DIscursos João Paulo II 2003

3. Saúdo agora com grande afecto os Pastores, religiosas e fiéis de língua espanhola, que participaram na celebração de ontem. Sentis-vos ligados a três mulheres que se entregaram com heróica generosidade à sua vocação cristã e enriqueceram a Igreja com novas fundações. Refiro-me às Beatas espanholas Dolores Rodríguez Sopeña e a Joana Condesa Lluch, e à suíça de alma latino-americana e universal, Madre Caridade Brader. As três viveram na mesma época, alimentaram solidamente a sua vida de fé com a oração, a intimidade com a Eucaristia e a devoção terna à Santíssima Virgem Maria.

4. De entre as virtudes da Beata Caridade Brader, desejo realçar o seu fervor missionário, que não se detém face às dificuldades.

Queridas Irmãs Franciscanas de Maria Imaculada: imitai com prazer o exemplo da vossa Fundadora, segui com abnegação o seu caminho, infundindo nova esperança à humanidade. Já tendes uma história importante, a Igreja agradece-vos a vossa missão e estimula-vos a continuá-la com a intercessão e a protecção da Madre Caridade.

5. As religiosas Escravas de Maria Imaculada viram proclamar ontem a sua Beata Fundadora. A história de Joana Maria Condesa Lluch tem um significado particular no nosso tempo.

A vós, Escravas de Maria Imaculada, a Beata Joana Condesa deixou-vos em herança a grande sabedoria da arte de se aproximar dos que necessitam de ajuda material e espiritual, partilhando o seu caminho e fazendo com que ele, pela força da fraternidade, conduza a Deus e ao mundo que Ele quer. Juntamente com quantos, de uma forma ou de outra, partilham as vossas actividades na Espanha, na Itália, no Panamá, no Chile ou no Peru, estimulo-vos a prosseguir este tipo de testemunho evangélico.

6. Os problemas da emigração, as tensões sociais ou a globalização dos nossos dias, o anticlericalismo aberto ou camuflado, permitem compreender melhor a inspiração que levou a Beata Dolores Sopeña, nos seus dias, a consagrar a sua vida à evangelização dos afastados de Deus e da sua Igreja.

O seu ardor apostólico levou-a a fundar três instituições, hoje unidas na "família Sopeña", que apoiam numerosas obras na Espanha, na Itália, na Argentina, no Chile, em Cuba, no Equador, no México, no Peru e na República Dominicana, cujo principal objectivo continua a ser a promoção e o anúncio da Boa Nova às famílias do mundo do trabalho, não carentes de formação como noutros tempos, mas sempre necessitadas de Jesus Cristo.

7. Saúdo com afecto cordial os peregrinos que vieram a Roma por ocasião da beatificação de Ladislau Batthyány-Strattmann. As recordações deste novo Beato, que está relacionado tanto com o povo húngaro como com o austríaco, assim como o seu testemunho, realçam uma vez mais como são importantes, para a paz e para a desejada edificação da casa comum europeia, a defesa e o cuidado dos valores cristãos, dos quais ele viveu. Que o novo Beato não seja para vós apenas um protector ao qual vos possais dirigir, mas também um exemplo que é necessário imitar para seguir com coragem a chamada de Deus!

Queridos peregrinos de língua húngara, como o Beato Ladislau Batthyány-Strattmann, sede vós também fiéis à missão recebida ao serviço do Evangelho.

8. Neste ambiente de festa tem lugar a entrega, ao Arcebispo de Valência, do "Ícone da Sagrada Família", símbolo dos encontros Mundiais das Famílias, trazido para aqui, de Manila, pelo Cardeal Alfonso López Trujillo. Agradeço a Mons. Agustín García-Gasco, aos seus colaboradores, às autoridades aqui presentes, e a todos os fiéis valencianos, o entusiasmo demonstrado, que começou pela designação de Valência como sede do próximo Encontro, e animo e abençoo os trabalhos e iniciativas que realizaram para o seu bom êxito. Que a contemplação desta imagem ao longo destes anos preparatórios vos sirva de inspiração para continuar a trabalhar na defesa e na promoção da instituição familiar, tão necessária para dar continuidade ao compromisso que Deus lhe pediu, e seja "gaudium et spes", alegria e esperança da humanidade, escola de transmissão dos valores genuínos de que o homem necessita, e lugar de acolhimento da vida.

