Bento XVI Homilias 30118


25 de Dezembro de 2008: MISSA DA MEIA NOITE

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SOLENIDADE DO NATAL DO SENHOR


Basílica Vaticana





«Quem se compara ao Senhor, nosso Deus, que tem o seu trono nas alturas e Se inclina lá do alto a olhar os céus e a terra?» Assim canta Israel num dos seus Salmos (
Ps 113,5/112, 5s.), onde exalta simultaneamente a grandeza de Deus e sua benigna proximidade dos homens. Deus habita nas alturas, mas inclina-Se para baixo… Deus é imensamente grande e está incomparavelmente acima de nós. Esta é a primeira experiência do homem. A distância parece infinita. O Criador do universo, Aquele que tudo guia, está muito longe de nós: assim parece ao início. Mas depois vem a experiência surpreendente: Aquele que não é comparável a ninguém, que «está sentado nas alturas», Ele olha para baixo. Inclina-se para baixo. Ele vê-nos a nós, e vê-me a mim. Este olhar de Deus para baixo é mais do que um olhar lá das alturas. O olhar de Deus é um agir. O facto de Ele me ver, me olhar, transforma-me a mim e o mundo ao meu redor. Por isso logo a seguir diz o Salmo: «Levanta o pobre da miséria…» Com o seu olhar para baixo, Ele levanta-me, toma-me benignamente pela mão e ajuda-me, a mim próprio, a subir de baixo para as alturas. «Deus inclina-Se». Esta é uma palavra profética; e, na noite de Belém, adquiriu um significado completamente novo. O inclinar-Se de Deus assumiu um realismo inaudito, antes inimaginável. Ele inclina-Se: desce, Ele mesmo, como criança na miséria do curral, símbolo de toda a necessidade e estado de abandono dos homens. Deus desce realmente. Torna-Se criança, colocando-Se na condição de dependência total, própria de um ser humano recém-nascido. O Criador que tudo sustenta nas suas mãos, de Quem todos nós dependemos, faz-Se pequeno e necessitado do amor humano. Deus está no curral. No Antigo Testamento, o templo era considerado quase como o estrado dos pés de Deus; a arca santa, como o lugar onde Ele estava misteriosamente presente no meio dos homens. Deste modo sabia-se que sobre o templo, escondida, estava a nuvem da glória de Deus. Agora, está sobre o curral. Deus está na nuvem da miséria de uma criança sem lugar na hospedaria: que nuvem impenetrável e, no entanto, nuvem da glória! De facto, de que modo poderia aparecer maior e mais pura a sua predilecção pelo homem, a sua solicitude por ele? A nuvem do encobrimento, da pobreza da criança totalmente necessitada do amor, é ao mesmo tempo a nuvem da glória. É que nada pode ser mais sublime e maior do que o amor que assim se inclina, desce, se torna dependente. A glória do verdadeiro Deus torna-se visível quando se abrem os nossos olhos do coração diante do curral de Belém.

A narração do Natal feita por São Lucas, que acabámos de ouvir no texto evangélico, conta-nos que Deus levantou um pouco o véu do seu encobrimento primeiro diante de pessoas de condição muito humilde, diante de pessoas que habitualmente eram desprezadas na grande sociedade: diante dos pastores que, nos campos ao redor de Belém, guardavam os animais. Lucas diz-nos que estas pessoas «velavam». Nisto podemos ouvir ressoar um motivo central da mensagem de Jesus, na qual volta, repetidamente e com crescente urgência até ao Jardim das Oliveiras, o convite à vigilância, a permanecer acordados para nos darmos conta da vinda do Senhor e estarmos preparados para ela. Por isso, também aqui talvez a palavra signifique algo mais do que o simples estar externamente acordados durante as horas nocturnas. Eram pessoas verdadeiramente vigilantes, nas quais estava vivo o sentido de Deus e da sua proximidade; pessoas que estavam à espera de Deus e não se resignavam com o aparente afastamento d’Ele na vida de cada dia. A um coração vigilante pode ser dirigida a mensagem da grande alegria: esta noite nasceu para vós o Salvador. Só o coração vigilante é capaz de crer na mensagem. Só o coração vigilante pode incutir a coragem de pôr-se a caminho para encontrar Deus nas condições de uma criança no curral. Peçamos ao Senhor para que nesta hora nos ajude, a nós também, a tornarmo-nos pessoas vigilantes.

