DIscursos João Paulo II 2004






                                                                             Janeiro de 2004

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


A UM GRUPO DE REITORES


E PROFESSORES UNIVERSITÁRIOS


DE VRATISLÁVIA E DE OPOLE (POLÓNIA)


Quinta-feira, 8 de Janeiro de 2004




Estimado Senhor Cardeal
Ilustres Senhores e Senhoras

Dou-vos as minhas boas-vindas a todos! É-me grato poder receber representantes tão ilustres dos ambientes académicos de Vratislávia e de Opole. Estou-vos grato pela vossa presença e pela vossa benevolência.

Aceito com gratidão o dom, com que os vossos Ateneus quiseram honrar-me. Recebo-o como expressão de reconhecimento, mas sobretudo como sinal eloquente do vínculo que se estreita cada vez mais entre a Igreja e o mundo da ciência na Polónia. Parece que, graças a Deus, já passou aquele período em que, por motivos ideológicos, se procurou dividir, aliás, num certo sentido, opor estas duas fontes do crescimento espiritual do homem e da sociedade. Experimentei isto pessoalmente, de maneira muito especial. Se hoje recordamos o 50º aniversário do meu debate em vista de obter a habilitação à cátedra de livre ensino, não podemos esquecer que esta habilitação foi a última concedida pela Faculdade de Teologia, na Universidade Jagelónica. Pouco tempo mais tarde, ela foi suprimida pelas autoridades comunistas. Tratou-se de um acto destinado a dividir as instituições, mas a sua intenção consistia também em opor a razão e a fé. Não falo aqui daquela distinção que nasceu na idade média tardia, com base na autonomia das ciências, mas da separação que foi imposta, violando o património espiritual da Nação.

Todavia, nunca me abandonou a convicção de que, em última análise, aquelas tentativas não teriam alcançado a sua finalidade. Esta convicção reforçava-se em mim, graças aos encontros pessoais com os homens de ciência, os professores de várias matérias, que davam testemunho do profundo desejo de diálogo e de comum busca da verdade. Expressei esta convicção também como Papa, quando escrevi: "A fé e a razão constituem como que as duas asas com que o espírito humano se eleva para a contemplação da verdade" (Fides et ratio FR 1).

A vossa presença aqui inspira em mim a esperança que este diálogo vivificador há-de durar e que nenhuma das ideologias contemporâneas conseguirá interrompê-lo. É com esta esperança que contemplo todas as universidades, as academias e as escolas superiores. Formulo votos a fim de que as grandes possibilidades intelectuais e espirituais do mundo científico polaco recebam uma assistência material adequada, de maneira a poder ser valorizadas e conhecidas no mundo, em vantagem do bem comum.

Agradeço-vos uma vez mais. Peço-vos que transmitais a minha saudação às vossas comunidades académicas.

Deus vos abençoe!



MENSAGEM DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS PARTICIPANTES NO CONGRESSO INTERNACIONAL


SOBRE "DIGNIDADE E DIREITOS


DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA"




Aos participantes no Congresso Internacional
sobre "Dignidade e direitos da pessoa com deficiência mental"

1. Reunistes-vos em Roma, ilustres senhoras e senhores, peritos nas ciências humanas e teológicas, sacerdotes, religiosos, leigos e leigas comprometidos na vida pastoral, para estudar os delicados problemas apresentados pela educação humana e cristã das pessoas portadoras de deficiência mental. Este Congresso, organizado pela Congregação para a Doutrina da Fé, tem como ideal o encerramento do Ano europeu das pesoas deficientes e situa-se no sulco de um ensinamento eclesial já muito rico e abundante, ao qual corresponde um efectivo e amplo compromisso do Povo de Deus em vários níveis e nas suas diversas articulações.

