compartilham muitos valores, primeiro entre todos o empenho de reservar à religião o seu legítimo lugar na vida da sociedade. A justa ordem das relações sociais pressupõe e exige o respeito pela liberdade e dignidade de cada ser humano, como Cristãos, Muçulmanos e Judeus acreditam igualmente terem sido criados por um Deus amoroso e destinado à vida eterna. Quando a dimensão religiosa da pessoa humana é negada ou marginalizada, o próprio fundamento de uma correcta compreensão dos direitos inalienáveis é posto em perigo.

Tragicamente, o povo judeu experimentou as terríveis consequências de ideologias que negam a dignidade fundamental de cada pessoa humana. É justo e conveniente que, durante a permanência em Israel, eu tenha a ocasião de honrar a memória dos seis milhões de Judeus vítimas do Shoah e de rezar a fim de que a humanidade nunca mais tenha que ser testemunha de um crime de semelhante enormidade. Infelizmente, o anti-semitismo continua a erguer a sua cabeça repugnante em muitas partes do mundo. Isto é totalmente inaceitável. Devem ser feitos todos os esforços para combater o anti-semitismo onde quer que seja e promover o respeito e a estima pelos membros de cada povo, raça, língua e nação em todo o mundo.

Durante a minha permanência em Jerusalém terei o prazer de me encontrar também com muitos distintos líderes religiosos deste país. Um aspecto que as três religiões monoteístas têm em comum é uma veneração especial por esta cidade santa. É minha fervorosa esperança que todos os peregrinos aos lugares santos tenham a possibilidade de visitá-los livremente e sem restrições, de participar nas cerimónias religiosas e de promover a digna manutenção dos edifícios de culto que se encontram nos espaços sagrados. Que as palavras da profecia de Isaías sejam cumpridas, segundo as quais muitas nações correrão ao monte da Casa do Senhor, de modo que Ele lhes mostre os Seus caminhos e elas possam caminhar nas Suas veredas, estradas de paz e de justiça, estradas que levem à reconciliação e à harmonia (cf.
Is 2,2-5).

933 Não obstante o nome Jerusalém signifique "cidade da paz", é totalmente evidente que por décadas a paz eludiu de maneira trágica os habitantes desta terra santa. Os olhos do mundo observam os povos desta região, enquanto eles lutam para alcançar uma solução justa e duradoura para os conflitos que causam tantos sofrimentos. As esperanças de inúmeros homens, mulheres e crianças por um futuro mais seguro e estável dependem do êxito das negociações de paz entre Israelenses e Palestinianos. Em união com todos os homens de boa vontade, suplico a quantos estão investidos dessa responsabilidade que explorem todas as vias possíveis em busca de uma solução justa para as enormes dificuldades, de forma que ambos os povos possam viver em paz numa pátria que seja sua, dentro de confins seguros e internacionalmente reconhecidos. A este propósito, espero e rezo para que se possa criar depressa um clima de maior confiança, que torne as partes capazes de realizar progressos reais ao longo da estrada rumo à paz e à estabilidade.

Aos Bispos e aos fiéis católicos aqui presentes ofereço uma especial palavra de saudação. Venho a esta terra onde Pedro recebeu a tarefa de apascentar as ovelhas do Senhor, como Sucessor de Pedro para desempenhar no meio de vós o meu ministério. Será uma alegria especial para mim unir-me a vós para concluir as celebrações do Ano da Família, que se realizarão em Nazaré, pátria da Sagrada Família de Jesus, Maria e José. Como disse na Mensagem para o Dia Mundial da Paz do ano passado, a família é "a primeira e indispensável mestra de paz" (n. 3) e, por conseguinte, tem um papel vital a desempenhar para remediar as divisões presentes na sociedade humana a todos os níveis. Às comunidades cristãs da Terra Santa digo: através do vosso fiel testemunho Àquele que pregou o perdão e a reconciliação, através do vosso empenho para defender a sacralidade de todas as vidas humanas, podeis oferecer um contributo particular para que terminem as hostilidades que por tanto tempo têm afligido esta terra. Rezo para que a vossa contínua presença em Israel e nos Territórios Palestinianos produza muitos frutos na promoção da paz e no respeito recíproco entre todas as populações que vivem nas terras da Bíblia.