São Lucas narra-nos ainda que os próprios pastores ficaram «envolvidos» pela glória de Deus, pela nuvem de luz, encontravam-se dentro do resplendor desta glória. Envolvidos pela nuvem santa ouvem o cântico de louvor dos anjos: «Glória a Deus no mais alto dos céus e paz na terra aos homens por Ele amados». E quem são estes homens por Ele amados senão os pequenos, os vigilantes, aqueles que estão à espera, esperam na bondade de Deus e procuram-No olhando para Ele de longe?

Nos Padres da Igreja, é possível encontrar um comentário surpreendente ao cântico com que os anjos saúdam o Redentor. Até àquele momento – dizem os Padres – os anjos tinham conhecido Deus na grandeza do universo, na lógica e na beleza do cosmos que provêm d’Ele e O reflectem. Tinham acolhido por assim dizer o cântico de louvor mudo da criação e tinham-no transformado em música do céu. Mas agora acontecera um facto novo, até mesmo assombroso para eles. Aquele de quem fala o universo, o próprio Deus que tudo sustenta e traz na sua mão, Ele mesmo entrara na história dos homens, tornara-Se um que age e sofre na história. Do jubiloso assombro suscitado por este facto inconcebível, por esta segunda e nova maneira em que Deus Se manifestara – dizem os Padres – nasceu um cântico novo, tendo o Evangelho de Natal conservado uma estrofe para nós: «Glória a Deus no mais alto dos céus e paz na terra aos homens». Talvez se possa dizer, segundo a estrutura da poesia hebraica, que este versículo nas suas duas frases diz fundamentalmente a mesma coisa, mas duma perspectiva diversa. A glória de Deus está no alto dos céus, mas esta sublimidade de Deus encontra-se agora no curral, aquilo que era humilde tornou-se sublime. A sua glória está sobre a terra, é a glória da humildade e do amor. Mais ainda: a glória de Deus é a paz. Onde está Ele, lá está a paz. Ele está lá onde os homens não querem fazer, de modo autónomo, da terra o paraíso, servindo-se para tal fim da violência. Ele está com as pessoas de coração vigilante; com os humildes e com aqueles que correspondem à sua elevação, à elevação da humildade e do amor. A estes dá a sua paz, para que, por meio deles, entre a paz neste mundo.

O teólogo medieval Guilherme de S. Thierry disse uma vez: Deus viu, a partir de Adão, que a sua grandeza suscitava no homem resistência; que o homem se sente limitado no ser ele próprio e ameaçado na sua liberdade. Portanto Deus escolheu um caminho novo. Tornou-Se um Menino. Tornou-Se dependente e frágil, necessitado do nosso amor. Agora – diz-nos aquele Deus que Se fez Menino – já não podeis ter medo de Mim, agora podeis apenas amar-Me.

É com tais pensamentos que, esta noite, nos aproximamos do Menino de Belém, daquele Deus que por nós quis fazer-Se criança. Em cada criança, há o revérbero do Menino de Belém. Cada criança pede o nosso amor. Pensemos, pois, nesta noite de modo particular também naquelas crianças às quais é recusado o amor dos pais; nos meninos da rua que não têm o dom de um lar doméstico; nas crianças que são brutalmente usadas como soldados e feitas instrumentos da violência, em vez de poderem ser portadores da reconciliação e da paz; nas crianças que, através da indústria da pornografia e de todas as outras formas abomináveis de abuso, são feridas até ao fundo da sua alma. O Menino de Belém é um renovado apelo que nos é dirigido para fazermos tudo o que for possível a fim de que acabe a tribulação destas crianças; para fazermos tudo o que for possível a fim de que a luz de Belém toque os corações dos homens. Somente através da conversão dos corações, somente através de uma mudança no íntimo do homem se pode superar a causa de todo este mal, pode ser vencido o poder do maligno. Somente se mudarem os homens é que muda o mundo e, para os homens mudarem, precisam da luz que vem de Deus, daquela luz que de modo tão inesperado entrou na nossa noite.

