
DIscursos João Paulo II 2003
Infelizmente, até mesmo aqueles que foram ordenados para o serviço podem, às vezes, sucumbir como vítimas de certas tendências culturais ou sociais insalubres, que debilitam a sua credibilidade e obstam seriamente a sua missão. Como homens de fé, os sacerdotes não podem permitir que a tentação do poder ou do lucro material os distraia da sua vocação, e não devem permitir que as diferenças étnicas ou de casta os desviem da sua função fundamental de difusão do Evangelho. Como pais e irmãos, os Bispos hão-de amar e respeitar os seus presbíteros. Da mesma forma, os sacerdotes devem amar e honrar os seus Pastores. Vós e os vossos presbíteros sois todos arautos do Evangelho e construtores da unidade na Índia. As diferenças pessoais ou particularidades de nascimento nunca podem debilitar este seu papel essencial (cf. Discurso aos Sacerdotes da Índia, Goa, 7 de Fevereiro de 1986).
5. Um compromisso determinante na ajuda mútua assegura a nossa unidade na missão, que se fundamenta no próprio Cristo; "graças à mesma união, abeirar-nos-emos também de todas as culturas, de todas as concepções ideológicas e de todos os homens de boa vontade" (Redemptor hominis RH 12). Temos a obrigação de recordar sempre as palavras de São Paulo, que ensinava: "Ninguém de nós vive por si mesmo, e ninguém de nós morre por si mesmo" (Rm 14,7). A Igreja exorta também os fiéis a debaterem e colaborarem, com prudência e caridade, com os membros das outras religiões. Se conseguirmos comprometer-nos com estes nossos irmãos e irmãs, seremos capazes de orientar os nossos eforços para uma solidariedade duradoura entre as religiões. Em conjunto, devemos procurar reconhecer o nosso dever de fomentar a unidade e a caridade entre os indivíduos, reflectindo acerca daquilo que temos em comum e sobre o que pode promover ulteriormente a fraternidade entre nós (cf. Nostra aetate, NAE 1-2).
Encorajar a verdade exige um profundo respeito por tudo aquilo que foi incutido no coração do homem pelo Espírito, que "sopra onde quer" (Jn 3,8). A verdade que nos foi revelada obriga-nos a ser sentinelas e mestres da mesma. Ao transmitirmos a verdade de Deus, devemos conservar sempre "uma profunda estima pelo homem, pela sua inteligência, pela sua vontade, pela sua consciência e pela sua liberdade (cf. AAS 58 [1966], PP 936-938). De tal modo, a própria dignidade da pessoa humana torna-se o conteúdo daquele anúncio, mesmo sem palavras, mas simplesmente através do comportamento em relação à mesma pessoa livre" (Redemptor hominis, RH 12). A Igreja católica na Índia tem promovido de maneira consistente a dignidade de cada pessoa humana e fomentado o consequente direito de todos os povos à liberdade religiosa. O seu encorajamento de tolerância e de respeito pelas outras religiões é demonstrado através dos numerosos programas de intercâmbio religioso, que vós desenvolvestes tanto a nível nacional como local. Exorto-vos a dar continuidade a estes diálogos francos e úteis com os membros das outras religiões. Estes debates ajudar-nos-ão a cultivar esta busca mútua da verdade, harmonia e paz.
Confio-vos todos à protecção de Maria Mãe da Igreja
6. Meus dilectos Irmãos, Pastores do Povo de Deus, no início do terceiro milénio, voltemos a dedicar-nos à missão de congregar os homens e as mulheres numa unidade de propósitos e de compreensão. Rezo a fim de que a vossa peregrinação aos túmulos dos Apóstolos Pedro e Paulo tenha renovado as forças de que tendes necessidade para desenvolver uma autêntica espiritualidade de comunhão, que ensine todas as pessoas a "reservar espaço" aos seus irmãos e irmãs e, ao mesmo tempo, "carregando os fardos uns dos outros" (cf. Novo millennio ineunte, NM 43). Confio-vos todos, os vossos sacerdotes, religiosos e fiéis leigos à intercessão da Beata Teresa de Calcutá e à protecção de Maria, Mãe da Igreja. Como penhor de paz e de alegria em nosso Senhor Jesus Cristo, concedo-vos do íntimo do coração a minha Bênção apostólica.