Senhor Presidente, Senhoras e Senhores, mais uma vez agradeço-vos o vosso acolhimento e garanto-vos os meus sentimentos de boa vontade. Deus dê força ao seu povo! Deus abençoe o seu povo com a paz!



VISITA DE CORTESIA AO PRESIDENTE DO ESTADO DE ISRAEL

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Palácio Presidencial - Jerusalém

Segunda-feira, 11 de Maio de 2009




Senhor Presidente
Excelências
Senhoras e Senhores

Como gentil acto de hospitalidade, o Senhor Presidente Peres recebeu-nos aqui na sua residência, oferecendo-nos a possibilidade de saudar todos vós e, ao mesmo tempo, de compartilhar convosco algumas breves considerações. Senhor Presidente, agradeço-lhe a amável hospitalidade e as suas calorosas palavras de saudação, que retribuo de coração. Além disso, estou grato também aos músicos que nos entretiveram com a sua elegante execução.

Senhor Presidente, na mensagem de bons votos que lhe enviei por ocasião da sua tomada de posse, recordei de bom grado o seu ilustre testemunho no serviço público caracterizado por um vigoroso testemunho na promoção da justiça e da paz. Hoje, desejo assegurar-lhe, e assim como ao seu governo recém-formado e a todos os habitantes do Estado de Israel, que a minha peregrinação aos Lugares Santos constitui uma peregrinação de oração em prol da preciosa dádiva da unidade e da paz para o Médio Oriente e para toda a humanidade. Na verdade, rezo todos os dias a fim de que a paz que nasce da justiça se restabeleça na Terra Santa e em toda esta região, trazendo consigo segurança e renovada esperança para todos.

A paz é em primeiro lugar um dom divino. Efectivamente, a paz é a promessa do Omnipotente a todo o género humano e salvaguarda a unidade. No livro do profeta Jeremias, lemos: "Conheço os meus projectos a respeito de vós – oráculo do Senhor – são projectos de felicidade, e não de sofrimento, para vos conceder um futuro repleto de esperança" (
Jr 29,11). O profeta recorda-nos a promessa do Todo-Poderoso que "se deixará encontrar", que "dará ouvidos", que "nos reunirá". Mas para isto existe também uma condição: temos o dever de "procurá-lo", de "buscá-lo de todo o coração" (cf. ibid., Jr 29,12-14).

Aos chefes religiosos hoje aqui presentes, gostaria de dizer que a contribuição particular das religiões na busca da paz se funda primariamente na procura apaixonada e concorde de Deus. Temos a tarefa de proclamar e de dar testemunho de que o Todo-Poderoso está presente e é reconhecível também quando parece oculto à nossa vista, que Ele age no nosso mundo para o nosso bem, e que o futuro da sociedade se distingue pela esperança, quando vibra em harmonia com a ordem divina. É a presença dinâmica de Deus que congrega os corações e garante a unidade. Com efeito, o fundamento último da unidade entre as pessoas encontra-se na unicidade e universalidade de Deus, que criou o homem e a mulher à sua imagem e semelhança a fim de nos conduzir para o interior da sua vida divina, de tal forma que todos possam ser um só.

Por conseguinte, os líderes religiosos devem estar conscientes de que qualquer divisão ou tensão, qualquer tendência à introversão ou à suspeita entre crentes ou entre as nossas comunidades pode facilmente levar a uma contradição que ofusca a unidade do Omnipotente, atraiçoa a nossa unidade e contradiz o Único que se revela a si mesmo como "rico de amor e de fidelidade" (Ex 34,6 Ps 138,2 Ps 85,11). Queridos amigos, Jerusalém, que desde há muito tempo tem sido uma encruzilhada de povos de diferentes origens, é uma cidade que permite a judeus, cristãos e muçulmanos assumir o dever e, ao mesmo tempo, gozar do privilégio de dar testemunho conjunto da coexistência pacífica há muito tempo almejada pelos adoradores do único Deus; revelar o desígnio do Omnipotente, anunciado a Abraão, para a unidade da família humana; e proclamar a verdadeira natureza do homem, que procura Deus. Portanto, comprometamo-nos a assegurar que, mediante o ensino e a orientação das nossas respectivas comunidades, as sustentaremos na sua fidelidade àquilo que verdadeiramente são como crentes, sempre conscientes da bondade infinita de Deus, da dignidade inviolável de cada ser humano e da unidade de toda a família humana.