E falando do Menino de Belém, pensemos também na localidade que responde ao nome de Belém; pensemos naquela terra onde Jesus viveu e que Ele amou profundamente. E peçamos para que lá se crie a paz. Que cessem o ódio e a violência. Que desperte a compreensão recíproca, se realize uma abertura dos corações que abra as fronteiras. Que desça a paz que os anjos cantaram naquela noite.

No Salmo 96/95, Israel e, com ele, a Igreja louvam a grandeza de Deus que se manifesta na criação. Todas as criatura são chamadas a aderir a este cântico de louvor, encontrando-se lá também este convite: «Alegrem-se as árvores da floresta, diante do Senhor que vem» (Ps 95,12s.). A Igreja lê este Salmo também como um profecia e simultaneamente uma missão. A vinda de Deus a Belém foi silenciosa. Somente os pastores que velavam foram por uns momentos envolvidos no esplendor luminoso da sua chegada e puderam ouvir uma parte daquele cântico novo que brotara da maravilha e da alegria dos anjos pela vinda de Deus. Esta vinda silenciosa da glória de Deus continua através dos séculos. Onde há fé, onde a sua palavra é anunciada e escutada, Deus reúne os homens e dá-Se-lhes no seu Corpo, transforma-os no seu Corpo. Ele «vem». E assim desperta o coração dos homens. O cântico novo dos anjos torna-se cântico dos homens que, ao longo de todos os séculos, de forma sempre nova cantam a vinda de Deus como Menino e, a partir do seu íntimo, tornam-se felizes. E as árvores da floresta vão até Ele e exultam. A árvore na Praça de São Pedro fala d’Ele, quer transmitir o seu esplendor e dizer: Sim, Ele veio e as árvores da floresta aclamam-No. As árvores nas cidades e nas casas deveriam ser algo mais do que um costume natalício: indicam Aquele que é a razão da nossa alegria – o próprio Deus que vem, o Deus que por nós Se fez menino. O cântico de louvor, no mais fundo, fala enfim d’Aquele que é a própria árvore da vida reencontrada. Pela fé n’Ele, recebemos a vida. No sacramento da Eucaristia, dá-Se a nós: dá uma vida que chega até à eternidade. Nesta hora, juntamo-nos ao cântico de louvor da criação e o nosso louvor é ao mesmo tempo uma oração: Sim, Senhor, fazei-nos ver algo do esplendor da vossa glória. E dai a paz à terra. Tornai-nos homens e mulheres da vossa paz. Amen.




31 de Dezembro de 2008: PRIMEIRAS VÉSPERAS DA SOLENIDADE DE MARIA SANTÍSSIMA MÃE DE DEUS E RECITAÇÃO DO "TE DEUM"

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Queridos irmãos e irmãs!

O ano que termina e o que se anuncia no horizonte são ambos colocados sob o olhar benévolo da Santíssima Mãe de Deus. Recorda-nos a sua materna presença também a escultura artística em madeira policroma colocada aqui, ao lado do altar, que a representa no trono com o Menino bem-fazejo. Celebramos as Primeiras Vésperas desta solenidade mariana, e nelas são numerosas as referências litúrgicas ao mistério da maternidade divina da Virgem.

"O admirabile commercium! Admirável intercâmbio!" Começa assim a atífona do primeiro salmo, para depois prosseguir: "O Criador assumiu uma alma e um corpo, nasceu de uma virgem". "Quando nasceste de maneira única da Virgem cumpriste as Escrituras", proclama a antífona do segundo salmo, à qual fazem eco as palavras da terceira antífona que nos introduziu no cântico tirado da Carta de Paulo aos Efésios: "É íntegra a tua virgindade, Mãe de Deus: nós te louvamos, tu reza por nós". A maternidade divina de Maria é ressaltada também na Leitura breve há pouco proclamada, que repropõe os conhecidos versículos da Carta aos Gálatas: "Quando chegou a plenitude dos tempos, Deus enviou o seu Filho, nascido de mulher... para que recebêssemos a adopção de filhos" (
Ga 4,4-5). E ainda, no tradicional Te Deum, que elevaremos no final da nossa celebração diante do Santíssimo Sacramento solenemente exposto à nossa adoração, cantaremos: "Tu, ad liberandum suscepturus hominem, non horruisti Virginis uterum": "Tu, ó Cristo, nasceste da Virgem Mãe para a salvação do homem".

