Ecclesia in Asia PT 33

A dignidade da pessoa humana

33 Os primeiros agentes e destinatários do desenvolvimento são os seres humanos, não a riqueza nem a tecnologia. Por isso, o género de desenvolvimento que a Igreja promove, aponta para além das questões de economia e tecnologia. Principia e termina na integridade da pessoa humana criada à imagem de Deus e dotada da dignidade que Deus lhe deu e de direitos humanos inalienáveis. As várias declarações internacionais sobre os direitos humanos e tantas iniciativas, que os mesmos inspiraram, são sinal de uma crescente atenção mundial à dignidade da pessoa humana. Infelizmente, tais declarações acabam muitas vezes por ser violadas na prática. Cinquenta anos depois da proclamação solene da Declaração Universal dos Direitos Humanos, muitas pessoas estão ainda sujeitas às formas mais degradantes de exploração e manipulação, que as convertem em verdadeiros escravos dos mais poderosos, sejam eles uma ideologia, um poder económico, um sistema político opressivo, uma tecnocracia científica ou a invadência dos mass-media. 169

Os Padres Sinodais estavam bem cientes da contínua violação dos direitos humanos em muitas partes do mundo, e de modo particular na Ásia onde « largos milhões de pessoas são vítimas de discriminação, exploração, pobreza e marginalização ». 170 Eles manifestaram a necessidade de todo o povo de Deus na Ásia chegar a uma maior consciência do desafio inevitável e irrenunciável que é a defesa dos direitos humanos e a promoção da justiça e da paz.

(169) Cf. João Paulo II, Exort. ap. pós-sinodal Christifideles laici (30 de Dezembro de 1988),
CL 5:AAS 81 (1989), 400-402; Carta enc. Evangelium vitae (25 de Março de 1995), EV 18: AAS 87 (1995), 419-420.
(170) Propositio 22; cf. propositio 39.


Amor preferencial pelos pobres

34 Ao procurar promover a dignidade humana, a Igreja mostra um amor preferencial pelos pobres e marginalizados, porque o Senhor identificou-Se de forma especial com eles (cf. Mt Mt 25,40). Este amor não exclui ninguém; simplesmente individua uma prioridade de serviço, que goza do testemunho favorável de toda a tradição da Igreja. « Este amor preferencial pelos pobres, com as decisões que ele nos inspira, não pode deixar de abranger as imensas multidões de famintos, de mendigos, sem-tecto, sem assistência médica e, sobretudo, sem esperança de um futuro melhor; não se pode deixar de ter em conta a existência destas realidades. Ignorá-las seria tornar-nos como o "rico epulão", que fingia não conhecer o pobre Lázaro que jazia ao seu portão (cf. Lc Lc 16,19-31) ». 171 Isto é particularmente verdade quando se pensa na Ásia, um continente de abundantes recursos e grandes civilizações, mas onde se encontram algumas das nações mais pobres da terra, e onde mais de metade da população sofre privações, pobreza e exploração. 172 A melhor razão que os pobres da Ásia e do mundo encontrarão para esperar, será sempre o mandamento evangélico de nos amarmos uns aos outros como Cristo nos amou (cf. Jo Jn 13,34); e a Igreja da Ásia não pode deixar de cumprir seriamente, em palavras e obras, este mandamento para com os pobres.

A solidariedade com os pobres tornar-se-á mais crível, se os próprios cristãos viverem de forma simples, seguindo o exemplo de Jesus. Simplicidade de vida, fé profunda e sincero amor por todos, especialmente pelos pobres e marginalizados, são sinais luminosos do Evangelho em acção. Os Padres Sinodais pediram aos católicos asiáticos que adoptem um estilo de vida coerente com a doutrina do Evangelho, de maneira que possam cumprir melhor a sua missão eclesial, e a própria Igreja se torne uma Igreja dos pobres e para os pobres. 173

No seu amor pelos pobres da Ásia, a Igreja volta-se especialmente para os migrantes, as populações indígenas e tribais, as mulheres e as crianças, visto que frequentemente são vítimas das piores formas de exploração. Também um número incalculável de pessoas sofre discriminação por causa da sua cultura, cor, raça, casta, situação económica, ou modo de pensar. Entre eles, contam-se quantos são maltratados por causa da sua conversão ao cristianismo. 174 Uno-me ao apelo feito pelos Padres Sinodais a todas as nações para que reconheçam o direito à liberdade de consciência e de religião e os restantes direitos humanos básicos. 175

Actualmente a Ásia está experimentando um fluxo sem precedentes de refugiados, pessoas em busca de asilo, imigrantes e trabalhadores estrangeiros. Nos países de chegada, tais indivíduos sentem-se frequentemente desamparados, alienados culturalmente, linguisticamente impreparados, e vulneráveis economicamente. Precisam de apoio e cuidado para preservarem a própria dignidade humana e a sua herança cultural e religiosa. 176 Apesar dos seus recursos limitados, a Igreja da Ásia procura generosamente ser uma casa acolhedora para quantos se sentem cansados e oprimidos, sabendo que eles, no Coração de Jesus onde ninguém é estrangeiro, encontrarão repouso (cf. Mt Mt 11,28-29).

