Bento XVI Homilias 28608


Domingo, 29 de Junho de 2008: CELEBRAÇÃO PARA A IMPOSIÇÃO DO PÁLIO A QUARENTA ARCEBISPOS METROPOLITANOS NA SOLENIDADE DOS SANTOS APÓSTOLOS PEDRO E PAULO

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HOMILIAS DO PAPA BENTO XVI E DO PATRIARCA ECUMÉNICO BARTOLOMEU I

Basílica Vaticana




Santidade e Delegados fraternos
Senhores Cardeais
Venerados Irmãos
no Episcopado e no Sacerdócio
Amados irmãos e irmãs

Desde as épocas mais antigas, a Igreja de Roma celebra a solenidade dos grandes Apóstolos Pedro e Paulo como única festa no mesmo dia, 29 de Junho. Através do seu martírio, eles tornaram-se irmãos; ao mesmo tempo, são os fundadores da nova Roma cristã. É assim que os canta o hino das segundas Vésperas, que remonta a Paulino de Aquileia (+806): "Ó Roma felix Roma feliz, adornada de púrpura pelo sangue precioso de Príncipes tão excelsos. Tu ultrapassas toda a beleza do mundo, não por teu mérito, mas pelo mérito dos santos que mataste com a espada sangrante". O sangue dos mártires não invoca vingança, mas reconcilia. Não se apresenta como acusação, mas como "luz áurea", segundo as palavras do hino das primeiras Vésperas: apresenta-se como força do amor que supera o ódio e a violência, fundando assim uma nova cidade, uma nova comunidade. Em virtude do seu martírio, agora eles Pedro e Paulo fazem parte de Roma: mediante o martírio, também Pedro se tornou cidadão romano para sempre. Através do martírio, pela sua fé e pelo seu amor, os dois Apóstolos indicam onde está a verdadeira esperança, e são fundadores de um renovado tipo de cidade, que deve formar-se sempre de novo no meio da antiga cidade humana, que continua a ser ameaçada pelas forças opostas do pecado e do egoísmo dos homens.

Em virtude do seu martírio, Pedro e Paulo estão em relacionamento recíproco para sempre. Uma das imagens preferidas pela iconografia cristã é o abraço entre os dois Apóstolos a caminho do martírio. Podemos dizer: no mais íntimo, o seu próprio martírio é a realização de um abraço fraterno. Eles morrem pelo único Cristo e, no testemunho pelo qual dão a vida, são um só. Nos escritos do Novo Testamento podemos, por assim dizer, seguir o desenvolvimento do seu abraço, a realização da unidade no testemunho e na missão. Tudo começa quando Paulo, três anos depois da sua conversão, vai a Jerusalém "para conhecer Cefás" (
Ga 1,18). E volta a Jerusalém, 14 anos depois, para expor "às pessoas mais notáveis" o Evangelho que ele anuncia, para não arriscar a "correr ou ter corrido em vão" (Ga 2,1s.). No final deste encontro, Tiago, Cefás e João estenderam a mão, confirmando deste modo a comunhão que os congrega no único Evangelho de Jesus Cristo (cf. Ga 2,9). Encontro um bonito sinal deste abraço interior em crescimento, que se desenvolve apesar da diversidade dos temperamentos e das funções, no facto de que os colaboradores mencionados no final da Primeira Carta de São Pedro Silvano e Marcos são colaboradores igualmente estreitos de São Paulo. Na união dos colaboradores torna-se visível de modo muito concreto a comunhão da única Igreja, o abraço dos grandes Apóstolos.

Pedro e Paulo encontraram-se em Jerusalém pelo menos duas vezes; no final, o percurso de ambos termina em Roma. Por que? É porventura isto mais do que um simples caso? Há nisto, acaso, uma mensagem duradoura? Paulo chegou a Roma como prisioneiro, mas ao mesmo tempo como cidadão romano que, depois de ter sido preso em Jerusalém, precisamente como cidadão recorreu ao imperador, a cujo tribunal foi levado. Mas num sentido ainda mais profundo, Paulo veio voluntariamente a Roma. Mediante a mais importante das suas Cartas, já se tinha aproximado interiormente desta cidade: à Igreja de Roma tinha dirigido o escrito que, mais que todos os outros, é a síntese de todo o seu anúncio e da sua fé. Na saudação inicial da Carta diz que o mundo inteiro fala da fé dos cristãos de Roma, e que esta fé, portanto, é conhecida em toda a parte como exemplar (cf. Rm 1,8). E depois escreve: "Quero que saibais que muitas vezes pensei em visitar-vos, mas até agora fui impedido" (Rm 1,13). No final da Carta retoma este tema, falando agora do seu programa de ir até à Espanha. "Quando eu for à Espanha, espero ver-vos por ocasião da minha passagem. Espero também receber a vossa ajuda para ir até lá, depois de ter desfrutado um pouco a vossa companhia" (Rm 15,24). "Sei que, indo até vós, irei com a plenitude da bênção de Cristo" (Rm 15,29). Aqui, tornam-se evidentes duas coisas: Roma é para Paulo uma etapa a caminho da Espanha, ou seja segundo o seu conceito do mundo rumo à extremidade da terra. Considera como sua missão a realização da tarefa recebida de Cristo, de anunciar o Evangelho até aos extremos confins do mundo. Roma encontra-se neste percurso. Embora, em geral, Paulo vá somente aos lugares onde o Evangelho ainda não tinha sido anunciado, Roma constitui uma excepção. Ali ele encontra uma Igreja de cuja fé o mundo fala. O facto de ter ido a Roma faz parte da universalidade da sua missão como enviado para junto de todos os povos. O caminho para Roma, que já antes da sua viagem externa ele tinha percorrido interiormente com a sua Carta, faz parte integrante da sua trarefa de levar o Evangelho a todos os povos de fundar a Igreja católica universal. O facto de ter ido a Roma é para ele expressão da catolicidade da sua missão. Roma deve tornar visível a fé ao mundo inteiro, deve ser o lugar do encontro na única fé.