2. O ponto de partida para cada reflexão sobre a deficiência está enraizado nas persuasões fundamentais da antropologia cristã: a pessoa deficente, também quando está ferida na mente ou nas suas capacidades sensitivas e intelectivas, é um sujeito plenamente humano, com os direitos sagrados e inalienáveis próprios de cada criatura humana. Com efeito, o ser humano independentemente das condições em que se desenrola a sua vida e das capacidades que pode expressar, possui uma dignidade única e um valor singular desde o princípio da sua existência até ao momento da morte natural. A pessoa deficiente, com todos os limites e sofrimentos pelos quais está marcado, obriga-nos a interrogar-nos, com respeito e sabedoria, acerca do mistério do homem. De facto, quanto mais nos movemos nas áreas obscuras e desconhecidas da realidade humana, tanto mais se compreende que precisamente nas situações mais difíceis e preocupantes emerge a dignidade e a grandeza do ser humano. A humanidade ferida e deficiente desafia-nos a reconhecer, acolher e promover em cada um destes nossos irmãos e irmãs o valor incomparável do ser humano criado por Deus para ser filho no Filho.

3. A qualidade de vida no âmbito de uma comunidade mede-se em grande parte pelo compromisso na assistência aos mais débeis e aos mais necessitados e pelo respeito da sua dignidade de homens e de mulheres. O mundo dos direitos não pode ser privilégio só dos sadios. Também a pessoa portadora de deficiência deverá ser facilitada para que participe, na medida do possível, na vida da sociedade e seja ajdada a realizar todas as suas capacidades de ordem física, psíquica e espiritual. Só quando são reconhecidos os direitos dos mais débeis é que uma sociedade pode considerar-se fundada sobre o direito e sobre a justiça: o deficiente não é uma pessoa de um modo diferente dos outros, por isso, ao reconhecer e promover a sua dignidade e os seus direitos, nós reconhecemos e promovemos a dignidade e os direitos nossos e de todos.

Uma sociedade que desse espaço unicamente aos membros plenamente funcionais, totalmente autónomos e independentes não seria uma sociedade digna do homem. A discriminação com base na eficiência não é menos lastimável da que é realizada com base na raça, no sexo ou na religião. Uma forma subtil de descriminação está presente também nas políticas e nos projectos educativos que procuram ocultar e negar as imperfeições da pessoa deficiente, propondo estilos de vida e objectivos não correspondentes à sua realidade e, no fim, frustrantes e injustos. Com efeito, a justiça requer que nos coloquemos à escuta atenta e amorosa da vida do próximo e que respondamos às necessidades singulares e diversas de cada um, tendo em consideração as suas capacidades e limites.

4. A diversidade devida à deficiência pode ser integrada na respectiva e irrepetível individualidade e para isto devem contribuir os familiares, os professores, os amigos, e toda a sociedade. Portanto, para a pessoa deficiente, assim como para qualquer outra pessoa humana, não é importante fazer o que os outros fazem, mas fazer o que é deveras bem para ela, praticar cada vez mais as próprias riquezas, responder com fidelidade à própria vocação humana e sobrenatural.

Por conseguinte, ao reconhecimento dos direitos deve seguir-se um compromisso sincero de todos para criar condições concretas de vida, estruturas de apoio, tutelas jurídicas capazes de responder às necessidades e às dinâmicas de crescimento da pessoa deficiente e de quantos participam na sua situação, a começar pelos seus familiares. Acima de qualquer outra consideração ou interesse particular ou de grupo, é preciso procurar promover o bem integral destas pessoas, e não lhes devemos negar o apoio e a protecção necessários, mesmo se isto comporta uma maior carga económica e social. Talvez mais do que outros doentes, os sujeitos mentalmente atrasados precisam de atenção, de afecto, de compreensão, de amor: não os podemos deixar sós, quase desarmados e inermes, na difícil tarefa de enfrentar a vida.

5. A respeito disto, merece uma atenção particular a solicitude pelas dimensões afectivas e sexuais da pessoa deficiente. Trata-se de um aspecto muitas vezes removido ou enfrantado de maneira superficial e redutiva ou até ideológica. A dimensão sexual é, ao contrário, uma das dimensões constitutivas da pessoa que, sendo criada à imagem de Deus-Amor, está originariamente chamada a realizar-se no encontro e na comunhão. O pressuposto para a educação afectivo-sexual da pessoa deficiente encontra-se na persuasão de que ela tem necessidade de afecto pelo menos na mesma medida de qualquer outro. Também ela precisa de amar e de ser amada, precisa de ternura, de proximidade, de intimidade. Infelizmente, a realidade é que a pessoa deficiente se encontra a viver estas exigências legítimas e naturais numa situação de desvantagem, que se torna cada vez mais evidente com a passagem da idade infantil para a adulta. A pessoa deficiente, apesar de estar afectada na sua mente e nas suas dimensões interpessoais, procura relações autênticas nas quais possa ser apreciada e reconhecida como pessoa.