Em quase todos os países asiáticos, há populações aborígenes consideráveis, algumas delas ocupando o ínfimo grau económico. O Sínodo assinalou mais de uma vez que frequentemente as populações indígenas ou tribais se sentem atraídas pela pessoa de Jesus Cristo e pela Igreja enquanto comunidade de amor e serviço. 177 Aqui jaz um imenso campo de acção, tanto no sector da educação e da assistência sanitária como no âmbito da promoção e participação social. A Comunidade católica precisa de intensificar a acção pastoral no meio deles, prestando atenção aos seus interesses e às questões de justiça que afectam a sua vida. Isto supõe uma atitude de profundo respeito pela sua religião tradicional e seus valores; e inclui também a necessidade de ajudá-los a ajudarem-se a si próprios, de maneira que possam eles mesmos trabalhar para melhorar a sua situação e tornar-se evangelizadores da sua própria cultura e sociedade. 178

Ninguém pode ficar indiferente ao sofrimento de tantas crianças na Ásia, que caiem vítimas de exploração e violência intoleráveis, não só devido a crimes praticados por indivíduos, mas muitas vezes como consequência directa de estruturas sociais perversas. Os Padres Sinodais identificaram o trabalho infantil, a pedofilia e o fenómeno da droga como males sociais que mais directamente afectam as crianças, deixando claro que são acompanhados por outros males, como a pobreza, males esses concebidos como programas de desenvolvimento nacional. 179 A Igreja deve fazer tudo o que puder para vencer estes males, agir em favor dos explorados, e procurar conduzir os pequeninos ao amor de Jesus, porque deles é o Reino de Deus (cf. Lc Lc 18,16). 180

O Sínodo exprimiu particular preocupação pelas mulheres, cuja situação permanece um sério problema na Ásia, onde a discriminação e a violência contra elas estão frequentemente instaladas em casa, no lugar de trabalho e mesmo no sistema legal. O analfabetismo é muito mais generalizado entre as mulheres, e muitas são tratadas como simples mercadoria usada na prostituição, turismo e agências de divertimento. 181 No seu combate contra todas as formas de injustiça e discriminação, as mulheres devem achar uma aliada na Comunidade cristã e, por esta razão, o Sínodo propôs que as Igrejas locais da Ásia promovam, onde for possível, os direitos humanos com iniciativas a favor da mulher. O objectivo deve ser provocar uma mudança de atitude, através da própria compreensão do papel do homem e da mulher na família, na sociedade e na Igreja, por meio de uma maior consciência da original complementaridade entre o homem e a mulher, e mediante uma maior valorização da dimensão feminina em todas as realidades humanas. A contribuição da mulher tem sido muitas vezes depreciada ou ignorada, do que resultou um empobrecimento espiritual da humanidade. A Igreja da Ásia quer defender, mais visível e eficazmente, a dignidade e liberdade da mulher, valorizando o seu papel na vida da Igreja, inclusive na sua vida intelectual, e criando também maiores oportunidades para elas estarem presentes e activas na missão de amor e serviço da Igreja.182

(171) João Paulo II, Carta enc. Sollicitudo rei socialis (30 de Dezembro de 1987), SRS 42: AAS 80 (1988), 573; cf. Congr. da Doutrina da Fé, Instr. sobre a liberdade cristã e a libertação Libertatis conscientia (22 de Março de 1986), 68: AAS 79 (1987), 583.
(172) Cf. propositio 44.
(173) Cf. ibid., 44.
(174) Cf. propositio 39.
(175) Cf. propositio 22.
(176) Cf. propositio 36.
(177) Cf. propositio 38.
(178) Cf. ibid., 38.
(179) Cf. propositio 33.
(180) Cf. ibid., 33.
(181) Cf. propositio 35.
(182) Cf. ibid., 35.


O Evangelho da vida

35 A luta em prol do desenvolvimento humano começa pelo serviço a favor da própria vida. A vida é o grande dom que Deus nos confiou: Ele confiou-no-la como um projecto e uma responsabilidade. Por isso, nós somos os guardiães da vida, não seus proprietários. Recebemos o dom livremente e, em atitude de gratidão, não devemos jamais cessar de o respeitar e defender, desde o seu início até ao termo natural. Desde o momento da concepção, a vida humana supõe a acção criadora de Deus e permanece para sempre numa especial ligação com o Criador, que é a fonte da vida e o seu único fim. Não há verdadeiro progresso, nem sociedade civil autêntica, nem real promoção humana, sem o respeito pela vida humana, especialmente pela vida daqueles que não têm voz para se defenderem a si próprios. A vida de cada pessoa, quer a de uma criança no ventre de sua mãe, quer a de alguém que está doente, é deficiente ou idoso, é um dom para todos.

