Discursos Bento XVI 778

778 A grande família que se forma ao redor do Papa em Castel Gandolfo inclui também a vós, queridos funcionários e agentes das diversas Forças da Ordem italianas, a quem agradeço a contínua dedicação que demonstrais. A hodierna festa litúrgica dos santos Arcanjos Miguel, Rafael e Gabriel oferece-me também a oportunidade de saudar com particular afecto a vós, caros dirigentes e membros do Corpo da Gendarmaria Vaticana, que trabalhais sempre em estreita colaboração com o Corpo da Guarda Suíça Pontifícia, ao qual dirijo a minha agradecida saudação. Todos vós sois fiéis guardiães do Papa.

Depois, não posso esquecer os oficiais e os aviadores do 31º esquadrão da Aeronáutica Militar. Agradeço-lhes o qualificado serviço que prestam a mim e aos meus colaboradores nas deslocações de helicóptero e avião. A cada um de vós, queridos amigos, chegue a expressão sincera da minha gratidão.

Disse há pouco que hoje a liturgia nos convida a recordar os Santos Arcanjos Miguel, Gabriel e Rafael. Cada um deles, como lemos na Bíblia, desempenhou uma missão peculiar na história da salvação. Queridos irmãos e irmãs, invoquemos com confiança a sua ajuda, assim como a protecção do Anjo da Guarda, cuja festa celebraremos a 2 de Outubro. A presença invisível destes Espíritos bem-aventurados é-nos de grande ajuda e conforto: eles caminham ao nosso lado e protegem-nos em todas as ocasiões, defendem-nos dos perigos e a eles podemos recorrer em todos os momentos. Muitos santos mantinham com os Anjos uma relação de verdadeira amizade e são numerosos os episódios que testemunham a sua assistência em circunstâncias particulares. Os Anjos são enviados por Deus "a favor daqueles que hão-de herdar a salvação", como recorda a Carta aos Hebreus (1, 14), e portanto há um válido auxílio na peregrinação terrena em direcção à Pátria celeste.

Obrigado mais uma vez a todos também pela vossa presença neste encontro; obrigado àqueles que se fizeram intérpretes dos vossos sentimentos. Confio-vos à materna protecção de Maria, rainha dos Anjos, e de coração concedo-vos a Bênção Apostólica, que estendo às vossas famílias e às pessoas que vos são queridas.



SAUDAÇÃO AOS FUNCIONÁRIOS DAS VILAS PONTIFÍCIAS DE CASTEL GANDOLFO Terça-feira, 30 de Setembro de 2008



Queridos irmãos e irmãs!

No momento em que me despeço de vós, no final do meu período de Verão em Castel Gandolfo, sinto a sincera necessidade de vos renovar a minha gratidão pelo quotidiano e diligente serviço que prestais aqui, nas Vilas Pontifícias.

Estou grato, em primeiro lugar, ao Director, Dr. Savério Petrillo, pelas suas gentis palavras e por ter sido intérprete, como todos os anos, dos sentimentos de todos vós. Caminhando pelas alamedas das Vilas posso apreciar a atenção que prestais ao vosso trabalho. Sinto igualmente a necessidade de agradecer os funcionários que se dedicam com zelo ao cuidado do Palácio Apostólico.

Dou-me conta de que a minha presença frequentemente exige de vós um suplemento de esforço e isto requer não poucos sacrifícios de vós e também das vossas famílias. Agradeço-vos de coração a generosidade e peço ao Senhor que vos recompense por tudo. Que Ele vos assista com a sua graça e acompanhe com o seu amor paterno, a vós e aos vossos familiares, aos quais peço que leveis a minha cordial saudação.

Celebramos hoje a festa dos Santos Arcanjos Miguel, Gabriel e Rafael: confio-vos à sua especial protecção, para que possais desempenhar as vossas diversas actividades com serenidade e proveito espiritual. A Virgem Santa vigie sempre sobre vós e os vossos entes queridos. Enquanto vos garanto uma recordação na oração, com afecto abençoo-vos a todos.



                                                    

779                                                         Outubro 2008




AOS BISPOS DA ÁSIA CENTRAL POR OCASIÃO DA VISITA «AD LIMINA APOSTOLORUM» Quinta-feira, 2 de Outubro de 2008



Venerados Irmãos!