Caríssimos Bispos italianos
1. "Graça e paz vos sejam dadas da parte de Deus, nosso Pai, e do Senhor Jesus Cristo" (1Co 1,3).
Saúdo com afecto cada um de vós, reunidos em Assis, junto da Basílica de Santa Maria dos Anjos, para a vossa 52ª Assembleia Geral. Acompanho-vos com a oração e desejo que transcorrais juntos dias de comunhão intensa e de trabalho fecundo. Saúdo, em particular, o Cardeal Presidente, Camillo Ruini, os três Vice-Presidentes, o Secretário-Geral, e todos os que colaboram com generoso empenho nas actividades da vossa Conferência.
2. A vossa solicitude de Pastores concentrar-se-á nesta ocasião sobre o tema da paróquia, que é de importância fundamental na vida e na missão da Igreja. Muito oportunamente, no programa da vossa Assembleia, ela é apresentada como "Igreja que vive entre as casas dos homens", fazendo eco às palavras com que descrevia a índole da paróquia na Exortação Apostólica Christifideles laici (cf. n. 26).
Faço questão de realçar que partilho convosco a convicção do papel central e insubstituível que compete à paróquia ao tornar possível, e num certo sentido fácil e espontânea para cada pessoa e família, a participação na vida da Igreja. De facto, como afirmava o Concílio Vaticano II na Constituição sobre a Sagrada Liturgia, as paróquias "representam, de algum modo, a Igreja visível espalhada por todo o mundo" (n. 42).
A numerosa presença das paróquias em todo o território italiano, a sua vitalidade e capacidade de desempenhar um serviço pastoral e também social atento às necessidades da população, são uma riqueza extraordinária da Igreja na Itália. Na vossa Assembleia procurareis os caminhos mais adequados para conservar e incrementar esta riqueza, na presença de grandes mudanças sociais e culturais do nosso tempo e enfrentando os multíplices desafios que tendem para afastar da fé e da Igreja também um povo como o italiano, cujo enraizamento cristão é tão sólido e profundo.
Para alcançar estes resultados será particularmente importante que as paróquias italianas mantenham aquele característico estilo "familiar" que as distingue e que faz delas, num certo sentido, grandes "famílias de famílias": desta forma, as paróquias constituirão um ambiente de vida caloroso e acolhedor e poderão oferecer uma grande contribuição para a defesa e para a promoção daquela realidade preciosa e insubstituível, mas hoje infelizmente ameaçada sem trégua, que é a família.
3. Esta vossa Assembleia é também para mim uma ocasião propícia para dirigir uma saudação afectuosa, reconhecida e encorajadora, aos numerosos sacerdotes italianos comprometidos no ministério paroquial, começando pelos párocos.
Conheço bem a sua canseira quotidiana, os problemas que com muita frequência encontram, as desilusões que não faltam, e quero garantir a minha cordial proximidade. Mas conheço também o zelo e a confiança que os animam, o espírito de fé e o sentido da Igreja, dos quais tiram sempre renovadas energias.
Saibam estes sacerdotes que o Papa os leva no coração e que confia neles para manter a fé no Povo de Deus e para fazer crescer nos Pastores e nos fiéis o impulso apostólico e missionário, para que as comunidades paroquiais sejam células vivas de irradiação do cristianismo.
4. Caríssimos Irmãos no Episcopado, desejo expressar o mais vivo apreço pela constante solicitude pastoral com que seguis e acompanhais a vida social da Itália.
Um ano após a minha visita ao Parlamento italiano, esta amada Nação, que tanto contribuiu e contribui para a construção da Europa e para a difusão de valores de civilização autênticos, continua a ser atormentada por vários problemas e contrastes, enquanto ainda não está totalmente extirpada a erva daninha do terrorismo político.
Por conseguinte, estou ao vosso lado na obra que cada um de vós desempenha para favorecer a serenidade e a concórdia nas relações entre as diversas forças e componentes políticas, sociais e institucionais. Além disso, partilho de coração o vosso contínuo compromisso por tutelar a vida humana, a família fundada no matrimónio, a liberdade escolar concreta, e também a vossa solicitude pelo desenvolvimento do emprego e pelo apoio às camadas da população mais pobres.
