Discursos João Paulo II 2002

DISCURSO DO SANTO PADRE JOÃO PAULO II


AOS PARTICIPANTES NA


ASSEMBLEIA PLENÁRIA DO


PONTIFíCIO CONSELHO PARA A CULTURA


16 de Março de 2002

Senhores Cardeais
Estimados Irmãos no Episcopado
Queridos amigos

1. Sinto-me feliz por vos receber, no final da Assembleia plenária do vosso Conselho, durante o qual desejastes partir de novo da Carta Novo millennio ineunte a fim de dar o vosso contributo à missão da Igreja no terceiro milénio (cf. n. 40). O vosso encontro coincide com o vigésimo aniversário da instituição do Pontifício Conselho para a Cultura. Ao dar graças pelo trabalho realizado pelos membros e colaboradores do Pontifício Conselho durante os vinte anos passados, dirijo as minhas saudações ao Senhor Cardeal Paul Poupard, agradecendo-lhe as suas amáveis palavras que interpretam os sentimentos de todos.

Exprimo a todos vós o meu reconhecimento pela vossa generosa colaboração ao serviço da missão universal do Sucessor de Pedro, e encorajo-vos a prosseguir com um zelo renovado, as vossas relações com as culturas, a fim de criar pontes entre os homens, testemunhar Cristo e dispor os nossos irmãos para o Evangelho (cf. Constituição apostólica Pastor bonus, art. 166-168); de facto, isto realiza-se mediante um diálogo franco com todas as pessoas de boa vontade, diversas devido à sua pertença e tradições, marcadas pela sua religião ou não-crença, mas todas unidas pela mesma humanidade e chamadas a partilhar a vida de Cristo, Redentor do homem.

2. A criação do Pontifício Conselho para a Cultura, com a finalidade de "conferir a toda a Igreja um estímulo comum no encontro incessantemente renovado da mensagem do Evangelho com a pluralidade das culturas, na diversidade dos povos aos quais deve levar os seus frutos de graça" (Carta do Cardeal Casaroli para a instituição do Pontifício Conselho para a Cultura, 20 de Maio de 1982), está em sintonia com as orientações e as decisões do Concílio Ecuménico Vaticano II.

De facto, os Padres realçaram com vigor o lugar central da cultura na vida dos homens e a sua importância para a penetração dos valores evangélicos, assim como para a difusão da mensagem bíblica nos costumes, nas ciências e nas artes. Sempre neste mesmo espírito, a união do Pontifício Conselho para o Diálogo com os não-crentes e do Pontifício Conselho para a Cultura num só Conselho, a 25 de Março de 1993, tinha como objectivo promover "o estudo do problema dos não-crentes e da indiferença religiosa presentes de diferentes formas nos diversos âmbitos culturais [...], com a finalidade de fornecer uma ajuda adequada à Igreja para a evangelização das culturas e da inculturação do Evangelho" (Motu proprio Inde a Pontificatus).

A transmissão da mensagem evangélica ao mundo de hoje é particularmente difícil, sobretudo porque os nossos contemporâneos se encontram inseridos em campos culturais muitas vezes distantes de qualquer dimensão espiritual e de interioridade, em situações nas quais prevalecem os aspectos essencialmente materialistas. Sem dúvida, mais do que em qualquer outro período histórico, é necessário constatar uma ruptura no processo de transmissão dos valores morais e religiosos entre as gerações, que leva a uma espécie de heterogeneidade entre a Igreja e o mundo contemporâneo. Nesta perspectiva, o Conselho desempenha um papel particularmente importante de observador, por um lado, para determinar o desenvolvimento das diferentes culturas e as questões antropológicas que se apresentam e, por outro, para enfrentar as relações possíveis entre as culturas e a fé cristã, de maneira a propor novas formas de evangelização, partindo das expectativas dos nossos contemporâneos. De facto, é importante alcançar os homens onde eles se encontram, com as preocupações e interrogações que os acompanham, para lhes permitir descobrir os costumes morais e espirituais necessários para qualquer existência, de acordo com a nossa vocação específica, e encontrar na chamada de Cristo a esperança que não desilude (cf. Rm Rm 5,5), baseando-se na própria experiência do Apóstolo Paulo no Areópago de Atenas (cf. Act Ac 17,22-34). Como se pode verificar, a atenção dedicada à cultura permite ir o mais longe possível no encontro com os homens. É por conseguinte uma mediação privilegiada da comunicação e da evangelização.

