Bento XVI Homilias 29309

V Domingo de Quaresma, 29 de Março de 2009: VISITA PASTORAL À PARÓQUIA ROMANA DA SANTA FACE DE JESUS NA "MAGLIANA"

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Queridos irmãos e irmãs!

Na hodierna página do Evangelho, São João narra um episódio que aconteceu na última fase da vida pública de Cristo, já na iminência da Páscoa judaica, que será a sua Páscoa de morte e ressurreição. Quando estava em Jerusalém – narra o Evangelista – alguns gregos, prosélitos do judaísmo, curiosos e atraídos por quanto ele ia realizando, aproximaram-se de Filipe, um dos Doze que tinha um nome grego e vinha da Galileia: "Senhor, disseram-lhe, queremos ver Jesus". Filipe, por sua vez, chamou André, um dos primeiros apóstolos muito próximo do Senhor, também ele com um nome grego, e ambos, foram dizê-lo a Jesus" (cf.
Jn 12,20-21).

No pedido destes anónimos gregos podemos ver a sede que existe no coração de cada homem de ver e de conhecer Cristo; e a resposta de Jesus orienta-nos para o mistério da Páscoa, manifestação gloriosa da sua missão salvífica. "Chegou a hora – declara Ele – em que será glorificado o Filho do Homem" (Jn 12,23). Sim! Está para chegar a hora da glorificação do Filho do homem, mas isto obrigará a passagem dolorosa através da paixão e da morte na cruz. De facto, só assim se realizará o plano divino da salvação que é para todos, judeus e pagãos. Com efeito, todos são convidados a fazer parte do único povo da aliança nova e definitiva. Nesta luz, compreendemos também a solene proclamação com que termina o trecho evangélico: "E quando Eu for elevado da terra, atrairei todos a mim" (Jn 12,32), como também o comentário do Evangelista: "Assim falava para indicar de que morte deveria morrer" (Jn 12,33). A cruz: a altura do amor é a altura de Jesus e a esta altura Ele atrai todos.

Muito oportunamente a liturgia nos faz meditar este texto do Evangelho de João no hodierno quinto domingo da Quaresma, enquanto se aproximam os dias da Paixão do Senhor, na qual nos imergiremos espiritualmente a partir do próximo domingo, chamado precisamente domingo de Ramos e da Paixão do Senhor. É como se a Igreja nos estimulasse a partilhar o estado de espírito de Jesus, querendo preparar-nos para reviver o mistério da sua crucifixão, morte e ressurreição não como espectadores estranhos, mas como protagonistas juntamente com Ele, envolvidos no seu mistério de cruz e de ressurreição. De facto, onde está Cristo devem encontrar-se também os seus discípulos, que são chamados a segui-l'O, a ser solidários com Ele no momento do combate, para serem co-partícipes da sua vitória.

Em que consiste a nossa associação à sua missão, explica-o o próprio Senhor. Falando da sua próxima morte gloriosa, Ele usa uma imagem simples e ao mesmo tempo sugestiva: "Se o grão de trigo que cai na terra não morrer, permanecerá ele só; mas se morrer, produzirá muito fruto" (Jn 12,24). Compara-se a si mesmo com um "grão de trigo que se desfaz, para produzir muito fruto para todos", segundo uma eficaz expressão de Santo Atanásio; e só mediante a morte, a cruz, Cristo produz muito fruto por todos os séculos. De facto, não era suficiente que o Filho de Deus tivesse encarnado. Para levar a cumprimento o plano divino da salvação universal, era preciso que Ele morresse e fosse sepultado: só assim toda a realidade humana teria sido aceite e, mediante a sua morte e ressurreição ter-se-ia manifestado o triunfo da Vida, o triunfo do Amor; ter-se-ia demonstrado que o amor é mais forte do que a morte.