9. Caríssimos Irmãos e Irmãs, implorando a intercessão dos novos Beatos para que nos acompanhem no itinerário quotidiano da vida cristã, abençoo-vos com afecto, juntamente com os vossos entes queridos e com as Comunidades cristãs das quais provindes.



MENSAGEM DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS CAPELÃES MILITARES PARTICIPANTES


NO CURSO DE FORMAÇÃO EM DIREITO HUMANITÁRIO






Caríssimos Capelães militares!

1. Sinto-me feliz por vos enviar a minha saudação por ocasião do Curso de formação em direito humanitário, organizado conjuntamente pela Congregação para os Bispos e pelo Pontifício Conselho "Justiça e Paz".

Desejo exprimir o meu apreço pela solicitude com que estas duas Entidades preparam desde há muito tempo este encontro, em conformidade com o compromisso assumido pela Santa Sé durante a XXVII Conferência internacional da Cruz Vermelha e da "Mezzaluna Rossa" (1999).

Além disso, desejo agradecer de maneira particular aos peritos, tão qualificados, que quiseram oferecer generosamente o contributo da sua apreciada competência pelo bom êxito do Curso.

Quase todos os Ordinariados Militares enviaram os seus representantes ao Curso: é uma demonstração do valor da iniciativa, que pretende ser um sinal evidente da importância que a Santa Sé atribui ao direito humanitário, como defesa da dignidade da pessoa humana, mesmo no trágico contexto da guerra.

2. É precisamente quando as armas entram em acção que se torna uma obrigação a exigência de regras que façam com que as operações bélicas sejam menos desumanas.

Através dos séculos, foi crescendo gradualmente a consciência desta exigência, até à progressiva formação de um verdadeiro e próprio corpus jurídico, definido como "direito internacional humanitário". Este corpus pôde desenvolver-se também graças ao amadurecimento dos princípios conaturais à mensagem cristã.

Como tive ocasião de dizer no passado aos membros do Instituto Internacional de Direito Humanitário, o Cristianismo "oferece a este progresso uma base na sua afirmação do valor autónomo do homem e da sua proeminente dignidade de pessoa com a sua própria individualidade, completa na sua constituição essencial, e dotada de consciência nacional e vontade livre. Também nos séculos passados, a visão cristã do homem inspirou a tendência a mitigar a ferocidade tradicional da guerra, de maneira a garantir um tratamento mais humano para quantos eram envolvidos nas hostilidades. Prestou um contributo decisivo à afirmação, quer de um ponto de vista moral quer prático, das normas humanitárias que agora são, em forma devidamente moderna e clara, o centro das nossas convenções internacionais de hoje (18 de Maio de 1982).

3. Os capelães militares, movidos pelo amor de Cristo, são chamados, por uma vocação especial, a testemunhar que até no meio dos combates mais ásperos é sempre possível, e por conseguinte é um dever, respeitar a dignidade do adversário militar, a dignidade das vítimas civis, a dignidade indelével de cada ser humano envolvido nos conflitos armados. Desta forma, além disso, é favorecida aquela reconciliação necessária para o restabelecimento da paz depois do conflito.
Inter arma caritas foi a palavra de ordem significativa dada pela Comissão Internacional da Cruz Vermelha desde o seu alvorecer, símbolo eloquente das motivações cristãs que inspiram o fundador deste benemérito organismo, Henry Dunant, de Genebra, motivações que nunca devem ser esquecidas.

Vós, Capelães militares católicos, além do desenvolvimento do vosso ministério religioso específico, não deveis deixar de oferecer a vossa contribuição para uma educação apropriada do pessoal militar nos valores que animam o direito humanitário e fazem dele não só um código jurídico, mas, antes de mais, um código ético.

