DIscursos João Paulo II 2004

1. É-me particularmente grato encontrar-me com os ilustres membros da Pontifícia Academia das Ciências. Agradeço ao vosso Presidente, Prof. Nicola Cabibbo, as amáveis palavras de saudação e de bons votos que me dirigiu em vosso nome.

Os encontros da Academia foram sempre uma ocasião de enriquecimento recíproco e, em determinados casos, levaram a estudos de interesse significativo para a Igreja e para o mundo da cultura em geral. Estas iniciativas têm contribuído para um diálogo mais fecundo entre a Igreja e a comunidade científica. Estou persuadido de que elas levarão a uma investigação mais aprofundada das verdades da ciência e das verdades da fé, verdades estas que, em última análise, convergem naquela única Verdade que os fiéis crentes só reconhecem na sua integridade no Rosto de Jesus Cristo.

2. A Sessão Plenária do corrente ano, dedicada à ciência e à criatividade, levanta importantes interrogações, profundamente vinculadas à dimensão espiritual do homem. Através da cultura e das actividades criativas, os seres humanos têm a capacidade de transcender a realidade material e de "humanizar" o mundo que nos circunda. A Revelação ensina-nos que os homens e as mulheres são criados "à imagem e semelhança de Deus" (cf. Gn Gn 1,26) e, assim, possuem uma especial dignidade que os torna capazes, mediante o trabalho das suas próprias mãos, de reflectir a própria actividade criativa de Deus (cf. Laborem exercens LE 4). De maneira concreta, eles são destinados a constituir-se em "co-criadores" com Deus, lançando mão do seu conhecimento e das suas capacidades para forjar um cosmos em que o plano divino se orienta constantemente rumo à sua realização (cf. Gaudium et spes GS 34). Esta criatividade humana encontra expressões privilegiadas na busca do conhecimento e da investigação científica. Como realidade espiritual, tal criatividade deve ser exercida de maneira responsável; ela exige o respeito pela ordem natural e, acima de tudo, pela natureza de cada ser humano, enquanto o homem é o seu sujeito e a sua finalidade.

A criatividade que inspira o progresso científico é considerado especialmente na capacidade de confrontar e de resolver sempre novas questões e problemáticas, muitas das quais têm repercussões planetárias. Os homens e as mulheres de ciência são interpelados a pôr esta criatividade cada vez mais ao serviço da família humana, trabalhando para aperfeiçoar a qualidade de vida no nosso planeta e promovendo um desenvolvimento integral da pessoa humana, tanto a nível material como espiritual. Se quisermos que a criatividade científica chegue a beneficiar o progresso humano autêntico, ela deve permanecer separada de toda e qualquer forma de condicionamento financeiro ou ideológico, de maneira a poder dedicar-se exclusivamente à busca imparcial da verdade e ao serviço desinteressado da humanidade em geral. A criatividade e as novas descobertas deveriam reunir tanto a comunidade científica como todos os povos do mundo, numa atmosfera de cooperação que valorize mais a partilha generosa do conhecimento do que propriamente a competitividade e os interesses individuais.

3. O tema do nosso encontro convida a uma reflexão renovada acerca dos "caminhos da descoberta". Efectivamente, existe uma profunda lógica intrínseca no processo da descoberta. Os cientistas aproximam-se da natureza com a convicção de que estão a confrontar-se com uma realidade que eles não criaram, mas que receberam, uma realidade que se revela gradualmente à sua paciente investigação. Eles sentem muitas vezes apenas explicitamente que a natureza contém um Logos que convida ao diálogo. O cientista procura apresentar as justas interrogações acerca da natureza mantendo, ao mesmo tempo, uma atitude de receptividade humilde e até mesmo de contemplação no que se lhe refere. A "maravilha" que as primeiras reflexões filosóficas sobre a natureza suscitaram e que em seguida deu origem à própria ciência, não diminuiu de modo algum com as novas descobertas; na realidade, ela desenvolve-se constantemente e muitas vezes chega a inspirar um certo temor, pela distância que separa o nosso conhecimento da criação e a plenitude do seu mistério e da sua grandeza.