Contudo, o homem Jesus – que era um verdadeiro homem, com os nossos mesmos sentimentos – sentia o peso da prova e a tristeza amarga pelo trágico fim que O aguardava. Precisamente sendo homem-Deus, experimentava ainda mais o terror face ao abismo do pecado humano e de quanto há de impuro na humanidade, que Ele devia levar consigo e consumir no fogo do seu amor. Ele tinha que levar consigo tudo isto e transformá-lo no seu amor. "Minha alma – confessa Ele – está agora conturbada. Que direi? Pai, salva-me desta hora?" (Jn 12,27). Sobressai a tentação de perguntar: "Salva-me, não permitas a cruz, concede-me a vida!". Vemos nesta sua invocação angustiada uma antecipação da oração atormentada do Getsémani, quando, experimentando o drama da solidão e do medo, implorará ao Pai para que afaste dele o cálice da paixão. Mas, do mesmo modo não falta a sua adesão filial ao desígnio divino, porque precisamente por isso sabe que chegou a sua hora, e reza com confiança: "Pai, glorifica o teu nome" (Jn 12,28). Com isso Ele quis dizer: "Aceito a cruz" – na qual se glorifica o nome de Deus, isto é, a grandeza do seu amor. Também aqui Jesus antecipa as palavras do Monte das Oliveiras: "Não se faça a minha vontade, mas a tua". Ele transforma a sua vontade humana e identifica-a com a de Deus. É este o grande acontecimento do Monte das Oliveiras, o percurso que deveria realizar-se fundamentalmente em cada uma das nossas orações: transformar, deixar que a graça transforme a nossa vontade egoísta e a abra para se conformar com a vontade divina. Os mesmos sentimentos sobressaem no trecho da Carta aos Hebreus, proclamado na segunda leitura. Prostrado por uma angústia extrema por causa da morte que está para chegar, Jesus oferece a Deus orações e súplicas "com fortes gritos e lágrimas" (He 5,7). Invoca ajuda d'Aquele que O pode libertar, mas permanecendo sempre abandonado nas mãos do Pai. E precisamente por esta sua confiança filial para com Deus – observa o autor – foi atendido, no sentido que ressuscitou, recebeu a vida nova e definitiva. A Carta aos Hebreus faz-nos compreender que estas orações insistentes de Jesus, com lágrimas e gritos, eram o verdadeiro acto do Sumo Sacerdote, com o qual Se oferecia a Si mesmo e à humanidade ao Pai, transformando assim o mundo.

Queridos irmãos e irmãs, este é o caminho exigente da cruz que Jesus indica a todos os seus discípulos. Várias vezes disse: "Se alguém quiser servir-me, siga-Me". Não há alternativa para o cristão que quiser realizar a própria vocação. É a "lei" da Cruz descrita com a imagem do grão de trigo que morre para germinar a vida nova; é a "lógica" da Cruz recordada também no Evangelho de hoje: "Quem ama a própria vida, perdê-la-á, e quem aborrece a própria vida neste mundo, conservá-la-á para a vida eterna". "Aborrecer" a própria vida é uma expressão semítica forte e paradoxal, que ressalta bem a totalidade radical que deve distinguir quem segue Cristo e se põe, por amor a Ele, ao serviço dos irmãos: perde a vida e assim a encontra. Não existe outro caminho para experimentar a alegria e a verdadeira fecundidade do Amor: o caminho do dar-se, do doar-se, do perder-se para se encontrar.

Queridos amigos, o convite de Jesus ressoa particularmente eloquente na celebração de hoje nesta vossa paróquia. Com efeito ela está dedicada à Santa Face de Jesus: aquela Face que "alguns gregos", dos quais fala o Evangelho, desejavam ver; aquela Face que nos próximos dias da Paixão contemplaremos desfigurada por causa dos pecados, da indiferença e da ingratidão dos homens; aquela Face radiante de luz e resplandecente de glória, que brilhará no alvorecer do dia de Páscoa. Mantenhamos fixos o coração e a mente na Face de Cristo, queridos fiéis, que saúdo com afecto, começando pelo vosso Pároco, Pe. Luigi Coluzzi, ao qual estou grato também por se ter feito intérprete dos vossos sentimentos. Obrigado pelo vosso cordial acolhimento: sinto-me deveras feliz por me encontrar aqui entre vós por ocasião do 3º aniversário da dedicação desta vossa igreja e saúdo a todos com afecto. Dirijo uma saudação especial ao Cardeal Vigário, e também ao Cardeal Fiorenzo Angelini, que contribuiu para a realização deste novo complexo paroquial, ao Bispo Auxiliar do Sector, a D. Marcello Costalunga e aos outros Prelados presentes, aos sacerdotes colaboradores paroquiais, às beneméritas religiosas da Congregação das Pobres Filhas da Visitação, que cuidam precisamente em frente desta igreja dos hóspedes na sua Casa e de repouso para idosos. Saúdo os catequistas, o Conselho, os agentes pastorais e quantos colaboram na vida da paróquia; saúdo as crianças, os jovens e as famílias. Com prazer faço extensivo o meu pensamento aos habitantes da "Magliana", particularmente aos idosos, aos doentes, às pessoas sozinhas e em dificuldade. Por todos e cada um rezo nesta Santa Missa.