Os Padres Sinodais reafirmaram, com cordial adesão, a doutrina acerca da sacralidade da vida humana, ensinada pelo Concílio Vaticano II e pelo Magistério posterior, nomeadamente a EncíclicaEvangelium vitae. Uno-me aqui ao apelo que dirigiram aos fiéis dos seus países — onde frequentemente a questão demográfica é usada como argumento para a necessidade de introduzir o aborto e programas de controle artificial da população —, para que se oponham à « cultura de morte ». 183 Eles podem mostrar a sua fidelidade a Deus e o seu compromisso com a verdadeira promoção humana, apoiando e participando em programas que defendam a vida dos que são impotentes para se defenderem a si próprios.

(183) Propositio 32.


Serviço de saúde

36 Seguindo os passos de Jesus Cristo, que teve compaixão de todos e curou « todas as enfermidades e moléstias » (Mt 9,35), a Igreja da Ásia está decidida a empenhar-se cada vez mais no cuidado dos doentes, visto que este é parte vital da missão que ela tem para oferecer a graça salvífica de Cristo a todas as pessoas. Como o bom samaritano da parábola (cf. Lc 10,29-37), a Igreja deseja cuidar dos doentes e deficientes de modo concreto, 184 sobretudo nos lugares onde as pessoas estão privadas da assistência médica elementar por causa da pobreza e marginalização.

Em numerosas ocasiões durante as minhas visitas à Igreja nas várias partes do mundo, fiquei profundamente impressionado pelo extraordinário testemunho cristão dado por religiosos e pessoas consagradas, médicos, enfermeiros e outro pessoal do serviço de saúde, especialmente aqueles que trabalham com os deficientes, no âmbito dos cuidados terminais, ou lutam contra a difusão de novas doenças como a SIDA. De forma sempre crescente, o pessoal que trabalha no serviço cristão de saúde é chamado a ser generoso e altruísta para olhar pelas vítimas da dependência da droga e da SIDA, que muitas vezes são desprezadas e abandonadas pela sociedade. 185 Há muitas instituições médicas católicas na Ásia, que estão a enfrentar pressões de políticas do serviço público de saúde não baseadas em princípios cristãos, e muitas delas são sobrecarregadas por exigências financeiras sempre maiores. Apesar destes problemas, o altruísmo exemplar e o devotado profissionalismo do pessoal aí empenhado permite proporcionar um admirável e valioso serviço à comunidade e um sinal, particularmente visível e eficaz, do amor inexaurível de Deus. O pessoal do serviço de saúde deve ser estimulado e apoiado no bem que fazem. O seu empenhamento e eficácia permanente são o meio melhor para assegurar a penetração profunda dos valores e princípios cristãos nos sistemas de serviço de saúde neste Continente, transformando-os a partir de dentro. 186

(184) Cf. João Paulo II, Carta ap. Salvifici doloris (11 de Fevereiro de 1984), 28-29: AAS 76 (1984), 242-244.
(185) Cf. propositio 20.
(186) Cf. ibid., 20.


Educação

37 Por toda a Ásia, o envolvimento da Igreja na educação é amplo e bem visível, sendo, portanto, um elemento-chave da sua presença no meio dos povos do continente. Em muitos países, as escolas católicas jogam um papel importante na evangelização, inculturando a fé, ensinando hábitos de sinceridade e respeito, e fomentando o entendimento interreligioso. Muitas vezes as escolas da Igreja oferecem as únicas oportunidades educativas para as meninas, as minorias tribais, os pobres do campo e as crianças menos privilegiadas. Os Padres Sinodais estavam persuadidos da necessidade de ampliar e desenvolver o apostolado da educação na Ásia, com uma atenção particular aos mais desfavorecidos, para que todos sejam ajudados a ocupar o seu justo lugar como cidadãos de pleno direito na sociedade. 187 Como observaram os Padres Sinodais, isto significa que o sistema de educação católica deve orientar-se ainda mais nitidamente para a promoção humana, proporcionando um ambiente onde os estudantes recebam não só os elementos formais de escolaridade mas, mais amplamente, uma formação humana integral baseada nos ensinamentos de Cristo. 188 As escolas católicas hão-de continuar a ser lugares onde a fé possa ser livremente proposta e recebida. De igual modo, as universidades católicas, para além de manterem a excelência académica por que são já bem conhecidas, devem conservar uma clara identidade cristã para serem o fermento cristão na sociedade asiática. 189

(187) Cf. propositio 21.
(188) Cf. ibid., 21.
(189) Cf. ibid., 21.