Diante da explosão do novo conhecimento e das descobertas, os cientistas contemporâneos sentem frequentemente que se encontram diante de um horizonte vasto e infinito. Com efeito, a magnanimidade inesgotável da natureza, com as suas promessas de descobertas perenemente novas, pode ser considerada como uma indicação para além de si mesma, para o Criador que no-la concedeu com uma dádiva, cujos segredos ainda devem ser explorados. Enquanto procura compreender esta dádiva e utilizá-la, sábia e positivamente, a ciência encontra constantemente uma realidade que os seres humanos "encontram". Em cada uma das fases da descoberta científica, a natureza manifesta-se como algo que é "doado". Por este motivo, a criatividade e o progresso ao longo do caminho da descoberta, assim como em todos os empreendimentos humanos, devem ser compreendidos, em última análise, contra o pano de fundo do mistério da própria criação (cf. Laborem exercens LE 12).

4. Queridos membros da Academia, uma vez mais no corrente ano quero transmitir os meus sinceros bons votos pelo trabalho que levais a cabo em nome do progresso do conhecimento e para o benefício da família humana. Faço votos por que estes dias de reflexão e de debate constituam uma nascente de enriquecimento espiritual para todos vós. Não obstante as incertezas e as dificuldades apresentadas por cada uma das tentativas em vista de interpretar a realidade não apenas no sector das ciências, mas inclusivamente nos campos da filosofia e da teologia os caminhos da descoberta são sempre veredas orientadas para a verdade. E cada indivíduo que se põe em busca da verdade, quer esteja consciência disto, quer não, está a seguir um caminho que, em última análise, conduz para Deus, que é a própria Verdade (cf. Fides et ratio FR 1628).

Que o vosso diálogo paciente e humilde com o mundo da natureza produza frutos em cada uma das novas descobertas e num apreço reverencial pelas suas maravilhas incalculáveis. Sobre vós e as vossas famílias, invoco cordialmente as bênçãos divinas da sabedoria, da alegria e da paz.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


ÀS IRMÃS CARMELITAS


MISSIONÁRIAS TERESIANAS


Terça-feira, 9 de Novembro de 2004

Às Irmãs Carmelitas

Missionárias Teresianas
participantes no XIII CapítuloGeral

1. É com imenso prazer que tenho este encontro convosco, que estais a celebrar o XIII Capítulo Geral, neste momento tão importante para a vida da Congregação, a fim de discernir a vontade de Deus, reavivar a fidelidade ao carisma fundador e procurar a melhor forma para responder, partindo da própria vocação e missão, aos desafios destes primeiros anos do terceiro milénio.

Saúdo com afecto a Irmã Luísa Ortega Sánchez, recém-eleita Superiora-Geral, as suas Conselheiras e demais colaboradoras, assim como todas as participantes no Capítulo. Expresso a minha sincera gratidão à Irmã Pilar Timoneda Armengol, Superiora-Geral durante os dois mandatos precedentes e convido-a a transmitir às comunidades dos diversos países, juntamente com as decisões tomadas, a própria experiência capitular, com a sua profundidade espiritual, sentido de fraternidade e anseio por viver plena e alegremente o carisma inspirado pelo Fundador, o Beato Francisco Palau i Quer.

Como diz o lema capitular, trata-se de estimular em todas as vossas Irmãs uma verdadeira "paixão pela Igreja: Deus e o próximo", para que cada comunidade enriqueça a própria Igreja particular e torne visíveis as maravilhas de Deus "com a linguagem eloquente de uma existência transfigurada, capaz de suscitar a admiração do mundo" (Vita consecrata VC 20).

2. No programa de vida e de acção para os próximos anos, deve ser recordado que, "a Missão, antes de ser caracterizada pelas obras externas, define-se pelo tornar presente o próprio Cristo no mundo, através do testemunho pessoal. Este é o desafio, a tarefa primária da vida consagrada!" (ibid., 72). Onde nos podemos inspirar para tornar presente Cristo, a não ser no grande Mistério no qual Cristo está "realmente" presente, como a Eucaristia? Todos os aspectos da Eucaristia "confluem para o que dá mais provas da nossa fé: o mistério da presença "real"" (Mane nobiscum Domine, 16).

Recordei a toda a Igreja o carácter central e insubstituível da Eucaristia para a vida cristã, para ser fiéis à vocação à santidade. Agora recordo isto também a vós, certo de que, pela vossa tradição contemplativa teresiana, o compreendereis muito bem e colocareis o Santíssimo Sacramento como eixo da vida espiritual e inspirador de qualquer projecto apostólico e missionário. De facto, nele encontramos Cristo e, por conseguinte, é ponto de encontro privilegiado para as almas apaixonadas por Ele (cf. ibid., 18).