A Sagrada Escritura oferece-nos inclusive uma sua compreensão acerca da segurança. Segundo a linguagem hebraica, segurança – batah – deriva da confiança e não se refere unicamente à ausência da ameaça, mas também ao sentimento de calma e de confidência. No livro do profeta Isaías lemos a respeito de um tempo de bênção divina: "Uma vez mais virá sobre nós o espírito do alto. Então o deserto se converterá em vergel, e o vergel em bosque. No deserto habitará o direito e a justiça no vergel. A paz será obra da justiça e o fruto da justiça será a tranquilidade e a segurança para sempre" (32, 15-17). Segurança, integridade, justiça e paz: no desígnio de Deus para o mundo, elas são inseparáveis. Longe de ser simplesmente o produto do esforço humano, elas são valores que derivam da relação fundamental de Deus com o homem, e residem como património comum no coração de cada indivíduo.

Só existe um caminho para proteger e promover tais valores: exercê-los! Vivê-los! Nenhum indivíduo, nenhuma família, nenhuma comunidade ou nação está isenta do dever de viver na justiça e de trabalhar pela paz. Naturalmente, espera-se que os líderes civis e políticos garantam uma segurança justa e adequada ao povo para cujo serviço eles foram eleitos. Este objectivo forma uma parte da justa promoção dos valores comuns para a humanidade e, por conseguinte, não podem opor-se à unidade da família humana. Os valores e as finalidades autênticas de uma sociedade, que sempre tutelam a dignidade humana, são indivisíveis, universais e interdependentes (cf. Discurso à Organização das Nações Unidas, 18 de Abril de 2008). Portanto, não podem ser realizados quando se encontram à deriva de interesses particulares ou de políticas fragmentárias. O verdadeiro interesse de uma nação é sempre servido mediante a busca da justiça para todos.

Ilustres Senhoras e Senhores, uma segurança duradoura é questão de confiança, alimentada na justiça e na integridade, selada pela conversão dos corações que nos obriga a olhar para o próximo nos olhos e a reconhecer o "Tu" como um meu semelhante, um meu irmão, uma minha irmã. Desta maneira, não se tornará porventura a própria sociedade um "vergel cheio de frutos" (cf. Is 32,15), caracterizado não por blocos nem obstruções, mas pela coesão e pela harmonia? Não pode tornar-se porventura uma comunidade de nobres aspirações, na qual de bom grado é concedido a todos o acesso à educação, à morada familiar, à possibilidade de um emprego, uma sociedade pronta para edificar sobre os fundamentos duradouros da esperança?

Para concluir, desejo dirigir-me às famílias desta cidade, desta terra. Existem pais que desejam a violência, a insegurança ou a divisão para os seus filhos ou filhas? Qual objectivo político humano pode ser servido através de conflitos e violências? Ouço o brado de quantos vivem neste país que invocam justiça, paz e respeito para a sua dignidade, segurança estável, uma vida quotidiana livre do medo de ameaças externas e de violência insensata. Sei que um número considerável de homens, mulheres e jovens estão a trabalhar pela paz e a solidariedade através de programas culturais e iniciativas de apoio prático e compassivo; suficientemente humildes para perdoar, eles têm a coragem de se apegar estreitamente ao sonho que é o seu direito.

Senhor Presidente, agradeço-lhe a amabilidade que me demonstrou e asseguro-lhe mais uma vez as minhas orações pelo governo e por todos os cidadãos deste Estado. Possa uma autêntica conversão dos corações de todos conduzir a um compromisso cada vez mais decisivo pela paz e a segurança através da justiça para cada um.

Shalom!



VISITA AO MEMORIAL DE YAD VASHEM Jerusalém Segunda-feira, 11 de Maio de 2009

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"Eu lhes darei na minha casa, dentro das minhas muralhas, um lugar e um nome... dar-lhes-ei um nome eterno que nunca desaparecerá" (
Is 56,5).