As experiências realizadas nalgumas comunidades cristãs demonstraram que uma vida comunitária intensa e estimulante, um apoio educativo contínuo e discreto, a promoção de contactos de amizade com pessoas adequadamente preparadas, o hábito de orientar as pulsações e desenvolver um sadio sentido do pudor como respeito da própria intimidade pessoal, muitas vezes conseguem reequilibrar afectivamente a pessoa deficiente mental e levá-la a viver relações interpessoais ricas, fecundas e satisfatórias. Demonstrar à pessoa deficiente que é amada significa revelar que ela, aos nossos olhos, tem valor. A escuta atenta, a compreensão das necessidades, a partilha dos sofrimentos, a paciência no acompanhamento são outras formas de introduzir a pessoa deficiente numa relação humana de comunhão, para lhes fazer compreender o seu valor, para tomarem consciência da sua capacidade de receber e doar amor.

6. Sem dúvida, as pessoas deficientes, revelando a fragilidade radical da condição humana, são uma expressão do drama do sofrimento e, neste nosso mundo, sequioso de hedonismo e fascinado pela beleza efémera e falaz, as suas dificuldades muitas vezes são vistas como um escândalo e uma provocação e os seus problemas como um peso que se deve remover ou resolver apressadamente. Ao contrário, elas são ícones vivos do Filho crucificado. Revelam a beleza misteriosa d'Aquele que se despojou por nós e se fez obediente até à morte. Mostram-nos que a consistência definitiva do ser humano, além de qualquer aparência, é posta em Jesus Cristo. Por isso, se disse oportunamente que as pessoas deficientes são testemunhas privilegiadas de humanidade. Podem ensinar a todos o que é o amor que salva e podem tornar-se anunciadoras de um mundo novo, já não dominado pela força, pela violência e pela agressividade, mas pelo amor, pela solidariedade, pelo acolhimento, um mundo novo transfigurado pela luz de Cristo, o filho de Deus que, para nós, homens, se encarnou, foi crucificado e ressuscitou.

7. Estimados participantes neste Congresso, a vossa presença e o vosso compromisso são, para o mundo, um testemunho de que Deus está sempre da parte dos pequeninos, dos pobres, dos que sofrem e dos marginalizados. Ao fazer-se homem e ao nascer na pobreza de uma manjedoura, o Filho de Deus proclamou em si mesmo a bem-aventurança dos aflitos e partilhou em tudo, excepto no pecado, o destino do homem criado à Sua imagem. Depois do Calvário, a Cruz, abraçada com amor, torna-se o caminho da vida e ensina a todos que, se sabemos percorrer com abandono confiante o caminho cansativo e difícil do sofrimento humano, florescerá para nós e para os nossos irmãos a alegria de Cristo vivo que supera qualquer desejo e expectativa. Concedo-vos a todos uma Bênção especial!

Vaticano, 5 de Janeiro de 2004.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AO SENHOR GIUSEPPE BALBONI ACQUA


NOVO EMBAIXADOR DA ITÁLIA


JUNTO DA SANTA SÉ POR OCASIÃO


DA APRESENTAÇÃO DAS CARTAS CREDENCIAIS


Sexta-feira, 9 de Janeiro de 2004




Senhor Embaixador

1. É de bom grado que recebo as cartas com as quais o Presidente da República Italiana o acredita como Embaixador Extraordinário e Plenipotenciário junto da Santa Sé. Nesta feliz circunstância apresento-lhe as minhas cordiais boas-vindas juntamente com fervorosos votos de ano novo, há pouco iniciado.