Queridos irmãos e irmãs, deixai-vos iluminar pelo esplendor da Face de Cristo, e a vossa jovem comunidade – que agora pode usufruir de um novo complexo paroquial, moderno na sua estrutura e funcional – caminhará unida, irmanada pelo compromisso de anunciar e testemunhar o Evangelho neste bairro. Sei quanto cuidado dedicais à formação litúrgica, valorizando cada recurso da vossa comunidade: os leitores, o coro e quantos se dedicam à animação das celebrações. É importante que a oração, pessoal e litúrgica, ocupe sempre o primeiro lugar na nossa vida. Conheço o empenho que dedicais à catequese, para que corresponda às expectativas dos jovens, quer dos que se preparam para receber os sacramentos da Primeira Comunhão e da Confirmação, quer dos que frequentam o Oratório. Preocupais-vos também por garantir uma catequese adequada aos pais, que convidais a fazer um percurso de formação cristã juntamente com os seus filhos. Desejais deste modo ajudar as famílias a viver juntas os encontros sacramentais educando e educando-se na fé "em família", que deve ser a primeira e natural "escola" de vida cristã para todos os seus membros. Alegro-me convosco porque a vossa paróquia é aberta e acolhedora, animada e vivificada por um amor sincero a Deus e a todos os irmãos, à imitação de São Maximiliano Maria Kolbe, ao qual originalmente ela estava dedicada. Em Auschwitz, com coragem heróica, ele sacrificou-se a si mesmo para salvar a vida do próximo. Neste nosso tempo, marcado por uma crise social e económica geral é merecedor o esforço que estais a fazer, sobretudo através da Cáritas paroquial e do grupo de Santo Egídio, para satisfazer, na medida do possível, as expectativas dos mais pobres e necessitados.

Gostaria de dirigir um encorajamento especial a vós, queridos jovens: deixai-vos envolver pelo fascínio de Cristo! Fixando com os olhos da fé a sua Face, perguntai-lhe: "Jesus, que queres que eu faça contigo e para ti?". Permanecei portanto à escuta e, guiados pelo seu Espírito, condescendei com o desígnio que Ele tem para vós. Preparai-vos seriamente para construir famílias unidas e fiéis ao Evangelho e para serdes suas testemunhas na sociedade; se depois Ele vos chamar, estai prontos para lhe dedicar totalmente a vossa existência ao seu serviço na Igreja como sacerdotes ou como religiosos e religiosas. Eu garanto-vos a minha oração; em particular, espero por vós na próxima quinta-feira na Basílica de São Pedro para nos prepararmos para a Jornada Mundial da Juventude, que, como sabeis, se celebra este ano a nível diocesano, no próximo domingo. Recordaremos juntos o meu querido venerado predecessor João Paulo II, no 4º aniversário da sua morte. Em muitas circunstâncias ele encorajou os jovens a encontrar Cristo e a segui-lo com entusiasmo e generosidade.

Queridos irmãos e irmãs desta comunidade paroquial, o amor infinito de Cristo que brilha no seu Rosto resplandeça em cada uma das vossas atitudes, e se torne a vossa "quotidianidade". Como exortava Santo Agostinho numa homilia pascal, "Cristo sofreu; morramos para o pecado. Cristo ressuscitou; vivamos para Deus. Cristo passou deste mundo para o Pai; não se separe aqui o nosso coração, mas siga-o nas coisas do alto. O nosso Deus foi pendurado no madeiro; crucifiquemos a concupiscência da carne. Jazia no sepulcro; sepultados com Ele esqueçamos as coisas passadas. Está sentado no céu; transfiramos os nossos desejos para as coisas supremas" (S. Agostinho, Dircurso 229/d, 1).

Animados por esta certeza, prossigamos a celebração eucarística, invocando a intercessão materna de Maria, para que a nossa existência se torne um reflexo da de Cristo. Rezemos para que quantos nos encontram vejam sempre nos nossos gestos e nas nossas palavras a pacificadora e consoladora bondade do seu Rosto. Amém!



2 de Abril de 2009: NA SANTA MISSA POR OCASIÃO DO IV ANIVERSÁRIO DA MORTE DO PAPA JOÃO PAULO II

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Basílica de São Pedro


Caros irmãos e irmãs

Há quatro anos, precisamente neste dia, o meu amado Predecessor, Servo de Deus João Paulo II, concluía a sua peregrinação terrena, depois de um não breve período de grande sofrimento. Celebramos a Sagrada Eucaristia em sufrágio pela sua alma, enquanto damos graças ao Senhor por o ter concedido à Igreja, durante tantos anos, como Pastor zeloso e generoso. Congrega-nos nesta tarde a sua recordação, que continua a estar viva no coração das pessoas, como o demonstra também a peregrinação ininterrupta de fiéis ao seu túmulo, nas Grutas do Vaticano. Portanto, é com emoção e alegria que presido a esta Santa Missa, enquanto vos saúdo e agradeço a vossa presença, venerados Irmãos no Episcopado e no Sacerdócio, e a vós, queridos fiéis vindos de várias partes do mundo, especialmente da Polónia, para esta celebração significativa.