Sinto-me particularmente feliz por me encontrar convosco no final da vossa visita ad limina Apostolorum.Com profunda gratidão aceito a vossa saudação, da qual se fez intérprete D. Tomash Peta. Saúdo cada um de vós, os Bispos e o Delegado para os fiéis greco-católicos no Cazaquistão, o Administrador Apostólico no Quirguistão, o Administrador Apostólico no Uzbequistão, o Superior da Missio sui iuris no Tagiquistão e o Superior da Missio sui iuris no Turcomenistão. Agradeço-vos também porque me trazeis a saudação dos irmãos confiados às vossas solicitudes pastorais nas Regiões da Ásia Central. Garanto-vos que o Sucessor de Pedro segue o vosso ministério com oração constante e afecto fraterno. Esta casa, a casa do Bispo de Roma, é também a vossa.

Com grande interesse e atenção escutei de cada um de vós as realizações, os compromissos, os projectos e os desejos das vossas comunidades, naturalmente junto com os problemas e com as dificuldades que encontrais na acção pastoral. Agradecemos ao Senhor que, apesar das duras pressões exercidas durante os anos do regime ateu e comunista, graças à abnegação de zelosos sacerdotes, religiosos e leigos, a chama da fé permaneceu acesa no coração dos crentes. As comunidades podem ser reduzidas a um "pequeno rebanho". Não devemos desencorajar-nos, queridos Irmãos! Olhai para as primeiras comunidades dos discípulos do Senhor, que, mesmo sendo pequenas, não se fechavam em si mesmas, mas, estimuladas pelo amor de Cristo, não hesitavam em ocupar-se das dificuldades dos pobres, em ir ao encontro dos doentes, anunciando e testemunhando o Evangelho a todos com alegria. Também hoje, como então, é o Espírito Santo que conduz a Igreja. Portanto, deixai-vos guiar por Ele e mantende viva a chama da fé no povo cristão; conservai e valorizai as válidas experiências pastorais e apostólicas do passado; continuai a educar todos para a escuta da Palavra de Deus; suscitai especialmente nos jovens o amor pela Eucaristia e a devoção mariana; difundi nas famílias a prática do Rosário. Procurai além disso, com paciência e coragem, novas formas e métodos de apostolado, preocupando-vos por actualizá-los segundo as exigências actuais, considerando a língua e a cultura dos fiéis que vos estão confiados. Isto exige uma unidade mais sólida entre vós, Pastores, e do clero.

De facto, este compromisso resultará indubitavelmente mais incisivo e eficaz se não agirdes sozinhos, mas se procurardes envolver cada vez mais os sacerdotes, vossos primeiros colaboradores, os religiosos e as religiosas, assim como os leigos comprometidos nas várias iniciativas pastorais. Depois recordai que é antes de tudo a estes vossos cooperadores, trabalhadores como vós na vinha do Senhor, que deveis escutar e prestar atenção. Portanto mostrai-vos prontos e disponíveis para ir ao encontro das suas expectativas, apoiando-os nos momentos de dificuldade, convidai-os a terem sempre mais confiança na Providência divina que nunca nos abandona, sobretudo no momento das provações; estai ao seu lado quando se encontrarem em condições de solidão humana e espiritual. Na base de tudo esteja o recurso constante a Deus na oração e a busca contínua da unidade entre vós, assim como em cada uma das vossas respectivas e diversificadas comunidades.

Tudo isto é ainda mais necessário para enfrentar os desafios que a hodierna sociedade globalizada apresenta ao anúncio e à coerente prática da vida cristã também nas vossas regiões. Gostaria de recordar aqui como, além das dificuldades que mencionei acima, se registram quase em todas as partes do mundo fenómenos preocupantes, que colocam em sério perigo a segurança e a paz. Refiro-me, em particular, à chaga da violência e do terrorismo, ao difundir-se do extremismo e do fundamentalismo. Sem dúvida, é preciso contrastar tais flagelos com intervenções legislativas. Contudo, nunca a força do direito se pode transformar em iniquidade; nem pode ser limitado o livre exercício das religiões, porque professar a própria fé livremente é um dos direitos humanos fundamentais e universalmente reconhecidos.

