Discursos Bento XVI 883

883 2. Viestes aqui para venerar os túmulos dos Santos Apóstolos Pedro e Paulo e partilhar com o Bispo de Roma as alegrias e as esperanças, as experiências e as dificuldades do vosso ministério episcopal. A visita ad limina é um momento significativo na vida de todos aqueles aos quais está confiado o cuidado pastoral de uma porção do Povo de Deus, porque com ela mostram e fortalecem a sua comunhão com o Romano Pontífice.

O Senhor fundou a Igreja para que seja "como que sacramento ou sinal, e também instrumento da união íntima com Deus e da unidade de todo o género humano" (Lumen gentium
LG 1). A Igreja é em si um mistério de comunhão, um "povo congregado na unidade do Pai e do Filho e do Espírito Santo" (ibid., 4). De facto, Deus quis levar todos os povos à plenitude da salvação, tornando-os partícipes dos dons da redenção de Cristo e deste modo entrar em comunhão de vida com a Trindade.

3. O ministério episcopal está ao serviço da unidade e da comunhão de todo o Corpo místico de Cristo. O Bispo, que é princípio e fundamento visível da unidade na sua Igreja particular, está chamado a estimular e defender a integridade da fé e a disciplina comum de toda a Igreja, ensinando além disso os fiéis a amar todos os seus irmãos (cf. ibid., 23).

Desejo manifestar o meu reconhecimento pela vossa decidida vontade de manter e fortalecer a unidade no âmbito da vossa Conferência Episcopal e das vossas Comunidades diocesanas. As palavras de nosso Senhor "para que todos sejam um só" (Jn 17,21) devem ser uma fonte constante de inspiração na vossa actividade pastoral, o que se tornará sem dúvida uma maior eficácia apostólica. Esta unidade, que deveis promover com intensidade e de modo visível, será além disso fonte de conforto na grave tarefa que vos foi confiada. Graças a esta colegialidade afectiva e efectiva, nenhum Bispo está sozinho, porque está sempre estreitamente unido a Cristo, Bom Pastor, e também, em virtude da sua Ordenação episcopal e da comunhão hierárquica, aos seus irmãos no episcopado e a quem o Senhor elegeu como Sucessor de Pedro (cf. João Paulo II, Pastores gregis ). Desejo agora certificar-vos de modo especial, a vós que contais com todo o meu apoio, a minha oração diária e a minha proximidade espiritual nas vossas canseiras e desvelos para fazer com que a Igreja seja "a casa e a escola de comunhão" (João Paulo II, Novo millennio ineunte NM 43).

4. Este espírito de comunhão tem um âmbito privilegiado de aplicação nas relações do Bispo com os seus sacerdotes. Conheço bem a vossa vontade de prestar maior atenção aos presbíteros e, com o Concílio Vaticano II, animo-vos a preocupar-vos com amor de pais e de irmãos "com as suas condições espirituais, intelectuais e materiais, para que possam viver santa e piedosamente, e exercer com fidelidade e eficácia o seu ministério" (Christus Dominus CD 16). De igual modo exorto-vos ao esmero na caridade e na prudência quando tiverdes que corrigir ensinamentos, atitudes e comportamentos que contradizem a condição sacerdotal dos vossos mais estreitos colaboradores e que podem, aliás, danificar e confundir a fé e a vida cristã dos fiéis.

O papel fundamental que os presbíteros desempenham deve fazer com que dediquem um grande esforço para promover as vocações sacerdotais. A este respeito, seria oportuno projectar uma pastoral matrimonial e familiar mais incisiva, que tenha em consideração a dimensão vocacional do cristão, assim como uma pastoral juvenil mais audaz, que ajude os jovens a responder com generosidade à chamada que Deus lhes fizer. É necessário também intensificar a formação dos seminaristas em todas as suas dimensões: humana, espiritual, intelectual, afectiva e pastoral, realizando também um eficaz e exigente trabalho de discernimento dos candidatos para as ordens sagradas.

5. Nesta óptica de aprofundar a comunhão dentro da Igreja, é da máxima importância reconhecer, valorizar e estimular a participação dos religiosos na actividade evangelizadora diocesana, que enriquecem com a contribuição dos seus respectivos carismas.