Mas por que motivo Pedro foi a Roma? Sobre isto, o Novo Testamento não se pronuncia de modo directo. Todavia, oferece-nos algumas indicações. O Evangelho de São Marcos, que podemos considerar um reflexo da pregação de São Pedro, está intimamente orientado para o momento em que o centurião romano, diante da morte de Jesus Cristo na cruz, diz: "Verdadeiramente este homem era o Filho de Deus!" (Mc 15,39). Junto da Cruz revela-se o mistério de Jesus Cristo. Aos pés da Cruz nasce a Igreja dos povos: o centurião do pelotão romano de execução reconhece em Cristo o Filho de Deus. Os Actos dos Apóstolos descrevem como etapa decisiva para a entrada do Evangelho no mundo dos pagãos, o episódio de Cornélio, o centurião da corte itálica. Por uma ordem de Deus, ele manda alguém ter com Pedro que, seguindo também este uma ordem divina, vai à casa do centurião e prega. Enquanto ainda está a falar, o Espírito Santo desce sobre a comunidade doméstica congregada e Pedro diz: "Poderá alguém recusar a água do baptismo aos que receberam o Espírito, como nós?" (Ac 10,47). Assim no Concilio dos Apóstolos, Pedro torna-se para a Igreja o intercessor dos pagãos, que não tem necessidade da Lei, porque Deus "purificou o seu coração mediante a fé" (Ac 15,9). Sem dúvida, na Carta aos Gálatas Paulo diz que Deus infundiu em Pedro a força para o ministério apostólico entre os circuncisos, e em Paulo para o ministério no meio dos pagãos (cf. Ga 2,8). Mas esta designação só podia entrar em vigor, enquanto Pedro permanecesse com os Doze em Jerusalém, na esperança de que Israel inteiro aderisse a Cristo. Perante um desenvolvimento ulterior, os Doze reconheceram a hora em que também eles tinham que partir para o mundo inteiro, para lhe anunciar o Evangelho. Pedro que, segundo a ordem de Deus, foi o primeiro a abrir a porta aos pagãos, agora deixa a presidência da Igreja cristão-judaica a Tiago, o Menor, para se dedicar à sua verdadeira missão: ao ministério para a unidade da única Igreja de Deus, formada por judeus e pagãos. O desejo de São Paulo de ir a Roma sublinha como vimos entre as características da Igreja sobretudo a palavra "catholica". O caminho de são Pedro para Roma, como representante dos povos do mundo, insere-se sobretudo sob a palavra "una": a sua tarefa consiste em criar a unidade da catholica, da Igreja formada por judeus e pagãos, da Igreja de todos os povos. E esta é a missão permanente de Pedro: fazer com que a Igreja nunca se identifique com uma só nação, com uma única cultura nem com um só Estado. Que seja sempre a Igreja de todos. Que reúna a humanidade para além de todas as fronteiras e, no meio das divisões deste mundo, torne presente a paz de Deus e a força reconciliadora do seu amor. Graças à técnica igual em toda a parte, graças à rede mundial de informações e graças, também, à ligação de interesses comuns, hoje no mundo existem novas formas de unidade, que porém fazem explodir também novos contrastes e dão um renovado ímpeto aos antigos. No meio desta unidade exterior, fundamentada nos bens materiais, temos ainda mais necessidade da unidade interior, que provém da paz de Deus unidade de todos aqueles que, mediante Jesus Cristo, se tornaram irmãos e irmãs. Esta é a missão permanente de Pedro e também a tarefa especifica confiada à Igreja de Roma.

Estimados Irmãos no Episcopado, agora gostaria de me dirigir a vós, que viestes a Roma para receber o pálio como símbolo da vossa dignidade e da vossa responsabilidade de Arcebispos na Igreja de Jesus Cristo. O pálio foi tecido com a lã de ovelhas, que o Bispo de Roma benze todos os anos na festa da Cátedra de Pedro pondo-as assim de lado, para que se tornem símbolo para a grei de Cristo, à qual vós presidis. Quando recebemos o pálio sobre os ombros, este gesto recorda-nos o Pastor que carrega nos seus ombros a pequena ovelha tresmalhada, que sozinha já não encontra o caminho para casa, e leva-a novamente para o aprisco. Os Padres da Igreja viam nesta pequena ovelha a imagem de toda a humanidade, de toda a natureza humana, que se extraviou e não encontra mais o caminho para casa. O Pastor que a traz novamente para casa só pode ser o Logos, a Palavra eterna do próprio Deus. Na encarnação Ele carregou todos nós a pequena ovelha chamada "homem" nos ombros. É Ele, a Palavra eterna, o autêntico Pastor da humanidade, que nos carrega; na sua humanidade, toma nos seus ombros cada um de nós. No caminho da Cruz levou-nos e leva-nos para casa. Contudo, quer ter também homens que "carreguem" juntamente com Ele. Ser Pastor na Igreja de Cristo significa participar nesta tarefa, cuja memória é o pálio. Quando o vestimos, Ele pergunta-nos: "Levas, juntamente comigo, também tu aqueles que me pertencem? Trá-los para mim, para Jesus Cristo?". E então vem-nos ao pensamento a narração do envio de Pedro por parte do Ressuscitado. Cristo ressuscitado une o mandato: "Apascenta as minhas ovelhas", inseparavelmente à interrogação: "Amas-me, amas-me tu mais do que estes?". Todas as vezes que vestirmos o pálio do Pastor do rebanho de Cristo, deveríamos ouvir esta pergunta: "Amas-me?" e deveríamos deixar-nos interrogar acerca do acréscimo de amor que Ele espera do Pastor.