3. Entre os maiores obstáculos actuais, sobressaem as dificuldades encontradas pelas famílias e pela instituição escolar, que têm a difícil tarefa de transmitir às jovens gerações os valores humanos, morais e espirituais que lhes permitirão ser homens e mulheres capazes de levar uma vida pessoal digna e de se empenharem na vida social. De igual modo, a transmissão da mensagem cristã e dos valores que dela derivam e que levam a tomar decisões e a assumir comportamentos coerentes, constitui um desafio que todas as comunidades eclesiais são chamadas a enfrentar, sobretudo no âmbito da catequese e do catecumenado. Noutros períodos da história da Igreja, como por exemplo no tempo de Santo Agostinho, ou mais recentemente, durante o século XX, no qual se pôde verificar o contributo de numerosos filósofos cristãos, chamaram-nos a basear o nosso discurso e a nossa maneira de evangelizar numa antropologia e filosofia sadias. De facto, foi a partir do momento em que a filosofia iniciou por Cristo que o Evangelho pôde começar verdadeiramente a difundir-se em todas as nações. Por conseguinte, é urgente que todos os protagonistas dos sistemas educativos se dediquem a um estudo antropológico sério, a fim de prestar contas do que o homem é e de quem o faz viver. As famílias têm uma grande necessidade de serem ajudadas por educadores que respeitem os seus valores e que as ajudem a reflectir sobre as perguntas fundamentais que os jovens fazem, mesmo se isto parece ir contra a corrente em relação às propostas da sociedade actual. Observa-se que, em todas as épocas, os homens e as mulheres souberam fazer resplandecer a verdade com uma coragem profética. Esta mesma atitude é requerida também nos nossos dias.

O fenómeno da mundialização, que hoje se tornou um factor cultural, constitui simultaneamente uma dificuldade e uma oportunidade. Ao mesmo tempo que procura nivelar as identidades específicas das diferentes comunidades e reduzi-las, por vezes, a meras recordações folclóricas de antigas tradições despojadas do seu significado e do seu valor cultural e religioso originais, este fenómeno permite também abater as barreiras entre as culturas e oferece às pessoas a possibilidade de se encontrarem e conhecerem; ao mesmo tempo, obriga os dirigentes das Nações e os homens de boa vontade a fazer o possível a fim de que seja respeitado o que é próprio dos indivíduos e das culturas, para garantir o bem das pessoas e dos povos, e para realizar a fraternidade e a solidariedade. A sociedade, no seu conjunto, também deve responder a perguntas preocupantes acerca do homem e do seu futuro, sobretudo em campos como o da bioética, do uso dos recursos do planeta, das decisões em matéria económica e política, para que o homem seja reconhecido em toda a sua dignidade e para que permaneça um agente da sociedade e o critério último das decisões sociais. A Igreja não procura de forma alguma substituir todos os que estão encarregados de orientar os assuntos públicos, mas deseja ocupar o seu lugar nos debates, a fim de iluminar as consciências acerca do sentido do homem, inscrito na sua própria natureza.

4. Compete ao Pontifício Conselho para a Cultura prosseguir a sua acção e dar o seu contributo aos Bispos, às comunidades católicas e a todas as instituições que o desejarem, de forma que os cristãos possam ter os meios para testemunhar a sua fé e a sua esperança de modo coerente e responsável, e para que todos os homens de boa vontade possam empenhar-se na edificação de uma sociedade na qual seja promovido o ser integral de todas as pessoas. O futuro do homem e das culturas, o anúncio do Evangelho e da vida da Igreja dependem disso.

Oxalá possais contribuir para uma tomada de consciência renovada do lugar que a cultura ocupa no futuro do homem e da sociedade, assim como para a evangelização, a fim de que o homem seja cada vez mais livre e use esta liberdade de modo responsável! No final do vosso encontro, ao confiar a vossa missão à Virgem Maria, concedo-vos de bom grado, bem como a quantos colaboram convosco e a todos os que vos são queridos, uma particular Bênção apostólica.



DISCURSO DO SANTO PADRE JOÃO PAULO II


À COMUNIDADE DO SEMINÁRIO TEOLÓGICO


REGIONAL "SÃO PIO X" DE CATANZARO (ITÁLIA)


Segunda-feira, 18 de Março de 2002


Venerados Irmãos
no Episcopado e no Sacerdócio
Caríssimos Seminaristas

1. Obrigado por esta visita, que desejastes fazer-me por ocasião das celebrações do 90º aniversário de fundação do vosso Seminário. Obrigado pelo afecto com que quisestes exprimir a vossa adesão ao Sucessor de Pedro!