Também os fiéis, em virtude do seu baptismo, estão chamados a cooperar na edificação do Corpo de Cristo. Para esta finalidade é preciso proporcionar-lhes uma experiência mais viva de Jesus Cristo e do mistério do seu amor. O contacto permanente com o Senhor mediante uma vida intensa de oração e uma adequada formação espiritual e doutrinal aumentará em todos os cristãos a alegria de crer e de celebrar a sua fé e de pertencer à Igreja, estimulando-os assim a participar activamente na missão de proclamar a Boa Nova a todos os homens.

6. Queridos irmãos, garanto-vos mais uma vez a minha proximidade na oração quotidiana, juntamente com a minha firme esperança no progresso e renovação espiritual das vossas comunidades. O Senhor vos conceda a alegria de O servir, guiando no seu nome o rebanho que vos foi confiado. A Virgem Maria, na vossa devoção a Nossa Senhora de Luján, vos acompanhe e proteja sempre, assim como aos vossos fiéis diocesanos, e concedo-vos com grande afecto uma especial Bênção Apostólica.




DURANTE A AUDIÊNCIA CONCEDIDA À CONGREGAÇÃO PARA O CLERO Segunda-feira, 16 de Março de 2009

Senhores Cardeais
Venerados Irmãos
884 no Episcopado e no Sacerdócio

Estou feliz por vos poder receber nesta audiência especial, na vigília da partida para a África, aonde irei para entregar o Instrumentum laboris da segunda Assembleia Especial do Sínodo para a África, que se realizará aqui em Roma no próximo mês de Outubro. Agradeço ao Prefeito da Congregação, Senhor Cardeal Cláudio Hummes, as amáveis expressões com que interpretou os sentimentos de todos, e estou-vos grato pela bonita missiva que me escrevestes. Juntamente com ele, saúdo todos vós, Superiores, Oficiais e Membros da Congregação, com espírito agradecido por todo o trabalho que levais a cabo ao serviço de um sector tão importante da vida da Igreja.

O tema que escolhestes para esta Plenária – "A identidade missionária do presbítero na Igreja, como dimensão intrínseca do exercício dos tria munera" –permite algumas reflexões para o trabalho destes dias e para os frutos abundantes que certamente ele há-de produzir. Se toda a Igreja é missionária, e se cada cristão, em virtude do Baptismo e da Confirmação, quasi ex officio (cf. Código de Direito Canónico,
CIC 1305) recebe o mandato de professar publicamente a fé, o sacerdócio ministerial, também deste ponto de vista, distingue-se ontologicamente e não apenas por grau, do sacerdócio baptismal, chamado inclusive sacerdócio comum. Com efeito, do primeiro o mandato apostólico é constitutivo: "Ide, pois, pelo mundo inteiro e anunciai o Evangelho a todas as criaturas" (Mc 16,15). Como sabemos, este mandato não é um simples encargo confiado a colaboradores; as suas raízes são ainda mais profundas e devem ser procuradas muito mais longe.
A dimensão missionária do presbítero nasce da sua configuração sacramental com Cristo Cabeça: ela traz consigo, como consequência, uma adesão cordial e total àquela que a tradição eclesial reconheceu como a apostolica vivendi forma. Ela consiste na participação numa "vida nova", espiritualmente entendida, naquele "novo estilo de vida" que foi inaugurado pelo Senhor Jesus e foi feito próprio pelos Apóstolos. Pela imposição das mãos do Bispo e a oração consecratória da Igreja, os candidatos tornam-se homens novos, tornam-se "presbíteros". Nesta luz, aparece claramente como os tria munera são primeiro um dom e só consequentemente um ofício, primeiro uma participação numa vida, e por isso uma potestas. Sem dúvida, a grande tradição eclesial justamente desvinculou a eficácia sacramental da situação existencial concreta de cada sacerdote, e assim as expectativas legítimas dos fiéis são adequadamente salvaguardadas. Mas esta justa especificação doutrinal nada tira à necessária, aliás indispensável, tensão para a perfeição moral, que deve habitar cada coração autenticamente sacerdotal.