Depois parece-me ser útil reafirmar que a Igreja não impõe, mas propõe livremente a fé católica, ciente de que a conversão é o fruto misterioso da acção do Espírito Santo. A fé é dom e obra de Deus. Precisamente por isso é proibida qualquer forma de proselitismo que obrigue ou induza e atraia alguém com enganos inoportunos a abraçar a fé (cf. Ad gentes AGD 13). Uma pessoa pode abrir-se à fé depois de uma reflexão ponderada e responsável, e deve poder realizar livremente esta inspiração íntima. Isto é um benefício não só para o indivíduo, mas para toda a sociedade, porque a fiel observância dos preceitos divinos ajuda a construir uma convivência mais justa e solidária.

Queridos Irmãos, encorajo-vos a prosseguir o trabalho que empreendestes, valorizando sabiamente as contribuições de todos. Aproveito a ocasião para agradecer aos sacerdotes e aos religiosos que trabalham nas diversas circunscrições eclesiásticas: em particular os Franciscanos na Diocese da Santíssima Trindade em Almaty, os Jesuítas no Quirguistão, os Franciscanos Conventuais no Uzbequistão, os religiosos do Instituto do Verbo Encarnado na Missio sui iuris no Tadjiquistão, os Oblatos de Maria Imaculada na Missio sui iuris no Turquemenistão. Convido também outras famílias religiosas a oferecer generosamente a sua contribuição, enviando pessoal e meios para realizar o trabalho apostólico nas vastas regiões da Ásia Central. A cada um de vós repito que o Papa vos está próximo e vos apoia no vosso ministério. Maria, Rainha dos Apóstolos, vele sempre sobre vós e sobre as vossas comunidades. Acompanhe-vos também a minha oração, e abençoo-vos de coração.




A UM GRUPO DE CAVALEIROS DE COLOMBO Sexta-feira, 3 de Outubro de 2008

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Queridos amigos

É-me grato dar-vos as boas-vindas, membros do Conselho administrativo dos Cavaleiros de Colombo, acompanhados pelas vossas famílias, na circunstância da vossa peregrinação a Roma durante o Ano paulino. Oro a fim de que a vossa visita aos túmulos dos Santos Apóstolos Pedro e Paulo vos confirme na fé dos Apóstolos e encha os vossos corações de gratidão pela dádiva da nossa redenção em Cristo.

No início da Carta aos Romanos, São Paulo recorda aos seus ouvintes que eles "são chamados à santidade" (
Rm 1,7). Durante a minha recente Visita Pastoral aos Estados Unidos, desejei encorajar os leigos, sobretudo a comprometer-se com novo vigor a crescer na santidade e a participar de forma activa na missão da Igreja. Esta foi a visão que inspirou a fundação dos Cavaleiros de Colombo como associação fraterna de leigos cristãos, e que continua a encontrar uma expressão privilegiada nas obras caritativas da vossa Ordem e na vossa solidariedade concreta para com o Sucessor de Pedro, no seu ministério em benefício da Igreja universal. Esta solidariedade manifesta-se de maneira particular através do Fundo Vicarius Christi, que os Cavaleiros colocaram à disposição da Santa Sé, para as necessidades do Povo de Deus no mundo inteiro. E manifesta-se também mediante as orações e os sacrifícios quotidianos de numerosos Cavaleiros nos seus Concílios, nas paróquias e nas comunidades locais. Estou-vos profundamente agradecido por tudo isso.

Caros amigos, no espírito do vosso fundador, o Venerável Michael McGivney, que os Cavaleiros de Colombo descubram formas sempre novas de ser fermento do Evangelho no mundo e vigor para a renovação da Igreja em termos de santidade e de zelo apostólico. A este propósito, exprimo o meu apreço pelos vossos esforços em vista de oferecer uma sólida formação na fé aos jovens, e de defender as verdades morais necessárias para uma sociedade livre e humana, inclusive o direito fundamental à vida de cada ser humano.