Saúdo profundamente agradecido D. António Cantisani, que com as suas palavras quis fazer-se intérprete dos sentimentos dos Irmãos no Episcopado, e agradeço também ao Reitor do Seminário que falou em nome dos Superiores e de todos os presentes.

Esta visita dá-me a oportunidade de continuar o diálogo iniciado no dia 6 de Outubro de 1984, quando fui pessoalmente visitar a vossa casa, o Seminário Regional São Pio X de Catanzaro.

Daquele encontro, apesar de ser distante no tempo, mantenho uma recordação profunda e grata. Foi para mim um momento particularmente intenso. Tive nessa data a ocasião de meditar juntamente com os sacerdotes e os seminaristas da Calábria sobre a graça do chamamento divino, que empenha constantemente a tornar-se ícones vivos do Bom Pastor entre o Povo.

2. Ao receber como dom a primeira cópia da vossa "Regra de Vida", vejo com alegria que o diálogo de fé, começado naquele encontro, nunca se interrompeu. De facto, as palavras que então dirigi aos seminaristas tornaram-se quase um "pórtico" que introduz no projecto formativo da vossa Comunidade, como confirmação da comunhão que desde o início vos liga ao Papa.

Nesta ocasião, não posso deixar de recordar o meu venerado predecessor São Pio X que, com ânimo fraterno e generoso, quis a erecção de um Centro de formação altamente qualificado para o futuro Clero da Calábria! Não posso deixar de recordar os numerosos sinais de predilecção de que rodeou a Instituição que estava a surgir, seguindo pessoalmente a compra do terreno, o projecto e a construção do edifício e oferecendo, também, com a Constituição apostólica Susceptum inde sábias directrizes para a orientação da obra de formação!

Esta predilecção teve uma cuidadosa continuidade na obra dos seus Sucessores e, sobretudo, do Servo de Deus o Papa Pio XII que, depois do funesto incêndio de Setembro de 1940, ao reconstruir em 1954 o Seminário, se tornou quase o segundo fundador.

A feliz relação entre o Sucessor de Pedro e esta Instituição educativa tem no encontro de hoje uma preciosa ocasião para se fortalecer e para construir um renovado e incisivo factor da qualidade da formação espiritual e teológica dos futuros sacerdotes na Calábria.

3. "E vós quem dizeis que Eu sou?" (Mt 16,13). Eis a pergunta que Jesus fez àqueles "seminaristas" muito particulares, que foram os Apóstolos. Ele faz a mesma pergunta hoje a cada um de vós, que sois chamados a ser os evangelizadores da terra da Calábria. De facto, não é o Seminário uma escola de fé na qual se aprende a oferecer a Jesus com o coração, a inteligência e a vida, a resposta que Ele espera dos "seus"? Esta resposta foi expressa de maneira incomparável pelas palavras do apóstolo Pedro: "Tu és Cristo, o Filho de Deus Vivo".

"Sobretudo hoje, numa sociedade marcada pelo fenómeno da secularização, é necessária clareza de propósitos e uma vontade firme, que se alimentam directamente nas fontes genuínas do Evangelho... Quanto mais o povo se descristianiza, na medida em que se deixa apoderar pela incerteza ou pela indiferença, tanto mais tem necessidade de ver na pessoa dos sacerdotes aquela fé radical que é como um farol na noite ou como um rochedo no qual se ancorar" (Insegnamenti de Giovanni Paolo II VII/2, 1984, pág. 792). Estas palavras, que dirigi aos sacerdotes calabreses durante o mencionado encontro, continuam a ser actuais e convidam ao empenho por uma formação que deve encontrar na renovada e radical adesão a Cristo dos candidatos ao sacerdócio a sua finalidade primária e irrenunciável. Com efeito, a aposta formativa do Seminário baseia-se totalmente na sua capacidade de oferecer aos jovens um percurso de fé real e empenhativo que, sem considerar que tudo é devido, os torne capazes de acolher na verdade o mistério da pessoa de Jesus, isto é, de reconhecer n'Ele o Filho de Deus Vivo e o Senhor da história e de O seguir cada vez mais generosamente "no caminho de Jerusalém".