Precisamente em vista de favorecer esta tensão dos sacerdotes para a perfeição espiritual da qual sobretudo depende a eficácia do seu ministério, decidi proclamar um especial "ano sacerdotal", que irá de 19 de Junho próximo ao dia 19 de Junho de 2010. Efectivamente, celebra-se o 150º aniversário da morte do Santo Cura d'Ars, João Maria Vianney, verdadeiro exemplo de Pastor ao serviço da grei de Cristo. Será tarefa da vossa Congregação, em sintonia com os Ordinários diocesanos e com os Superiores dos Institutos religiosos, promover e coordenar as várias iniciativas espirituais e pastorais que parecerem úteis para fazer compreender cada vez mais a importância do papel e da missão do sacerdote na Igreja e na sociedade contemporânea.

A missão do presbítero, como evidencia o tema da Plenária, realiza-se "na Igreja". Esta dimensão eclesial, comunional, hierárquica e doutrinal é absolutamente indispensável para toda a missão autêntica e a única que garante a sua eficácia espiritual. Os quatro aspectos mencionados devem ser sempre reconhecidos como intimamente correlacionados: a missão é "eclesial", porque ninguém se anuncia nem se leva a si mesmo mas, dentro e através da própria humanidade, cada sacerdote deve estar bem consciente de levar Outro, o próprio Deus, ao mundo. Deus é a única riqueza que, de modo definitivo, os homens desejam encontrar num sacerdote. A missão é "comunional", porque se realiza numa unidade e numa comunhão que apenas secundariamente têm também aspectos relevantes de visibilidade social. Por outro lado, eles derivam essencialmente da intimidade divina em que o sacerdote é chamado a ser perito para poder, com humildade e confiança, conduzir ao mesmo encontro com o Senhor as almas que lhe forem confiadas. Enfim, as dimensões "hierárquica" e "doutrinal" sugerem que se confirme a importância da disciplina (este termo liga-se a "discípulo") eclesiástica e da formação doutrinal, e não somente teológica, inicial e permanente.

A consciência das mudanças sociais radicais das últimas décadas deve levar as melhores energias eclesiais a dedicar-se à formação dos candidatos ao ministério. De modo particular, deve estimular a solicitude constante dos Pastores pelos seus primeiros colaboradores, quer cultivando relacionamentos humanos verdadeiramente paternas, quer preocupando-se com a sua formação permanente, sobretudo sob o perfil doutrinal e espiritual. A missão tem as suas raízes de modo especial numa boa formação, desenvolvida em comunhão com a Tradição eclesial ininterrupta, sem cesuras nem tentações de descontinuidade. Neste sentido, é importante favorecer nos sacerdotes, sobretudo nas jovens gerações, uma correcta recepção dos textos do Concílio Ecuménico Vaticano II, interpretados à luz de toda a bagagem doutrinal da Igreja. Parece urgente também a recuperação desta consciência que impele os sacerdotes a estar presentes e ser identificáveis e reconhecíveis quer pelo juízo de fé, quer pelas virtudes pessoais, quer também pelo hábito, nos âmbitos da cultura e da caridade, desde sempre no coração da missão da Igreja.

Como Igreja e como sacerdotes, anunciamos Jesus de Nazaré Senhor e Cristo, crucificado e ressuscitado, Soberano do tempo e da história, na jubilosa certeza de que tal verdade coincide com as expectativas mais profundas do coração humano. No mistério da encarnação do Verbo, ou seja, no facto de que Deus se fez homem como nós, encontram-se quer o conteúdo quer o método do anúncio cristão. Aqui a missão dispõe do seu verdadeiro centro propulsor: precisamente em Jesus Cristo. A centralidade de Cristo traz consigo a justa valorização do sacerdócio ministerial, sem o qual não haveria a Eucaristia, nem muito menos a missão e a própria Igreja. Neste sentido, é necessário velar a fim de que as "novas estruturas" ou organizações pastorais não sejam pensadas para uma época em que se deveria "renunciar" ao ministério ordenado, partindo de uma interpretação errónea da justa promoção dos leigos, porque em tal caso colocar-se-iam os pressupostos para a ulterior diluição do sacerdócio ministerial e as eventuais presumíveis "soluções" viriam a coincidir dramaticamente com as verdadeiras causas das problemáticas contemporâneas ligadas ao ministério.

Estou persuadido de que nestes dias o trabalho da Assembleia Plenária, sob a salvaguarda da Mater Ecclesiae, poderá aprofundar estas breves referências que me permito submeter à atenção dos Senhores Cardeais e dos Arcebispos e Bispos, invocando sobre todos a abundância das dádivas celestiais, em penhor das quais concedo a vós e às pessoas que vos são queridas uma especial e afectuosa Bênção Apostólica.