Construção da paz

38 No final do século vinte, o mundo encontra-se ainda ameaçado por forças que geram conflitos e guerras, e a Ásia não está por certo isenta delas. Entre estas forças, contam-se a intolerância e a marginalização de qualquer espécie que seja — social, cultural, política e mesmo religiosa. Dia a dia, novas violências são infligidas a indivíduos e nações inteiras, estando esta cultura de morte ligada com o recurso injustificado à violência como meio para resolver as tensões. Frente à situação de terríveis conflitos em tantas partes do mundo, a Igreja é chamada a empenhar-se profundamente nos esforços internacionais e interreligiosos para se alcançar a paz, a justiça e a reconciliação. Ela continua a insistir na resolução negociada e pacífica dos conflitos, e aguarda o dia em que as nações deixarão de lado a guerra como instrumento para fazer reivindicações ou meio para resolver divergências. A Igreja está convencida de que a guerra cria mais problemas do que resolve, que o diálogo é o único caminho justo e nobre para se chegar a acordo e à reconciliação, e que a arte paciente e sábia de fazer a paz é particularmente abençoada por Deus.

Particularmente inquietante na Ásia, é a corrida contínua à aquisição de armas de destruição de massa, uma despesa imoral e devastante em orçamentos nacionais que, nalguns casos, ainda não consegue satisfazer as necessidades básicas da população. Os Padres Sinodais falaram também do número imenso de minas semeadas em terra asiática, que mutilaram ou mataram centenas de milhares de pessoas inocentes, e ao mesmo tempo roubaram terra fértil que poderia, caso contrário, ser usada para a produção de alimentos. 190 É responsabilidade de todos, especialmente dos governantes das nações, trabalhar mais decididamente em prol do desarmamento. O Sínodo pediu a interrupção do fabrico, venda e uso de armas nucleares, químicas e biológicas, e exigiu que os responsáveis pela colocação das minas prestem agora assistência no trabalho de bonificação dos terrenos. 191 E, acima de tudo, os Padres Sinodais pediram a Deus, o único a conhecer as profundezas de cada consciência humana, que infunda sentimentos de paz no coração de quantos se sentem tentados a seguir o caminho da violência, para que se realize a visão bíblica: « Das suas espadas, [os povos] forjarão relhas de arados, e das suas lanças, foices. Uma nação não levantará a espada contra outra nação, e não se adestrarão mais para a guerra » (
Is 2,4).

O Sínodo ouviu muitos testemunhos relativos aos sofrimentos do povo do Iraque, assegurando que muitos iraquenos, sobretudo crianças, morreram devido à falta de remédios e de outros artigos básicos, por causa da continuação do embargo. Com os Padres Sinodais, exprimo uma vez mais a minha solidariedade ao povo do Iraque, e estou particularmente unido na oração e na esperança com os filhos e filhas da Igreja naquele país. O Sínodo pediu a Deus para que iluminasse as mentes e corações de quantos têm a responsabilidade de encontrar uma justa solução para a crise, a fim de que, a um povo já duramente provado, sejam poupados ulteriores sofrimentos e penas. 192

(190) Cf. propositio 23.
(191) Cf. ibid., 23.
(192) Cf. propositio 55.


Globalização

39 Ao considerarem a questão da promoção humana na Ásia, os Padres Sinodais reconheceram a importância do processo de globalização económica. Ao mesmo tempo que reconheciam vários dos seus efeitos positivos, sublinharam que tem contribuído também para prejudicar os pobres, 193tendendo a impelir os países mais pobres para a periferia das relações económicas e políticas internacionais. Muitas nações asiáticas não estão preparadas para se integrarem numa economia global de mercado. E existe também o outro aspecto, de certo modo mais significativo, que é a globalização cultural, que os actuais meios de comunicação social tornaram possível e que está arrastando rapidamente as sociedades asiáticas para uma cultura global consumista, que é simultaneamente secularista e materialista. O resultado é a corrosão da família tradicional e dos valores sociais que serviram até agora de suporte a pessoas e sociedades. Tudo isto põe em evidência que os aspectos éticos e morais da globalização precisam de ser guiados mais directamente pelos dirigentes das nações e pelas organizações interessadas na promoção humana.

A Igreja insiste na necessidade de « uma globalização sem marginalização ». 194 Com os Padres Sinodais, convido as Igrejas particulares de toda a parte, e especialmente as dos países ocidentais, a trabalharem para assegurar que a doutrina social da Igreja tenha o devido impacto sobre a formulação de normas éticas e jurídicas que regulem o livre mercado mundial e os meios de comunicação social. Os dirigentes e profissionais católicos pressionem os Governos e as instituições de finanças e de comércio, para que reconheçam e respeitem tais normas. 195

(193) Cf. propositio 49.
(194) João Paulo II, Mensagem para o Dia Mundial da Paz (1 de Janeiro de 1998), 3: AAS 90 (1998), 50.
(195) Cf. propositio 49.