Desejo agradecer-lhe por me ter transmitido a saudação do Senhor Presidente da República e do Senhor Presidente do Conselho dos Ministros. Peço-lhe que se digne gentilmente retribuir tais sentimentos e comunicar os meus votos fervorosos por que o povo italiano progrida constantemente pelo caminho da prosperidade e da paz, mantendo intacto o património de valores religiosos, espirituais e culturais, que fizeram grande a sua civilização. Em momentos difíceis, a amada Nação que Vossa Excelência representa soube manter alto o seu espírito de altruísmo, prodigalizando-se com profundo sentido de responsabilidade e generosa dedicação a quantos, atingidos pelas situações adversas, se encontraram com necessidade de solidariedade concreta e efectiva. Nem devemos esquecer a atenção concreta para criar em campo internacional uma ordem justa em cujo centro esteja o respeito pelo homem, pela sua dignidade e pelos seus direitos inalienáveis.

Esse compromisso implica também riscos, como aconteceu recentemente com o tributo de sangue quer dos militares mortos no Iraque quer de voluntários italianos noutras partes do mundo. Formulo votos cordiais para que a Itália possa continuar, com os seus dotes peculiares de humanidade e generosidade, a promover um verdadeiro diálogo e crescimento, sobretudo na bacia Mediterrânea e na zona dos Balcãs, da qual é geograficamente vizinha, mas também no Médio Oriente, no Afeganistão e no Continente Africano.

2. Como Vossa Excelência, Senhor Embaixador, realçou, são muito estreitos os vínculos milenários que unem a Sé de Pedro aos habitantes da Península, cujo rico património de valores cristãos constituem uma fonte viva de inspiração e de identidade. O mesmo Acordo de 18 de Fevereiro de 1984 afirma que a República Italiana reconhece "o valor da cultura religiosa", tendo em consideração o facto de que "os princípios do catolicismo fazem parte do património histórico do Povo italiano" (cf. art. 9, 2).

Por conseguinte, a Itália tem uma competência particular para se comprometer a fim de que também a Europa, nas organizações competentes, reconheça as suas raízes cristãs, que são capazes de garantir aos cidadãos do Continente uma identidade não efémera ou meramente baseada em interesses político-económicos, mas sim em valores profundos e imperecíveis. Os fundamentos éticos e os ideais que estiveram na base dos esforços para a unidade europeia hoje são ainda mais necessários, se quisermos oferecer uma estabilidade ao perfil institucional da União Europeia.

Desejo encorajar o Governo e todos os representantes políticos italianos a prosseguir os esforços até agora realizados neste âmbito. Que a Itália continue a recordar às Nações irmãs a extraordinária herança religiosa, cultural e civil que permitiu que a Europa fosse grande ao longo dos séculos.

3. Durante o ano que há pouco iniciou recordar-se-ão duas importantes etapas nas relações entre a Santa Sé e a Itália: o 75º aniversário dos Pactos Lateranenses e o 20º aniversário do Acordo de modificação assinado na "Villa Madama". Duas datas que testemunham como é proveitosa a colaboração existente entre as Partes contraentes, colaboração que se desenvolveu mediante o respeito dos âmbitos recíprocos e o diálogo sereno e constante, na vontade de encontrar soluções equitativas para as respectivas exigências.

Os critérios de distinção e de legítima autonomia nas respectivas funções, de estima recíproca e de colaboração leal para a promoção do homem e do bem comum constituem os princípios inspiradores dos Pactos Lateranenses, que tiveram a sua confirmação no Acordo de 18 de Fevereiro de 1984. Será necessário inspirar-se constantemente nestes critérios para a solução dos eventuais problemas à medida que forem surgindo.

Nos passados vinte anos depois do Acordo de "Villa Madama" as competentes Autoridades italianas procederam a estipular diversos entendimentos integrativos previstos pelo mencionado Acordo. Por conseguinte, podemos olhar com satisfação para quanto foi realizado até agora.

Para o que ainda falta, ou para eventuais progressos e complementos, é desejável que, no mesmo espírito, se possa chegar depressa a uma regulamentação da convenção. A Igreja não pede privilégios, nem pretende ultrapassar o âmbito espiritual próprio da sua missão. Os entendimentos, que surgem deste diálogo respeitador, não têm outra finalidade a não ser permitir-lhe desempenhar em plena liberdade a sua tarefa universal e favorecer o bem espiritual do povo italiano. Com efeito, a presença da Igreja na Itália vai em benefício de toda a sociedade.