VIAGEM APOSTÓLICA AOS CAMARÕES E ANGOLA (17-23 DE MARÇO DE 2009)


ENTREVISTA AOS JORNALISTAS DURANTE A VIAGEM AÉREA PARA A ÁFRICA Terça-feira, 17 de Março de 2009

17309

D. (Padre Frederico Lombardi, Director da Sala de Imprensa da Santa Sé) – Santidade, bem-vindo ao meio deste grupo de colegas: somos cerca de setenta que nos preparamos para viver esta viagem com Vossa Santidade. Fazemos-lhe os nossos melhores votos e desejamos poder acompanhá-lo com o nosso serviço, de modo a tornar participantes desta mesma aventura muitas outras pessoas. Como sempre, ficamos-lhe muito gratos pelo colóquio que agora nos concede; preparámo-lo recolhendo, nos dias passados, um certo número de perguntas da parte dos colegas – recebi umas trinta – e depois escolhemos algumas que pudessem proporcionar um discurso razoavelmente completo sobre esta viagem e que pudessem interessar a todos; e estamos-lhe muito gratos pelas respostas que nos der. A primeira pergunta é feita pelo nosso colega Brunelli, da televisão italiana, que se encontra aqui, à nossa direita:

P.Bom dia. Santidade, desde há algum tempo – e sobretudo depois da sua última carta aos Bispos do mundo – muitos jornais falam de "solidão do Papa". Que pensa sobre isto? Sente-se deveras sozinho? E com que sentimentos, depois das recentes vicissitudes, voa agora para a África connosco?

R. – A bem da verdade, devo dizer que me faz rir um pouco este mito da minha solidão: de modo algum me sinto sozinho. Como programado, todos os dias recebo a visita dos colaboradores mais estreitos, a começar pelo Secretário de Estado até à Congregação de Propaganda Fide, etc.; depois vejo regularmente todos os chefes dos Dicastérios, todos os dias recebo Bispos em visita "ad limina" – ultimamente, um a um, recebi todos os Bispos da Nigéria, depois os Bispos da Argentina... Tivemos duas Plenárias nestes dias, uma da Congregação para o Culto Divino e outra da Congregação para o Clero, e depois colóquios amistosos; uma rede de amizade: até os meus colegas de Ordenação vieram da Alemanha recentemente passar um dia comigo... Portanto a solidão não é um problema, estou realmente circundado de amigos numa maravilhosa colaboração com Bispos, colaboradores, leigos e disso mesmo lhes estou agradecido. Vou à África com grande alegria: amo a África, tenho muitos amigos africanos já desde os tempos em que era professor até aos dias de hoje; amo a alegria da fé, esta fé jubilosa que se encontra na África. Sabeis que o mandato do Senhor para o Sucessor de Pedro é "confirmar os irmãos na fé": eu procuro fazê-lo. Mas estou certo de que serei eu mesmo a regressar confirmado pelos irmãos, contagiado – por assim dizer – pela sua fé jubilosa.

D. – A segunda pergunta é feita por John Thavis, responsável da secção romana da agência católica de notícias dos Estados Unidos:

P.Vossa Santidade vai em viagem à África quando está em curso uma crise económica mundial que tem os seus reflexos também nos países pobres. Aliás, a África neste momento tem que enfrentar uma crise alimentar. Gostaria de perguntar três coisas: esta situação encontrará eco na sua viagem? Vossa Santidade apelar-se-á à comunidade internacional para que assuma os problemas da África? E, terceira coisa, falar-se-á destes problemas também na Encíclica que está a preparar?