4. O episódio de Cesareia de Filipe, que nos foi transmitido pelos evangelistas São Mateus e São Lucas, e a Tradição viva da Igreja recordam-nos que "à plena contemplação do rosto do Senhor, não chegamos pelas nossas simples forças, mas deixando a graça conduzir-nos pela sua mão. Só a experiência do silêncio e da oração oferece o ambiente adequado para fazer amadurecer e desenvolver um conhecimento mais verdadeiro, apaixonado e coerente com aquele mistério cuja expressão culminante aparece na solene proclamação do evangelista João "E o Verbo fez-Se carne e habitou no meio de nós; e nós vimos a glória d'Ele, glória que Lhe vem do Pai como a Filho único, cheio de graça e de verdade" [Jo 1, 14] (Novo millennio ineunte, 20). Como não ver nestas sugestões o convite a fazer do Seminário o "lugar do silêncio" e "a casa da oração", onde o Senhor ainda convoca os "seus" a um "lugar apartado" (cf. Lc Lc 9,18) para viver uma intensa experiência de encontro e de contemplação? Ele deseja prepará-los por este caminho a tornarem-se "mestres da fé", e "educadores do Povo de Deus na fé", e fazer com que estejam preparados para "reunir o Povo de Deus que andava disperso" e alimentá-lo com os Sacramentos, sinais eficazes da acção de Cristo "orientá-lo pelo caminho da salvação" e mantê-lo na unidade, isto é, "animar constantemente esta comunidade congregada em torno de Cristo na linha da sua vocação mais íntima" (Evangelii nuntiandi EN 68).

Neste contexto, o estudo torna-se momento irrenunciável de um itinerário pedagógico que visa a educação de uma fé viva e operante por meio da caridade, instrumento privilegiado de um conhecimento sábio e científico, capaz de basear e fortalecer todo o edifício da formação espiritual e pastoral dos futuros presbíteros. Eles devem preparar-se para viver a caridade pastoral como expressão da sua fé em Cristo que oferece a sua vida pela Igreja (cf Ep 5,25-27), como modalidade de missão universal (cf. Mt Mt 28,18-20) e como resposta plena à caridade do Senhor (cf. Jo Jn 21,15-20), juntamente com os irmãos do presbitério sob a orientação do Bispo.

5. O vínculo cristológico, característica fundamental da identidade do presbítero, e a sua pertença ao único presbitério da diocese, a cujo serviço é destinado pelo próprio Bispo (cf. Presbyterorum ordinis, PO 8), também são elementos fundamentais que devem presidir à formação dos seminaristas.
Ela deverá fazer com que os candidatos avaliem cada uma das suas acções com referência a Cristo e considerem a pertença ao único presbitério como dimensão prévia da acção pastoral e do testemunho de comunhão, que são indispensáveis para servir de modo eficaz o mistério da Igreja e a sua missão no mundo.

Partindo destas perspectivas compreenderemos o período da formação dos seminaristas como um tempo especial de silêncio e de expectativa, de pobreza e de comunhão, de procura de Deus e de amor aos irmãos, sobretudo aos últimos, fazendo da comunidade do Seminário uma expressão privilegiada da Igreja, "germe e começo" na terra do Reino de Cristo e de Deus (cf. Lumen gentium, LG 5).

6. Queridos Seminaristas, este nosso encontro realiza-se na vigília da Solenidade de São José, Esposo da Virgem e protector do redentor. Ele resplandece na Igreja devido à sua particular vocação vivida no silêncio, na busca atenta do desígnio amoroso de Deus e na total dedicação a Cristo. Ele, que seguiu de perto Jesus durante os anos da sua vida escondida em Nazaré, vos ajude a descobrir todos os dias o tesouro precioso do amor de Cristo, tornando-vos anunciadores jubilosos do seu Evangelho.

Com estes votos, confio os vossos generosos propósitos e as vossas expectativas à protecção materna da Virgem Santa, do seu castíssimo Esposo e de todos os Santos que constelaram o caminho de fé da querida Calábria, e concedo a todos com grande afecto uma especial Bênção apostólica.



DISCURSO DO SANTO PADRE JOÃO PAULO II


NA FESTA DE PREPARAÇÃO PARA A


JORNADA MUNDIAL DA JUVENTUDE


Quinta-feira, 21 de Março de 2002

1. "Vós sois o sal da terra... Vós sois a luz do mundo" (Mt 5,13-14).