Assim, o pálio torna-se símbolo do nosso amor pelo Pastor Cristo e do nosso amar com Ele torna-se símbolo da vocação para amar os homens como Ele, juntamente com Ele: aqueles que estão em busca, que tem perguntas a fazer, quantos estão seguros de si e os humildes, os simples e os grandes; torna-se símbolo da vocação para amar todos eles com a força de Cristo e em vista de Cristo, a fim de que O possam encontrar e, nele, encontrar-se a si mesmos. Mas o pálio, que recebeis "do" túmulo de São Pedro, tem ainda um segundo significado, inseparavelmente ligado ao primeiro. Para o compreender, pode servir de ajuda uma palavra da Primeira Carta de São Pedro. Na sua exortação aos presbíteros, para apascentar a grei de modo justo, ele São Pedro qualifica-se a si próprio como synpresbéteros - copresbitero (cf. 1P 5,1). Esta fórmula contém implicitamente uma afirmação do princípio da sucessão apostólica: os Pastores que se sucedem são Pastores como ele, são-no juntamente com ele, pertencem ao ministério conjunto dos Pastores da Igreja de Jesus Cristo, um ministério que neles continua. Mas este "com" tem mais dois significados. Exprime também a realidade que hoje indicamos com a palavra "colegialidade" dos Bispos. Todos nós somos copresbiteros. Ninguém é Pastor sozinho. Encontramo-nos na sucessão dos Apóstolos só pelo facto de estarmos na comunhão do colégio, onde o colégio dos Apóstolos encontra a sua continuação. A comunhão, o "nós" dos Pastores faz parte do ser Pastores, uma vez que o rebanho é um só, a única Igreja de Jesus Cristo. E enfim, este "com" refere-se também à comunhão com Pedro e com o seu sucessor, como garantia da unidade. Assim, o pálio fala-nos da catolicidade da Igreja, da comunhão universal entre Pastor e rebanho. E remete-nos para a apostolicidade: para a comunhão com a fé dos Apóstolos, sobre a qual a Igreja está alicerçada. Fala-nos da Ecclesia una, catholica, apostolica e, naturalmente, unindo-nos a Cristo, fala-nos precisamente também do facto que a Igreja é sancta e que o nosso agir é um serviço à sua santidade.

Finalmente, isto faz-me considerar de novo São Paulo e a sua missão. No capitulo 15 da Carta aos Romanos, com uma frase extraordinamente bonita, ele manifestou o essencial da sua missão, assim como a razão mais profunda do seu desejo de ir a Roma. Ele sabe que é chamado "a ser ministro de Jesus Cristo, entre os gentios, administrando como sacerdote o Evangelho de Deus, a fim de que os pagãos se tornem oferta aceite e santificada pelo Espírito Santo" (cf. Rm 15,16). Somente neste versículo Paulo recorre à palavra "hyerourgein" administrar como sacerdote juntamente com o termo "leitourgós" liturgista: ele fala da liturgia cósmica, em que o próprio mundo dos homens deve tornar-se adoração de Deus e oblação no Espírito Santo. Quando o mundo no seu conjunto se tornar liturgia de Deus, quando na sua realidade se tornar adoração, então terá alcançado a sua meta e estará são e salvo. Esta é a finalidade derradeira da missão apostólica de São Paulo e da nossa missão. O Senhor chama-nos a este ministério. Oremos nesta hora, para que Ele nos ajude a cumpri-lo de modo justo, a tornarmo-nos verdadeiros liturgistas de Jesus Cristo. Amém.



HOMILIA DO PATRIARCA ECUMÉNICO BARTOLOMEU I

Santidade!

Tendo ainda viva a alegria e a emoção da pessoal e abençoada participação de Vossa Santidade na festa patronal de Constantinopla, em Novembro de 2006, memória do Apóstolo Santo André, o primeiro a ser chamado, movemo-nos "com passos exultantes", do Fanar da nova Roma, para vir até vós para participar da vossa alegria na festa patronal da Antiga Roma. E chegamos até vós "com a plenitude das bênçãos do Evangelho de Cristo" (Rm 15,29) restituindo a honra e o amor, celebrando junto com o nosso Irmão predilecto na terra de Ocidente, "os seguros e inspirados arautos, os corifeus dos discípulos do Senhor", os Santos Apóstolos Pedro, irmão de André, e Paulo: estas duas imensas colunas centrais de toda a Igreja elevadas aos céus, as quais nesta cidade histórica fizeram a última confissão evidente de Cristo e aqui ofereceram a sua alma ao Senhor com o martírio, um através da cruz e o outro através da espada, santificando-a.

Saudamos com profundo e devoto amor, da parte da Santíssima Igreja de Constantinopla e dos seus filhos espalhados pelo mundo, Vossa Santidade, amado Irmão, desejando de coração "a todos os amados de Deus que estais em Roma" (Rm 1,7) que vivais com saúde, paz, prosperidade e que progridais dia e noite em direcção à salvação "fervorosos de espírito, dedicados ao serviço do Senhor, alegres na esperança, pacientes na tribulação, perseverantes na oração" (Rm 12,12-13).

Em ambas as Igrejas, Santidade, honramos e veneramos devidamente tanto aquele que fez uma confissão salvífica da Divindade de Cristo, Pedro, como o vaso de eleição, Paulo, o qual proclamou esta confissão e fé até aos confins do universo, através de perigos e dificuldades inimagináveis. Celebramos a sua memória, desde o ano da salvação de 258, no dia 29 de Junho, no Ocidente e no Oriente, onde nos dias antecedentes, segundo a tradição da Igreja Antiga, no Oriente preparamo-nos também através do jejum feito em sua honra. Principalmente para sublinhar o seu valor em termos equitativos, mas também o seu valor na Igreja e na sua obra regeneradora e salvífica durante os séculos, o Oriente habitualmente honra-os através de um ícone comum, no qual têm nas suas santas mãos um pequeno veleiro, que simboliza a Igreja, ou abraçam-se e beijam-se em Cristo.