4. Senhor Embaixador, Vossa Excelência realçou o papel fundamental da família, hoje insidiada, segundo a opinião de muitos, por um mal-entendido sentido dos direitos. A Constituição italiana recorda e tutela a centralidade desta "sociedade natural fundada no matrimónio" (art. 29). Por isso, é tarefa dos governantes promover leis que favoreçam a sua vitalidade. A unidade desta célula primordial e fundamental da sociedade precisa de ser tutelada; a família espera também ajudas de carácter social e económico que são necessárias para o cumprimento da sua missão. Ela está chamada a desempenhar uma importante missão educadora, formando pessoas maduras e ricas de valores morais e espirituais que saibam viver como bons cidadãos. É importante que o Estado preste ajuda à família, sem jamais sufocar a liberdade de opção educativa dos pais e apoiando-os nos seus direitos inalienáveis e nos seus esforços, para a consolidação do núcleo familiar.

Senhor Embaixador, são estas reflexões que a sua agradável visita suscita ao meu coração. Deus faça com que a Itália seja cada vez mais intimamente unida e solidária. São estes os meus votos, que acompanho com uma especial oração. Garanto-lhe a minha estima e o meu apoio no cumprimento da nobre missão que lhe foi confiada, assim como a total atenção por parte dos meus colaboradores. Corroboro estes sentimentos com a Bênção apostólica, que de bom grado concedo a Vossa Excelência, à sua família e ao amado povo italiano.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

AOS MEMBROS DO PONTIFÍCIO CONSELHO PARA A CULTURA

9 de Janeiro de 2004






Senhor Cardeal
Caríssimos Membros
do Pontifício Conselho para a Cultura

Obrigado pela vossa visita: transmito a cada um de vós a minha cordial saudação de boas-vindas. Saúdo, em particular, o Cardeal Paul Poupard, vosso Presidente, e estou-lhe grato pelas amáveis palavras que me dirigiu em nome de todos os presentes.

O livro que me ofereceis hoje reúne os textos mais significativos dos Papas, a respeito da relação entre a fé e a cultura, desde Leão XIII até agora. O volume representa um ulterior testemunho de que, ao longo dos séculos, o Magistério pontifício sempre promoveu uma visão positiva das relações entre a Igreja e os protagonistas do mundo da cultura. De facto, o âmbito cultural constitui um significativo areópago da acção missionária da Igreja.

Também eu, durante estes anos, seguindo os passos dos meus venerados Predecessores, procurei manter um diálogo constante com os representantes da cultura, apresentando ao homem do terceiro milénio a mensagem salvífica de Cristo.

Caríssimos, Deus vos acompanhe no vosso trabalho diário. Sobre vós invoco a protecção constante de Maria, Sede da Sabedoria, para que torne frutuosos os vossos esforços em ordem à difusão do Evangelho. Com estes sentimentos, é de coração que vos abençoo a vós, assim como a todos os vossos entes queridos.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

AO SENHOR KOUAMÉ BENJAMIM KONAN

NOVO EMBAIXADOR DA COSTA DO MARFIM


JUNTO DA SANTA SÉ POR OCASIÃO


DA APRESENTAÇÃO DAS CARTAS CREDENCIAIS


Sábado, 10 de Janeiro de 2004




Senhor Embaixador

1. É com grande prazer que recebo Vossa Excelência por ocasião da apresentação das Cartas que o acreditam como Embaixador extraordinário e plenipotenciário da República da Costa do Marfim junto da Santa Sé. Exprimo-lhe a minha gratidão pelas saudações cordiais que Vossa Excelência acaba de me transmitir da parte do Presidente da República da Costa do Marfim, do governo e suas. Ficar-lhe-ia grato por se dignar transmitir a Sua Excelência o Senhor Laurent Gbagbo os votos que formulo para a sua pessoa e para o cumprimento do seu nobre cargo ao serviço da Nação. Por seu intermédio, desejo saudar todo o povo marfinense. A recordação do acolhimento muito caloroso que ele me reservou por ocasião das minhas três visitas ao seu nobre país permanece na minha memória e no meu coração. Peço a Deus que o guie e o ampare nos seus esforços para progredir pelos caminhos de uma paz duradoura, a fim de que a tranquilidade readquirida permita que todos beneficiem de uma existência digna e pacífica.