Estas palavras de Jesus ecoam nos nossos corações, enquanto nos preparamos para a celebração da XVII Jornada Mundial da Juventude, que terá lugar em Toronto, no Canadá, no próximo mês de Julho. Estas palavras interpelam-nos profundamente; pedem-nos que nos unamos com a nossa vida Àquele que é a verdadeira luz do mundo e o sal que dá um sabor inalterável à terra: Jesus Cristo, o Verbo que se fez carne e veio habitar no meio de nós.

Caríssimos jovens, agradeço-vos este encontro que organizastes e durante o qual quisestes interrogar-vos em conjunto: "O que significa ser luz do mundo e sal da terra"? Alguns dos vossos amigos já vos ajudaram a encontrar uma resposta. Aderindo livremente à chamada de Deus, alguns vivem o noivado, outros o matrimónio. Alguns são encaminhados pela senda do sacerdócio, outros pela estrada da vida religiosa ou missionária.

Agradeço-lhes os seus testemunhos, que vos estimulam a todos a perguntar-vos com sinceridade, assim como eles mesmos o fizeram: "Senhor, o que queres que eu faça?", o que desejas que eu realize para viver plenamente o meu Baptismo e ser sal da terra e luz do mundo?

Antes deles, Francisco de Assis fez esta mesma interrogação diante do Crucifixo de São Damião. Tanto a ele como a vós, Deus quer revelar o seu desígnio de amor, para realizar o projecto de vida que, desde a eternidade, definiu para cada um.

2. Quero agradecer ao Cardeal Vigário as calorosas palavras que me dirigiu em nome de todos vós. Estou grato também ao responsável dos jovens da Acção Católica diocesana.

Saúdo a delegação de jovens das regiões da Itália, que amanhã partirá para Toronto, onde encontrará os seus coetâneos comprometidos na preparação da próxima Jornada Mundial. Saúdo também o grupo que realizará uma peregrinação à Terra Santa, para levar um testemunho de solidariedade aos jovens daqueles lugares tão provados. Enfim, cumprimento a delegação de jovens provenientes de Toronto, aqui reunidos para participar neste encontro e na celebração do Domingo de Ramos.

Estou grato aos jovens e às jovens que me manifestaram o seu desejo de aderir à chamada do Senhor mas, ao mesmo tempo, reconheceram que nem sempre é fácil responder-lhe com um "sim" aberto e generoso.

Caríssimos amigos, compreendo as vossas dificuldades. Sem dúvida, as múltiplas propostas que, de várias partes, chegam à vossa consciência, não vos ajudam a reconhecer com facilidade aquele prodigioso desígnio de vida que tem Cristo como centro unificador e propulsor. Não é porventura verdade que alguns dos vossos coetâneos vivem como que por momentos, escolhendo de cada vez aquilo que lhes pode parecer mais cómodo?

Escutai-me! Se não dedicardes tempo à oração e não vos deixardes ajudar por um guia espiritual, a confusão do mundo pode até chegar a sufocar a voz de Deus. Como alguns de vós observaram oportunamente, buscando a satisfação das suas próprias necessidades imediatas, o homem perde a capacidade de amar em nome de Cristo e já não é capaz de dar a vida pelos outros como, aliás, Ele nos ensinou. Então, o que se deve fazer?

3. Vós dirigistes-me a seguinte interrogação: "O que devemos fazer, para ser sal da terra e luz do mundo?".

Para responder, devemos recordar em primeiro lugar que Deus criou o homem à sua imagem, destinando-o à vocação primeira e fundamental, que é a comunhão com Ele! É nisto que consiste a mais elevada dignidade do ser humano. "Começa com a existência recorda o Concílio Vaticano II o convite que Deus dirige ao homem para dialogar com Ele: se o homem existe, é porque Deus o criou por amor e, por amor, não cessa de o conservar na sua existência; e o homem não vive plenamente segundo a verdade, se não reconhecer de maneira livre este amor e não se entregar inteiramente ao seu Criador" (Gaudium et spes, GS 19).

Sim, queridos amigos, fomos criados por Deus e para Deus, e o desejo dele está inscrito no nosso coração! Uma vez que "a glória de Deus é o homem vivo", como observava Santo Ireneu de Lião, Deus não cessa de atrair o homem para junto de si, a fim de que nele possa encontrar a verdade, a beleza e a felicidade, que procura sem trégua. Esta atracção que Deus exerce sobre nós chama-se "vocação".