4. O vosso Curso coincide com um momento difícil da história, quando o mundo está, mais uma vez, a ouvir o fragor das armas. O pensamento das vítimas, das destruições e dos sofrimentos causados pelos conflitos armados causa sempre preocupações profundas e grandes sofrimentos.
Já deveria ser evidente para todos que a guerra como instrumento de resolução das disputas entre os Estados foi rejeitada, ainda antes de o ser pela Carta das Nações Unidas, pela consciência de grande parte da humanidade, excluindo a liceidade da defesa contra um agressor. O vasto movimento contemporâneo a favor da paz a qual, segundo o ensinamento do Concílio Vaticano II, não se reduz a uma "simples ausência de guerra" (Gaudium et spes, GS 78) reflecte esta convicção de homens de cada continente e de todas as culturas.

Neste quadro, o esforço das diversas religiões para apoiar a busca da paz é motivo de conforto e de esperança. Na nossa perspectiva de fé, a paz, mesmo sendo fruto de acordos políticos e entendimentos entre indivíduos e povos, é dom de Deus, que deve ser invocado insistentemente com a oração e a penitência. Sem a conversão do coração não há paz! Só se alcança a paz através do amor!

É pedido agora a todos o compromisso de trabalhar e rezar para que as guerras desapareçam do horizonte da humanidade.

Com estes votos, desejo que o Curso de formação seja proveitoso para vós, queridos capelães, aos quais envio de coração a Bênção apostólica, fazendo-a de bom grado extensiva aos organizadores, aos professores e aos colaboradores.

Vaticano, 24 de Março de 2003.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS MEMBROS DO PONTIFÍCIO CONSELHO


PARA AS COMUNICAÇÕES SOCIAIS


REUNIDOS EM ASSEMBLEIA PLENÁRIA


Terça-feira, 25 de Março de 2003


Eminências
Excelências
Queridos Irmãos e Irmãs em Cristo

É-me grato saudar-vos, a vós, membros, consultores, funcionários e peritos do Pontifício Conselho para as Comunicações Sociais, reunidos para a vossa assembleia plenária.

Efectivamente, é oportuno que a vossa assembleia se realize durante a semana em que a Igreja celebra a Solenidade da Anunciação, quando a Boa Nova da nossa salvação em Jesus Cristo foi anunciada a Maria pelo Arcanjo Gabriel. Esta Boa Nova deve ser compartilhada por todos os povos de todos os tempos e lugares, e o vosso dever específico consiste em torná-la cada vez mais eficazmente presente no mundo dos mass media. Agradeço-vos o vosso compromisso neste campo, enquanto vos encorajo a perseverar no mesmo.

Não há dúvida de que, hoje em dia, os mass media exercem uma influência extremamente poderosa e persuasiva, formando e informando a opinião pública a níveis local, nacional e global. Ao reflectirmos sobre este facto, vem à nossa mente um trecho da Carta do Apóstolo São Paulo aos Efésios: "Cada um diga a verdade ao seu próximo, pois somos membros uns dos outros" (4, 25). Estas palavras do Apóstolo formam uma síntese adequada daquelas que deveriam ser as duas metas prioritárias das comunicações sociais modernas: fazer com que a verdade seja cada vez mais conhecida e incrementar a solidariedade para com a família humana.

Há quarenta anos, o meu predecessor Beato Papa João XXIII tinha algo semelhante em mente quando, na sua Encíclica Pacem in terris, exortou à "justiça e imparcialidade" no recurso aos "instrumentos para a promoção e a difusão da compreensão mútua entre as nações" (n. 90). Eu mesmo abordei este tema na minha recente mensagem de preparação para o XXXVII Dia Mundial das Comunicações Sociais, que vai ser celebrado no dia 1 de Junho do corrente ano de 2003. Nessa mensagem, observei que "o requisito moral fundamental de toda a comunicação é o respeito pela verdade e o seu serviço". Depois, em jeito de explicação, acrescentei: "A liberdade de procurar e de dizer a verdade é essencial para a comunicação humana, não apenas no que se refere aos acontecimentos e às informações mas também, e de maneira especial, no que diz respeito à natureza e ao destino da pessoa humana, à sociedade, ao bem comum e ao nosso relacionamento com Deus" (Mensagem para o XXXVII Dia Mundial das Comunicações Sociais, n. 3).