5. Caríssimos Bispos italianos, estais reunidos em Assis no 750º aniversário da morte de Santa Clara. Esse lugar, ao qual me ligam inesquecíveis recordações, é símbolo de paz para o mundo inteiro. Uno-me espiritualmente a vós para invocar o dom da paz sobre a humanidade atormentada por tantos conflitos sanguinolentos. Juntamente convosco, confio ao Senhor os italianos que morreram no Iraque, cumprindo o seu dever ao serviço dessas populações.
Por fim, rezemos pela Itália e por todas as Igrejas confiadas ao vosso cuidado pastoral, para que a fé e a caridade de Cristo sejam luz e alimento para toda a Nação.
Com sentimentos de profundo afecto concedo a vós, às vossas Dioceses e a cada paróquia uma especial Bênção apostólica.
Vaticano, 14 de Novembro de 2003.
Quinta-feira, 20 de Novembro de 2003
Eminências
Queridos Irmãos Bispos
Dilectos Irmãos e Irmãs em Cristo
1. A paz esteja convosco! É com alegria que vos dou as boas-vindas hoje aqui. Faço extensivas as minhas saudações especiais ao Presidente do Pontifício Conselho para a Pastoral dos Migrantes e Itinerantes, Card. Stephen Fumio Hamao, enquanto lhe agradeço as amáveis palavras que me desejou dirigir em nome de todos vós. É-me grato saudar os demais Cardeais e Bispos presentes entre vós, e transmitir as minhas especiais boas-vindas aos nossos irmãos e irmãs das outras Comunidades cristãs. Por ocasião do vosso quinto Congresso Mundial, asseguro-vos inclusivamente a minha proximidade espiritual em relação aos migrantes, refugiados, pessoas deslocadas e estudantes estrangeiros do mundo inteiro, a quem vós procurais dar assistência.
O trabalho de promoção do bem-estar dos numerosos homens e mulheres que, por diversificados motivos, não vivem na sua própria pátria, representa um vasto campo de acção em prol da nova evangelização, para o qual toda a Igreja é chamada. Uma condição importante deste trabalho, hoje, consiste em reconhecer a mobilidade voluntária ou involuntária de um número tão elevado de famílias.
2. A Igreja continua a procurar responder aos sinais dos tempos; um desafio que exige sempre um compromisso pastoral renovado. Inspirado pela Constituição Apostólica Exsul familia, do Papa Pio XII, e na resposta ao ensinamento do Concílio Vaticano II, actualmente o vosso Pontifício Conselho está a preparar uma Instrução para abordar as novas necessidades espirituais e pastorais dos migrantes e refugiados, apresentando o fenómeno da migração como uma forma de promoção do diálogo, a paz e a proclamação do Evangelho.
Hoje há que prestar atenção especial ao aspecto ecuménico da migração, com referência aos cristãos que não vivem em plena comunhão com a Igreja católica e, de igual modo, à dimensão inter-religiosa, particularmente no que se refere aos seguidores do islão. Estou persuadido de que esta Instrução responderá a tais exigências, tomando em consideração inclusivamente a necessidade de promover um programa pastoral aberto a novos desenvolvimentos que, contudo, esteja sempre atento ao dever que os agentes pastorais têm de colaborar plenamente com a hierarquia local.
3. Neste contexto, foi escolhido o tema do vosso Congresso: "Recomeçar a partir de Cristo: rumo a um renovado cuidado pastoral dos migrantes e dos refugiados". Tendo a minha Carta Apostólica Novo millennio ineunte como seu ponto de partida, vós desejais considerar os desafios contemporâneos à luz da Palavra de Deus e dos ensinamentos da Igreja, pondo em evidência a caridade e tendo em consideração especial o mistério da Eucaristia, de forma particular a celebração da mesma aos domingos. Encorajo-vos nesta tarefa, enquanto vos recordo que não estamos à procura de uma fórmula, mas sim de uma Pessoa e da certeza que ela nos dá: "Eis que Eu estarei convosco todos os dias" (Mt 28,20).
Com esta finalidade, volto a afirmar que para a renovação pastoral, independentemente do seu objectivo essencial, "não se trata de inventar um "programa novo". O programa já existe: é o mesmo de sempre, expresso no Evangelho e na Tradição viva. Concentra-se, em última análise, no próprio Cristo, que temos de conhecer, amar e imitar, para nele viver a vida trinitária e com Ele transformar a história até à sua plenitude" (Novo millennio ineunte NM 29). Trata-se da nossa proclamação conjunta de Jesus Cristo, que deve chegar "às pessoas, plasmar as comunidades e permear em profundidade a sociedade e a cultura, através do testemunho dos valores evangélicos" (Ibidem).