Dilectos amigos, é com estes sentimentos que vos asseguro a minha especial recordação nas minhas preces. A todos os Cavaleiros e às suas famílias, concedo cordialmente a minha Bênção apostólica, como penhor de alegria e paz duradouras em nosso Senhor Jesus Cristo.



VISITA OFICIAL AO PRESIDENTE DA REPÚBLICA ITALIANA GIORGIO NAPOLITANO

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Palácio do Quirinal,

Sábado, 4 de Outubro de 2008


Senhor Presidente!

É com profundo prazer que passo de novo o limiar deste palácio, onde fui recebido pela primeira vez há algumas semanas do início do meu ministério de Bispo de Roma e de Pastor da Igreja universal. Entro nesta residência oficial, Senhor Presidente, casa simbólica de todos os italianos, com viva gratidão pela gentil visita que Vossa Excelência me quis fazer em Novembro de 2006 no Vaticano, logo após a sua eleição para a Suprema Magistratura da República Italiana. A circunstância de hoje é-me propícia para lhe renovar os meus sentimentos de reconhecimento também pelo não esquecido, e muito grato, dom do concerto musical de grande valor artístico, que Vossa Excelência me quis oferecer a 24 de Abril passado. É portanto com profunda gratidão que lhe apresento, Senhor Presidente, assim como à sua gentil esposa e a todos os que estão aqui reunidos a minha deferente e cordial saudação. Esta minha saudação dirige-se de modo especial às distintas Autoridades designadas para a guia do Estado italiano, às ilustres Personalidades aqui presentes, e torna-se extensiva a todo o Povo da Itália, que me é muito querido, herdeiro de uma secular tradição de civilização e de valores cristãos.

Esta minha visita, a visita do Romano Pontífice ao Quirinal, não é só um acto que se insere no contexto das múltiplas relações entre a Santa Sé e a Itália, mas assume, poderíamos dizer, um valor muito mais profundo e simbólico. Aqui, de facto, vários Predecessores meus viveram e daqui governaram a Igreja universal por mais de dois séculos, experimetando também provas e perseguições, como aconteceu com os Pontífices Pio VI e Pio VII, ambos extirpados com violência da sua sede episcopal e obrigados ao exílio. O Quirinal, que ao longo dos séculos foi testemunha de tantas felizes e algumas tristes páginas de história do Papado, conserva muitos sinais da promoção da arte e da cultura da parte dos Sumos Pontífices.

Num certo momento da história este palácio tornou-se quase um sinal de contradição quando, por um lado, a Itália desejava unir-se num Estado unitário e, por outro, a Santa Sé estava preocupada por conservar a própria independência como garantia da própria missão universal. Um contraste que durou alguns decénios, que foi causa de sofrimento para quantos amavam sinceramente a Pátria e a Igreja. Refiro-me à complexa "questão romana", composta de modo definitivo e irrevogável da parte da Santa Sé com a assinatura dos Pactos Lateranenses, a 11 de Fevereiro de 1929. Nos finais de 1939, dez anos após o Tratado Lateranense, foi realizada a primeira visita de um Pontífice ao Quirinal depois de 1870. Naquela circunstância, o meu venerado Predecessor, o Servo de Deus Pio XII, do qual recordamos neste mês o cinquentenário da morte, assim se expressou com imagens quase poéticas: "O Vaticano e o Quirinal, que o Tibre divide, estão reunidos pelo vínculo da paz com as recordações da religião dos padres e dos antepassados. As ondas tiberinas arrastaram e sepultaram nos remoinhos do Tirreno as vagas turvas do passado e fizeram reflerescer nas suas margens ramos de oliveira" (Discurso de 28 de Dezembro de 1939).

Verdadeiramente hoje pode-se afirmar com satisfação que na cidade de Roma convivem pacificamente e colaboram proveitosamente o Estado Italiano e a Sé Apostólica. Também esta minha visita está a confirmar que o Quirinal e o Vaticano não são colinas que se ignoram ou se enfrentam com hostilidade; ao contrário são lugares que simbolizam o respeito recíproco da soberania do Estado e da Igreja, prontos a cooperar juntos para promover e servir o bem integral da pessoa humana e o pacífico desenvolvimento da convivência social. Esta é apraz-me recordá-lo uma realidade positiva que se pode verificar quotidianamente a diversos níveis, e para a qual também outros Estados podem olhar para dela tirar ensinamentos.