2. Vossa Excelência, Senhor Embaixador, acaba de recordar a vontade dos Responsáveis da Costa do Marfim de não poupar esforço algum para alcançar a reconciliação nacional efectiva entre todos os seus habitantes, em vista de um regulamento pacífico da grave crise que o seu país atravessa desde o mês de Setembro de 2002. Os meus votos fervorosos são para que o processo de reconciliação nacional seja prosseguido e intensificado, e que o diálogo das armas ceda o lugar às armas do diálogo.

A vontade de levar a termo o desarmamento das diversas partes envolvidas no conflito é uma etapa importante no caminho da paz, pois manifesta a nobre aspiração de dizer sim à concórdia e não à violência, para fazer progredir juntos, pelos caminhos da concórdia e da unidade nacional, os diferentes componentes do País. Não duvido de que este desarmamento incluirá todas as armas detidas pela população, contribuindo assim para a estabilidade interior do país. A perspectiva da livre circulação das pessoas e dos bens deveria permitir também que as Autoridades dêem de novo confiança às populações e lhes proporcionem a possibilidade de prover às suas necessidades fundamentais. Para favorecer o restabelecimento de condições de vida normais, seria conveniente que as instituições e as diferentes administrações, instrumentos indispensáveis para o bom funcionamento da vida pública e das relações entre as Autoridades e os cidadãos, sejam imediatamente restabelecidas, porque todos nós sabemos que estas infra-estruturas, dotadas de pessoal que trabalha para o bem de todos, são fundamentais para o dinamismo do país. De igual modo, compete aos Responsáveis políticos fazer com que as escolas, elos essenciais para a educação das jovens gerações no sentido generoso do esforço, da aprendizagem da vida em sociedade e da recepção dos valores fundamentais para viver em comunidade, estejam em condições de dispensar aos alunos o ensino ao qual eles têm direito. Um melhor funcionamento das instituições organizativas da sociedade fará aumentar em todos o desejo imperioso de enfrentar o desafio da reconciliação, da fraternidade e do desenvolvimento da Nação. Neste espírito, o diálogo e o respeito restabelecidos entre todos os marfinenses, mediante a concórdia e a negociação, serão uma ocasião renovada para realizar cada vez mais os nobres ideais de liberdade, de solidariedade, de hospitalidade e de tolerância religiosa que Vossa Excelência acaba de se referir.

3. A consolidação das relações de confiança entre as comunidades humanas e religiosas que constituem o seu país é ao mesmo tempo um desafio e uma condição necessária para fazer desaparecer o receio do próximo e para reencontrar o prazer de viver em comunidade. Faço apelo aos responsáveis religiosos e aos membros de todas as comunidades para que se comprometam com todas as energias nesta tarefa fundamental para a estabilidade, o desenvolvimento e esplendor do País. De igual modo, a confiança recíproca, que deveria inspirar sempre e impregnar a vida social, política e económica de um país em todos os seus níveis, enraiza-se na promoção dos valores morais universais, tais como o respeito dos direitos humanos e o sentido da dignidade de cada pessoa. Esta confiança não se pode concretizar plenamente se não estiver fundada permanentemente no amor. Como tive a ocasião de recordar recentemente, "o amor é a forma mais alta e mais nobre de relação dos seres humanos inclusive entre si. Consequentemente o amor deverá animar todos os sectores da vida humana, estendendo-se também à ordem internacional. Só uma humanidade onde reine a "civilização do amor" poderá gozar de uma paz autêntica e duradoura" (Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 2004, n. 10). Possam os esforços empreendidos por cada um, a todos os níveis da sociedade, para consolidar os vínculos da confiança e para se educarem reciprocamente, de maneira respeitadora, responsável e desinteressada, e para a resolução pacífica dos conflitos, desenvolver cada vez mais nos marfinenses a nobre consciência do contributo que o seu país está chamado a dar para a promoção do bem precioso da paz no vosso continente e em todo o mundo, em vista da edificação de uma verdadeira família das nações!