Gostaria de saudar os polacos, de modo particular a juventude polaca. No quarto aniversário da morte de João Paulo II, acolhei o seu apelo: "Não tenhais medo de vos confiar a Cristo! É Ele que vos guiará, que vos dará a força para O seguir todos os dias e em cada situação" (Tor Vergata, Vigília de oração, 19 de Agosto de 2000). Desejo-vos que este pensamento do Servo de Deus vos oriente pelos caminhos da vossa vida e vos conduza à felicidade da manhã da Ressurreição.

Saúdo o Cardeal Vigário, o Cardeal Arcebispo de Cracóvia, o querido Cardeal Estanislau, os outros Purpurados e os demais Prelados; saúdo também os sacerdotes, os religiosos e as religiosas. Saúdo-vos de maneira especial a vós, amados jovens de Roma que, mediante esta celebração, vos preparais para a Jornada Mundial da Juventude, que viveremos em conjunto no próximo Domingo de Ramos. A vossa presença evoca na minha mente o entusiasmo que João Paulo II sabia infundir nas novas gerações. A sua memória é estímulo para todos nós, congregados nesta Basílica onde em muitas ocasiões ele celebrou a Eucaristia, a deixar-nos iluminar e interpelar pela Palavra de Deus, há pouco proclamada.

O Evangelho desta quinta-feira da quinta semana de Quaresma propõe à nossa meditação a última parte do capítulo 8 do Evangelho de João, — que contém — como pudemos ouvir uma longa disputa sobre a identidade de Jesus. Pouco antes, Ele apresentou-se como "a luz do mundo" (
Jn 8,12), recorrendo por três vezes (cf. Jn 8,24 Jn 8,28 Jn 8,58) à expressão "Eu Sou" que, em sentido forte, evoca o nome de Deus revelado a Moisés (cf. Ex 3,14). Depois, acrescenta: "Quem observar a minha palavra não verá a morte" (Jn 8,51), declarando assim que foi enviado por Deus, que é o seu Pai, para trazer aos homens a liberdade radical do pecado e da morte, indispensável para entrar na vida eterna. Porém, as suas palavras ferem o orgulho dos interlocutores, e também a referência ao grande patriarca Abraão se torna motivo de conflito. "Na verdade vos digo — afirma o Senhor — antes que Abraão fosse, Eu Sou" (Jn 8,58). Sem meios termos, declara a sua preexistência e, por conseguinte, a sua superioridade em relação a Abraão, suscitando — compreensivelmente — a reacção escandalizada dos judeus. Mas Jesus não pode silenciar a sua própria identidade; Ele sabe que, em última análise, será o próprio Pai que lhe dará razão, glorificando-o com a morte e a ressurreição, porque precisamente quando for elevado na cruz é que se revelará como o unigénito Filho de Deus (cf. Jn 8,28 Mc 15,39).

Queridos amigos, meditando sobre esta página do Evangelho de João, é espontâneo considerar como na verdade é difícil dar testemunho de Cristo. E dirijo o meu pensamento ao amado Servo de Deus Karol Wojtyla João Paulo II, que desde jovem se mostrou intrépido e corajoso defensor de Cristo: por Ele, não hesitou em despender toda a energia para difundir em toda a parte a sua luz; não aceitou ceder a compromissos, quando se tratava de proclamar e defender a sua Verdade; e jamais cansou de defender o seu amor. Desde o início do seu Pontificado, até ao dia 2 de Abril de 2005, não teve medo de proclamar, a todos e sempre, que só Jesus é o Salvador e o verdadeiro Libertador de todo o homem e do homem todo.