Portanto, tudo esta tarde nos convida a dirigir o olhar para aquela que "acolheu no coração e no corpo o Verbo de Deus e trouxe ao mundo a vida" e precisamente por isto recorda o Concílio Vaticano II "é reconhecida e honrada como verdadeira Mãe de Deus" (Const. Lumen gentium LG 53). O Natal de Cristo, que nestes dias comemoramos, está totalmente imbuído pela luz de Maria e, enquanto no presépio nos detemos a contemplar o Menino, o olhar não pode deixar de se dirigir reconhecido também para a Mãe, que com o seu "sim" tornou possível o dom da Redenção. Eis por que o tempo do Natal traz consigo uma profunda conotação mariana; o nascimento de Jesus, homem-Deus e a maternidade divina de Maria são realidades entre si inseparáveis; o mistério de Maria e o mistério do Filho unigénito de Deus que se faz homem, formam um único mistério, onde um ajuda a comprender melhor o outro.

Maria, Mãe de Deus Theotokos, Dei Genetrix. Já na antiguidade, Nossa Senhora foi honrada com este título. Contudo, no ocidente, não existiu durante muitos séculos uma festa específica dedicada à maternidade divina de Maria. Introduziu-a na Igreja latina o Papa Pio XI em 1931, por ocasião do 15º centenário do Concílio de Éfeso, e estabeleceu-a no dia 11 de Outubro. Nessa data iniciou, em 1962, o Concílio Ecuménico Vaticano II. Depois, o servo de Deus Paulo VI, em 1969, retomando uma antiga tradição, fixou a solenidade no dia 1 de Janeiro. E na Exortação apostólica Marialis cultus de 2 de Fevereiro de 1974 explicou o motivo desta escolha e a sua relação com o Dia Mundial da Paz. "No recomposto ordenamento do período do Natal escreveu Paulo vi parece-nos que a comum atenção deva ser dirigida para a restabelecida solenidade de Maria Santíssima Mãe de Deus: ela... destina-se a celebrar a parte desempenhada por Maria neste mistério de salvação e a exaltar a singular dignidade que dela deriva para a Mãe santa...; é também uma ocasião propícia para inovar a adoração ao recém-nascido Príncipe da Paz, para ouvir de novo o feliz anúncio angélico (cf. Lc 2,14), para implorar de Deus, mediante a Rainha da Paz, o dom supremo da paz" (n. 5 em: Insegnamenti di Paolo VI, XII, PP 105-106).

Queremos esta tarde pôr nas mãos da celeste Mãe de Deus o nosso hino coral de agradecimento ao Senhor pelos benefícios que ao longo dos doze meses transcorridos nos concedeu abundantemente. O primeiro sentimento, que nasce espontâneo no coração esta tarde, é precisamente de louvor e de acção de graças Àquele que nos fez dom do tempo, oportunidade preciosa para praticar o bem; unimos o pedido de perdão porque talvez nem sempre o empregamos utilmente. Sinto-me feliz por partilhar este agradecimento convosco, queridos irmãos e irmãs, que representais toda a nossa Comunidade diocesana, à qual dirijo a minha cordial saudação, fazendo-a extensiva a todos os habitantes de Roma. Dirijo uma particular saudação ao Cardeal Vigário e ao Presidente da Câmara Municipal, os quais iniciaram este ano as suas diversas missões uma espiritual e religiosa, a outra civil e administrativa ao serviço desta nossa cidade. A minha saudação quer abranger os Bispos Auxiliares, os sacerdotes, as pessoas consagradas e os numerosos fiéis leigos aqui reunidos, assim como as Autoridades presentes. Ao vir ao mundo, o Verbo eterno do Pai revelou-nos a proximidade de Deus e a verdade última sobre o homem e sobre o seu destino eterno; veio para estar connosco e para ser nosso apoio insubstituível, especialmente nas inevitáveis dificuldades de todos os dias. E esta tarde a própria Virgem nos recorda o grande dom que Jesus nos fez com o seu nascimento, que "tesouro" precioso constitui para nós a sua Encarnação. No seu Natal Jesus vem oferecer a sua Palavra como lâmpada que guia os nossos passos; vem oferecer-se a si mesmo e d'Ele, nossa esperança certa, devemos saber dizer a razão na nossa existência quotidiana, conscientes de que "o mistério do homem só se esclarece verdadeiramente no mistério do Verbo encarnado" (Gaudium et spes GS 22).