R. – Obrigado pela pergunta. Naturalmente, eu não vou à África com um programa político-económico, para o qual me faltaria a competência. Vou com um programa religioso, de fé, de moral, mas isto mesmo é também uma contribuição essencial para o problema da crise económica que vivemos neste momento. Todos sabemos que um elemento fundamental da crise é precisamente um deficit de ética nas estruturas económicas; compreendeu-se que a ética não é algo que está "fora" da economia, mas "dentro" e que a economia não funciona se não incluir o elemento ético. Por isso, falando de Deus e dos grandes valores espirituais que constituem a vida cristã, procurarei dar um contributo precisamente para superar esta crise, para renovar o sistema económico a partir de dentro, onde está o nó da verdadeira crise. E, naturalmente, farei apelo à solidariedade internacional: a Igreja é católica, isto é, universal, aberta a todas as culturas, a todos os continentes; está presente em todos os sistemas políticos e assim a solidariedade é um princípio interno, fundamental para o catolicismo. Naturalmente quero dirigir um apelo antes de tudo à própria solidariedade católica, fazendo-o extensivo contudo à solidariedade de todos os que vêem a sua responsabilidade na sociedade humana de hoje. Obviamente falarei disto também na Encíclica: este é um motivo do atraso. Estávamos prestes a publicá-la, quando se desencadeou esta crise e retomamos o texto para responder, mais adequadamente, no âmbito das nossas competências, no âmbito da doutrina social da Igreja, mas com referência aos elementos reais da crise actual. Assim espero que a Encíclica possa ser também um elemento, uma força para superar a difícil situação presente.

D. – Santidade, a terceira pergunta é posta pela nossa colega Isabelle de Gaulmyn, de "La Croix":

P.Très Saint-Père, bonjour. Formulo a pergunta em italiano, mas se gentilmente puder responder em francês... O Conselho Especial para a África do Sínodo dos Bispos pediu que o forte crescimento quantitativo da Igreja africana se torne também um crescimento qualitativo. Por vezes, os responsáveis da Igreja são considerados como um grupo de ricos e privilegiados e os seus comportamentos não são coerentes com o anúncio do Evangelho. Vossa Santidade convidará a Igreja em África a um compromisso de exame de consciência e de purificação das suas estruturas?

R. – Tentarei, dentro do possível, falar em francês. Tenho uma visão mais positiva da Igreja na África: é uma Igreja muito próxima dos pobres, uma Igreja ao lado dos doentes, ao lado das pessoas que têm necessidade de ajuda e portanto parece-me que a Igreja é realmente uma instituição que ainda funciona, quando outras estruturas já não funcionam, e com o seu sistema de educação, de hospitais, de ajuda, em todas estas situações, ela está presente no mundo dos pobres e dos doentes. Naturalmente, o pecado original está presente também na Igreja; não existe uma sociedade perfeita e, por conseguinte, há também pecadores e deficiências na Igreja em África, e, neste sentido, um exame de consciência, uma purificação interior é sempre necessária, e recordaria também neste sentido a liturgia eucarística: começa-se sempre com uma purificação da consciência, é um recomeçar na presença do Senhor. E diria, mais do que uma purificação das estruturas, que é sempre necessária também, é preciso uma purificação dos corações, porque as estruturas são o reflexo dos corações, e nós fazemos o melhor que nos é possível para dar uma nova força à espiritualidade, à presença de Deus no nosso coração, quer para purificar as estruturas da Igreja, quer também para ajudar a purificação das estruturas da sociedade.

D. – Agora, uma pergunta que vem da componente alemã deste grupo de jornalistas: é Crista Kramer que representa o Sankt Ulrich Verlag, que faz a pergunta:

P.Heiliger Vater, gute Reise! O Padre Lombardi disse-me para falar em italiano, e nesta língua lhe faço a pergunta. Quando Vossa Santidade se dirige à Europa, fala com frequência de um horizonte do qual Deus parece estar a desaparecer. Na África não é assim, mas existe uma presença agressiva das seitas, existem as religiões tradicionais africanas. Qual é então a especificidade da mensagem da Igreja católica que Vossa Santidade deseja apresentar neste contexto?

R. – Em primeiro lugar, todos nós reconhecemos que, na África, o problema do ateísmo quase não se coloca, porque a realidade de Deus é tão presente, tão real no coração dos africanos que não crer em Deus, viver sem Deus não lhes aparece como tentação. É verdade que existem também os problemas das seitas: nós não anunciamos, como fazem alguns deles, um Evangelho de prosperidade, mas um realismo cristão; não anunciamos milagres, como fazem alguns, mas a sobriedade da vida cristã. Estamos convencidos de que toda esta sobriedade, este realismo que anuncia um Deus que se fez homem – e, por conseguinte, um Deus profundamente humano, um Deus que sofre também connosco, que dá um sentido ao nosso sofrimento – é um anúncio com um horizonte mais vasto, que tem mais futuro. E sabemos que estas seitas não são muito estáveis na sua consistência: de momento pode fazer bem o anúncio da prosperidade, de curas miraculosas, etc., mas, passado algum tempo, vê-se que a vida é difícil, que um Deus humano, um Deus que sofre connosco é mais convincente, mais verdadeiro, e presta uma maior ajuda à vida. É importante também a estrutura da Igreja católica que temos. Anunciamos não um pequeno grupo que depois de um certo tempo se isola e perde, mas entramos nesta grande rede universal da catolicidade, não só trans-temporal, mas presente sobretudo como uma grande rede de amizade que nos une e ajuda também a superar o individualismo para chegar a esta unidade na diversidade, que é a verdadeira promessa.