Com efeito, a verdade e a solidariedade são dois dos instrumentos mais eficazes, disponíveis para a superação do ódio, para a resolução dos conflitos e para a eliminação da violência. Elas são também indispensáveis para o restabelecimento e o revigoramento dos vínculos recíprocos de compreensão, de confiança e de compaixão, que unem todos os indivíduos, povos e nações, independentemente da sua origem étnica ou cultural. Em síntese, a verdade e a solidariedade são necessárias, se quisermos que a humanidade consiga construir uma cultura de vida, uma civilização de amor e um mundo de paz.

Este é o desafio que está a ser enfrentado pelos homens e as mulheres dos mass media, e a tarefa do vosso Pontifício Conselho consiste em os ajudar e orientar a fim de que correspondam positiva e eficazmente a esta obrigação. Rezo para que os vossos esforços neste sector continuem a produzir muito fruto. Durante este Ano do Rosário, confio-vos todos à intercessão amorosa da Bem-Aventurada Virgem Maria que deu ao mundo o seu Salvador: oxalá a sua resposta cheia de fé, ao Anjo, sirva de modelo para a nossa proclamação da mensagem salvífica do seu Filho. Como penhor de graça e de fortaleza no Verbo que se fez carne, concedo-vos cordialmente, a cada um de vós, a minha Bênção Apostólica.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


A SUAS ALTEZAS REAIS OS GRÃO-DUQUES


DE LUXEMBURGO EM VISITA OFICIAL


Quinta-feira, 27 de Março de 2003


Altezas!

Agradeço a Vossas Altezas Reais a visita e os sentimentos que me transmitistes da parte de todo o povo luxemburguês. Peço-lhes que tenham a amabilidade de transmitir a Suas Altezas Reais o Grão-Duque João e a Grã-Duquesa Josefa-Carlota a minha cordial recordação, garantindo à Grã-Duquesa a minha oração pela prova de saúde que está a atravessar.

Conheço a atenção que dedicais à educação dos jovens, para que seja transmitido às gerações futuras o património dos valores que forjaram as nossas sociedades e que devem continuar a dar-lhes uma alma. Como tive muitas vezes a ocasião de dizer, a construção da União europeia não pode limitar-se unicamente aos campos da economia e da organização do mercado. Ela tem em vista, antes de mais, um modelo de sociedade que honre a dignidade fundamental de todos os homens e os seus direitos, e que privilegie entre as pessoas e entre os povos relações fundadas na justiça, no respeito recíproco e na paz. É neste espírito que a Santa Sé trabalha, para recordar incansavelmente que o homem "vale mais pelo que é do que por aquilo que possui", como afirmou o Concílio Vaticano II. A dimensão religiosa do homem e dos povos, cuja importância não podemos ignorar, permite justamente que cada um exprima o seu ser profundo, reconheça a sua origem em Deus e compreenda o sentido da sua acção em termos de missão e de responsabilidade.

A todos os que vivem no nosso continente, que gozam da riqueza económica e dos benefícios da paz, temos o dever de dar a conhecer o valor inalienável da nossa humanidade comum e da responsabilidade que ela confere em relação a todos os homens, sobretudo aos que sofrem devido à pobreza, ao menosprezo da sua dignidade, ou que conhecem a prova da guerra. Sinto-me feliz porque, hoje, numerosos jovens europeus sentem sede do espírito das Bem-Aventuranças e estão prontos a acolhê-lo em maior medida na sua vida.

Agradeço-vos a vossa visita, e, através de vós, saúdo o querido povo luxemburguês e concedo-vos, Altezas, assim como aos vossos filhos, uma afectuosa Bênção Apostólica.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS PARTICIPANTES NA REUNIÃO PLENÁRIA


DA PONTIFÍCIA COMISSÃO PARA A AMÉRICA LATINA


Quinta-feira, 27 de Março de 2003


Senhores Cardeais
Queridos Irmãos no Episcopado

1. É com prazer que vos recebo, a vós Conselheiros e Membros da Pontifícia Comissão para a América Latina, que realizastes a vossa Assembleia Plenária a fim de examinar uma vez mais a situação eclesial nas terras da América Latina, identificar os seus problemas pastorais e oferecer algumas linhas-mestras para ajudar a traçar uma estratégia evangelizadora capaz de enfrentar os grandes desafios que se apresentam neste momento crucial do começo do novo milénio.