Dívida externa

40 Além disso a Igreja, na sua luta pela justiça num mundo marcado por desigualdades sócio-económicas, não pode ignorar o pesado fardo da dívida contraída por muitas nações asiáticas em vias de desenvolvimento, com o consequente impacto sobre o seu presente e futuro. Em muitos casos, estes países são forçados a cortar as despesas para necessidades vitais, como alimentação, saúde, habitação e educação, para satisfazerem as suas dívidas a agências financeiras internacionais e bancos. Isto significa que muitas pessoas estão condenadas a condições de vida que são uma afronta à dignidade humana. Embora ciente da complexidade técnica desta matéria, o Sínodo declarou que a sua resolução põe à prova a capacidade de indivíduos, sociedades e Governos avaliarem a pessoa e as vidas de milhões de seres humanos acima das considerações de vantagens financeiras e materiais.196

A aproximação do Grande Jubileu do Ano 2000 é um tempo oportuno para as Conferências Episcopais de todo o mundo, especialmente as das nações mais ricas, incitarem as agências financeiras internacionais e os bancos a individuarem meios que melhorem esta situação da dívida internacional. Entre os mais óbvios deles, aparecem a renegociação da dívida, com uma substancial redução ou puro e simples cancelamento, e também contratos de empreendimentos e investimentos para assistir as economias dos países mais pobres. 197 Ao mesmo tempo, os Padres Sinodais dirigiram-se também aos países devedores, salientando a necessidade de se desenvolver um sentido de responsabilidade nacional, lembrando-lhes a importância de planear uma economia sólida e de uma acção transparente e honesta de governo, e convidando-os a empenharem-se numa decidida campanha contra a corrupção. 198 Eles apelaram aos cristãos da Ásia para condenarem todas as formas de corrupção e apropriação indevida de fundos públicos por aqueles que detêm o poder político. 199 Os cidadãos dos países endividados foram muitas vezes vítimas de desperdício e ineficácia na própria pátria, antes de caírem vítimas da dívida internacional.

(196) Cf. propositio 48.
(197) Cf. ibid., 48; João Paulo II, Carta ap. Tertio millennio adveniente (10 de Novembro de 1994),
TMA 51: AAS 87 (1995), 36.
(198) Cf. propositio 48.
(199) Cf. propositio 22; João Paulo II, Carta enc. Sollicitudo rei socialis (30 de Dezembro de 1987), SRS 44: AAS 80 (1988), 576-577.


O meio ambiente

41 Quando o interesse pelo progresso económico e tecnológico não é acompanhado de igual atenção pelo equilíbrio do ecossistema, a nossa terra fica inevitavelmente sujeita a sérios danos ecológicos, com consequente dano para o bem-estar dos homens. A falta flagrante de respeito pelo ambiente natural persistirá enquanto a terra e suas potencialidades forem vistas meramente como objecto de uso e consumo imediato, algo a ser manipulado pelo insaciável desejo de lucro. 200 É obrigação dos cristãos e de quantos olham para Deus como Criador proteger o meio ambiente, recuperando o sentido de veneração por todas as criaturas de Deus. É vontade do Criador que o homem se ocupe da natureza, não como um bárbaro explorador, mas como administrador inteligente e responsável. 201 Os Padres Sinodais advogaram de maneira especial uma maior responsabilidade por parte dos governantes das nações, legisladores, empresários e todos os que estão directamente envolvidos na administração dos recursos da terra. 202 Eles sublinharam a necessidade de educar as pessoas, especialmente os jovens, para a responsabilidade ambiental, instruindo-as no cargo de administradores que Deus confiou à humanidade sobre a criação. A protecção do meio ambiente não é só uma questão técnica, mas também e sobretudo uma questão ética.Todos têm obrigação moral de olhar pelo meio ambiente, não apenas para vantagem própria, mas também em proveito das gerações futuras.