D. – Agora damos de novo a palavra a uma voz francesa: é o nosso colega Philippe Visseyrias, de France 2:

P. – Santidade, entre os muitos males que atormentam a África, existe também e sobretudo o da difusão da SIDA. A posição da Igreja católica sobre o modo de lutar contra ela é com frequência considerado irrealista e ineficaz. Vossa Santidade enfrentará este tema durante a viagem?

R. – Eu diria o contrário: penso que a realidade mais eficiente, mais presente em primeira linha na luta contra a SIDA é precisamente a Igreja católica, com os seus movimentos, com as suas diversas realidades. Penso na Comunidade de Santo Egídio que faz tanto, de modo visível e invisível também, na luta contra a SIDA, nos Camilianos, em muitas outras realidades, em todas as Irmãs que estão à disposição dos doentes... Diria que não se pode superar este problema da SIDA só com dinheiro, mesmo se necessário; mas, se não há a alma, se os africanos não ajudam (assumindo a responsabilidade pessoal), não se pode superá-lo com a distribuição de preservativos: ao contrário, aumentam o problema. A solução pode vir apenas da conjugação de dois factores: o primeiro, uma humanização da sexualidade, isto é, uma renovação espiritual e humana que inclua um novo modo de comportar-se um com o outro; o segundo, uma verdadeira amizade também e sobretudo pelas pessoas que sofrem, a disponibilidade à custa até de sacrifícios, de renúncias pessoais, para estar ao lado dos doentes. E estes são os factores que ajudam e proporcionam progressos visíveis. Diria, pois, que esta nossa dupla força de renovar o homem interiormente, de dar força espiritual e humana para um comportamento justo em relação ao próprio corpo e ao do outro, e esta capacidade de sofrer com os doentes, de permanecer presente nas situações de prova. Parece-me que esta é a resposta justa, e a Igreja faz isto e deste modo presta uma grandíssima e importante contribuição. Agradecemos a todos aqueles que o fazem.

D. – E agora, a última pergunta, que vem até do Chile, porque somos muito internacionais: temos também a correspondente da televisão católica chilena connosco. E damos-lhe a palavra para a última pergunta: Maria Burgos.

P.Obrigada, Padre Lombardi. Santidade, que sinais de esperança vê a Igreja no Continente africano? E Vossa Santidade pensa poder transmitir à África uma mensagem de esperança?

R. – A nossa fé é esperança por definição: di-lo a Sagrada Escritura. E por isso, quem tem a fé está convencido de ter também a esperança. Parece-me, não obstante todos os problemas que conhecemos bem, que há grandes sinais de esperança. Novos governos, nova disponibilidade de colaboração, luta contra a corrupção – um grande mal que deve ser superado! – e também a abertura das religiões tradicionais à fé cristã, porque nas religiões tradicionais todos conhecem Deus, o único Deus, mas aparece um pouco distante. Esperam que se aproxime. É no anúncio de Deus feito Homem que elas se reconhecem: Deus aproximou-se realmente. Depois, a Igreja católica tem muito em comum: digamos, o culto dos antepassados encontra a sua resposta na comunhão dos santos, no purgatório. Santos não são só os canonizados, mas todos os nossos mortos. E assim, no Corpo de Cristo, realiza-se precisamente também aquilo que o culto dos antepassados intuía. E assim por diante. Há portanto um encontro profundo que dá realmente esperança. E cresce também o diálogo inter-religioso: falei pessoalmente com mais de metade dos bispos africanos, e as relações com os muçulmanos, apesar dos problemas que se podem verificar, são muito promissoras – disseram-me eles; o diálogo cresce no respeito recíproco e a colaboração nas responsabilidades éticas comuns. Aliás cresce também este sentido de catolicidade que ajuda a superar o tribalismo – um dos grandes problemas – e daí brota a alegria de ser cristão. Um problema das religiões tradicionais é o medo dos espíritos. Um dos bispos africanos disse-me: uma pessoa converte-se realmente ao cristianismo, torna-se plenamente cristão quando sabe que Cristo é realmente mais forte. Deixa de ter medo. E também este é um fenómeno em crescimento. Portanto, diria que, com tantos elementos e problemas que não podem faltar, crescem as forças espirituais, económicas, humanas que nos dão esperança, e gostaria de realçar precisamente os elementos de esperança.