4. Exactamente porque fomos criados à imagem de Deus, recebemos dele também aquele grande dom que é a liberdade. Contudo, se não é rectamente exercida, a liberdade pode afastar-nos de Deus. Pode fazer-nos perder a dignidade de que Ele nos revestiu. Quando não é formada pelo Evangelho, a liberdade pode transformar-se em escravidão: a escravidão do pecado e da morte eterna.

Caríssimos jovens e queridas jovens de Roma! Afastando-se da vontade divina, os nossos antepassados caíram no pecado, ou seja, no mau uso da liberdade. Todavia, o Pai celestial não nos abandonou; enviou o seu Filho Jesus para restituir a liberdade ferida e restabelecer de maneira ainda mais bela aquela imagem que se tinha deturpado. Vitorioso sobre o pecado e a morte, Jesus confirmou o seu senhorio sobre o mundo e a história. Ele está vivo e convida-nos a não submetermos a nossa liberdade pessoal a qualquer poder terrestre, mas exclusivamente a Ele e ao seu Pai Omnipotente.

Jovens do novo milénio, não façais mau uso da vossa liberdade! Não subestimeis a grande dignidade de filhos de Deus, que vos foi dada! Submetei-vos unicamente a Cristo, que deseja o vosso bem e a vossa alegria autêntica (cf. Mt Mt 23,8-10); a Ele, que deseja que sejais homens e mulheres plenamente felizes e realizados! Desta forma, descobrireis que somente aderindo à vontade de Deus podemos ser luz do mundo e sal da terra!

5. Estas realidades tão sublimes como comprometedoras só podem ser compreendidas e vividas num clima de oração constante. Este é o segredo para entrar e para permanecer na vontade de Deus. Por conseguinte, são muito oportunas as iniciativas de oração sobretudo de adoração eucarística que se vão difundindo na Diocese de Roma por obra dos jovens.

Além disso, a todos e a cada um, gostaria de dizer: lede o Evangelho, pessoal e comunitariamente, meditai-o e vivei-o. O Evangelho constitui a palavra viva e actuante de Jesus, que nos faz conhecer o amor infinito que Deus tem por cada um de nós e pela humanidade inteira.

O Mestre divino chama cada um de vós para trabalhar no seu campo; chama-vos para ser seus discípulos, prontos a transmitir inclusivamente aos outros vossos amigos aquilo que Ele mesmo vos comunicou.

Se fizerdes isto, sabereis responder à pergunta: "Senhor, o que queres que eu faça?". Com efeito, a verdadeira resposta está contida no Evangelho, que nesta tarde vos entrego espiritualmente a vós. Trata-se do mandato missionário de Jesus: "Vós sois o sal da terra... Vós sois a luz do mundo" (Mt 5,13-14). Entrego-vo-lo pelas mãos de Maria, fúlgido exemplo de fidelidade à vocação que o Senhor lhe confiou.


Boa caminhada rumo a Toronto. E ânimo!



SAUDAÇÃO DO SANTO PADRE JOÃO PAULO II


À PONTIFÍCIA COMISSÃO PARA OS


CONGRESSOS EUCARÍSTICOS


Sexta-feira, 22 de Março de 2002

Senhores Cardeais
Venerados Irmãos no Episcopado
Caríssimos Irmãos e Irmãs

1. Sinto-me feliz por vos receber e vos saudar com grande cordialidade. O meu afectuoso pensamento dirige-se, antes de tudo, ao Senhor Cardeal Jozef Tomko, Presidente da Pontifícia Comissão para os Congressos Eucarísticos Internacionais, ao qual agradeço as palavras que me dirigiu em vosso nome.

Nestes dias, durante os quais estivestes reunidos para programar a actividade da Comissão recentemente renovada nos seus componentes, desejastes ter este encontro com o Papa. Agradeço-vos esta visita, e dou a cada um as minhas cordiais boas-vindas, juntamente com os votos de bom trabalho.

2. Aproveito de bom grado esta propícia ocasião para exprimir o meu mais sincero apreço à vossa Comissão, que está empenhada em promover em toda a Igreja o culto eucarístico. Os Congressos Eucarísticos são experiências importantes de fé e de oração intensa, porque oferecem a muitos crentes a oportunidade de contemplar o rosto de Cristo misteriosamente velado no sacramento da Eucaristia. Através de vós, gostaria de fazer chegar aos Delegados Nacionais e a todos os que cooperam de diversas formas para o bom êxito de manifestações tão importantes de piedade cristã a expressão da minha mais sincera gratidão.