Ao concluir estas reflexões, vale a pena recordar que os Padres Sinodais, ao chamarem os cristãos para se comprometerem e sacrificarem ao serviço do desenvolvimento humano, fizeram-no movidos por algumas das intuições mais profundas da tradição bíblica e eclesiástica. O antigo Israel insistiu apaixonadamente sobre o vínculo inquebrantável entre o culto de Deus e o cuidado pelo débil, que a Sagrada Escritura, tipicamente, exemplifica como « a viúva, o estrangeiro e o órfão » (cf.
Ex 22,21-22 Dt 10,18 Dt 27,19), que eram, na sociedade de então, os mais vulneráveis à ameaça de injustiça. Mais tarde, no tempo dos Profetas, ouvimos o grito pela justiça, pela recta ordenação da sociedade humana, sem o que não pode haver verdadeiro culto de Deus (cf. Is 1,10-17 Am 5,21-24). Assim no apelo dos Padres Sinodais, ouvimos um eco dos Profetas, que foram cheios do Espírito do Senhor que deseja « misericórdia e não sacrifícios » (Os 6,6). Jesus fez suas estas palavras (cf. Mt 9,13), e o mesmo se diga dos Santos em todo o tempo e lugar. Considera estas palavras de S. João Crisóstomo: « Queres honrar o Corpo de Cristo? Não permitas que seja desprezado nos seus membros, isto é, nos pobres que não têm que vestir, nem O honres aqui no templo com vestes de seda, enquanto lá fora O abandonas ao frio e à nudez. Aquele que disse: "Isto é o meu Corpo", confirmando o facto com a sua palavra, também afirmou: "Vistes-Me com fome e não Me destes de comer" (...). De que serviria, afinal, adornar a mesa de Cristo com vasos de ouro, se Ele morre de fome na pessoa dos pobres? Primeiro dá de comer a quem tem fome, e depois ornamenta a sua mesa com o que sobra ». 203 No apelo do Sínodo a favor do desenvolvimento humano e da justiça nas questões humanas, ouve-se ressoar uma voz que é, simultaneamente, antiga e nova. É antiga, porque surge das profundezas da nossa Tradição cristã, que aponta para aquela harmonia profunda querida pelo Criador; é nova, porque toca a situação imediata de tantos povos da Ásia actual.

(200) Cf. João Paulo II, Carta enc. Redemptor hominis (4 de Março de 1979), RH 15: AAS 71 (1979), 287.
(201) Cf. ibid., RH 15: o. c., 287.
(202) Cf. propositio 47.
(203) Homilias sobre o Evangelho de S. Mateus, 50, 3-4: PG 58, 508-509.


CAPÍTULO VII

TESTEMUNHAS DO EVANGELHO


Uma Igreja que testemunha

42 O Concílio Vaticano II ensinou claramente que toda a Igreja é missionária, e que o trabalho de evangelização é dever de todo o Povo de Deus. 204 Uma vez que o Povo de Deus como um todo é instado a pregar o Evangelho, a evangelização nunca é um acto individual e isolado; é sempre uma tarefa eclesial que necessita de ser levada a cabo em comunhão com toda a comunidade de fé. A missão é una e indivisa, coincidindo a sua origem e o seu termo final; mas, no seu âmbito, existem responsabilidades diversas e vários tipos de actividade. 205 De qualquer modo, é claro que não pode haver verdadeiro anúncio do Evangelho, a não ser que os cristãos ofereçam também o testemunho de uma vida de acordo com a mensagem que pregam: « A primeira forma de testemunho é a própria vida do missionário, da família cristã e da comunidade eclesial, que torna visível um novo modo de se comportar. (...) Mas todos na Igreja, esforçando-se por imitar o divino Mestre, podem e devem dar o mesmo testemunho, que é, em muitos casos, o único modo possível de ser missionário ». 206 Hoje de modo especial, há necessidade de um genuíno testemunho cristão, porque « o homem contemporâneo acredita mais nas testemunhas do que nos mestres, mais na experiência do que na doutrina, mais na vida e nos factos do que nas teorias ». 207 Isto é certamente verdade no contexto asiático, onde as pessoas se deixam persuadir mais pela santidade de vida do que por argumentos intelectuais. Assim, a experiência de fé e dos dons do Espírito Santo torna-se a base de todo o trabalho missionário, tanto nas cidades como nas aldeias, nas escolas ou nos hospitais, em contacto com os deficientes, os migrantes ou os povos indígenas, ou na luta pela justiça e pelos direitos humanos. Cada situação oferece ocasião para os cristãos tornarem patente a força que a verdade de Cristo dá à sua vida. Por isso, inspirada por muitos missionários que no passado deram heróico testemunho do amor de Deus entre os povos do Continente, a Igreja na Ásia esforça-se agora por testemunhar, com zelo não inferior, Jesus Cristo e o seu Evangelho. A missão cristã o exige!

Conscientes do carácter essencialmente missionário da Igreja e esperançados numa nova efusão do dinamismo do Espírito Santo aquando da entrada da Igreja no novo milénio, os Padres Sinodais pediram-me que esta Exortação Apostólica Pós-Sinodal oferecesse algumas directrizes e critérios para aqueles que labutam no vasto campo da evangelização na Ásia.