Na primeira leitura ouvimos as palavras dirigidas a Abraão: "Tornar-te-ei muito fecundo" (Gn 17,6). Se nunca é fácil dar testemunho da própria adesão ao Evangelho, é certamente um alívio a certeza de que Deus torna fecundo o nosso compromisso, quando é sincero e generoso. Também deste ponto de vista, parece-nos significativa a experiência espiritual do Servo de Deus João Paulo II. Olhando a sua existência, vemos como que realizada a promessa de fecundidade feita por Deus a Abraão, e ressoada na primeira leitura tirada do livro do Génesis. Poder-se-ia dizer que especialmente nos anos do seu longo Pontificado, ele gerou para a fé muitos filhos e filhas. Vós sois um sinal visível disto, queridos jovens presentes esta tarde: vós, jovens de Roma e vós, jovens vindos de Sydney e de Madrid, para representar idealmente as plêiades de rapazes e moças que participaram nas passadas 23 Jornadas Mundiais da Juventude, em várias partes do mundo. Quantas vocações ao sacerdócio e à vida consagrada, quantas jovens famílias, decididas a viver o ideal evangélico e a tender para a santidade, estão ligadas ao testemunho e à pregação do meu venerado Predecessor! Quantos rapazes e moças se converteram, ou então perseveraram no próprio caminho cristão graças à sua oração, ao seu encorajamento, à sua ajuda e ao seu exemplo!

É verdade! João Paulo II conseguia comunicar uma forte carga de esperança, assente na fé em Jesus Cristo, que "é o mesmo ontem, hoje e para toda a eternidade" (He 13,8), como recitava o mote do Grande Jubileu do Ano 2000. Como pai carinhoso e educador atento, indicava pontos de referência seguros e sólidos, indispensáveis para todos, de maneira especial para a juventude. E na hora da agonia e da morte, esta nova geração quis manifestar-lhe que tinha compreendido os seus ensinamentos, recolhendo-se silenciosamente em oração na Praça de São Pedro e em muitos outros lugares do mundo. Os jovens sentiam que o seu falecimento constituía uma perda: morria o "seu" Papa, que eles consideravam o "seu pai" na fé. Sentiam, ao mesmo tempo, que lhes deixava como herança a sua coragem e a coerência do seu testemunho. Ele não tinha porventura ressaltado várias vezes a necessidade de uma adesão radical ao Evangelho, exortando adultos e jovens a levar a sério esta responsabilidade educativa conjunta? Como sabeis, também eu quis retomar este seu anseio, detendo-me em diversas ocasiões para falar da urgência educativa que hoje diz respeito às famílias, à Igreja, à sociedade e especialmente às novas gerações. Na idade do crescimento, os jovens precisam de adultos capazes de lhes propor princípios e valores; eles sentem a necessidade de pessoas que saibam ensinar com a vida, ainda antes que com as palavras, a dedicar-se a ideais excelsos.

Mas de onde haurir luz e sabedoria para completar esta missão, que a todos nos compromete na Igreja e na sociedade? Sem dúvida, não é suficiente fazer apelo aos recursos humanos; é preciso confiar também e em primeiro lugar na ajuda divina. "O Senhor é sempre fiel": assim acabamos de rezar no Salmo responsorial, convictos de que Deus nunca abandona quantos lhe permanecem fiéis. Isto evoca o tema da 24ª Jornada Mundial da Juventude, que será celebrada a nível diocesano no próximo domingo. Ele foi tirado da primeira Carta a Timóteo, de São Paulo: "Pusemos a nossa esperança no Deus vivo" (1Tm 4,10). O Apóstolo fala em nome da comunidade cristã, em nome de quantos acreditaram em Cristo e são diferentes "daqueles que não têm esperança" (1Th 4,13), precisamente porque ao contrário esperam, ou seja, nutrem confiança no futuro, uma confiança não alicerçada unicamente em ideias ou previsões humanas, mas sim em Deus, no "Deus vivo".

Dilectos jovens, não se pode viver sem esperar. A experiência mostra que todas as coisas e a nossa própria vida estão em perigo, podem desabar por algum motivo que nos é interno ou externo, em qualquer momento. É normal: tudo o que é humano, e por conseguinte também a esperança, não tem um fundamento em si mesmo, mas precisa de uma "rocha" na qual se ancorar. Eis por que motivo Paulo escreve que os cristãos são chamados a fundamentar a esperança humana no "Deus vivo". Só nele se torna segura e confiável. Aliás, somente Deus, que em Jesus Cristo nos revelou a plenitude do seu amor, pode ser a nossa esperança sólida. Efectivamente foi nele, nossa esperança, que fomos salvos (cf. Rm 8,24).

Porém, prestai atenção: em momentos como este, considerando o contexto cultural e social em que vivemos, poderia ser mais forte o risco de reduzir a esperança cristã a uma ideologia, a um slogan de grupo, a um revestimento exterior. Nada de mais contrário à mensagem de Jesus! Ele não quer que os seus discípulos "recitem" uma parte, talvez a da esperança. Ele deseja que eles "sejam" a esperança, e podem sê-lo só se permanecerem unidos a Ele! Queridos jovens amigos, Ele quer que cada um de vós seja uma pequena nascente de esperança para o seu próximo, e que todos juntos vos torneis um oásis de esperança para a sociedade no interior da qual estais inseridos. Pois bem, isto é possível com uma condição: que vivais dele e nele, mediante a oração e os Sacramentos, como vos escrevi na Mensagem do corrente ano.