4. É precisamente na sociedade e na cultura que devemos mostrar respeito pela dignidade do homem, do migrante e do refugiado. A este propósito, exorto uma vez mais os Estados a aderirem à Convenção Internacional para a Salvaguarda dos Direitos dos Trabalhadores Migrantes e das suas Famílias, que entrou em vigor a partir do dia 1 de Julho do corrente ano de 2003.
Analogamente, dirijo um apelo aos Estados, a fim de que respeitem os Tratados internacionais relativos aos refugiados. Esta protecção das pessoas humanas deve ser garantida em toda a sociedade civil e promovida por todos os cristãos.
5. Agradecido pelo trabalho levado a cabo pelo Pontifício Conselho para a Pastoral dos Migrantes e Itinerantes, e pela assistência de todas as pessoas que colaboram com ele, é com alegria que compartilho estas reflexões convosco, encorajando-vos nas vossas deliberações ao longo dos próximos cinco anos. A vós e àqueles que são confiados ao vosso cuidado especial, concedo a minha Bênção apostólica como penhor de fortaleza e de paz em nosso Senhor Jesus Cristo.
Sexta-feira, 21 de Novembro de 2003
Veneráveis Irmãos no Episcopado
Queridos Irmãos e Irmãs
1. É com grande prazer que vos recebo, Membros do Pontifício Conselho Cor Unum, vindos a Roma para a Assembleia Plenária do vosso Dicastério. Saúdo a todos, de coração. Saúdo, de modo particular, D. Paul Josef Cordes, a quem desejo dirigir uma palavra de cordial agradecimento pelas expressões gratulatórias que me endereçou.
O amor a Deus e aos irmãos é manifestação directa da fidelidade da Igreja ao seu Senhor, que "se entregou a si mesmo por nós" (Ep 5,2). Do coração dilacerado de Jesus crucificado nasceu a Igreja, a qual, consequentemente, se sente obrigada a comunicar ao mundo o amor que d'Ele recebeu. Comunica-O também aos homens do nosso tempo, sobretudo aos pobres e a quantos se encontram em qualquer tipo de necessidade. É esta, queridos Membros do Pontifício Conselho Cor Unum, a tarefa que o Papa vos confia, para que sejais de apoio a tantos irmãos e irmãs em dificuldade, fazendo-lhes experimentar a ternura divina e a proximidade amorosa do Sucessor de Pedro.
2. A Igreja está ao serviço do homem nas suas diversas e concretas necessidades materiais e corporais. Pois "o homem é o caminho da Igreja", como escrevi na Enciclica Redemptor hominis exactamente no inicio do meu Pontificado (cf. n. 14), a atenção que a ele se deve prestar leva-nos a olhar em profundidade com veemente desejo de uma plenitude de vida que está no seu coração.
Evidencia bem esta exigência o tema "A dimensão da religião na vossa actividade caritativa" que escolhestes para o vosso encontro. De facto, ele realça que, ao aliviar quem está faminto, doente, só, sofredor, não seja negligenciada aquela íntima aspiração que pulsa em cada criatura humana, ao encontrar e conhecer a Deus. Todos, de facto, estamos em busca de respostas satisfatórias aos grandes interrogativos da existência. Nós, cristãos, sabemos que somente em Jesus se encontra a verdadeira e completa resposta a tantas inquietações do espírito humano.
Eis por que a Igreja não se limita a atender somente as expectativas materiais de quem está em dificuldade; não esgota a sua acção caritativa ao construir estruturas e obras filantrópicas, por mais louváveis que sejam. Esforça-se igualmente por ir ao encontro das questões existenciais mais recunditas, mesmo se não claramente expressas. E com simplicidade e prudência pastoral não hesita em testemunhar Cristo, que revela o rosto de Deus Pai, terno e misericordioso.
3. Caríssimos Membros do Pontifício Conselho Cor Unum, estou-vos sinceramente agradecido pelo trabalho que quotidianamente realizais e pela ajuda que dais à Santa Sé. As reflexões destes dias vos levem a pôr em evidencia o significado e o valor evangélico da diaconia da caridade, que a Igreja exerce através das suas instituições benéficas e que testemunha com a dedicação de tantas pessoas.