(204) Cf. Decr. sobre a actividade missionária da Igreja Ad gentes,
AGD 2 AGD 35.
(205) Cf. João Paulo II, Carta enc. Redemptoris missio (7 de Dezembro de 1990), RMi 31: AAS 83 (1991), 277.
(206) Ibid., RMi 42: o. c., 289.
(207) Ibid., RMi 42: o. c., 289.


Pastores

43 O Espírito Santo é que torna a Igreja capaz de cumprir a missão que lhe foi confiada por Cristo. Antes de enviar os discípulos como suas testemunhas, Jesus deu-lhes o Espírito Santo (cf. Jo Jn 20,22), que operava através deles e tocava o coração dos que os ouviam (cf. Act Ac 2,37). O mesmo se pode dizer daqueles que Jesus envia hoje. Num certo nível, todos os baptizados, pela graça do sacramento do Baptismo, ficam incumbidos de tomar parte na missão salvadora de Cristo, sendo habilitados para isso mesmo pelo amor de Deus que foi derramado nos seus corações pelo Espírito Santo que lhes foi concedido (cf. Rom Rm 5,5). A outro nível, porém, esta missão comum é realizada através de uma variedade de funções e carismas específicos na Igreja. A responsabilidade principal pela missão da Igreja foi confiada por Cristo aos Apóstolos e seus sucessores. Em virtude da Ordenação Episcopal e da comunhão hierárquica com a Cabeça do Colégio Episcopal, os Bispos recebem o mandato e a autoridade para ensinar, governar e santificar o Povo de Deus. Por vontade do próprio Cristo, dentro do Colégio dos Bispos, o Sucessor de Pedro — a rocha sobre a qual a Igreja está construída (cf. Mt Mt 16,18) — exerce um ministério especial de unidade. Por isso, os Bispos hão-de cumprir o seu ministério em união com o Sucessor de Pedro, garante da verdade dos seus ensinamentos e da sua plena comunhão na Igreja.

Associados aos Bispos no trabalho de proclamar o Evangelho, os presbíteros são chamados pela Ordenação a serem pastores do rebanho, pregadores da Boa Nova da salvação e ministros dos sacramentos. Para servirem a Igreja como Cristo quer, os Bispos e os presbíteros necessitam de uma formação sólida e contínua, que lhes proporcione ocasiões para uma renovação humana, espiritual e pastoral, tais como cursos de teologia, de espiritualidade e de ciências humanas. 208 Os povos da Ásia precisam de ver os clérigos, não simplesmente como obreiros da caridade e administradores institucionalizados, mas como homens cuja mente e coração se encontram fixos nas coisas profundas do Espírito (cf. Rm 8,5). O respeito que os povos asiáticos têm por quantos estão constituídos em autoridade, há-de ser correspondido por uma clara rectidão moral por parte daqueles que possuem responsabilidades ministeriais na Igreja. Pela sua vida de oração, zeloso serviço e estilo de vida exemplar, os clérigos testemunham vigorosamente o Evangelho nas comunidades que pastoreiam em nome de Cristo. Peço encarecidamente que os Ministros Ordenados das Igrejas na Ásia vivam e trabalhem em espírito de comunhão e colaboração com os Bispos e todos os fiéis, dando testemunho do amor que Jesus afirmou ser o verdadeiro sinal dos seus discípulos (cf. Jn 13,35).

De modo especial, desejo sublinhar a preocupação do Sínodo quanto à preparação dos que dirigem e ensinam nos Seminários e nas Faculdades de Teologia. 209 Depois de uma completa preparação nas ciências sagradas e matérias relacionadas, deveriam receber uma formação específica que focasse a espiritualidade sacerdotal, a arte da direcção espiritual e outros aspectos da difícil e delicada tarefa que os espera na educação dos futuros sacerdotes. Trata-se de um apostolado de forma nenhuma secundário para o bem-estar e a vitalidade da Igreja.

(208) Cf. propositio 25.
(209) Cf. ibid., 25.


A vida consagrada e as Sociedades Missionárias

44 Na Exortação Apostólica Pós-Sinodal Vita consecrata, pus em destaque a conexão íntima entre vida consagrada e missão. No seu tríplice aspecto de confessio Trinitatis, signum fraternitatis eservitium caritatis, a vida consagrada evidencia o amor de Deus no mundo, pelo testemunho específico da missão salvadora que Jesus cumpriu com a sua consagração total ao Pai. Ao reconhecer que toda a acção na Igreja se apoia na oração e na comunhão com Deus, a Igreja na Ásia vê com profundo respeito e apreço as comunidades religiosas contemplativas como fonte especial de força e inspiração. Na linha das recomendações do Padres Sinodais, desejo encorajar fortemente a constituição, onde for possível, de comunidades monásticas e contemplativas. Deste modo, como nos lembra o Concílio Vaticano II, a obra de edificação da cidade terrena terá o seu fundamento no Senhor e para Ele se orientará; caso contrário, os construtores trabalhariam em vão.210