Se as palavras de Cristo permanecem em nós, podemos propagar a chama daquele amor que Ele ateou na terra; podemos conservar elevada a tocha da fé e da esperança, com a qual progredimos na sua direcção, enquanto aguardamos o seu retorno glorioso no final dos tempos. Foi esta a tocha que o Papa João Paulo II nos deixou como herança. Ele confiou-a a mim, como seu sucessor; e esta tarde eu confio-a idealmente, mais uma vez, a vós jovens de Roma, a fim de que continueis a ser sentinelas da manhã, vigilantes e jubilosas neste alvorecer do terceiro milénio. Respondei generosamente ao apelo de Cristo! Em particular, durante o Ano sacerdotal que começará no próximo dia 19 de Junho, tornai-vos prontamente disponíveis, se Jesus vos chamar, a segui-lo pelo caminho do sacerdócio e da vida consagrada.

"Eis, agora, o momento favorável; este é o dia da salvação!". Na aclamação ao Evangelho, a liturgia exortou-nos a renovar agora — e cada instante é um "momento favorável" — a nossa vontade decidida de seguir Cristo, persuadidos de que Ele é a nossa salvação. No fundo, tal é a mensagem que nos repete esta tarde o amado Papa João Paulo II. Enquanto confiamos a sua alma eleita à intercessão maternal da Virgem Maria, que sempre amou com ternura, esperamos intensamente que do Céu não cesse de nos acompanhar e de interceder por nós. Ajude cada um de nós a viver, como ele fez, repetindo dia após dia a Deus, por meio de Maria, com plena confiança: Totus tuus. Amém.





Domingo, 5 de Abril de 2009: CELEBRAÇÃO DO DOMINGO DE RAMOS E DA PAIXÃO DO SENHOR

50409
Praça de São Pedro

XXIV Jornada Mundial da Juventude





Amados irmãos e irmãs,
Queridos jovens!

Acompanhado por uma multidão sempre maior de peregrinos, Jesus subira a Jerusalém para a Páscoa. Na última etapa do caminho, perto de Jericó, tinha curado o cego Bartimeu que O invocara como Filho de David, pedindo compaixão. Agora – já capaz de ver – com gratidão integra-se no grupo dos peregrinos. Às portas de Jerusalém quando Jesus sobe para um jumento, o animal símbolo da realeza davídica, explode espontaneamente entre os peregrinos a jubilosa certeza: Este é o Filho de David! Por isso saúdam Jesus com a aclamação messiânica: «Bendito o que vem em nome do Senhor», e acrescentam: «Bendito o Reino que vem, o Reino do nosso pai David! Hossana nas alturas!» (
Mc 11,9s). Não sabemos com precisão o que os peregrinos entusiasmados imaginavam que fosse o Reino de David que vem. E compreendemos nós verdadeiramente a mensagem de Jesus, Filho de David? Compreendemos nós o que é o Reino de que Ele falou durante o interrogatório de Pilatos? Compreendemos o que significa que o seu Reino não é deste mundo? Ou o nosso desejo não seria porventura o contrário: que fosse deste mundo?

São João no seu Evangelho, depois da narração da entrada em Jerusalém, refere uma série de afirmações pelas quais Jesus explica o essencial deste novo género de Reino. Numa primeira leitura destes textos, podemos distinguir três imagens diversas do Reino, nas quais, de maneira sempre diferente, se espelha o mesmo mistério. João narra, em primeiro lugar, que entre os peregrinos que, durante a festa «queriam adorar a Deus», havia também alguns Gregos (cf. Jn 12,20). Note-se o facto de que o verdadeiro objectivo destes peregrinos era adorar a Deus. Isto corresponde perfeitamente ao que Jesus disse por ocasião da purificação do Templo: «A minha casa será chamada casa de oração para todos os povos» (Mc 11,17). O verdadeiro objectivo da peregrinação deve ser encontrar Deus; adorá-Lo e, assim, pôr na ordem justa a relação de fundo da nossa vida. Os Gregos são pessoas à procura de Deus, com a sua vida vão a caminho de Deus. Agora, por intermédio de dois Apóstolos de língua grega, Filipe e André, fazem chegar ao Senhor o pedido: «Queremos ver Jesus» (Jn 12,21). Uma frase importante! Queridos amigos, para isto reunimo-nos aqui: Queremos ver Jesus. Com este objectivo, no ano passado, milhares de jovens foram a Sidney. Certamente, muitos terão sido os anseios que os moveram a tal peregrinação; mas o objectivo essencial era este: Queremos ver Jesus.