Este trecho tirado do Livro do profeta Isaías oferece as duas palavras simples que exprimem de modo solene o significado profundo deste lugar venerado: yad "memorial"; shem "nome". Vim aqui para me deter em silêncio diante deste monumento, erigido para honrar a memória de milhões de judeus mortos na horrível tragédia do Shoah. Eles perderam as suas vidas, mas nunca perderam os próprios nomes: eles estão indelevelmente inscritos nos corações dos seus entes queridos, dos seus companheiros de prisão e de quantos decidiram nunca mais permitir que uma atrocidade semelhante possa desonrar de novo a humanidade. Os seus nomes, para sempre principalmente, estão gravados na memória do Deus Todo-Poderoso.

Alguém pode privar o vizinho das suas propriedades, das ocasiões favoráveis ou da liberdade. Pode tecer uma traiçoeira rede de mentiras para convencer os outros que certos grupos não merecem respeito. Todavia, por mais que se esforcem, nunca podem cancelar o nome de outro ser humano.

A Sagrada Escritura ensina-nos a importância dos nomes quando a alguém é confiada uma missão única ou um dom especial. Deus chamou a Abrão "Abraão" porque devia tornar-se o "pai de muitas nações" (Gn 17,5). Jacob foi chamado "Israel" porque tinha lutado "com Deus e com os homens, e tinha vencido" (cf. Gn 32,29). Os nomes conservados neste venerado monumento para sempre terão um lugar sagrado entre os inúmeros descendentes de Abraão. Como aconteceu com Abraão, também a sua fé foi provada. Como com Jacob, também eles foram mergulhados na luta entre o bem e o mal, enquanto lutavam para discernir os desígnios do Todo-Poderoso. Os nomes destas vítimas nunca possam perecer! Os seus sofrimentos nunca possam ser negados, diminuídos ou esquecidos! E possam todas as pessoas de boa vontade permanecer vigilantes a fim de desarraigar do coração do homem qualquer aspecto capaz de produzir uma semelhante tragédia!

A Igreja Católica, empenhada nos ensinamentos de Jesus e orientada para imitar o seu amor por todas as pessoas, experimenta uma profunda compaixão pelas vítimas aqui recordadas. Do mesmo modo, coloca-se ao lado de quantos hoje estão sujeitos a perseguições por causa da raça, da cor, da condição de vida ou da religião – os seus sofrimentos são também os dela e dela é a sua esperança de justiça. Como Bispo de Roma e Sucessor do Apóstolo Pedro, confirmo – como os meus predecessores – o empenho da Igreja a rezar e agir incansavelmente a fim de garantir que o ódio nunca mais reine no coração dos homens. O Deus de Abraão, de Isaac e de Jacob é o Deus da paz (cf. Sl Ps 85,9).

As Escrituras ensinam que é nosso dever recordar ao mundo que este Deus vive, não obstante às vezes seja difícil compreender os seus misteriosos e imperscrutáveis caminhos. Ele revelou-se a si mesmo e continua a agir na história humana. Só Ele governa o mundo com justiça e julga com equidade todos os povos (cf. Sl Ps 9,9).

Ao fixar o olhar nos rostos reflectidos no espelho d'água que se estende silencioso no interior deste memorial, não se pode esquecer que cada um deles tem um nome. Só posso imaginar a jubilosa expectativa dos seus pais, enquanto esperavam com ansiedade o nascimento das suas crianças. Qual nome daremos a este filho? O que lhe acontecerá? Quem poderia imaginar que seriam condenados a um destino tão deplorável!

Enquanto estamos aqui em silêncio, o seu brado ainda ressoa nos nossos corações. É um grito que se eleva contra todos os actos de injustiça e de violência. É uma condenação perene contra o derramamento de sangue inocente. É o grito de Abel que sobe da terra para o Todo-Poderoso. Ao professar a nossa inabalável confiança em Deus, demos voz àquele grito com as palavras do Livro das Lamentações, tão impregnadas de significado quer para os judeus quer para os cristãos:

"O amor de Javé nunca acaba
e a sua compaixão não tem fim.
Pelo contrário, renovam-se cada manhã: "Como é grande a tua fidelidade!".
Digo a mim mesmo:
"Javé é a minha herança",
por isso n'Ele espero.

Javé é bom para os que n'Ele
esperam e O procuram.
É bom esperar em silêncio
a salvação de Javé" (3, 22-26).