A busca de Deus, a vida de comunhão e o serviço aos outros são as três características principais da vida consagrada, que pode oferecer um testemunho cristão atraente aos povos da Ásia actual. A Assembleia Especial para a Ásia incitou as pessoas de vida consagrada a serem testemunhas da vocação universal à santidade, tornando-se, tanto para os cristãos como para os não cristãos, um exemplo inspirador de doação amorosa a todos, de modo especial aos mais pequenos dos seus irmãos e irmãs. Num mundo onde frequentemente fica ofuscado o sentido da presença de Deus, as pessoas consagradas hão-de dar um testemunho profético convicto da primazia de Deus e da vida eterna. Vivendo em comunidade, dão testemunho dos valores da fraternidade cristã e da força transformadora da Boa Nova. 211 Todos os que abraçaram a vida consagrada são chamados a tornar-se guias na busca de Deus, busca essa que sempre atormentou o coração humano e que é particularmente visível em muitas formas de espiritualidade e de ascetismo da Ásia. 212 De facto, em muitas tradições religiosas da Ásia, os homens e mulheres votados à vida contemplativa e ascética gozam de grande respeito e o seu testemunho tem uma força persuasiva especial; a sua existência, vivida em comunidade e irradiando um testemunho pacífico e silencioso, pode inspirar as pessoas a trabalharem por uma maior harmonia na sociedade. O mesmo se espera dos homens e mulheres consagrados na tradição cristã. O seu exemplo silencioso de pobreza e abnegação, de pureza e sinceridade, de imolação na obediência pode tornar-se um testemunho eloquente capaz de tocar as pessoas de boa vontade e conduzir a um diálogo frutuoso com as culturas e religiões circundantes, e com os pobres e indefesos. Isto faz da vida consagrada um meio privilegiado para uma evangelização eficaz. 213

Os Padres Sinodais reconheceram o papel vital que as Ordens e Congregações religiosas, e os Institutos Missionários e as Sociedades de Vida Apostólica desempenharam, ao longo dos séculos passados, na evangelização da Ásia. Por esta estupenda contribuição, o Sínodo manifestou-lhes a gratidão da Igreja, incitando-os a não desfalecerem no seu empenho missionário. 214 Uno-me aos Padres Sinodais neste convite feito aos consagrados para revigorarem o seu zelo de proclamar a verdade salvadora de Cristo. Todos hão-de ter uma adequada formação e preparação, que deverá estar centrada em Cristo e ser fiel ao seu carisma fundacional, com particular destaque para a santidade e testemunho pessoal; a sua espiritualidade e estilo de vida deveriam ser sensíveis à herança religiosa das pessoas com quem vivem e a quem servem. 215 Quanto ao seu carisma específico, deveriam integrar-se no plano pastoral da diocese onde trabalham. Por sua vez, as Igrejas locais devem estimular a consciência do ideal de vida religiosa e consagrada, promovendo tais vocações. Isto exige que cada diocese prepare um programa pastoral para as vocações, destinando até alguns padres e religiosos para trabalharem a tempo inteiro com a juventude, a fim de ajudar os jovens a escutar e discernir o chamamento de Deus. 216

No âmbito da comunhão da Igreja universal, não posso deixar de apelar à Igreja da Ásia para enviar alhures missionários, apesar de ela mesma necessitar de operários na sua vinha. Alegra-me constatar que têm sido recentemente fundados, em vários países asiáticos, Institutos missionários de Vida Apostólica, como expressão do carácter missionário da Igreja e da responsabilidade que têm as Igrejas particulares da Ásia de pregar o Evangelho por todo o mundo. 217 Os Padres Sinodais recomendaram « a constituição dentro de cada Igreja local da Ásia, se tal ainda não existir, de Sociedades Missionárias de Vida Apostólica, caracterizadas pelo seu compromisso especial para com a missão ad gentes, ad exteros e ad vitam ». 218 Certamente uma tal iniciativa dará abundantes frutos, não só nas Igrejas que recebem missionários, mas também naquelas que os enviam.

(210) Cf. Const. dogm. sobre a Igreja Lumen gentium,
LG 46.
(211) Cf. propositio 27.
(212) Cf. João Paulo II, Exort. ap. pós-sinodal Vita consecrata (25 de Março de 1996), VC 103: AAS88 (1996), 479.
(213) Cf. Paulo VI, Exort. ap. Evangelii nuntiandi (8 de Dezembro de 1975), EN 69: AAS 68 (1976), 59.
(214) Cf. propositio 27.
(215) Cf. ibid., 27.
(216) Cf. ibid., 27.
(217) Cf. propositio 28.
(218) Ibid., 28.



Ecclesia in Asia PT 33