A presença de Cristo é um dom que devemos saber partilhar com todos. É esta a finalidade do esforço que a Comunidade diocesana está a realizar para a formação dos agentes pastorais, para que sejam capazes de responder aos desafios que a cultura moderna apresenta à fé cristã. A presença de numerosas e qualificadas instituições académicas em Roma e as numerosas iniciativas promovidas pelas paróquias fazem-nos olhar com confiança para o futuro do cristianismo desta cidade. O encontro com Cristo, vós sabei-lo, renova a existência pessoal e ajuda-nos a contribuir para a construção de uma sociedade justa e fraterna. Eis então que, enquanto crentes, se pode dar uma grande contribuição também para superar a actual emergência educativa. É então muito útil que cresça a sinergia entre as famílias, a escola e as paróquias para uma evangelização profunda e para uma corajosa promoção humana, capazes de comunicar ao maior número possível a riqueza que brota do encontro com Cristo. Por isso encorajo todas as componentes da nossa Diocese a prosseguir o caminho empreendido, realizando juntos o programa do ano pastoral em curso, que tem precisamente por finalidade "educar para a esperança na oração, na acção, no sofrimento".

Neste nosso tempo, marcado por incertezas e preocupações pelo futuro, é necessário experimentar a presença viva de Cristo. É Maria, Estrela da esperança, que nos conduz para Ele. É ela, com o seu amor materno, que pode guiar para Jesus especialmente os jovens, os quais levam no seu coração a pergunta insuprimível sobre o sentido da existência humana. Sei que vários grupos de pais, encontrando-se para aprofundar a sua vocação, procuram novos caminhos para ajudar os próprios filhos a responder aos grandes interrogativos existenciais. Exorto-os cordialmente, com toda a comunidade cristã, a testemunhar às novas gerações a alegria que brota do encontro com Jesus, o qual nascendo em Belém veio não para nos privar de algo, mas para nos doar tudo.

Na noite de Natal tive uma recordação especial pelas crianças, esta tarde ao contrário é sobretudo aos jovens que desejo dirigir a minha atenção. Queridos jovens, responsáveis pelo futuro desta nossa cidade, não tenhais medo da tarefa apostólica que o Senhor vos confia, não hesiteis em escolher um estilo de vida que não siga a mentalidade hedonista corrente. O Espírito Santo garante-vos a força necessária para testemunhar a alegria da fé e a beleza de ser cristãos. As crescentes necessidades da evangelização exigem numerosos trabalhadores para a vinha do Senhor: não hesiteis em responder-lhe imediatamente se Ele vos chamar. A sociedade precisa de cidadãos que não se preocupem só dos próprios interesses para que, como recordei no dia de Natal, "o mundo não caia em ruínas se cada um pensar só em si".

Queridos irmãos e irmãs, este ano conclui-se com a consciência de uma crescente crise social e económica, que já abrange o mundo inteiro; uma crise que pede a todos mais sobriedade e solidariedade para ajudar sobretudo as pessoas e as famílias em dificuldades mais graves. A comunidade cristã já se está a empenhar e sei que a Caritas diocesana e as outras organizações benéficas fazem o possível, mas é necessária a colaboração de todos, porque ninguém pode pensar que constrói sozinho a própria felicidade. Mesmo se no horizonte se vão adensando não poucas sombras sobre o nosso futuro, não devemos ter medo. A nossa grande esperança de crentes é a vida eterna na comunhão de Cristo e de toda a família de Deus. Esta grande esperança dá-nos a força para enfrentar e superar as dificuldades da vida neste mundo. A presença materna de Maria garante-nos esta tarde que Deus nunca nos abandona se nos confiarmos a Ele e seguirmos os seus ensinamentos. Portanto, com filial afecto e confiança apresentamos a Maria as expectativas e as esperanças, assim como os temores e as dificuldades que temos no coração, enquanto nos despedimos de 2008 e nos preparamos para acolher 2009. Ela, a Virgem Mãe, ofecere-nos o menino que jaz na manjedoura como nossa esperança certa. Cheios de confiança, poderemos então cantar como conclusão do Te Deum: "In te, Domine, speravi: non confundar in aeternum Tu, Senhor, és a nossa esperança, não estaremos confundidos eternamente!" Sim, Senhor, em Ti esperamos, hoje e sempre; Tu és a nossa esperança. Amém!