Queridos Amigos, estou profundamente agradecido a Deus e a vós pela oportunidade que me foi oferecida de deter-me aqui em silêncio:





ENCONTRO COM AS ORGANIZAÇÕES PARA O DIÁLOGO INTER-RELIGIOSO

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Auditório de Notre Dame no Jerusalem Center

Segunda-feira, 11 de Maio de 2009




Amados Irmãos Bispos
Ilustres Chefes religiosos
Estimados amigos

É para mim motivo de grande alegria encontrar-me convosco nesta tarde. Desejo agradecer a Sua Beatitude o Patriarca Fouad Twal as suas gentis palavras de boas-vindas, expressas em nome de todos os presentes. Retribuo os calorosos sentimentos manifestados e, cordialmente, saúdo todos vós e os membros dos grupos e das organizações que representais.

"O Senhor disse a Abrão: "Sai da tua terra, do meio dos teus parentes e da casa de teu pai, e vai para a terra que Eu te indicarei"... Então, Abrão partiu... e levou consigo a sua esposa Sarai" (
Gn 12,1-5). A inesperada chamada de Deus, que assinala os primórdios da história das tradições da nossa fé, foi ouvida no meio da comum existência quotidiana do homem. E a história que daqui derivou foi plasmada, não no isolamento, mas através do encontro com as culturas egípcia, hitita, sumera, babilónia, persa e grega.

A fé é sempre vivida dentro de uma cultura. A história da religião demonstra-nos que uma comunidade de crentes procede por graus de fidelidade plena a Deus, haurindo da cultura que encontra e plasmando-a. Esta mesma dinâmica encontra-se nos crentes individuais das três grandes tradições monoteístas: em sintonia com a voz de Deus, como Abraão, respondemos à sua chamada e partimos em busca do cumprimento das suas promessas, esforçando-nos por obedecer à sua vontade, traçando um percurso na nossa cultura particular.

Hoje, cerca de quatro mil anos depois de Abraão, o encontro de religiões com a cultura realiza-se não simplesmente num plano geográfico. Determinados aspectos da globalização e em particular o mundo da internet criaram uma vasta cultura virtual cujo valor é tão diversificado quanto as suas inúmeras manifestações. Indubitavelmente, muito se realizou para criar um sentido de proximidade e de unidade no interior da família humana universal. No entanto, ao mesmo tempo, o uso ilimitado de portais através dos quais as pessoas têm fácil acesso a fontes indiscriminadas de informação pode tornar-se facilmente um instrumento de fragmentação em crescimento: a unidade do conhecimento é fragmentada e as complexas habilidades de crítica, discernimento e discriminação, apreendidas das tradições académicas e éticas, são por vezes eludidas ou até descuidadas.

A pergunta que depois surge naturalmente é, que contribuição a religião oferece às culturas do mundo, que se oponha à recaída de uma globalização tão rápida? Enquanto muitos estão prontos para indicar rapidamente as aparentes diferenças entre as religiões, como crentes ou pessoas religiosas nós somos postos diante do desafio de proclamar com clareza aquilo que temos em comum.

O primeiro passo de Abraão na fé, e os nossos passos rumo à e da sinagoga, igreja, mesquita ou templo percorrem a senda da nossa história humana individual, preparando o caminho, poderíamos dizer, para a Jerusalém eterna (cf. Ap 21,23). De modo semelhante, cada cultura com a sua capacidade específica de dar e de receber confere expressão à única natureza humana. Todavia, o que é próprio do indivíduo nunca é expresso plenamente através da sua cultura, mas sobretudo transcende-a na busca constante de algo que está mais além. Queridos amigos, a partir desta perspectiva nós vemos a possibilidade de uma unidade que não depende da uniformidade. Enquanto as diferenças que analisamos no diálogo inter-religioso podem, por vezes, parecer barreiras, todavia elas não exigem o ofuscamento do sentido comum de temor reverencial e de respeito pelo universal, pelo absoluto e pela verdade que impele as pessoas religiosas, antes de tudo, a estabelecer relacionamentos umas com as outras. É, ao contrário, a convicção participada que estas realidades transcendentes encontram a sua fonte no Omnipotente e dele têm vestígios aquele Omnipotente que os crentes elevam uns diante dos outros, às nossas organizações, à nossa sociedade e ao nosso mundo. Deste modo, nós não só enriquecemos a cultura, mas também a podemos plasmar: vidas de fidelidade religiosa ressoam a presença impetuosa de Deus e assim formam uma cultura não definida pelos limites do tempo e do lugar, mas fundamentalmente plasmadas pelos princípios e pelas acções que provêm da fé.