Exactamente este ósculo viemos dar-lhe, Santidade, sublinhando o ardente desejo em Cristo e o amor, coisas que nos aproximam uns aos outros.

O diálogo teológico entre as nossas Igrejas "na fé, verdade e amor", graças à ajuda divina, progride, além das notáveis dificuldades que subsistem e das conhecidas polémicas. Desejamos verdadeiramente e oramos muito por isso, para que estas dificuldades sejam superadas e que os problemas se resolvam, para alcançar o objecto de desejo final, aglóriadeDeus,omaisrápidopossível.

Sabemos bem que tal desejo também é seu, como estamos certos de que Vossa Santidade nada deixará inobservado trabalhando pessoalmente, junto com os seus ilustres colaboradores através de uma perfeita eliminação das dificuldades encontradas pelo caminho, na direcção de uma positiva finalização, se Deus quiser, dos trabalhos do Diálogo.

Santidade, proclamámos 2008, "Ano do Apóstolo Paulo", assim como também Vossa Santidade faz a partir de hoje até ao próximo ano, no cumprimento dos dois mil anos do nascimento do grande Apóstolo. No âmbito das manifestações relativas ao aniversário, nas quais venerámos inclusive o precioso local onde ocorreu o seu martírio, programamos entre outras coisas uma peregrinação sagrada a alguns monumentos da actividade evangélica do Apóstolo no Oriente, como Éfeso, Perga e outras cidades da Ásia Menor, como também Rodes e Creta e a localidade chamada "Bons-Portos". Tenha a certeza, Santidade, que neste percurso sagrado, estará presente também Vossa Santidade, caminhando connosco em espírito, e em cada lugar elevaremos uma ardente oração por Vossa Santidade e pelos nossos irmãos da venerada Igreja Romano-Católica, dirigindo uma forte súplica e intercessão do divino Paulo ao Senhor por Vossa Santidade.

E agora, venerando os padecimentos e a cruz de Pedro e abraçando a corrente e os estigmas de Paulo, honrando a confissão, o martírio e a venerada morte de ambos em nome do Senhor, que leva verdadeiramente à vida, glorificamos Deus três vezes santo, e suplicamos-lhe, pela intercessão dos seus Protocorifeus apóstolos, que conceda a nós e a todos os filhos das Igrejas Ortodoxa e Romano-Católica espalhados pelo mundo, na terra "a união da fé e da comunhão do Espírito Santo" no "laço da paz" e no céu, a vida eterna e a grande misericórdia. Amém.





VIAGEM APOSTÓLICA A SIDNEY (AUSTRÁLIA) POR OCASIÃO DA XXIII JORNADA MUNDIAL DA JUVENTUDE (13 - 21 DE JULHO DE 2008)


Sábado, 19 de Julho de 2008: CELEBRAÇÃO EUCARÍSTICA COM OS BISPOS, SEMINARISTAS, NOVIÇOS E NOVIÇAS

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Catedral de Sidney



Amados Irmãos e Irmãs,

Nesta nobre catedral, tenho a alegria de saudar os meus irmãos bispos e sacerdotes, os diáconos, as pessoas consagradas e os leigos da arquidiocese de Sidney. De forma muito especial, a minha saudação vai para os seminaristas e para os noviços e noviças presentes entre nós: são, como os jovens israelitas da primeira leitura de hoje, um sinal de esperança e de renovação para o povo de Deus; também eles, como aqueles jovens israelitas, terão a missão de edificar a casa de Deus para a próxima geração. Ao admirarmos este magnífico edifício, como não pensar às falanges de sacerdotes, religiosos e fiéis leigos que contribuíram, cada qual segundo a própria função, para construir a Igreja na Austrália? O pensamento detém-se de forma particular naquelas famílias de colonos a quem o Padre Jeremiah O’Flynn, na hora de partir, confiou o Santíssimo Sacramento; um «pequeno rebanho» que amou e preservou aquele tesouro precioso, entregando-o às gerações sucessivas que edificaram este grande tabernáculo para a glória de Deus. Alegremo-nos pela sua fidelidade e perseverança e dediquemo-nos a levar por diante as suas canseiras em prol da difusão do Evangelho, para a conversão dos corações e o crescimento da Igreja na santidade, unidade e caridade.

Preparamo-nos para celebrar a dedicação do novo altar desta veneranda catedral. Como no-lo recorda vigorosamente o frontal esculpido, cada altar é símbolo de Jesus Cristo, presente no meio da sua Igreja como sacerdote, altar e vítima (cf. Prefácio Pascal V). Crucificado, sepultado e ressuscitado dentre os mortos, restituído à vida no Espírito e sentado à direita do Pai, Cristo tornou-Se nosso Sumo Sacerdote, que intercede eternamente por nós. Na liturgia da Igreja, e sobretudo no sacrifício da Missa consumado sobre os altares de todo o mundo, Ele convida-nos a nós, membros do seu Corpo místico, a partilhar a sua auto-oblação. Chama-nos, enquanto povo sacerdotal da nova e eterna Aliança, a oferecer, em união com Ele, os nossos sacrifícios de cada dia pela salvação do mundo.