Agradeço cordialmente as expressivas palavras de saudação que, em nome de todos, me foram dirigidas pelo Senhor Cardeal Giovanni Battista Re, Presidente desta Pontifícia Comissão, apresentando-me as linhas-mestras que orientaram os vossos trabalhos nestes dias de encontro, de reflexão e de diálogo. Agradeço-vos também a todos o compromisso e o trabalho levado a cabo durante estes dias, que se realizam segundo as indicações e a ajuda que ofereceis, participando deste modo na minha solicitude de Pastor universal de toda a Igreja. As vossas considerações e propostas serão úteis para a renovada Evangelização da América Latina, cuja situação religiosa e social acompanhei sempre com interesse e afecto, de maneira muito concreta nas minhas 18 viagens apostólicas ao querido Continente da Esperança.

2. Desde o ano de 2001 até ao mês de Fevereiro do corrente ano de 2003, os Bispos latino-americanos realizaram as suas visitas ad Limina, com excepção da Colômbia e do México, que o farão mais tarde. A cada um dos 28 grupos que me visitaram, dirigi um discurso com indicações pastorais sobre vários temas. Na realidade, trata-se de orientações não apenas para o grupo concreto a que me dirigia em cada ocasião, mas para todo o Episcopado. A Pontifícia Comissão para a América Latina quis publicá-los num volume, que o Presidente me entregou e que pode ser um instrumento útil para recordar aquilo que eu disse, impelido pela minha solicitude pastoral e pelo meu amor à América Latina. Nesta circunstância, começastes as vossas sessões, estudando precisamente estas orientações.

3. Para fazer com que progrida o vosso compromisso de anunciar melhor Cristo aos homens e às mulheres de hoje, iluminando portanto, com a sabedoria do Evangelho, os desafios e os problemas que a Igreja e a sociedade na América Latina estão a enfrentar no começo do novo milénio, a Igreja tem necessidade de muitos evangelizadores qualificados que, com novo ardor, renovado entusiasmo e delicado espírito eclesial, transbordantes de fé e de esperança, falem "cada vez mais de Jesus Cristo" (Ecclesia in America ). Estes evangelizadores Bispos, sacerdotes, diáconos, religiosos, religiosas e fiéis leigos são, sob a orientação do Espírito Santo, os protagonistas indispensáveis na tarefa evangelizadora, em que contam mais as pessoas do que as estruturas, embora estas sejam de certa forma necessárias.

Tais estruturas devem ser simples, práticas e indispensáveis, de maneira a não sobrecarregar, mas a ajudar e facilitar o trabalho pastoral; por outro lado, deverão ser eficazes, segundo as exigências dos tempos actuais. É importante aproveitar todas as técnicas modernas em ordem à evangelização, mas evitando a burocratização excessiva, a multiplicação das viagens e das reuniões, assim como a utilização desnecessária de pessoas, tempo e recursos económicos, que poderiam destinar-se sobretudo à acção directa do anúncio evangélico e à atenção aos necessitados. As estruturas e as organizações, assim como o estilo de vida eclesial, devem reflectir sempre o rosto simples da América Latina, para facilitar uma maior aproximação às massas de deserdados, indígenas, imigrantes, deslocados, trabalhadores, marginalizados, enfermos e, em geral, às pessoas que sofrem, ou seja, a quantos são ou devem constituir o objectivo da vossa opção preferencial (cf. Ecclesia in America ).