D. – Muito obrigado, Santidade, pelo tempo que nos dedicou, por aquilo que nos disse. É uma óptima introdução para acompanhar a sua viagem com muito entusiasmo. Empenhar-nos-emos verdadeiramente para fazer chegar a sua mensagem a todo o continente e a todos os nossos leitores e ouvintes.




CERIMÓNIA DE BOAS-VINDAS AOS CAMARÕES Aeroporto Internacional Nsimalen de Yaoundé Terça-feira, 17 de Março de 2009

17319

Senhor Presidente,
Ilustres Representantes das Autoridades civis,
Senhor Cardeal Tumi,
Venerados Irmãos no Episcopado,
Amados irmãos e irmãs!

Obrigado pelas boas-vindas com que me acolhestes. Obrigado, Senhor Presidente, pelas suas amáveis palavras. Apreciei imenso o convite a visitar os Camarões, e por isso desejo exprimir a minha gratidão a Vossa Excelência e ao Presidente da Conferência Episcopal Nacional, D. Tonyé Bakot. Saúdo a todos vós que me honrastes com a vossa presença nesta ocasião, e desejo que saibais a grande alegria que sinto por me encontrar convosco aqui, em terra africana, pela primeira vez desde a minha eleição para a Sé de Pedro. Saúdo afectuosamente os meus Irmãos no Episcopado como também o clero e os fiéis leigos aqui reunidos. Dirijo uma saudação respeitosa também aos Representantes do Governo, das Autoridades civis e do Corpo diplomático. Dado que esta Nação, como várias outras na África, se aproxima do cinquentenário da sua independência, quero juntar a minha voz ao coro de congratulações e bons votos que os vossos amigos em todo o mundo vos enviarão nesta feliz ocasião. Com gratidão, registo a presença de membros de outras Confissões cristãs e seguidores de diversas religiões. Unindo-vos a nós neste dia, ofereceis um sinal claro da boa vontade e harmonia que existe neste país entre pessoas de diferentes tradições religiosas.

Venho ter convosco como pastor. Venho para confirmar os meus irmãos e as minhas irmãs na fé. Este foi o dever que Cristo confiou a Pedro na Última Ceia, e esta é a função dos sucessores de Pedro. Em Jerusalém, no dia de Pentecostes, quando Pedro pregou à multidão, estavam presentes lá visitantes também da África. Depois o testemunho de muitos e grandes Santos deste continente durante os primeiros séculos do cristianismo – São Cipriano, Santa Mónica, Santo Agostinho, Santo Atanásio, para nomear só alguns – assegura à África um lugar de distinção nos anais da história da Igreja. Até aos dias de hoje, falanges de missionários e de mártires continuaram a dar testemunho de Cristo em toda a parte da África, sendo aqui hoje abençoada a Igreja com a presença aproximada de cento e cinquenta milhões de fiéis. Muito apropriada se revela, pois, a decisão de o Sucessor de Pedro vir à África para celebrar convosco a fé vivificante em Cristo, que sustenta e nutre um número assim tão grande de filhos e filhas deste continente.

Foi aqui em Yaoundé, no ano 1995, que o meu venerado antecessor, Papa João Paulo II, promulgou a Exortação pós-sinodal Ecclesia in Africa, fruto da Primeira Assembleia Especial para a África do Sínodo dos Bispos, realizada em Roma no ano anterior. O décimo aniversário daquele momento histórico foi celebrado com grande solenidade nesta mesma cidade, não há muito tempo. Vim aqui para apresentar o Instrumentum laboris para a Segunda Assembleia Especial, que terá lugar em Roma no próximo mês de Outubro. Os Padres do Sínodo reflectirão, juntos, sobre o tema: «A Igreja em África ao serviço da reconciliação, da justiça e da paz: “Vós sois o sal da terra… Vós sois a luz do mundo” (
Mt 5,13 Mt 5,14)». Quase dez anos depois da entrada no novo milénio, este momento de graça é um apelo a todos os Bispos, presbíteros, religiosos e fiéis leigos do continente para se dedicarem com redobrada força à missão que tem a Igreja de levar esperança aos corações do povo da África e, desse modo, também aos povos de todo o mundo.