Senhor Presidente, a minha visita de hoje tem lugar no dia em que na Itália se celebra com grande solenidade o seu especial Protector, São Francisco de Assis. Aliás, precisamente a São Francisco Pio XI fez referência ao anunciar a assinatura dos Pactos Lateranenses e sobretudo a constituição do Estado da Cidade do Vaticano: para aquele Pontífice a nova realidade soberana era, como para o Pobrezinho, "aquela porção de corpo que bastava para manter unida a alma" (Discurso de 11 de Fevereiro de 1929). Juntamente com Santa Catarina de Sena, São Francisco foi proposto pelos Bispos italianos e confirmado pelo Servo de Deus Pio XII como celeste Padroeiro da Itália (cf. Litt. ap. Licet commissa de 18 de Junho de 1939; AAS XXXI [1939], 256-257). Na protecção deste grande santo e ilustre italiano o Papa Pacelli quis confiar o destino da Itália, num momento no qual se adensavam ameaças de guerra sobre a Europa, envolvendo dramaticamente também o vosso "lindo país".

A escolha de São Francisco como Padroeiro da Itália tem, portanto, as suas razões na profunda correspondência entre a personalidade e a acção do Pobrezinho de Assis e a nobre Nação italiana. Como recordou o Servo de Deus João Paulo II na visita que fez ao Quirinal, neste mesmo dia no ano de 1985, "dificilmente se poderia encontrar outra figura que encarne em si de modo igualmente rico e harmonioso as características próprias do génio itálico". "Num tempo em que o afirmar-se dos livres Municípios suscitava fermentos de renovação social, económica e política, que removiam a partir das bases o velho mundo feudal continuava o Papa Wojtyla Francisco soube elevar-se entre as facções em luta, pregando o Evangelho da paz e do amor, em plena fidelidade à Igreja da qual se sentia filho, e em total adesão ao povo, do qual se reconhecia parte" (Discurso de 4 de Outubro de 1985).

Neste Santo, cuja figura atrai crentes e não crentes, podemos ver a imagem daquela que é a missão perene da Igreja, também na sua relação com a sociedade civil. A Igreja, na época actual de profundas e muitas vezes difíceis mutações, continua a propor a todos a mensagem de salvação do Evangelho e compromete-se a contribuir para a edificação de uma sociedade fundada na verdade e na liberdade, no respeito da vida e da dignidade humana, na justiça e na solidariedade social. Portanto, como recordei noutras circunstâncias, "a Igreja não tem finalidades de poder, nem pretende privilégios nem aspira a posições de vantagem económica e social. A sua única finalidade é servir o homem, inspirando-se, como norma suprema de comportamento, nas palavras e no exemplo de Jesus Cristo que "passou fazendo o bem e curando" (
Ac 10,38)" (Discurso de 4 de Outubro de 2007).

Para realizar esta sua missão, a Igreja, em toda a parte e sempre, deve poder gozar do direito de liberdade religiosa, considerado em toda a sua amplitude. Na Assembleia das Nações Unidas, neste ano que comemora o 60º aniversário da Declaração Universal dos Direitos do Homem, eu quis reafirmar que "não se pode limitar a plena garantia da liberdade religiosa à prática livre de culto; ao contrário, deve ser tida em justa consideração a dimensão pública da religião e portanto a possibilidade dos crentes de fazer a sua parte na construção da ordem social" (Discurso de 18 de Abril de 2008). A Igreja oferece esta contribuição para a edificação da sociedade de modo pluriforme, sendo um corpo com muitos membros, uma realidade ao mesmo tempo espiritual e visível, na qual os membros têm vocações, tarefas e papéis diversificados. Ela sente uma responsabilidade particular em relação às novas gerações: de facto, sobressai hoje com urgência o problema da educação, chave indispensável para consentir o acesso a um futuro inspirado nos valores perenes do humanismo cristão. A formação dos jovens é, portanto, um empreendimento no qual também a Igreja se sente comprometida, juntamente com a família e com a escola. De facto, ela está muito consciente da importância que a educação reveste na aprendizagem da liberdade autêntica, pressuposto necessário para um positivo serviço ao bem comum. Só um sério compromisso educativo permitirá construir uma sociedade solidária, realmente animada pelo sentido da legalidade.