Quinta-feira, 1° de Janeiro de 2009: SANTA MISSA NA SOLENIDADE DE MARIA MÃE DE DEUS - XLII DIA MUNDIAL DA PAZ

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Basílica Vaticana



Venerados Irmãos
Senhores Embaixadores
Amados irmãos e irmãs!

No primeiro dia do ano, a divina Providência reúne-nos para uma celebração que todas as vezes nos comove pela riqueza e pela beleza das suas correspondências: o fim de ano civil encontra-se com o ápice da oitava de Natal, na qual se celebra a Divina Maternidade de Maria, e esta coincidência encontra uma síntese feliz no Dia Mundial da Paz. À luz do Natal de Cristo, apraz-me dirigir a cada um os meus melhores votos para o ano que acaba de iniciar. Dirijo-os, em particular, ao Cardeal Renato Raffaele Martino e aos seus colaboradores do Pontifício Conselho "Justiça e Paz", com especial reconhecimento pelo seu precioso serviço. Dirijo-os de igual modo ao Secretário de Estado, Cardeal Tarcisio Bertone, e a toda a Secretaria de Estado; assim como, com profunda cordialidade, aos Senhores Embaixadores presentes hoje em grande número. Os meus votos fazem eco aos votos que o próprio Senhor acabou de nos dirigir, na liturgia da Palavra. Uma Palavra que, a partir do acontecimento de Belém, reevocado na sua concretitude histórica pelo Evangelho de Lucas (
Lc 2,16-21), e relido em todo o seu alcance salvífico pelo apóstolo Paulo (Ga 4,4-7), se torna bênção para o povo de Deus e para toda a humanidade.

É assim cumprida a antiga tradição judaica da bênção (Nb 6,22-27): os sacerdotes de Israel abençoavam o povo "impondo sobre ele o nome" do Senhor. Com uma fórmula ternária presente na primeira leitura o santo Nome era invocado três vezes sobre os fiéis, como votos de graça e de paz. Esta tradição remota conduz-nos a uma realidade essencial: para poder caminhar pela vereda da paz, os homens e os povos precisam de ser iluminados pelo "rosto" de Deus e ser abençoados pelo seu "nome". Precisamente isto se concretizou de modo definitivo com a Encarnação: a vinda do Filho de Deus na nossa carne e na história trouxe uma bênção irrevogável, uma luz que nunca se apaga e que oferece aos crentes e aos homens de boa vontade a possibilidade de construir a civilização do amor e da paz.

Em relação a isto, o Concílio Vaticano II disse que "com a encarnação o Filho de Deus uniu-se de certo modo a cada homem" (Gaudium et spes GS 22). Esta união veio confirmar o desígnio originário de uma humanidade criada à "imagem e semelhança" de Deus. Na realidade, o Verbo encarnado é a única imagem perfeita e consubstancial do Deus invisível. Jesus Cristo é homem perfeito. "N'Ele observa ainda o Concílio a natureza humana foi assumida..., e por isso mesmo ela foi também em nós elevada a uma dignidade sublime" (ibid. GS 22). Eis por que a história terrena de Jesus, que teve o seu ápice no mistério pascal, é o início de um mundo novo, porque inaugurou realmente uma nova humanidade, capaz, sempre e só com a graça de Cristo, de realizar uma "revolução" pacífica. Uma revolução não ideológica mas espiritual, não utópica mas real, e por isso precisa de paciência infinita, de tempos por vezes muito longos, evitando qualquer atalho e percorrendo o caminho mais difícil: o caminho da maturação da responsabilidade nas consciências.

Queridos amigos, este é o caminho evangélico para a paz, o caminho que também o Bispo de Roma é chamado a repropor com constância todas as vezes que lança mão à anual Mensagem para o Dia Mundial da Paz. Percorrendo este caminho é preciso por vezes voltar sobre aspectos e problemáticas já enfrentadas, mas tão importantes que exigem sempre uma nova atenção. É o caso do tema que escolhi para a Mensagem deste ano: "Combater a pobreza, construir a paz". Um tema que se presta para uma dúplice ordem de considerações, que agora posso mencionar só brevemente. Por um lado a pobreza escolhida e proposta por Jesus, por outro, a pobreza a ser combatida para tornar o mundo mais justo e solidário.