Não faltam exemplos luminosos deste serviço de amor a Deus e ao próximo. Indico a todos Teresa de Calcutá, que pude acompanhar pessoalmente não por poucos anos e que recentemente tive a alegria de inscrever no álbum dos Beatos. Do céu interceda por vós e torne frutuoso o vosso trabalho. Vele sempre por vós Maria Santissima, Mãe de Misericórdia e Consoladora dos aflitos.
Com tais sentimentos, concedo de coração a propiciadora Bênção Apostólica a cada um de vós e às actividades que o Pontifício Conselho Cor Unum desenvolve com generoso empenho.
Sábado, 22 de Novembro de 2003
Senhor Cardeal
Caros Irmãos no Episcopado
1. É-me grato receber-vos a todos, por ocasião da vossa visita ad Limina aos túmulos dos Apóstolos Pedro e Paulo. Saúdo de modo especial os mais jovens entre vós, que participam pela primeira vez neste encontro, enquanto agradeço ao Cardeal Godfried Danneels, Presidente da Conferência Episcopal, as palavras que acaba de me dirigir. Formulo votos a fim de que esta visita, que constitui um tempo forte de contactos e de intercâmbios com as Congregações da Santa Sé, para um melhor serviço de evangelização, mas também um momento privilegiado de celebração do affectus collegialis que nos une, seja para cada um de vós uma etapa significativa e um encorajamento na vossa árdua mas exaltante missão de pastores do Povo de Deus.
2. As informações que me chegam, a propósito da situação da vossa Igreja, são particularmente preocupantes para mim. Com efeito, não se pode ocultar a inquietude concreta e séria, diante da diminuição regular e forte da prática religiosa no vosso País, que se refere às celebrações dominicais mas também a numerosos sacramentos, em particular o Baptismo, a Reconciliação e sobretudo o Matrimónio. De igual modo, a forte diminuição do número de sacerdotes e a crise persistente das vocações constituem um motivo de graves preocupações para vós. Todavia, salientais a qualidade da colaboração pastoral existente entre vós e os sacerdotes, nos vossos conselhos presbiterais, bem como com os representantes do povo de Deus e nos conselhos pastorais diocesanos. A participação cada vez mais activa dos fiéis leigos na missão da Igreja, especialmente no contexto das paróquias, constitui igualmente um motivo de satisfação. Esta participação deve desenvolver-se segundo o espírito de co-responsabilidade, desejado pelo Concílio Vaticano II e em conformidade com as indicações pastorais contidas na Instrução interdicasterial sobre algumas questões relativas à colaboração dos fiéis leigos no ministério dos presbíteros, que recorda a diferença essencial entre o sacerdócio comum e o sacerdócio ministerial, e o carácter insubstituível do múnus ordenado. Desta forma, para evitar eventuais confusões, é necessário que sejam expressos claramente os princípios doutrinais a este propósito. Isto ajudará os fiéis a compreender de modo mais clarividente o sentido do ministério presbiteral, para o serviço ao povo de Deus. Sem dúvida, os jovens não serão capazes de se comprometer no ministério, se não descobrirem o lugar que lhes é reservado no seio da comunidade cristã, e se os fiéis questionarem o valor do seu compromisso. Consequentemente, a vossa tarefa neste campo consiste em educar o conjunto dos vossos diocesanos sobre o sentido e o valor do ministério ordenado.
3. Naturalmente, a rápida mudança que verificais corresponde a uma evolução sensível da sociedade, caracterizada por uma secularização de grande amplidão que, às vezes, poderia fazer pensar que a sociedade belga quer ignorar as raízes cristãs que, contudo, a fazem viver profundamente. Assim, no vosso País constituiu-se recentemente uma legislação nova e inquietadora, nos campos que dizem respeito às dimensões fundamentais da vida humana e social, como o nascimento, o matrimónio, a família, a doença e a morte. Vós não deixastes de intervir a respeito destas questões. É importante que os pastores façam ouvir sempre a sua voz, para confirmar a visão cristã da existência e, em tal circunstância, para ressaltar a sua desaprovação, uma vez que estas mudanças a nível legislativo não constituem apenas o sinal de adaptações ou de evoluções, em relação a novas mentalidades e comportamentos, mas atingem profundamente a dimensão ética da vida humana e voltam a pôr em dúvida a lei natural, a concepção dos direitos humanos e, de maneira ainda mais profunda, a concepção do homem e da sua natureza.