Na liturgia de hoje, a Igreja recorda-nos que, à semelhança deste altar, também nós fomos consagrados, colocados «à parte» para o serviço de Deus e a edificação do seu Reino. Muitas vezes, porém, encontramo-nos imersos num mundo que quereria pôr Deus «de parte». Em nome da liberdade e autonomia humanas, o nome de Deus é passado em silêncio, a religião fica reduzida a devoção pessoal e a fé é banida da praça pública. Por vezes uma semelhante mentalidade, tão radicalmente contrária à essência do Evangelho, pode mesmo ofuscar a nossa própria compreensão da Igreja e da sua missão. Também nós podemos ser tentados a reduzir a vida de fé a uma questão de mero sentimento, enfraquecendo assim o seu poder de inspirar uma visão coerente do mundo e um diálogo rigoroso com tantas outras perspectivas que lutam por conquistar as mentes e os corações dos nossos contemporâneos.

E todavia a história, incluindo a do nosso tempo, demonstra-nos que a questão de Deus não pode jamais ser silenciada, e também que a indiferença face à dimensão religiosa da existência humana em última análise diminui e atraiçoa o próprio homem. Porventura não é esta a mensagem proclamada pela arquitectura estupenda desta catedral? Não é porventura este o mistério da fé que é anunciado a partir deste altar em cada celebração da Eucaristia? A fé ensina-nos que em Jesus Cristo, Palavra encarnada, chegamos a compreender a grandeza da nossa própria humanidade, o mistério da nossa vida sobre a terra e o sublime destino que nos espera no céu (cf. Gaudium et spes
GS 24). Além disso, a fé ensina-nos que somos criaturas de Deus, feitas à sua imagem e semelhança, dotadas duma dignidade inviolável e chamadas à vida eterna. Sempre que se diminui o homem, é o mundo que nos rodeia a ficar diminuído; perde o próprio significado último e falha o seu objectivo. O que daí resulta é uma cultura, não da vida, mas da morte. Como se pode considerar isto um «progresso»? Pelo contrário, é um passo para trás, uma forma de retrocesso, que em última análise seca as próprias fontes da vida seja dos indivíduos seja da sociedade inteira.

Sabemos que no fim de contas, como Santo Inácio de Loyola viu de forma muito clara, o único verdadeiro padrão com que se pode aferir qualquer realidade humana é a Cruz e a sua mensagem de amor gratuito que triunfa sobre o mal, o pecado e a morte, que cria vida nova e alegria perene. A Cruz revela que só nos reencontramos a nós mesmos dando as nossas vidas, acolhendo o amor de Deus como um dom não merecido e trabalhando por conduzir todo o homem e mulher para a beleza de tal amor e para a luz da verdade, a única que traz salvação ao mundo.

Nesta verdade – o mistério da fé – é que fomos consagrados (cf. Jn 17,17-19), e é nesta verdade que somos chamados a crescer, com a ajuda da graça de Deus, na fidelidade diária à sua palavra, dentro da comunhão vivificante da Igreja. E todavia como é difícil este caminho de consagração! Exige uma contínua «conversão», um morrer sacrifical para si mesmo que é a condição para pertencer plenamente a Deus, uma mudança da mente e do coração que gera verdadeira liberdade e uma nova amplitude de visão. A liturgia de hoje oferece-nos um símbolo eloquente daquela progressiva transformação espiritual a que é chamado cada um de nós. Desde a aspersão da água, passando pela proclamação da palavra de Deus, a invocação de todos os Santos, até à oração de consagração, à unção e à lavagem do altar, acabando este revestido de branco e adornado de luz – todos estes ritos nos convidam a reviver a nossa própria consagração no Baptismo. Convidam-nos a rejeitar o pecado e suas falsas seduções, e a dessedentarmo-nos cada vez mais profundamente na fonte vivificante da graça de Deus.

Queridos amigos, que esta celebração com a presença do Sucessor de Pedro seja um momento de nova consagração e de renovação para toda a Igreja na Austrália. Desejo abrir aqui um parêntesis para confessar a vergonha que todos sentimos depois dos abusos sexuais sobre menores cometidos por alguns sacerdotes e religiosos desta nação. Lamento verdadeira e profundamente as moléstias e sofrimentos que as vítimas suportaram e asseguro-lhes, como seu Pastor, que também eu compartilho o seu sofrimento. Estes agravos, que constituem tão grave traição da confiança, devem ser condenados de modo inequívoco. Causaram grande sofrimento e prejudicaram o testemunho da Igreja. Peço-vos a todos que apoieis e assistais os vossos bispos, colaborando com eles no combate contra este mal. As vítimas devem receber de vós compaixão e tratamento e os responsáveis destes males devem ser levados diante da justiça. Constitui uma urgente prioridade a promoção dum ambiente mais seguro e sadio, especialmente para os jovens. Nestes dias caracterizados pela celebração da Jornada Mundial da Juventude, somos chamados a reflectir quão precioso é este tesouro que nos foi confiado, ou seja, os nossos jovens, e como à sua educação e resguardo tem sido dedicada grande parte da missão da Igreja neste país. Enquanto a Igreja na Austrália continua, no espírito do Evangelho, a enfrentar eficazmente este sério desafio pastoral, uno-me a vós na oração pedindo que este tempo de purificação traga consigo cura, reconciliação e uma fidelidade cada vez maior às exigências morais do Evangelho.

Desejo agora dirigir aos seminaristas e aos noviços e noviças que aqui se encontram uma especial palavra de afecto e encorajamento. Queridos amigos, com grande generosidade vos encaminhastes por uma particular senda de consagração, radicada no vosso Baptismo e abraçada como resposta ao chamamento pessoal do Senhor. De variados modos, comprometestes-vos a aceitar o convite de Cristo para O seguir abandonando tudo e dedicando a vossa vida à busca da santidade e ao serviço do seu povo.