Sabeis como é importante a devoção eucarística para a vida da Igreja e para a difusão do Evangelho. De facto, na Eucaristia encontra-se o bem espiritual mais precioso da Comunidade cristã, isto é o próprio Cristo, que na Cruz se imolou pela salvação da humanidade. Por conseguinte, continuai com dedicação e entusiasmo esta vossa obra, mais apreciada do que nunca.

Ao garantir-vos a minha lembrança na oração, concedo-vos de coração, a vós e a todos os que vos são queridos, uma especial Bênção apostólica.



DISCURSO DO SANTO PADRE JOÃO PAULO II


AOS PARTICIPANTES NO XXIX CAPÍTULO GERAL


DOS IRMÃOS CRISTÃOS NO BICENTENÁRIO DE FUNDAÇÃO


Sexta-feira, 22 de Março de 2002


Estimado Irmão Garvey
Queridos Irmãos em Cristo

1. "Que a paz esteja com todos vós, que estais em Cristo!" (1P 5,14): com estas palavras do Apóstolo Pedro, saúdo-vos a todos, por ocasião do XXIX Capítulo Geral da Congregação dos Irmãos Cristãos. Estou particularmente feliz por vos receber durante este ano, em que estais a celebrar o vosso Bicentenário, dado que esta comemoração nos permite louvar a Deus pelo carisma que foi deixado pelo Beato Edmundo Inácio Rice e que ainda hoje continua a viver em vós, que sois os seus filhos e irmãos. Esta é também uma oportunidade que se me apresenta para vos agradecer em nome da Igreja tudo aquilo que os Irmãos Cristãos realizaram no campo da educação dos jovens ao longo destes dois séculos.

2. A história da graça que estais a celebrar durante este Capítulo Geral teve início num período de grandes sublevações sociais na Europa e de profunda miséria na Irlanda, terra natal de Edmundo Rice. Durante os anos da juventude do vosso Fundador, o Continente foi abalado pelas tempestades das revoluções, que testificaram a queda de uma ordem antiga e o nascimento de outra nova, que surgiu com grande dificuldade das guerras sanguinolentas que agitaram enormemente a Europa no alvorecer do século XIX.

Na própria Irlanda, aqueles foram anos de pobreza e de perseguição religiosa, quando as grandes tradições da vida católica irlandesa se encontravam de facto em perigo. Contudo, tais tradições floresceram de maneiras novas e notáveis, quando Deus suscitou pessoas como Edmundo Rice a assumir a tarefa da educação dos jovens, de outra forma condenados à pobreza material, intelectual, moral e espiritual que haveria de os sacrificar não só a eles mesmos mas também a sociedade em geral. Respondendo ao chamamento de Deus, o vosso Fundador não só obedeceu aos profundos impulsos do Espírito Santo, que nos ensina todas as coisas (cf. Jo Jn 14,26), mas também promoveu o caminho da Igreja católica, que sempre pôs a educação no próprio âmago da sua missão, que consiste em anunciar o Evangelho. Além disso, Edmundo Rice demonstrou-se fiel às antigas tradições das grandes escolas monásticas da Irlanda, que formaram um profundo vínculo entre a santidade e o ensino, entre a humanidade e a educação, para a glória da Europa e de todo o mundo cristão em geral.

Ao mesmo tempo, a crise que Edmundo Rice enfrentou não era apenas a nível social ou nacional; tratava-se de uma grave crise pessoal, que fez brotar na sua vida a graça que haveria de levar à fundação da vossa Congregação. Quando a sua jovem esposa faleceu, em 1789, primeiro ele pensou em retirar-se para a vida contemplativa. Mas não era este o seu destino. Pelo contrário, Edmundo sabia que Deus o estava a chamar para uma vida activa, enraizada na contemplação. A sua vocação consistia em assumir "uma nova "criatividade" na caridade" (Novo millennio ineunte, 50), que constituiu uma verdadeira revolução numa época revolucionária, uma revolução que nasceu não da violência, mas da escuta serena e paciente de Deus.