4. Por conseguinte, é num terreno pastoral novo, mutável e difícil, que vós estais a viver a vossa missão de pastores da Igreja de Cristo. Como escrevi recentemente aos bispos do mundo inteiro, "se o dever de anunciar o Evangelho é próprio de toda a Igreja e de cada um dos seus filhos, pertence a título especial aos bispos, que no dia da sagrada Ordenação, pela qual são inseridos na sucessão apostólica, assumem como compromisso principal o múnus de pregar o Evangelho, e de o pregar "com a fortaleza do Espírito, chamando os homens à fé ou confirmando-os na fé viva" (Christus Dominus, CD 12)" (Pastores gregis ). Portanto, a nossa responsabilidade episcopal consiste em fazer ouvir com vigor e clarividência o anúncio da salvação de Deus, oferecido a todos os homens no mistério do amor redentor de Cristo, salvação esta que se cumpriu de uma vez para sempre no madeiro da Cruz, e em convidar os fiéis a levar uma vida em conformidade com a fé que eles mesmos professam. Numa sociedade que está a perder os seus pontos de referência tradicionais e que favorece de bom grado um relativismo generalizado em nome do pluralismo, o nosso dever primordial consiste em conhecer Cristo, o seu Evangelho de paz e a nova luz que Ele faz brilhar sobre o destino do homem. Ao agir assim, "nenhuma ambição move a Igreja; ela tem em vista um só fim: continuar, sob o impulso do Espírito Santo, a obra do próprio Cristo, que veio ao mundo para dar testemunho da verdade, para salvar e não para condenar, para servir e não para ser servido" (Gaudium et spes, GS 3). Portanto, convido-vos a continuar activamente o diálogo com a sociedade civil e com o conjunto do povo da Bélgica, preocupando-se em fazer conhecer de maneira explícita os valores da fé cristã e a sua rica experiência do homem, ao longo da história e das culturas, não para impor o seu próprio modelo, mas no respeito pela verdade de que vós sois os ministros, em nome de Cristo, e no respeito pelo próprio diálogo, que exige a consideração pela identidade própria e legítima de cada um. É sob estas condições que a Igreja encontrará o seu justo lugar no seio da sociedade belga, anunciando o Evangelho com clarividência e trabalhando em benefício da sua inculturação progressiva na cultura contemporânea.
5. Para permitir que os fiéis se identifiquem de modo oportuno nesta perspectiva realmente missionária, encorajo-vos a desenvolver sobretudo a formação teológica, espiritual e moral do maior número de pessoas: assim, os fiéis leigos serão melhor ajudados na sua própria vida cristã, preparando-se ainda mais para dar a razão da sua esperança (cf. 1P 3,15), graças a um conhecimento mais aprofundado da Palavra de Deus e do mistério da fé, coadjuvada por uma exposição orgânica e coerente do seu conteúdo, nomeadamente a partir do Catecismo da Igreja Católica. Procurai ajudar também as universidades e os institutos que oferecem a formação superior, especializadas mas indispensáveis, para que eles se esforcem cada vez mais em vista de testemunhar, com coerência, o vigor do pensamento cristão, prestando nisto um serviço importante, de forma especial para a formação presbiteral! Sede vigilantes, ao promoverdes as relações institucionais, mas também de estima e de confiança, que vos unem a tais entidades e às pessoas que nelas trabalham, sobretudo os teólogos, de tal maneira que a unidade católica se manifeste sempre, no respeito necessário das competências e das responsabilidades de cada um (cf. Pastores gregis )! Com efeito, a Igreja católica "deve cumprir a sua missão com o cuidado de manter a sua identidade cristã (...) Conservando a sua autonomia científica, ela tem o dever de viver o ensinamento do Magistério nos diferentes campos da investigação em que se encontra comprometida" (Discurso no Congresso organizado pela Congregação para a Educação Católica e a Federação Internacional das Universidades Católicas, n. 6). Compete às Autoridades universitárias e aos pastores, que sois vós, vigiar neste campo. Exorto-vos ainda, em união com os párocos e os serviços de catequese e de formação permanente, difundir a Bíblia nas famílias, a fim de que "a escuta da Palavra se torne um encontro vital, segundo a antiga e sempre válida tradição da lectio divina: esta permite ler o texto bíblico como palavra viva que interpela, orienta, plasma a existência" (Novo millennio ineunte NM 39). De maneira totalmente especial, faço votos para que os fiéis aprofundem cada vez mais a importância da Eucaristia, na sua vida pessoal e comunitária. Que eles saibam dedicar também algum tempo à oração na sua vida diária, haurindo da verdadeira fonte, segundo um princípio essencial da concepção cristã da vida: o primado da graça (cf. ibid., n. 38)!