No Evangelho de hoje, o Senhor chama-nos a «acreditar na luz» (cf. Jn 12,36). Estas palavras possuem um significado especial para vós, amados jovens seminaristas e noviços. São um apelo a confiar na verdade da palavra de Deus e a esperar firmemente nas suas promessas. Convidam-nos a ver, com os olhos da fé, a obra infalível da sua graça ao nosso redor, mesmo nestes tempos tenebrosos em que todos os nossos esforços parecem ser vãos. Deixai que este altar, com a sua vigorosa imagem de Cristo Servo Sofredor, vos sirva de constante inspiração. Com certeza existem momentos em que todo o discípulo fiel sente o calor e o peso da jornada (cf. Mt 20,12), e a luta para dar testemunho profético a um mundo que pode revelar-se surdo às exigências da palavra de Deus. Mas, não tenhais medo! Acreditai na luz. Tomai a peito a verdade que ouvimos hoje na segunda leitura: «Jesus Cristo é o mesmo ontem, hoje e sempre» (He 13,8). A luz da Páscoa continua a afugentar as trevas.

O Senhor chama-nos a caminhar na luz (cf. Jn 12,35). Cada um de vós empreendeu a maior e mais gloriosa das batalhas, ou seja, a de ser consagrados na verdade, de crescer na virtude, de alcançar a harmonia entre pensamentos e ideais, por um lado, e palavras e acções, por outro. Penetrai sincera e profundamente na disciplina e no espírito dos vossos programas de formação. Caminhai dia-a-dia na luz de Cristo mediante a fidelidade à oração pessoal e litúrgica, alimentados pela meditação da palavra inspirada de Deus. Os Padres da Igreja gostavam de ver as Escrituras como um paraíso espiritual, um jardim onde podemos caminhar livremente com Deus, admirando a beleza e a harmonia do seu plano salvífico frutificando na nossa própria vida, na vida da Igreja e no curso de toda a história. Assim, que a oração e a meditação da palavra de Deus sejam a lâmpada que ilumina, purifica e guia os vossos passos ao longo do caminho que o Senhor traçou para vós. Fazei da celebração diária da Eucaristia o centro da vossa vida. Em cada Missa, quando se ergue o Corpo e o Sangue do Senhor no final da Oração Eucarística, levantai o vosso coração e a vossa vida em Cristo, com Ele e por Ele, na unidade do Espírito Santo, como amável sacrifício a Deus nosso Pai.

Desta maneira, amados jovens seminaristas e noviços, tornar-vos-eis, vós próprios, altares vivos sobre os quais se faz presente o amor sacrifical de Cristo como inspiração e fonte de alimento espiritual para quantos encontrardes. Abraçando o chamamento do Senhor a segui-Lo em castidade, pobreza e obediência, empreendestes a viagem de um discipulado radical que fará de vós «sinais de contradição» (cf. Lc 2,34) para muitos dos vossos contemporâneos. Modelai diariamente a vossa vida segundo a amorosa auto-oblação feita pelo próprio Senhor em obediência à vontade do Pai. Deste modo, descobrireis a liberdade e a alegria que podem atrair os outros àquele Amor que está para além de todo e qualquer outro amor enquanto sua fonte e suprema realização. Nunca esqueçais que a castidade por amor do Reino significa abraçar uma vida dedicada completamente ao amor, um amor que vos torna capazes de vos consagrardes sem reservas ao serviço de Deus para estar plenamente disponíveis para os irmãos e as irmãs, especialmente se necessitados. Os tesouros maiores que partilhais com os outros jovens – o vosso idealismo, a generosidade, o tempo e as forças – são os verdadeiros sacrifícios que depondes sobre o altar do Senhor. Oxalá tenhais sempre em grande consideração este carisma maravilhoso que Deus vos concedeu para a sua glória e a edificação da Igreja!

Queridos amigos, deixai-me concluir estas reflexões chamando a vossa atenção para o grande vitral no coro desta catedral, onde Nossa Senhora, Rainha do Céu, aparece representada majestosamente no trono ao lado do seu divino Filho. O artista retratou Maria como a nova Eva que oferece uma maçã a Cristo, novo Adão. Este gesto simboliza a reviravolta que Ela deu à desobediência dos nossos primeiros pais, o fruto estupendo que a graça de Deus produziu na sua própria vida, e os primeiros frutos daquela humanidade redimida e glorificada que Ela precedeu na glória do paraíso. Peçamos a Maria, Auxílio dos cristãos, que sustente a Igreja na Austrália na sua fidelidade àquela graça com que o Senhor crucificado continua a «atrair a Si» a criação inteira e todo o coração humano (cf. Jn 12,32). Que a força do seu Santo Espírito consagre na verdade os fiéis desta terra, produza abundantes frutos de santidade e de justiça para a redenção do mundo e guie a humanidade inteira para a plenitude de vida ao redor daquele Altar onde, na glória da liturgia celeste, somos chamados a cantar os louvores de Deus por toda a eternidade. Amen.




Domingo, 20 de Julho de 2008: CELEBRAÇÃO EUCARÍSTICA PARA A XXIII JORNADA MUNDIAL DA JUVENTUDE

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Hipódromo de Randwick





Queridos amigos,

«Ides receber uma força, a do Espírito Santo, que descerá sobre vós» (
Ac 1,8). Vimos hoje cumprida esta promessa. No dia de Pentecostes, como ouvimos na primeira leitura, o Senhor ressuscitado, sentado à direita do Pai, enviou o Espírito sobre os discípulos reunidos no Cenáculo. Com a força deste Espírito, Pedro e os Apóstolos foram pregar o Evangelho até aos confins da terra. Em cada idade e nas mais diversas línguas, a Igreja continua a proclamar pelo mundo inteiro as maravilhas de Deus, convidando todas as nações e povos a abraçar a fé, a esperança e a nova vida em Cristo.