Senhor Presidente, apraz-me aqui renovar os votos de que as comunidades cristãs e as numerosas realidades eclesiais italianas saibam formar as pessoas, de modo especial os jovens, também como cidadãos responsáveis e comprometidos na vida civil. Estou certo de que os Pastores e os fiéis continuarão a dar o seu importante contributo para construir, também nestes momentos de incerteza económica e social, o bem comum do país, assim como da Europa e de toda a família humana, prestando particular atenção aos pobres e aos marginalizados, aos jovens que procuram trabalho e a quem está desempregado, às famílias e aos idosos que com fadiga e empenho construíram o nosso presente e por isso merecem a gratidão de todos. Faço também votos de que a contribuição da Comunidade católica seja acolhida por todos com o mesmo espírito de disponibilidade com o qual é oferecido. Não há razão para temer uma prevaricação em detrimento da liberdade por parte da Igreja e dos seus membros, os quais aliás esperam que lhes seja reconhecida a liberdade de não atraiçoar a própria consciência iluminada pelo Evangelho. Isto será ainda mais praticável se nunca for esquecido que todos os componentes da sociedade se devem comprometer, com respeito recíproco, para obter na comunidade aquele verdadeiro bem do homem do qual os corações e as mentes do povo italiano estão bem conscientes, alimentados por vinte séculos de cultura impregnada de Cristianismo.

Senhor Presidente, deste lugar tão significativo, desejo renovar a expressão do meu afecto, aliás da minha predilecção por esta amada Nação. Asseguro a Vossa Excelência e a todos os italianos e italianas a minha oração, invocando a materna protecção de Maria, venerada com tanta devoção em todos as partes da Península e das Ilhas, de Norte a Sul, como tenho a ocasião de verificar também por ocasião das minhas visitas pastorais. Ao despedir-me, faço minha a exortação que com tons poéticos o Beato João XXIII, peregrino a Assis na vigília do Concílio Vaticano II, dirigiu à Itália: "Tu, Itália querida, em cujas margens veio parar a barca de Pedro e por este motivo, primeiro, de todos os lidos vêm a ti, que sabes acolhê-las com máximo respeito e amor, todos os povos do universo que tu possas conservar o testamento sagrado, que compromete perante o céu e a terra" (Discurso de 4 de Outubro de 1962).

Deus proteja e abençoe a Itália e todos os seus habitantes!



XII ASSEMBLEIA GERAL ORDINÁRIA DO SÍNODO DOS BISPOS


MEDITAÇÃO DURANTE A CELEBRAÇÃO DA HORA "TERTIA" NO INÍCIO DA PRIMEIRA CONGREGAÇÃO GERAL DO SÍNODO DOS BISPOS 6 de Outubro de 2008

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Sala do Sínodo
Segunda-feira, 6 de Outubro de 2008


Caros Irmãos no Episcopado
Prezados irmãos e irmãs


No início do nosso Sínodo, a Liturgia das Horas propõe-nos um trecho do grande Salmo 118 sobre a Palavra de Deus: um elogio desta sua Palavra, expressão da alegria de Israel que a pode conhecer e, nela, pode conhecer também a sua vontade e o seu rosto. Gostaria de meditar convosco sobre alguns versículos deste trecho do Salmo.

Começa assim: "In aeternum, Domine, verbum tuum constitutum est in caelo... firmasti terram, et permanet". Fala-se da solidez da Palavra. Ela é sólida, é a verdadeira realidade sobre a qual alicerçar a própria vida. Recordemo-nos das palavras de Jesus, que dão continuidade a estas palavras do Salmo: "O céu e a terra passarão, mas a minha palavra nunca passará". Humanamente falando, a palavra, a nossa palavra humana, é quase nada na realidade, um sopro. Assim que é pronunciada, desaparece. Parece que é nada. Mas já a palavra humana tem uma força incrível. São as palavras que depois criam a história, são as palavras que dão forma aos pensamentos, os pensamentos dos quais deriva a palavra. É a palavra que forja a história, a realidade.