Mesmo no meio dos maiores sofrimentos, a mensagem cristã traz sempre consigo esperança. A vida de Santa Josefina Bakhita proporciona um admirável exemplo da transformação que o encontro com o Deus vivo pode gerar numa situação de grande sofrimento e injustiça. Diante da dor ou da violência, da pobreza ou da fome, da corrupção ou do abuso de poder, um cristão nunca pode ficar calado. A mensagem salvífica do Evangelho exige ser proclamada, com força e clareza, de tal modo que a luz de Cristo possa brilhar na escuridão da vida das pessoas. Aqui na África, como em tantas outras partes do mundo, inumeráveis homens e mulheres anseiam por ouvir uma palavra de esperança e conforto. Conflitos locais deixam milhares de desalojados e necessitados, de órfãos e viúvas. Num continente que no passado viu muitos de seus habitantes cruelmente raptados e levados para além-mar a fim de trabalhar como escravos, o tráfico de seres humanos, especialmente de inermes mulheres e crianças, tornou-se uma moderna forma de escravatura. Num tempo de global escassez alimentar, de confusão financeira, de modelos causadores de alterações climáticas, a África sofre desconformemente: um número crescente de seus habitantes acaba prisioneiro da fome, da pobreza e da doença. Estes clamam por reconciliação, justiça e paz; e isto é precisamente o que a Igreja lhes oferece. Não novas formas de opressão económica ou política, mas a liberdade gloriosa dos filhos de Deus (cf. Rom Rm 8,21). Não a imposição de modelos cultuais que ignoram o direitos à vida dos nascituros, mas a pura água salvífica do Evangelho da vida. Não amargas rivalidades inter-étnicas ou inter-religiosas, mas a rectidão, a paz e a alegria do Reino de Deus, descrito de modo muito apropriado pelo Papa Paulo VI como «civilização do amor» (cf. Alocução ao Regina caeli, Pentecostes de 1970).

Aqui, nos Camarões, onde mais de um quarto da população é católica, a Igreja está em boas condições para levar por diante a sua missão a favor da saúde e da reconciliação. No Centro Cardeal Léger, poderei dar-me conta pessoalmente da solicitude pastoral desta Igreja local pelas pessoas doentes e atribuladas; merecedor de particular encómio é o facto de os doentes de sida sejam gratuitamente tratados. O empenho educativo é outro elemento-chave do serviço da Igreja e agora vemos os esforços de gerações de missionários professores dar o seu fruto na obra da Universidade Católica da África Central, um sinal de grande esperança para o futuro da região.

De facto, os Camarões são terra de esperança para muitos na África Central. Milhares de refugiados, vindos dos países da região devastados pela guerra, encontraram aqui acolhimento. Esta é uma terra de vida, com um Governo que fala claramente em defesa dos direitos dos nascituros. Esta é uma terra de paz: ao resolverem pelo diálogo a disputa na península Bakassi, os Camarões e a Nigéria mostraram ao mundo que uma paciente diplomacia pode realmente dar fruto. Esta é uma terra de jovens, abençoada com uma população jovem plena de vitalidade e impaciente por construir um mundo mais justo e pacífico. Justamente os Camarões são descritos como uma «África em miniatura», pátria de mais de duzentos grupos étnicos diferentes que vivem em harmonia uns com os outros. Tudo isto são razões para louvar e agradecer a Deus.

Ao chegar hoje ao vosso meio, rezo pela Igreja, aqui e por toda a África, para que possa continuar a crescer na santidade, no serviço à reconciliação, à justiça e à paz. Rezo para que o trabalho da Segunda Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos possa atear a chama dos dons que o Espírito derramou sobre a Igreja na África. Rezo por cada um de vós, pelas vossas famílias e entes queridos, e peço que vos junteis a mim na oração por todos os habitantes deste vasto continente. Deus abençoe os Camarões! Deus abençoe a África!




Discursos Bento XVI 883