O primeiro aspecto encontra o seu contexto ideal nestes dias, no tempo de Natal. O nascimento de Jesus em Belém revela-nos que escolheu a pobreza para si mesmo na sua vinda entre nós. A cena que os pastores foram os primeiros a ver, e que confirmou o anúncio do anjo, é a de uma estrebaria onde Maria e José tinham procurado refúgio, e de uma manjedoura na qual a Virgem tinha posto o Recém-Nascido envolvido em panos (cf. Lc 2,7 Lc 2,12 Lc 2,16). Deus escolheu esta pobreza. Quis nascer assim mas poderíamos acrescentar imediatamente: quis viver, e também morrer assim. Porquê? Explica isto com palavras populares Santo Afonso Maria de' Liguori, num cântico de Natal, que todos na Itália conhecem: "A Ti, que és do mundo o Criador, faltam panos e fogo, ó meu Senhor. Caro eleito pequenino, quanto esta pobreza me apaixona, porque te fez amor pobre". Eis a resposta: o amor por nós levou Jesus não só a fazer-se homem, mas a fazer-se pobre. Nesta mesma linha podemos citar a expressão de São Paulo na segunda Carta aos Coríntios: "Com efeito escreve ele conheceis a generosidade de Nosso Senhor Jesus Cristo, que por causa de vós se fez pobre, embora fosse rico, para vos enriquecer com a sua pobreza" (2Co 8,9). Testemunha exemplar desta pobreza escolhida por amor é São Francisco de Assis. O franciscanismo, na história da Igreja e da civilização cristã, constitui uma difundida corrente de pobreza evangélica, que tanto bem fez e continua a fazer à Igreja e à família humana. Voltando à maravilhosa síntese de São Paulo sobre Jesus, é significativo também para a nossa reflexão hodierna que tenha sido inspirada no Apóstolo precisamente quando exortava os cristãos de Corinto a serem generosos na colecta a favor dos pobres. Ele explica: "Não se trata de vos pordes em dificuldade para aliviar os outros, mas que haja igualdade" (2Co 8,13).

Este é um ponto decisivo, que nos faz passar ao segundo aspecto: há uma pobreza, uma indigência, que Deus não quer e que deve ser "combatida" como diz o tema do hodierno Dia Mundial da Paz; uma pobreza que impede que as pessoas e as famílias vivam segundo a sua dignidade; uma pobreza que ofende a justiça e a igualdade e que, como tal, ameaça a convivência pacífica. Neste sentido negativo inserem-se também as formas de pobreza não material que se encontram até nas sociedades ricas e progredidas: marginalização, miséria relacional, moral e espiritual (cf. Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 2009, 2). Na minha Mensagem quis mais uma vez, em continuidade com os meus Predecessores, considerar atentamente o complexo fenómeno da globalização, para avaliar as suas relações com a pobreza em larga escala. Perante chagas difundidas como as doenças pandémicas (ibid.,4), a pobreza das crianças (ibid., 5) e a crise alimentar (ibid., 7), infelizmente tive de novo que denunciar a inaceitável corrida ao incremento das armas. Por um lado, celebra-se a Declaração Universal dos Direitos do Homem, e por outro, aumentam-se as despesas militares, violando a própria Carta das Nações Unidas, que compromete a reduzi-las ao mínimo (cf. art. 26). Além disso, a globalização elimina certas barreiras, mas pode construir novas (Mensagem cit., 8), por isso é preciso que a comunidade internacional e cada um dos Estados estejam sempre vigilantes; é necessário que não abaixem a guarda em relação aos perigos de conflito, aliás, se comprometam a manter alto o nível da solidariedade. Neste sentido, a actual crise económica global deve ser vista também como banco de prova: estamos prontos para a ler, no seu conjunto, como desafio para o futuro e não só como uma emergência à qual dar respostas de curto alcance? Estamos dispostos a fazer juntos uma revisão profunda do modelo de desenvolvimento dominante, para o corrigir de modo harmonioso e clarividente? Na realidade exigem-nos ainda mais que as dificuldades financeiras imediatas, o estado de saúde ecológica do planeta e, sobretudo, a crise cultural e moral, cujos sintomas são evidentes há tempos em todas as partes do mundo.