Nestes dias, vim também eu como Sucessor de Pedro a esta maravilhosa terra da Austrália. Vim para confirmar-vos, meus jovens irmãos e irmãs, na vossa fé e abrir os vossos corações ao poder do Espírito de Cristo e à riqueza dos seus dons. Rezo para que esta grande assembleia, que congrega jovens «de todas as nações que há debaixo do céu» (Ac 2,5), se torne um novo Cenáculo. Que o fogo do amor de Deus desça sobre os vossos corações e os encha, a fim de vos unir cada vez mais ao Senhor e à sua Igreja e enviar-vos, como nova geração de apóstolos, para levar o mundo a Cristo.

«Ides receber uma força, a do Espírito Santo, que descerá sobre vós». Estas palavras do Senhor ressuscitado revestem-se de um significado particular para os jovens que vão ser confirmados, marcados com o dom do Espírito Santo, durante esta Santa Missa. Mas, tais palavras são dirigidas também a cada um de nós, isto é, a todos aqueles que receberam o dom do Espírito de reconciliação e da nova vida no Baptismo, que O acolheram nos seus corações como sua força e guia na Confirmação e que crescem diariamente nos seus dons de graça por meio da Sagrada Eucaristia. De facto, em cada Missa o Espírito Santo, invocado na oração solene da Igreja, desce novamente não só para transformar os nossos dons do pão e do vinho no Corpo e no Sangue do Senhor, mas também para transformar as nossas vidas fazendo de nós, com a sua força, «um só corpo e um só espírito em Cristo».

Mas, o que é este «poder» do Espírito Santo? É o poder da vida de Deus. É o poder do mesmo Espírito que pairou sobre as águas na alvorada da criação e que, na plenitude dos tempos, levantou Jesus da morte. É o poder que nos conduz, a nós e ao nosso mundo, para a vinda do Reino de Deus. No Evangelho de hoje, Jesus anuncia que começou uma nova era, na qual o Espírito Santo será derramado sobre a humanidade inteira (cf. Lc 4,21). Ele próprio, concebido por obra do Espírito Santo e nascido da Virgem Maria, veio habitar entre nós para nos trazer este Espírito. Como fonte da nossa vida nova em Cristo, o Espírito Santo é também, de modo profundamente verdadeiro, a alma da Igreja, o amor que nos une ao Senhor e entre nós e a luz que abre os nossos olhos para verem as maravilhas da graça de Deus ao nosso redor.

Aqui na Austrália, nesta grande «Terra Austral do Espírito Santo», tivemos todos uma inesquecível experiência da presença e da força do Espírito na beleza da natureza. Os nossos olhos abriram-se para contemplar o mundo circundante tal como verdadeiramente é: «repleto – como disse o poeta – da grandeza de Deus», cheio da glória do seu amor criador. Também aqui, nesta grande assembleia de jovens cristãos vindos de todo o mundo, tivemos uma experiência concreta da presença e da força do Espírito na vida da Igreja. Vimos a Igreja na profunda verdade do seu ser: Corpo de Cristo, comunidade viva de amor, que engloba pessoas de toda a raça, nação e língua, de todos os tempos e lugares, na unidade que brota da nossa fé no Senhor ressuscitado.

A força do Espírito não cessa jamais de encher de vida a Igreja. Através da graça dos sacramentos dela, esta força flui também no nosso íntimo como um rio subterrâneo que alimenta o espírito e nos atrai e aproxima cada vez mais da fonte da nossa verdadeira vida, que é Cristo. Santo Inácio de Antioquia, que foi martirizado no início do século II, deixou-nos uma esplêndida descrição desta força do Espírito que habita dentro de nós. Falou do Espírito como de uma nascente de água viva que brotava no seu coração e lhe sussurrava: «Vem, vem para o Pai!» (cf. Aos Rom 6,1-9).

No entanto esta força, a graça do Espírito, não é algo que possamos merecer ou conquistar; podemos apenas recebê-la como puro dom. O amor de Deus pode propagar a sua força, somente quando lhe permitimos que nos mude a partir de dentro. Temos de O deixar penetrar na crosta dura da nossa indiferença, do nosso cansaço espiritual, do nosso cego conformismo com o espírito deste nosso tempo. Só então nos será possível consentir-Lhe que acenda a nossa imaginação e plasme os nossos desejos mais profundos. Eis o motivo por que é tão importante a oração: a oração diária, a oração privada no recolhimento dos nossos corações e diante do Santíssimo Sacramento e a oração litúrgica no coração da Igreja. A oração é pura receptividade à graça de Deus, amor em acto, comunhão com o Espírito que habita em nós e nos conduz através de Jesus, na Igreja, ao nosso Pai celeste. Na força do seu Espírito, Jesus está sempre presente nos nossos corações, esperando serenamente que nos acomodemos em silêncio junto d’Ele para ouvir a sua voz, permanecer no seu amor e receber a «força que vem do Alto», uma força que nos habilita a ser sal e luz para o nosso mundo.

Na sua Ascensão, o Senhor ressuscitado disse aos seus discípulos: «Sereis minhas testemunhas (…) até aos confins do mundo» (Ac 1,8). Aqui, na Austrália, damos graças ao Senhor pelo dom da fé que chegou até nós como um tesouro transmitido de geração em geração na comunhão da Igreja. Aqui, na Oceânia, damos graças de modo especial por todos os heróicos missionários, sacerdotes e religiosos diligentes, pais e avós cristãos, professores e catequistas que edificaram a Igreja nestas terras. Testemunhas como a Beata Mary MacKillop, São Peter Chanel, o Beato Peter To Rot e muitos outros. A força do Espírito, que se revelou nas suas vidas, está ainda em acção nas beneméritas iniciativas que deixaram, na sociedade que plasmaram e que agora é entregue a vós.