6. É necessário um esforço particular para tornar cada vez mais sólida a formação humana, moral, teológica e espiritual dos futuros sacerdotes, que terão a responsabilidade de orientar as comunidades cristãs do porvir; de promover a qualidade do seu testemunho na sociedade em que hão-de viver; e de manifestar a unidade do presbitério ao redor do Bispo. A exigência nesta matéria não se deve contentar com uma formação recebida somente a partir de fora; tornar-se pastor segundo o Coração de Cristo exige uma verdadeira conversão do ser; isto pode ser alcançado através de todas as dimensões da formação sacerdotal, no cadinho da vida ordinária, como também no aprofundamento da vida espiritual. Espera-se de modo particular que os jovens, e mais em geral todo o conjunto do povo cristão, possam conhecer sem equívocos as exigências objectivas da vocação ao ministério presbiteral, especialmente naquilo que diz respeito ao celibato para as ordens sagradas que, em conformidade com a tradição que nos advém do Senhor, são reservados aos homens. Aquilo que eu disse a toda a Igreja, no início do novo milénio, "Duc in altum, faz-te ao largo!" (Novo millennio ineunte NM 1), volto a afirmar de modo particular às vossas comunidades: fazei-vos ao largo, hauri das profundezas, restituindo à vida cristã toda a sua densidade espiritual! A almejada renovação da vida cristã e das vocações ao ministério ordenado, assim como à vida consagrada, não pode vir somente das reformas ou das reorganizações exteriores, por mais úteis que elas sejam, mas sobretudo de uma renovação interior da vida de fé dos pastores e dos fiéis. De igual modo, é importante redescobrir a dimensão sacramental da Igreja e a verdade do seu mistério, como Esposa mística do Filho de Deus (cf. Ep Ep 5,31-32), que é o Redentor do homem. É também nesta profundidade que o ministério ordenado encontra o seu verdadeiro significado: não se trata apenas através das diversificadas e múltiplas actividades do múnus de ser animador ou coordenador da comunidade, mas sim de representar sacramentalmente, na e pela comunidade, Cristo Servo, Cabeça da Igreja que é o seu Corpo. Como é que esta dádiva do Senhor à Igreja poderia deixar de existir? Exorto-vos, queridos Irmãos, a sustentar e a encorajar com todas as vossas forças de pastores uma pastoral das vocações que interpele as comunidades e os jovens, para que todos tenham o cuidado de transmitir o chamamento de Deus e de, assim, preparar o futuro das vossas dioceses.
7. A Igreja que está na Bélgica sempre esteve atenta à educação da juventude, mobilizando para esta finalidade uma boa parte das suas forças vivas, sobretudo os religiosos e as religiosas, assim como as escolas católicas, muito numerosas no vosso País, que hoje em dia acolhem um elevado número de alunos. A este propósito, felicito-vos por terdes afirmado de novo com clareza os princípios do ensinamento católico e o vosso apego à sua identidade. Exorto os responsáveis, os professores e os pais dos estudantes, a fim de que aprofundem as riquezas desta identidade católica, para transmitir às jovens gerações o melhor da tradição educativa da Igreja, o sentido de Deus e o sentido do homem, assim como os princípios morais indispensáveis, para lhes permitir progredir com serenidade e responsabilidade pelos caminhos da vida. Então, entre os jovens da Bélgica, poderão sobressair aqueles que escolherem viver o Evangelho, comprometendo-se nas realidades temporais e no Sacramento do Matrimónio, e aqueles que quiserem seguir Cristo de maneira mais radical, pelo caminho dos conselhos evangélicos, acrescentando assim novos frutos à messe já abundante da vida consagrada na Bélgica. É entre estes jovens, abertos à generosidade de Cristo e à universalidade do seu amor, que poderão nascer igualmente vocações de sacerdotes diocesanos e de presbíteros missionários para o mundo.