Relativamente a este pedido, que disse e fez Jesus naquela hora? O Evangelho não deixa claro se houve ou não um encontro entre aqueles Gregos e Jesus. O olhar de Jesus estende-se muito para além. Eis o núcleo da sua resposta ao pedido daquelas pessoas: «Se o grão de trigo cair na terra e não morrer, fica só ele; mas, se morrer, dá muito fruto» (Jn 12,24). Isto significa: não tem importância um colóquio agora, mais ou menos breve, com algumas poucas pessoas, que depois regressam a casa. Como grão de trigo morto e ressuscitado, virei, de maneira totalmente nova e fora das limitações actuais, ao encontro do mundo dos Gregos. Através da ressurreição, Jesus supera os limites do espaço e do tempo. Como Ressuscitado, caminha pela vastidão do mundo e da história. Sim, como Ressuscitado, Jesus vai ter com os Gregos e fala com eles, mostra-Se a eles de tal modo que estes, que estavam longe, tornam-se vizinhos e precisamente na sua língua, na sua cultura, a sua palavra avança de modo novo e é compreendida de forma nova: vem o seu Reino. Assim podemos reconhecer duas características essenciais deste Reino. A primeira é que este Reino passa através da cruz. Uma vez que Jesus Se dá totalmente, pode, como Ressuscitado, ser de todos e tornar-Se presente em todos. Na sagrada Eucaristia, recebemos o fruto do grão de trigo morto, a multiplicação dos pães que continua em todos os tempos até ao fim do mundo. A segunda característica diz-nos que o seu Reino é universal. Cumpre-se a antiga esperança de Israel: esta realeza de David já não conhece fronteiras. Estende-se «de mar a mar» – como diz o profeta Zacarias (Za 9,10) –, isto é, abraça o mundo inteiro. Contudo, isto só é possível porque não é uma realeza feita de poder político, mas baseia-se unicamente na livre adesão do amor – um amor que, por sua vez, responde ao amor de Jesus Cristo que Se entregou por todos. Penso que devemos aprender incessantemente as duas coisas, e, primeira delas, a universalidade, a catolicidade. Esta significa que ninguém pode pôr como absoluto a sua própria pessoa, a sua cultura, o seu tempo e o seu mundo. Isto requer que todos nos acolhamos reciprocamente, renunciando a qualquer coisa de nosso. A universalidade inclui o mistério da cruz: a superação de si mesmo, a obediência à palavra comum de Jesus Cristo na Igreja comum. A universalidade é sempre uma superação de si mesmo, renúncia a algo de pessoal. A universalidade e a cruz caminham juntas. Somente assim se cria a paz.

A palavra sobre o grão de trigo morto faz parte ainda da resposta de Jesus aos Gregos, é a sua resposta. Depois, porém, Ele formula uma vez mais a lei fundamental da existência humana: «Quem tem amor à vida, perde-a, e quem detesta a sua vida neste mundo conservá-la-á para a vida eterna» (Jn 12,25). Isto é, quem quiser conservar a sua vida para si, viver só para si próprio, agarrar tudo para si e desfrutar todas as suas possibilidades… tal pessoa perde a vida. Esta torna-se chata e vazia. Somente no abandono de si mesmo, apenas no dom desinteressado de mim em favor do outro, unicamente no «sim» à vida maior, própria de Deus, é que a nossa vida se torna vasta e grande. Assim este princípio fundamental, que o Senhor estabelece, em última análise identifica-se simplesmente com o princípio do amor. De facto, o amor significa sair de si mesmo, dar-se, não querer possuir-se a si mesmo, mas tornar-se livre de si: não dobrar-se sobre si próprio – o que será de mim? – mas olhar em frente, para o outro: para Deus e para os homens que Ele me envia. E por sua vez este princípio do amor, que define o caminho do homem, identifica-se com o mistério da cruz, o mistério de morte e ressurreição que encontramos em Cristo. Queridos amigos, talvez seja relativamente fácil aceitar isto como grande e fundamental perspectiva da vida. Mas, na realidade concreta, não se trata de reconhecer simplesmente um princípio mas de viver a sua verdade, a verdade da cruz e da ressurreição. E para isso não basta – repito-o – uma única grande decisão. É seguramente importante, essencial ousar uma vez a grande decisão fundamental, ousar o grande «sim» que o Senhor nos pede num momento determinado da nossa vida. Mas, depois, o grande «sim» do momento decisivo na nossa vida – o «sim» à verdade que o Senhor nos propõe – tem de ser diariamente consolidado nas situações de todos os dias nas quais, sempre de novo, devemos abandonar o nosso eu, colocarmo-nos à disposição, quando no fundo quereríamos pelo contrário poupar o nosso eu. A uma vida recta pertence também o sacrifício, a renúncia. Quem promete uma vida sem este dom incessante de si mesmo, engana as pessoas. Não existe uma vida bem sucedida, sem sacrifício. Se lanço um olhar retrospectivo à minha vida pessoal, devo dizer que os momentos em que disse «sim» a uma renúncia foram precisamente os momentos grandes e importantes da minha vida.