Então é necessário procurar estabelecer um "círculo virtuoso" entre a pobreza "que se deve escolher" e a pobreza "que se deve combater". Abre-se aqui um caminho fecundo de frutos para o presente e para o futuro da humanidade, que se poderia resumir assim: para combater a pobreza iníqua, que oprime tantos homens e mulheres e ameaça a paz de todos, é necessário redescobrir a sobriedade e a solidariedade, como valores evangélicos e ao mesmo tempo universais. Mais em concreto, não se pode combater eficazmente a miséria, se não se faz o que escreveu São Paulo aos Coríntios, isto é, se não se procura "fazer igualdade", reduzindo o desnível entre quem desperdiça o supérfluo e quem não tem sequer o necessário. Isto obriga a opções de justiça e de sobriedade, opções aliás se tornam obrigatórias pela exigência de administrar sabiamente os recursos limitados da terra. Quando afirma que Jesus Cristo nos enriqueceu "com a sua pobreza", São Paulo oferece uma indicação importante não só sob o perfil teológico, mas também a nível sociológico. Não no sentido que a pobreza seja um valor em si, mas porque ela é condição para realizar a solidariedade. Quando Francisco de Assis se desfaz dos seus bens, faz uma opção de testemunho que lhe foi inspirado directamente por Deus, mas ao mesmo tempo mostra a todos o caminho da confiança na Providência. Assim, na Igreja, o voto de pobreza é o compromisso de alguns, mas recorda a todos a exigência do desapego dos bens materiais e a primazia das riquezas do espírito. Eis portanto a mensagem que hoje se deve recolher: a pobreza do nascimento de Cristo em Belém, além de ser objecto de adoração para os cristãos, é também escola de vida para cada homem. Ela ensina-nos que para combater a miséria, quer material quer espiritual, o caminho a percorrer é o da solidariedade, que levou Jesus a compartilhar a nossa condição humana.

Queridos irmãos e irmãs, penso que a Virgem Maria tenha feito várias vezes esta pergunta: por que Jesus quis nascer de uma jovem simples e humilde como eu? E depois, por que quis vir ao mundo numa estrebaria e receber como primeira visita a dos pastores de Belém? Maria recebeu plenamente a resposta no final, depois de ter colocado no sepulcro o corpo de Jesus, morto e envolvido em panos (cf. Lc 23,53). Então compreendeu inteiramente o mistério da pobreza de Deus. Compreendeu que Deus se tinha feito pobre por nós, para nos enriquecer com a sua pobreza cheia de amor, para nos exortar a travar a avidez insaciável que suscita lutas e divisões, para nos convidar a moderar a ansiedade de possuir e assim estar disponíveis para a partilha e para o acolhimento recíproco. A Maria, Mãe do Filho de Deus que se fez nosso irmão, dirigimos confiantes a nossa oração, para que nos ajude a seguir as suas pegadas, a combater e a vencer a pobreza, a construir a verdadeira paz, que é opus iustitiae. A ela confiamos o desejo profundo de viver em paz que sai do coração da grande maioria das populações israelita e palestiniana, mais uma vez postas em perigo pela maciça violência que rebentou na Faixa de Gaza como resposta a outra violência. Também a violência, o ódio e a desconfiança são formas de pobreza talvez as mais terríveis "que se devem combater". Que elas não prevaleçam! Neste sentido os Pastores daquelas Igrejas, nestes tristes dias, fizeram ouvir a sua voz. Juntamente com eles e com os seus caríssimos fiéis, sobretudo os da pequena mas fervorosa paróquia de Gaza, colocamos aos pés de Maria as nossas preocupações pelo presente e os receios pelo futuro, mas também a fundada esperança de que, com a contribuição sábia e clarividente de todos, não será impossível ouvir-se, ir uns ao encontro dos outros e dar respostas concretas à aspiração difundida por viver em paz, em segurança e em dignidade. Digamos a Maria: acompanha-nos, celeste Mãe do Redentor, durante todo o ano que hoje começa, e obtém-nos de Deus o dom da paz para a Terra Santa e para toda a humanidade. Santa Mãe de Deus, reza por nós. Amém.





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