Além disso a Palavra de Deus é o fundamento de tudo, é a verdadeira realidade. E para sermos realistas, temos mesmo que contar com esta realidade. Temos que mudar a nossa ideia de que a matéria, as coisas sólidas que se podem tocar seriam a realidade mais sólida, mais segura. No final do Sermão da Montanha, o Senhor fala-nos das duas possibilidades de construção da casa da própria vida: na areia e na rocha. Constrói na areia somente quem edifica nas coisas visíveis e tangíveis, no sucesso, na carreira e no dinheiro. Aparentemente, estas são as verdadeiras realidades. Mas um dia tudo isto passará. Vemo-lo agora na falência dos grandes bancos: este dinheiro desaparece, não é nada. E assim todas estas coisas, que parecem a verdadeira realidade com a qual contar, são realidades de segunda ordem. Quem constrói a própria vida sobre estas realidades, sobre a matéria, sobre o sucesso e sobre tudo aquilo que se vê, edifica na areia. Somente a Palavra de Deus é fundamento de toda a realidade, é estável como o céu e mais que o céu, é a realidade. Portanto, temos que mudar o nosso conceito de realismo. Realista é quem reconhece na Palavra de Deus, nesta realidade aparentemente tão frágil, o fundamento de tudo. Realista é aquele que constrói a sua vida precisamente neste fundamento, que permanece. E assim estes primeiros versículos do Salmo convidam-nos a descobrir o que é a realidade e a encontrar desde modo o fundamento da nossa vida, como construir a vida.

No versículo seguinte, afirma-se "Omnia serviunt tibi". Todas as coisas derivam da Palavra, são um produto da Palavra. "No princípio havia a Palavra". No início o céu falou. E assim a realidade nasce da Palavra, é "creatura Verbi". Tudo é criado a partir da Palavra e tudo é chamado a servir a Palavra. Isto quer dizer que toda a criação, no final, é pensada para criar o lugar de encontro entre Deus e a sua criatura, um lugar onde o amor da criatura corresponda ao amor divino, um lugar onde se desenvolva a história do amor entre Deus e a sua criatura. "Omnia serviunt tibi". A história da salvação não é um pequeno acontecimento, num planeta pobre, na imensidão do universo. Não é algo mínimo, que acontece por acaso num planeta perdido. É o motor de tudo, o motivo da criação. Tudo é criado para que haja esta história, o encontro entre Deus e a sua criatura. Neste sentido, a história da salvação, a aliança, precede a criação. No período helenista, o judaísmo desenvolveu a ideia de que a Torah teria precedido a criação do mundo material. Este mundo material teria sido criado somente para dar lugar à Torah, a esta Palavra de Deus que cria a resposta, tornando-se história de amor. Aqui já transparece misteriosamente o mistério de Cristo. É aquilo que nos dizem as Cartas aos Efésios e aos Colossenses: Cristo é o protótypos, o primogénito da criação, a ideia pela qual o universo é concebido. Ele abarca tudo. Nós entramos no movimento do universo, unindo-nos a Cristo. Pode-se dizer que, enquanto a criação material é a condição para a história da salvação, a história da aliança é a verdadeira causa do cosmos. Alcançamos as raízes do ser, quando chegamos ao mistério de Cristo,a esta sua palavra viva, que é a finalidade de toda a criação. "Omnia serviunt tibi". Servindo o Senhor, realizamos a finalidade do ser, o objectivo da nossa própria existência.

Agora, façamos um salto: "Mandata tua exquisivi". Nós estamos sempre em busca da Palavra de Deus. Ela não está simplesmente presente em nós. Se nos detivermos na letra, não necessariamente teremos compreendido na realidade a Palavra de Deus. Existe o perigo de virmos somente as palavras humanas e de não encontrarmos aí o seu verdadeiro autor, o Espírito Santo. Encontramo-lo nas palavras da Palavra. Neste contexto, Santo Agostinho recorda-nos os escribas e os fariseus consultados por Herodes no momento da chegada dos Magos. Herodes quer saber onde nasceria o Salvador do mundo. Eles sabem e dão a resposta exacta: em Belém. São grandes especialistas, que conhecem tudo. E todavia não vêem a realidade, não conhecem o Salvador. Santo Agostinho diz: são indicadores de caminho para os outros, mas eles mesmos não se movem. Este é o grande perigo que existe também na nossa leitura da Escritura: detemo-nos nas palavras humanas, nas palavras do passado, na história do passado, e não descobrimos o presente no passado, o Espírito Santo que hoje nos fala nas palavras do passado. Deste modo, não entramos no movimento interior da Palavra, que nas palavras humanas esconde e abre as palavras divinas. Por isso, há sempre necessidade do "exquisivi". Temos o dever de nos pormos em busca da Palavra nas palavras.