3. A contemplação de Cristo Mestre por parte de Edmundo Rice modelou-o cada vez mais à imagem daquele que, nos Evangelhos, "é ao mesmo tempo de admiração, de confiança e de ternura" (Catechesi tradendae, CTR 8). Aquele que ele seguia "conhecia o homem por dentro" (Jn 2,25) e foi misericordioso sem contudo ter medo de dizer a verdade, autorizado sem jamais ser autoritário, enraizado na tradição e todavia criativo no momento de ir ao encontro das necessidades do seu próprio tempo.

Queridos Irmãos, Cristo e o vosso Fundador chamam-vos a estas mesmas alturas, ao entrardes no vosso terceiro século de existência; e ali, como aconteceu com Edmundo Rice, haveis de encontrar "um rosto de sofrimento" (cf. Novo millennio ineunte, 26-27), a face do próprio Senhor crucificado. Hoje, mais do que nunca, é sobre Ele que deveis fixar o vosso olhar: o Servo do sofrimento, sobre Aquele que se abateu o castigo que nos dá a paz (cf. Is Is 53,2-9). Deveis levar as vossas próprias feridas e os vossos sofrimentos Àquele que foi trespassado pelos nossos pecados; haveis de levar os vossos fracassos Àquele que padeceu pelas nossas iniquidades.

Quem, senão o Senhor de toda a misericórdia, curará as nossas feridas? Quem, senão Ele, há-de mudar as nossas tristezas em alegria? Quem, senão Ele, transformará até mesmo os nossos pecados numa vida nova? Digo-vo-lo a vós, dilectos Irmãos, nas vésperas da Semana Santa, quando toda a Igreja celebra o mistério da Cruz do Senhor, que é a chave para todos os mistérios da vida e da morte.

É o Calvário que ensina a verdade da vossa própria história: a vossa Congregação nasceu da crise, e é da crise destes tempos que o vosso futuro, o porvir que Deus vos reserva, está a nascer nos dias de hoje. Portanto, juntamente com o Apóstolo, digo-vos: "Alegrai-vos sempre no Senhor!" (Ph 4,4), porque à luz da Páscoa compreendemos aquilo que São Paulo quer dizer, quando afirma: "Pois quando sou fraco é que sou forte!" (2Co 12,10). Com a ajuda de Deus, não existe ferida que não possa transformar-se numa fonte de vida nova. Este é o motivo da nossa esperança: este é o manancial da nossa alegria!

4. Tendo nascido em Waterford no ano de 1802, a vossa Congregação espalhou-se para todos os quadrantes da Irlanda, da diáspora irlandesa e até mesmo mais além. Hoje em dia, enquanto nalguns lugares o número dos vossos membros diminui, noutras partes ele aumenta. E para além dos confins da própria Congregação, o Movimento de Edmundo Rice está a suscitar renovadas energias entre os leigos, homens e mulheres, que compartilham o vosso espírito e a vossa obra. A chama da fé acesa pelo vosso Fundador ainda arde luminosa, e agora compete-vos a vós assegurar que este "fogo sobre a terra" (Lc 12,49) seja tão criativo como no passado. Numa época em que muitas culturas estão a experimentar uma crise na comunicação dos valores religiosos e morais aos jovens, a missão educativa que vos foi confiada é mais importante do que nunca. Todavia, hoje ela é ainda mais desafiadora porque no nosso tempo, como gostava de observar o Papa Paulo VI, o homem contemporâneo "escuta com melhor vontade as testemunhas do que os mestes... ou então se escuta os mestres, é porque eles são testemunhas" (Evangelii nuntiandi, EN 41). Vós fostes sempre excelentes mestres; hoje, deveis sobressair ainda mais pelo vosso corajoso e alegre testemunho de Cristo diante dos jovens, numa época em que toda a Igreja volta a empreender "a grande aventura da proclamação do Evangelho" (Novo millennio ineunte, 58) na obra da nova evangelização.

Enquanto escutais a Deus durante estes dias do vosso Capítulo Geral - dando graças pelo passado, procurando compreender o presente e fazendo projectos para o futuro - peço ao Senhor que derrame sobre vós o seu Espírito de modos novos e mais eficazes. Enquanto confio a Congregação dos Irmãos Cristãos ao cuidado amoroso de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro e à intercessão do vosso Santo Fundador, é de bom grado que vos concedo a minha Bênção apostólica como penhor de misericórdia infinita em Jesus Cristo, que vive para sempre nos nossos corações.




Discursos João Paulo II 2002