Enfim São João, na sua redacção das palavras do Senhor no «Domingo de Ramos», acolheu também uma forma modificada da oração de Jesus no Horto das Oliveiras. Temos, em primeiro lugar, a afirmação: «A minha alma está perturbada» (Jn 12,27). Transparece aqui o pavor de Jesus, ilustrado amplamente pelos outros três evangelistas: o seu pavor diante do poder da morte, diante de todo o abismo do mal que Ele vê e ao qual deve descer. O Senhor sofre as nossas angústias juntamente connosco, acompanha-nos através da angústia derradeira até à luz. Depois, em João, aparecem duas perguntas de Jesus. A primeira é expressa apenas condicionalmente: «E que hei-de dizer? Pai, salva-me desta hora?» (Jn 12,27). Como ser humano, também Jesus Se sente impelido a pedir que Lhe seja poupado o terror da paixão. Também nós podemos rezar deste modo. Podemos também lamentar-nos na presença do Senhor, como Job, apresentar-Lhe todas as interrogações que surgem em nós à vista da injustiça no mundo e da dificuldade do nosso próprio eu. Diante d’Ele não devemos refugiar-nos em frases piedosas, num mundo fictício. Rezar significa sempre também lutar com Deus e, como Jacob, podemos dizer-Lhe: «Não te deixarei partir enquanto não me abençoares» (Gn 32,27). Mas depois vem o segundo pedido de Jesus: «Glorifica o teu nome!» (Jn 12,28). Nos sinópticos, este pedido ressoa assim: «Não se faça, contudo, a minha vontade, mas a tua» (Lc 22,42). No fim, a glória de Deus, o seu domínio, a sua vontade é sempre mais importante e mais verdadeira do que o meu pensamento e a minha vontade. E, na nossa oração e na nossa vida, o essencial é isto: aprender esta ordem justa da realidade, aceitá-la intimamente; confiar em Deus e crer que Ele está a fazer o que é justo; que a sua vontade é a verdade e o amor; que a minha vida se torna boa, se aprendo a aderir a esta ordem. Vida, morte e ressurreição de Jesus são, para nós, a garantia de que podemos verdadeiramente fiar-nos de Deus. É assim que se realiza o seu Reino.

Queridos amigos! No fim desta Liturgia, os jovens da Austrália entregarão a Cruz da Jornada Mundial da Juventude aos seus coetâneos da Espanha. A Cruz caminha de um lado do mundo até ao outro, de mar a mar. E nós acompanhamo-la. Seguimos com ela pela sua estrada e assim encontramos a nossa estrada. Quando tocamos a cruz, melhor quando a carregamos, tocamos o mistério de Deus, o mistério de Jesus Cristo. O mistério de Deus que amou de tal modo o mundo – isto é, a nós – que entregou o Filho unigénito por nós (cf. Jn 3,16). Tocamos o mistério maravilhoso do amor de Deus, a única verdade realmente redentora. Mas tocamos também a lei fundamental, a norma constitutiva da nossa vida, isto é, o facto de que, sem o «sim» à Cruz, sem caminhar unidos com Cristo dia após dia, a vida não pode ter êxito. Quanta mais renúncia pudermos fazer por amor da grande verdade e do grande amor – por amor da verdade e do amor de Deus –, tanto maior e mais rica se tornará a vida. Quem quiser reservar a sua vida para si próprio, perde-a. Quem dá a sua vida – diariamente nos pequenos gestos, que fazem parte da grande decisão – tal pessoa encontra-a. Esta é a verdade exigente, mas também profundamente bela e libertadora, na qual queremos penetrar passo a passo ao longo do caminho da Cruz através dos continentes. Queira o Senhor abençoar este caminho. Amen.




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