4. A originalidade e a fecundidade do Evangelho, fonte contínua de criatividade, inspira sempre novas expressões e iniciativas na vida eclesial e ajuda a identificar novos métodos de evangelização que, em plena fidelidade ao Magistério e à Tradição da Igreja, sejam necessários para levar o anúncio do Evangelho aos lugares mais remotos, a todos os homens e mulheres, a cada etnia e a todas as classes sociais, inclusivamente aos sectores mais difíceis ou refractários.
A aceleração dos acontecimentos e das transformações sociais obriga a Igreja e, por conseguinte, os Pastores, a darem, sob o impulso da Graça, novos e significativos passos, orientados para uma entrega cada vez mais radical ao seu Senhor, com quem se devem identificar plenamente nos sentimentos, na doutrina e no modo de agir. Jesus Cristo é o único Senhor da Igreja e do mundo, e tudo deve orientar-se para Ele, uma vez que "a Igreja há-de centrar a sua atenção pastoral e a sua acção evangelizadora em Jesus Cristo, crucificado e ressuscitado. Tudo o que for projectado no campo eclesial deverá partir de Cristo e do seu Evangelho" (Ecclesia in America ).

5. Entre as realidades, ou problemas pastorais, submetidos à vossa consideração, existe um que merece especial atenção e que tem sido objecto de vossos estudos e de algumas resoluções nesta Reunião Plenária e naquela outra reduzida, que a Comissão organizou para o mês de Janeiro, com a colaboração do Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos, do Pontifício Conselho para o Diálogo Inter-Religioso e do CELAM.

Refiro-me ao fenómeno das seitas que como disse num recente discurso aos Bispos do Brasil "também nas vossas terras se está difundindo com incidência intermitente de zona para zona e com pontas acentuadas de proselitismo entre as pessoas mais fracas social e culturalmente... Não constitui ele para vós, Pastores, um autêntico desafio a renovar o estilo do acolhimento dentro das comunidades eclesiais e um estímulo premente a uma nova e corajosa evangelização, que desenvolva formas adequadas de catequese, sobretudo para os adultos?" (23 de Janeiro de 2003, n. 2)

Evangelização em profundidade, presença contínua e activa dos Pastores, Bispos e sacerdotes, entre os seus fiéis, relação pessoal dos fiéis com Cristo: eis aqui algumas chaves para enfrentar de forma resoluta o grave e insidioso problema das seitas.

6. É evidente que, em referência às situações ou realidades eclesiais, a que vos referistes na vossa Reunião, existem outros sectores, como os jovens, as famílias e sobretudo as vocações sacerdotais, que necessitam de uma atenção urgente por parte dos Pastores, com uma ampla sinergia, ou seja, com empenho de todos, apostando decididamente na unidade e na comunhão: é cada vez mais necessário "fazer da Igreja a casa e a escola da comunhão: eis o grande desafio que nos espera no milénio que começa, se quisermos ser fiéis ao desígnio de Deus e corresponder às expectativas mais profundas do mundo" (Novo millennio ineunte NM 43 cf. Ecclesia in America, cap. IV).

Quero lembrar aqui a grande importância que, para isso, tem a acção evangelizadora dos religiosos e religiosas, assim como a dos movimentos eclesiais; porém, estes e aqueles devem actuar sempre "em plena sintonia eclesial e obediência às directrizes autorizadas dos Pastores" (Novo millennio ineunte NM 46).

7. No ano passado, tive a ventura de voltar a prostrar-me diante da venerada imagem de Nossa Senhora de Guadalupe, por ocasião da minha visita ao México para canonizar, no dia 31 de Julho, o Beato João Diogo, seu mensageiro e, além disso, para beatificar os dois catequistas mártires de Oaxaca Guadalupe, depois de ter canonizado na Guatemala o Irmão Pedro de São José de Betancurt.

Desde que fui em peregrinação pela primeira vez ao maravilhoso Santuário Guadalupano, no dia 29 de Janeiro de 1979, Ela orientou os meus passos nestes quase 25 anos de serviço como Bispo de Roma e Pastor universal da Igreja. A Ela, caminho seguro para encontrar Cristo (cf. Ecclesia in America ), e que foi a primeira Evangelizadora da América, quero invocá-la como "Estrela da Evangelização" Stella evangelizationis confiando-lhe a obra eclesial dos seus filhos e filhas da América: os Pastores, os fiéis, as comunidades eclesiais, as famílias, os pobres, os idosos e os indígenas.