Amados jovens, permiti que vos ponha agora uma questão. E vós o que é que deixareis à próxima geração? Estais a construir as vossas vidas sobre alicerces firmes, estais a construir algo que há-de durar? Estais a viver a vossa existência de modo a dar espaço ao Espírito no meio dum mundo que quer esquecer Deus ou mesmo rejeitá-Lo em nome de uma falsa noção de liberdade? Como estais a usar os dons que vos foram dados, a «força» que o Espírito Santo está pronto, mesmo agora, a derramar sobre vós? Que herança deixareis aos jovens que virão? Qual será a diferença impressa por vós?

A força do Espírito Santo não se limita a iluminar-nos e a consolar-nos; orienta-nos também para o futuro, para a vinda do Reino de Deus. Que magnífica visão duma humanidade redimida e renovada entrevemos na nova era prometida pelo Evangelho de hoje! São Lucas diz-nos que Jesus Cristo é o cumprimento de todas as promessas de Deus, o Messias que possui em plenitude o Espírito Santo para comunicá-Lo à humanidade inteira. A efusão do Espírito de Cristo sobre a humanidade é um penhor de esperança e de libertação contra tudo aquilo que nos depaupera. Tal efusão dá nova vista ao cego, manda livres os oprimidos, e cria unidade na e com a diversidade (cf. Lc 4,18-19 Is 61,1-2). Esta força pode criar um mundo novo, pode «renovar a face da terra» (cf. Ps 104,30).

Uma nova geração de cristãos, revigorada pelo Espírito e inspirando-se a uma rica visão de fé, é chamada a contribuir para a edificação dum mundo onde a vida seja acolhida, respeitada e cuidada amorosamente, e não rejeitada nem temida como uma ameaça e, consequentemente, destruída. Uma nova era em que o amor não seja ambicioso nem egoísta, mas puro, fiel e sinceramente livre, aberto aos outros, respeitador da sua dignidade, um amor que promova o bem de todos e irradie alegria e beleza. Uma nova era na qual a esperança nos liberte da superficialidade, apatia e egoísmo que mortificam as nossas almas e envenenam as relações humanas. Prezados jovens amigos, o Senhor está a pedir-vos que sejais profetas desta nova era, mensageiros do seu amor, capazes de atrair as pessoas para o Pai e construir um futuro de esperança para toda a humanidade.

O mundo tem necessidade desta renovação. Em muitas das nossas sociedades, ao lado da prosperidade material vai crescendo o deserto espiritual: um vazio interior, um medo indefinível, uma oculta sensação de desespero. Quantos dos nossos contemporâneos escavaram para si mesmos cisternas rotas e vazias (cf. Jr 2,13) à procura desesperada de sentido, daquele sentido último que só o amor pode dar!? Este é o dom grande e libertador que o Evangelho traz consigo: revela a nossa dignidade de mulheres e homens criados à imagem e semelhança de Deus; revela a sublime vocação da humanidade, que é a de encontrar a própria plenitude no amor; desvenda a verdade sobre o homem, a verdade sobre a vida.

Também a Igreja tem necessidade desta renovação. Precisa da vossa fé, do vosso idealismo e da vossa generosidade, para poder ser sempre jovem no Espírito (cf. Lumen gentium LG 4). Na segunda leitura de hoje, o apóstolo Paulo recorda-nos que todo o indivíduo cristão recebeu um dom, que deve ser usado para edificar o Corpo de Cristo. A Igreja tem uma especial necessidade do dom dos jovens, de todos os jovens. Ela precisa de crescer na força do Espírito, que agora mesmo vos enche de alegria a vós, jovens, e vos inspira a servir o Senhor com entusiasmo. Abri o vosso coração a esta força. Dirijo este apelo de forma especial àqueles que o Senhor chama à vida sacerdotal e consagrada. Não tenhais medo de dizer o vosso «sim» a Jesus, de encontrar a vossa alegria na realização da sua vontade, entregando-vos completamente para chegardes à santidade e pondo os vossos talentos a render para o serviço dos outros.

Daqui a pouco celebraremos o sacramento da Confirmação. O Espírito Santo descerá sobre os candidatos; estes serão «marcados» com o dom do Espírito e enviados para ser testemunhas de Cristo. Que significa receber o «selo» do Espírito Santo? Significa ficar indelevelmente marcados, inalteravelmente mudados, significa ser novas criaturas. Para aqueles que receberam este dom, nada mais pode ser como antes. Ser «baptizados» no Espírito significa ser incendiados pelo amor de Deus. «Beber» do Espírito (cf. 1Co 12,13) significa ser refrescado pela beleza do plano de Deus sobre nós e o mundo, e tornar-se por sua vez uma fonte de refrigério para os outros. Ser «selados com o Espírito» significa além disso não ter medo de defender Cristo, deixando que a verdade do Evangelho permeie a nossa maneira de ver, pensar e agir, enquanto trabalhamos para o triunfo da civilização do amor.

Ao elevar a nossa oração pelos confirmandos, pedimos também que a força do Espírito Santo reavive a graça da Confirmação em cada um de nós. Oxalá o Espírito derrame os seus dons em abundância sobre todos os presentes, sobre a cidade de Sidney, sobre esta terra da Austrália e sobre todo o seu povo. Que cada um de nós seja renovado no espírito de sabedoria e de entendimento, espírito de conselho e de fortaleza, espírito de ciência e de piedade, espírito de santo temor de Deus.

Pela amorosa intercessão de Maria, Mãe da Igreja, que esta 23ª Jornada Mundial da Juventude seja vivida como um novo Cenáculo, para que todos nós, inflamados no fogo do amor do Espírito Santo, possamos continuar a proclamar o Senhor ressuscitado atraindo para Ele todos os corações. Amen.




Bento XVI Homilias 28608