A fé religiosa pressupõe a verdade. Quem acredita é aquele que procura a verdade e vive com base nela. Embora o meio através do qual nós compreendemos a descoberta e a comunicação da verdade difira parcialmente de uma religião para outra, não devemos desanimar-nos nos nossos esforços por dar testemunho do poder da verdade. Juntos, podemos proclamar que Deus existe e que pode ser conhecido, que a terra é sua criação, que nós somos suas criaturas e que Ele chama cada homem e cada mulher a um estilo de vida que respeita o seu desígnio para o mundo. Amigos, se julgamos que temos um critério de juízo e de discernimento que é divino na sua origem, e destinado a toda a humanidade, então não podemos cansar-nos de levar tal conhecimento a influenciar a vida civil. A verdade deve ser oferecida a todos; ela é útil para todos os membros da sociedade. Ela lança luz sobre a fundação da moralidade e da ética, enquanto permeia a razão com a força de ir além dos próprios limites para dar expressão às nossas mais profundas aspirações comuns. Longe de ameaçar a tolerância das diferenças ou da pluralidade cultural, a verdade torna possível o consenso e mantém razoável, honesto e verificável o debate público, e abre o caminho para a paz. Com efeito, promovendo a vontade de ser obedientes à verdade, amplia o nosso conceito de razão e o seu âmbito de aplicação, enquanto torna possível o diálogo genuíno das culturas e das religiões, de que hoje há particularmente necessidade.

Contudo cada um de nós aqui presentes sabe que hoje a voz de Deus é ouvida menos claramente, e a própria razão em tão numerosas situações chegou a tornar-se surda ao divino. Porém, aquele "vazio" não é um vazio de silêncio. Pelo contrário, é a confusão de pretensões egoístas, de promessas vazias e de esperanças falsas, que tão frequentemente invadem o próprio espaço em que Deus nos procura. Então, podemos nós criar espaços, oásis de paz e de profunda reflexão, onde a voz de Deus possa ser novamente ouvida, onde a sua verdade possa ser descoberta no interior da universalidade da razão, onde cada indivíduo, sem distinção de morada ou de grupo étnico, ou de cor política, ou de credo religioso, possa ser respeitado como pessoa, como ser humano, como um nosso semelhante? Numa época de acesso imediato à informação e de tendências sociais que geram uma espécie de monocultura, a profunda reflexão que contrasta o afastamento da presença de Deus há-de revigorar a razão, estimulará o génio criativo, facilitará a avaliação crítica dos costumes culturais e sustentará o valor universal do credo religioso.

Prezados amigos, as instituições e os grupos que vós representais comprometem-se no diálogo inter-religioso e na promoção de iniciativas culturais num vasto âmbito de níveis. Das instituições académicas e aqui quero fazer uma menção especial das conquistas extraordinárias da Universidade de Belém aos grupos de pais em dificuldade, das iniciativas através da música e das artes ao exemplo corajoso de mães e pais comuns, dos grupos de diálogo às organizações caritativas, vós diariamente demonstrais a vossa convicção de que o nosso dever diante de Deus não se exprime somente no culto, mas inclusive no amor e na atenção à sociedade, à cultura, ao nosso mundo e a todos aqueles que vivem nesta terra. Alguém gostaria que nós acreditássemos que as nossas diferenças são necessariamente causa de divisão e, portanto, no máximo deveriam ser toleradas. Alguns chegam mesmo a afirmar que as nossas vozes devem simplesmente ser silenciadas. Mas nós sabemos que as nossas diferenças jamais devem ser erroneamente representadas como uma inevitável fonte de atrito ou de tensão, quer entre nós mesmos, quer mais vastamente na sociedade. Pelo contrário, elas oferecem uma maravilhosa oportunidade para pessoas de diferentes religiões de viver juntas em profundo respeito, estima e apreço, encorajando-se reciprocamente nos caminhos de Deus. Impelidos pelo Omnipotente e iluminados pela sua verdade, possais vós continuar a caminhar com coragem, respeitando tudo aquilo que nos diferencia e promovendo tudo quanto nos une como criaturas abençoadas pelo desejo de levar esperança às nossas comunidades e ao mundo. Deus nos oriente ao longo deste caminho!






Discursos Bento XVI 10509