Como expressão destes bons votos, concedo-vos de coração a minha Bênção apostólica.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS PARTICIPANTES NO CURSO SOBRE


O FÓRUM INTERNO PROMOVIDO


PELA PENITENCIARIA APOSTÓLICA


Sexta-feira, 28 de Março de 2003






1. Caríssimos, o Curso sobre o fórum interno, promovido todos os anos pela Penitenciaria Apostólica, oferece-me a oportunidade de vos receber em Audiência especial. Dirijo uma cordial saudação ao Pró-Penitenciário-Mor, D. Luigi De Magistris, a quem agradeço as deferentes palavras que me dirigiu. Saúdo, depois, os Prelados e Oficiais do mesmo Tribunal e os Padres Penitenciários das Basílicas Patriarcais da Cidade, assim como os jovens sacerdotes e aspirantes ao sacerdócio, que participam nesta tradicional oportunidade de aprofundamento doutrinal.

Manifestei o meu apreço em variadas ocasiões por quantos se dedicam ao ministério penitencial na Igreja: o sacerdote católico, na verdade, é antes de mais o ministro do Sacrifício redentor de Cristo na Eucaristia, e ministro do perdão divino no sacramento da Penitência.

2. É-me grato, nesta ocasião, deter-me principalmente sobre a relação privilegiada que existe entre o sacerdócio e o sacramento da Reconciliação, que deve ser recebido pelo presbítero, antes de tudo, com fé e humildade, e também com frequência convicta. De facto, em relação aos eclesiásticos, o Concílio Vaticano II ensina: "Os ministros da graça sacramental unem-se intimamente a Cristo Salvador e Pastor pela recepção frutuosa dos Sacramentos, especialmente pela frequente recepção do Sacramento da Penitência o qual, preparado diariamente pelo exame de consciência, favorece em grande medida a necessária conversão do coração ao amor do Pai das misericórdias" (Decreto Presbyterorum Ordinis, PO 18 CIC, cân. CIC 276, 2, CIC 5, analogamente, CCEO, cân. CIC 369,1).

Ao valor intrínseco do sacramento da Penitência, enquanto recebido pelo sacerdote como penitente, acrescenta-se a sua eficiência ascética como ocasião de exame de si mesmo e, por conseguinte, de verificação, feliz ou dolorosa, do próprio nível de fidelidade às promessas. Além disso, ele é um momento inefável de "experiência" da caridade eterna que o Senhor nutre por cada um de nós na sua irrepetível individualidade; é desabafo de desilusões e amarguras infligidas talvez injustamente: é alívio confortador para as numerosas formas de sofrimento pelas quais a vida está marcada.

3. Depois, como ministro do sacramento da Penitência o sacerdote, consciente do precioso dom de graça que lhe foi confiado, deve oferecer aos fiéis a caridade do acolhimento cuidadoso, sem ser avarento com o seu tempo, nem áspero ou frio no modo de tratar. Ao mesmo tempo, ele deve usar a caridade, aliás, a justiça de apresentar, sem variantes ideológicas e sem deduções arbitrárias, o ensinamento genuíno da Igreja, evitando as profanas vocum novitates, em relação aos seus problemas.

Sobretudo, desejo recordar aqui a vossa atenção sobre o dever de adesão ao Magistério da Igreja sobre os problemas complexos que se apresentam em âmbito bioético e sobre a orientação moral e canónica no campo matrimonial. Na minha Carta, dirigida aos sacerdotes para a Quinta-Feira Santa de 2002, eu anotei: "Relativamente às questões éticas fundamentais da actualidade, por vezes acontece que os fiéis saem da confissão com as ideias bastante confusas, nomeadamente porque não encontram nos confessores a mesma linha de avaliação. Na realidade, aqueles que desempenham, em nome de Deus e da Igreja, este delicadíssimo ministério têm o dever concreto de não cultivar e, mais ainda, de não manifestar na sede sacramental juízos pessoais não sintonizados com o que a Igreja ensina e proclama. Não se pode confundir com amor o acto de faltar à verdade por um equivocado sentido de compreensão" (Carta aos Sacerdotes, 17 de Março de 2002, n. 10).