4. Vossa Excelência insiste sobre o papel da Igreja católica na Costa do Marfim e sobre as acções que ela desempenha para participar de maneira específica, mediante a voz dos seus Pastores e mediante as iniciativas dos seus membros, na resolução pacífica do conflito do seu país. Isto é para mim motivo de alegria. Através da sua pessoa, Senhor Embaixador, desejo saudar com afecto todos os membros da comunidade católica marfinense, que vivem no país ou na diáspora. Estando unidos aos seus Pastores, comportem-se cada vez mais como verdadeiras testemunhas do Evangelho, fermentos de unidade e de reconciliação, vivendo e propondo claramente os valores que a mensagem cristã transmite! Amparados pela protecção materna da Virgem Maria, Nossa Senhora da Paz, de Yamoussoukro, poderão trabalhar pacientemente, com todos os homens de boa vontade, para afastar os receios e os preconceitos que impedem que as pessoas construam uma sociedade renovada e solidária.

Vossa Excelência realça de igual modo a parte activa que a Igreja católica assume para garantir, em relação com as Organizações internacionais, o apoio material, médico, psicológico e espiritual das populações deslocadas e das vítimas traumatizadas pelo conflito. O amor de Cristo, que ela pretende testemunhar a toda a humanidade, convida-a a preocupar-se por todos os homens, privilegiando as pessoas mais débeis e as que sofrem. Rejeitando qualquer divisão, que põe em perigo o prosseguimento do bem comum, e querendo dar a conhecer a Boa Nova de Cristo, ela sabe que está chamada, mediante as suas obras de saúde, de acção social e caritativa, e também mediante a educação, a contribuir para o desenvolvimento integral das pessoas e dos povos, em conformidade com a sua vocação. Convido-a a perseverar neste esforço, sobretudo no apoio que ela pode dar às famílias; "saem, de facto, da família os cidadãos e na família encontram a primeira escola daquelas virtudes sociais, que são a alma da vida e do desenvolvimento da mesma sociedade" (Exortação Apostólica Familiaris consortio FC 42).

5. No final do nosso encontro, no momento em que Vossa Excelência começa a sua missão, apresento-lhe os meus melhores votos para a nobre tarefa que o aguarda. Garanto-lhe que encontrará sempre um acolhimento atento e uma compreensão cordial junto dos meus colaboradores.

Invoco de todo o coração sobre Vossa Excelência, os seus colaboradores, a sua família, o povo marfinense e os seus Dirigentes, a abundância das Bênçãos divinas.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AO SENHOR BAMBANG PRAYITO,


NOVO EMBAIXADOR DA INDONÉSIA


JUNTO À SANTA SÉ POR OCASIÃO


DA APRESENTAÇÃO DAS CARTAS CREDENCIAIS


10 de Janeiro de 2004





Senhor Embaixador

Dou-lhe as calorosas boas-vindas a Vossa Excelência, no momento em que recebo as Cartas Credenciais que o designam Embaixador Extraordinário e Plenipotenciário da República da Indonésia junto da Santa Sé. Esta ocasião renova as lembranças da visita que realizei ao seu País, em 1989, quando pude experimentar pessoalmente a hospitalidade, o calor e as ricas tradições culturais do povo indonésio. Com tais recordações, agradeço as saudações e os bons votos que Vossa Excelência me transmite da parte da Presidente, Senhora Megawati Soekarnoputri. É de bom grado que retribuo os seus amáveis sentimentos, enquanto lhe peço que transmita a ela, ao governo e ao povo da Indonésia, as expressões da minha estima e a certeza das preces pelo desenvolvimento e prosperidade permanentes da Nação.

Como o Senhor Embaixador frisou, o seu País e a Santa Sé gozam de vínculos de amizade e de cooperação que se estão a tornar cada vez mais vigorosos, em virtude dos nossos compromissos mútuos em vista de trabalhar pela paz e pelo bem-estar de todas as pessoas, a cada nível da sociedade. Trata-se de um empreendimento que empenha todos os homens e mulheres de boa vontade e, hoje, constitui uma tarefa de importância singular, dado que toda a família humana está à procura de meios eficazes para contrastar o terrorismo internacional. Não há dúvida de que este flagelo funesto se tornou mais virulento ao longo dos últimos anos, gerando massacres brutais que só servem para exacerbar situações já difíceis, aumentar as tensões e diminuir as possibilidades de paz entre os povos e as nações. Infelizmente, o seu próprio País experimentou de maneira directa estes hediondos actos de violência e de desrespeito pela inviolabilidade da vida humana inocente.