8. Ao mesmo tempo que salientastes, nos vossos relatórios, as dificuldades da vida cristã numa sociedade que parece amnésica, evidenciastes igualmente os sinais de uma renovação possível: o renovado vigor das peregrinações, a atracção pelo silêncio dos mosteiros, o incremento sensível do número dos catecúmenos adultos, a participação activa de numerosos leigos na vida das comunidades paroquiais e o gosto renovado em muitos deles, por uma vida espiritual autêntica. Então, pode-se dizer com o Salmista: "Os que semeiam com lágrimas, ceifam no meio de canções. Vão andando e chorando ao levar a semente. Ao regressarem, voltam cantando, trazendo os seus feixes" (Ps 126 [125], 5-6). A esperança do crente, assim expressa ao voltar do Exílio na Babilónia, ilumina a vida dos fiéis leigos. Com efeito, dos debates importantes que animam a sociedade belga contemporânea, é exigido um testemunho dúplice: o da palavra profética, com uma tomada de posição clara e em conformidade com as exigências do Evangelho, como no-lo recorda oportuna e inoportunamente (cf. 2Tm 4,2) o Magistério da Igreja, mas também o testemunho dos actos, dos homens e mulheres que participam nas alegrias e dificuldades da vida quotidiana, através da vida conjugal e da vida familiar, do trabalho e das responsabilidades sociais ou políticas, atentos aos seus irmãos e solidários nas suas alegrias e esperanças (cf. Gaudium et spes, GS 1), desejosos de lhes dar testemunho do amor incondicional a Cristo. Procurai encorajar e apoiar todos aqueles que trabalham para promover uma pastoral familiar que dê testemunho da grandeza do matrimónio cristão e da generosidade do acolhimento dos filhos, e que possa ajudar também aqueles que foram feridos no seu projecto de vida, a encontrar o seu lugar na comunidade eclesial! A fé do Salmista ilumina, de igual modo, o trabalho diário dos sacerdotes, que se dedicam com generosidade à sua missão pastoral, mas que às vezes podem ser tentados pela lassidão ou pelo desânimo, perante as dificuldades que encontram. Que eles saibam como o Papa lhes está próximo, dando graças pela fecundidade não raro oculta do seu ministério e rezando a fim de que se apeguem cada vez mais a Cristo, seu Mestre e Senhor! Dirijo o meu reconhecimento inclusive aos diáconos permanentes: em comunhão com os bispos e em colaboração com os presbíteros, mediante a sua vida de consagração eles anunciam o amor fiel e humilde de Cristo. É na "esperança que se realiza em nós o mistério da Páscoa" (Missal Romano, Prefácio para os Domingos, n. 6), tirada do manancial do Sacrifício eucarístico, que vós mesmos, Bispos da Bélgica, recebeis em cada dia forças renovadas para encorajar, sustentar, iluminar e orientar as pessoas que o Senhor vos confiou na sua Igreja. Sede para elas profetas, testemunhas e servidores da esperança: "Com efeito, a esperança, especialmente em tempos de crescentes incredulidade e indiferença, é um apoio firme para a fé e um incentivo eficaz para a caridade. Ela extrai a sua força da certeza da vontade salvífica universal de Deus (cf. 1Tm 2,3) e da presença constante do Senhor Jesus, o Emanuel que está sempre connosco, até ao fim do mundo (cf. Mt Mt 28,20)" (Pastores gregis ).
A Virgem Maria, que trazia no seu seio a esperança de todos os homens, vele com amor sobre as necessidades da Igreja que está na Bélgica, orientando o coração de todos os fiéis rumo ao seu Filho, como já fizera durante as bodas de Caná: "Fazei tudo o que Ele vos disser" (Jn 2,5)!
A todos vós, concedo uma afectuosa Bênção apostólica, que faço extensiva do íntimo do coração aos sacerdotes e aos diáconos, aos religiosos e às religiosas, assim como a todos os fiéis leigos das vossas dioceses.
DIscursos João Paulo II 2003