4. O sacramento da Penitência, se for bem administrado e recebido, revela-se um instrumento principal de discernimento vocacional. Quem age em fórum interno deve alcançar pessoalmente a certeza moral sobre a idoneidade e integridade daqueles que dirige espiritualmente para poder aprovar licitamente e encorajar as suas intenções de aceder às Ordens. Aliás, só podemos ter esta certeza moral, quando a fidelidade do candidato às exigências da vocação foi comprovada com experiência contínua.

Contudo, o director espiritual deve oferecer aos cadidatos ao sacerdócio não só o discernimento, mas também o exemplo da sua vida, procurando reproduzir em si o Coração de Cristo.

5. O recto e frutuoso ministério penitencial e o amor à fruição pessoal do sacramento da Penitência dependem sobretudo da graça do Senhor. Para obter este dom para o sacerdote é de particular relevo a mediação de Maria, Mãe da Igreja e Mãe dos sacerdotes, porque é Mãe de Jesus, Sumo e Eterno Sacerdote. Que ela se digne obter do seu Filho, para cada sacerdote, o dom da santidade, mediante o sacramento da Penitência humildemente recebido e oferecido com generosidade.

Desça sobre as vossas convicções, os vossos propósitos, e as vossas esperanças, a Bênção apostólica, propiciadora das bênçãos de Deus, que concedo a todos com afecto.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS BISPOS DA CONFERÊNCIA EPISCOPAL


DA INDONÉSIA POR OCASIÃO


DA VISITA "AD LIMINA APOSTOLORUM"


29 de Março de 2003




Queridos Irmãos Bispos

1. "Graça e paz vos sejam dadas da parte de Deus nosso Pai e do Senhor Jesus Cristo" (1Co 1,3)! É com estas palavras de São Paulo e com afecto no Senhor que vos saúdo, Bispos da Indonésia, por ocasião da vossa visita ad limina Apostolorum.Através de vós, abraço espiritualmente também o clero, os religiosos e os leigos das vossas Igrejas particulares. O facto de terdes vindo de tão longe para vos ajoelhardes junto dos túmulos dos Apóstolos, para rezardes em conjunto e para vos encontrardes com o Sucessor de Pedro, dá testemunho da índole universal da Igreja. Como Sucessores dos Apóstolos, cujo testemunho de Cristo crucificado e ressuscitado constitui o fundamento seguro da proclamação evangélica da Igreja em todos os tempos e lugares, viestes aqui para confirmar a vossa comunhão na fé a na caridade. Estou-vos grato porque, neste período de provações, conseguistes realizar esta peregrinação em ordem a compartilhar a fé, as experiências e as reflexões das vossas comunidades locais, assim como os desafios que estais a enfrentar. Que os frutos dos nossos encontros enriqueçam a Igreja que está na Indonésia e promovam o vosso ministério pastoral.

2. A vossa liderança ajuda a assegurar que a Igreja ocupe um lugar na linha de vanguarda na promoção da paz e da harmonia, num país formado por grupos tão diferentes entre si. Com efeito, a vossa Conferência procura reflectir o lema Bihneka Tungal Ika, "unidade na diversidade", que está representado no vosso brasão nacional. As vossas diferentes formações étnicas e culturais, reunidas numa atmosfera de fé, diálogo e confiança mútua podem oferecer um modelo de esperança para toda a Indonésia. No começo de uma nova era, a Indonésia está a enfrentar o desafio da construção de uma sociedade fundamentada nos princípios democráticos da liberdade e da igualdade dos seus cidadãos, independentemente da língua, raça, proveniência étnica, herança cultural ou religião. Não tenho qualquer dúvida de que a Igreja permanecerá activamente comprometida nestes esforços, encorajando todas as pessoas a unirem-se no exercício das suas responsabilidades cívicas, através do diálogo e da abertura, evitando todo o tipo de preconceito ou intolerância. O desenvolvimento de uma sociedade que assume estes ideais democráticos ajudará a impedir a violência dramática que, infelizmente, tem representado um flagelo no vosso país nos últimos anos.


DIscursos João Paulo II 2003