O profundo abalo sentido no mundo inteiro há quinze meses, quando uma bomba terrorista explodiu em Bali, ainda permanece fortemente presente na mente e no coração da comunidade internacional.

Não obstante o desprezo pela vida humana, representado por estes ataques terroristas, a nossa resposta jamais deve ser de ódio e de vingança. E não são suficientes as medidas meramente punitivas ou repressivas. A luta contra o terrorismo deve ser enfrentada também a nível da política e da educação. É necessária a mobilização da política, para eliminar as causas subjacentes às situações de injustiça, que podem levar as pessoas a cometer actos de desespero e de violência.
É também necessário empenhar-se em programas de educação que se inspirem no respeito pela vida humana e o promovam em todas as circunstâncias. Só deste modo é que a unidade da raça humana prevalecerá, demonstrando que é mais poderosa do que as divisões contingentes que separam os indivíduos, os grupos e os povos (cf. Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 2004, n. 8). E é precisamente a este respeito que as grandes religiões do mundo têm um importante papel a desempenhar.

Efectivamente, a compreensão e a cooperação entre as religiões empenham-se em grande medida na promoção de um sentido mais clarividente da unicidade de toda a humanidade, contribuindo para erradicar as causas sociais e culturais do terrorismo. De resto, estou convencido de que os líderes religiosos do islão, do cristianismo e do judaísmo devem ocupar a linha de vanguarda, ao condenar o terrorismo e negar aos terroristas qualquer forma de legitimidade religiosa ou moral. O diálogo deve ser promovido como forma de consciência mútua, intercâmbio de patrimónios espirituais e instrumento para uma superação pacífica das diferenças. Este é o único modo de garantir a unidade, assegurar a estabilidade e edificar a democracia, tão ardentemente almejada pela grande Nação que Vossa Excelência representa.

A este mesmo propósito, é-me grato observar o compromisso concreto do seu governo, em ordem a manter a harmonia entre os seguidores das diferentes religiões presentes na Indonésia. Com efeito, o mote representado no brasão nacional Bihneka Tungal Ika, "unidade na diversidade" exprime um importante princípio-guia, enquanto o seu País procura edificar e fortalecer uma sociedade fundamentada nos princípios democráticos da liberdade e da igualdade, independentemente da língua, da tradição étnica, da herança cultural ou da religião. As eleições presidenciais, programadas para o final do corrente ano um momento realmente histórico para a Indonésia oferecem uma excelente oportunidade para reforçar estes princípios nas instituições democráticas do País e para fomentar a plena participação de todos os cidadãos na vida pública da Nação. Este clima político pode demonstrar-se também como um grandioso benefício para a transformação permanente da sociedade indonésia, enquanto se realizam esforços em vista de eliminar a corrupção e de assegurar que sejam respeitados os direitos humanos de todos os cidadãos, de forma especial dos que pertencem às minorias étnicas e religiosas.

Por sua vez, a Igreja católica contribui activamente para a continuação do programa nacional de desenvolvimento de estruturas capazes de satisfazer as expectativas e as aspirações de todos os povos do arquipélago. O seu papel no campo da educação é de importância particular: embora os católicos representem apenas uma pequena porção do total da população, eles desenvolveram um sistema escolar abrangente e eficaz. O compromisso em prol da tolerância religiosa e do princípio fundamental da liberdade religiosa permite que a Igreja ofereça uma contribuição inestimável para a vida do País. Formulo votos a fim de que o Governo continue a assisti-lo no cumprimento da sua missão, respeitando a identidade católica das suas escolas e actividades educativas.

Senhor Embaixador, estou convicto de que a sua missão fortalecerá ainda mais os vínculos de compreensão e de amizade já existentes entre nós. Vossa Excelência pode ter a certeza de que a Santa Sé continuará a ser um parceiro comprometido do seu País, enquanto ele procura fazer progredir o seu próprio desenvolvimento e a fortalecer a estabilidade e a paz na Ásia e no seio da comunidade mais vasta das nações. Sobre Vossa Excelência e o querido povo da República da Indonésia, invoco cordialmente as abundantes bênçãos de Deus Todo-Poderoso.




DIscursos João Paulo II 2004