Portanto a exegese, a verdadeira leitura da Sagrada Escritura, não é apenas um fenómeno literário, não é somente a leitura de um texto. É o movimento da minha existência. É caminhar para a Palavra de Deus nas palavras humanas. Somente confrontando-nos com o mistério de Deus, com o Senhor que é a Palavra, podemos entrar na Palavra, podemos encontrar verdadeiramente nas palavras humanas a Palavra de Deus. Oremos ao Senhor para que nos ajude a procurar não apenas com a inteligência, mas com toda a nossa existência, para encontrarmos a palavra.

No final: "Omni consummationi vidi finem, latum praeceptum tuum nimis". Todas as realidades humanas, todas as coisas que nós podemos inventar, criar, são finitas. Também todas as experiências religiosas humanas são finitas, mostram um aspecto da realidade, porque o nosso ser é finito e só compreende uma parte, alguns elementos: "latum praeceptum tuum nimis". Somente Deus é infinito. E por isso também a sua Palavra é universal e não conhece confim. Por conseguinte, entrando na Palavra de Deus, entramos realmente no universo divino. Saímos do limite das nossas experiências e entramos na realidade que é realmente universal. Entrando na comunhão com a Palavra de Deus, entramos na comunhão da Igreja que vive a Palavra de Deus. Não entramos num pequeno grupo, na regra de um pequeno grupo, mas saímos dos nossos próprios limites. Fazemo-nos ao largo, entramos na verdadeira vastidão da única verdade, a grande verdade de Deus. Encontramo-nos realmente no universal. E assim entramos na comunhão de todos os irmãos e irmãs, de toda a humanidade, porque no nosso coração se esconde o desejo da Palavra de Deus, que é uma só. Por isso, também a evangelização, o anúncio do Evangelho, a missão, não constituem uma espécie de colonialismo eclesial, mediante o qual desejamos inserir os outros no nosso grupo. É sair dos limites das culturas individuais e entrar na universalidade que vincula todos, que une todos, que nos torna todos irmãos. Oremos novamente a fim de que o Senhor nos ajude a entrar realmente na "largura" da sua Palavra e assim a abrir-nos ao horizonte universal da humanidade, que nos une com todas as diversidades.

No final, voltemos ainda a reflectir sobre um versículo precedente: "Tuus sum ego: salvum me fac". O texto italiano traduz: "Eu sou teu". A Palavra de Deus é como uma escada em que podemos subir e, com Cristo, também descer na profundidade do seu amor. Trata-se de uma escada para chegar à Palavra nas palavras. "Eu sou teu". A palavra tem um rosto, é pessoa, Cristo. Antes que possamos dizer "eu sou teu", Ele já nos disse "Eu sou teu". Citando o Salmo 39, a Carta aos Hebreus diz: "Tu preparaste-me um corpo... Então, eu disse: eis que venho!". O Senhor fez-se preparar um corpo para vir. Com a sua encarnação, Ele disse: "Eu sou teu". E no Baptismo, disse-me: "Eu sou teu". Na Sagrada Eucaristia di-lo sempre de novo: "Eu sou teu", a fim de que nós possamos responder: "Senhor, eu sou teu". No caminho da Palavra, entrando no mistério da sua encarnação, do seu estar connosco, desejamos apoderar-nos do seu ser, queremos desapropriar-nos da nossa existência, doando-nos a Ele que se entregou por nós.

"Eu sou teu". Oremos ao Senhor a fim de podermos aprender a pronunciar esta palavra com toda a nossa existência. Desta forma, estaremos no coração da Palavra. Assim seremos salvos!




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