3. Peço a Nossa Senhora do Monte Carmelo, por intercessão do vosso Beato Fundador, que não deixeis de mostrar quotidianamente "a todos os crentes os bens do céu, já presentes neste mundo" (Lumen gentium LG 44), e que aumentem nas novas gerações o número daqueles que reconhecem a voz do Espírito quando os chama para uma vida totalmente consagrada a Deus.

Com estes votos, concedo-vos de coração a Bênção Apostólica, que faço extensiva a todas as Carmelitas Missionárias Teresianas.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


ÀS PONTIFÍCIAS ACADEMIAS


REUNIDAS NA IX ASSEMBLEIA PÚBLICA


Terça-feira, 9 de Novembro de 2004




Venerados Irmãos no Episcopado
e no Sacerdócio
Ilustres Embaixadores
Caríssimos Irmãos e Irmãs!

1. Sinto-me feliz por vos dirigir uma especial saudação por ocasião da Assembleia Pública das Pontifícias Academias, momento culminante das múltiplas actividades promovidas durante este ano.
Saúdo, de modo particular, o Cardeal Paul Poupard, Presidente do Conselho de Coordenação entre as Pontifícias Academias, e agradeço-lhe a dedicação com que desempenha esta tarefa. Faço a minha saudação extensiva aos Bispos, aos Embaixadores, aos sacerdotes e aos representantes das Pontifícias Academias aqui presentes, assim como todos os que não quiseram faltar neste encontro.

2. A hodierna Assembleia Pública das Pontifícias Academias trata um tema muito significativo: a Via pulchritudinis como itinerário privilegiado para o encontro entre a fé cristã e as culturas do nosso tempo, e como instrumento precioso para a formação das jovens gerações.
Em dois mil anos de história, a Igreja percorreu de tantas formas o caminho da beleza através das obras de arte sacra, que acompanharam a oração, a liturgia, a vida das famílias e das comunidades cristãs. Maravilhosas obras de arte arquitectónicas, pinturas, esculturas e miniaturas, obras musicais, literárias e teatrais, juntamente com outras obras de arte injustamente consideradas "menores", constituem autênticos tesouros, que nos fazem compreender, através da linguagem da beleza e dos símbolos, a profunda sintonia que existe entre a fé e a arte, entre criatividade humana e obra de Deus, autor de qualquer beleza autêntica.

3. Poderia a humanidade de hoje gozar de tão amplo património artístico se a comunidade cristã não tivesse encorajado e sustentado a criatividade de numerosos artistas propondo-lhes, como modelo e fonte de inspiração, a beleza de Cristo, esplendor do Pai?

Para que, contudo, a beleza resplandeça no seu pleno esplendor, deve estar unida à bondade e à santidade de vida; isto é, é necessário fazer resplandecer no mundo, através da santidade no mundo, através da santidade dos seus filhos, o rosto luminoso de Deus bondoso, admirável e justo.

É quanto pede Jesus aos seus discípulos no Sermão da Montanha: "Assim brilhe a vossa luz diante dos homens, de modo que, vendo as vossas boas obras, glorifiquem o vosso Pai, que está no Céu" (Mt 5,16). O testemunho dos cristãos, se deseja incidir também sobre a sociedade de hoje, não pode deixar de se alimentar de beleza para se tornar eloquente transparência da beleza do amor de Deus.

4. Dirijo-me particularmente a vós, queridos Académicos e Artistas! É precisamente esta a vossa tarefa: alimentar o amor por tudo isto que é autêntica expressão do génio humano, e reflexo da beleza divina.

Na Carta aos Artistas tive a oportunidade de realçar que da vossa colaboração "a Igreja espera uma renovada "epifania" de beleza para o nosso tempo e respostas adequadas às exigências próprias da comunidade cristã" (n. 10). Estai sempre conscientes desta vossa missão e que o Senhor vos ajude a levá-la a cumprimento de maneira eficaz.

Exprimo o meu agradecido apreço pela actividade desempenhada a todos os Académicos, e de modo especial aos Membros da Pontifícia Insigne Academia de Belas Artes e Letras dos Virtuosos no Panteão, e faço votos por que, com o contributo de todos, seja promovido um novo humanismo cristão, capaz de percorrer o caminho da beleza autêntica, e indicá-la a todos como itinerário de diálogo e de paz entre os povos.

5. Sinto-me agora feliz, a pedido do Conselho de Coordenação entre as Pontifícias Academias, por atribuir o Prémio anual das Pontifícias Academias à Abadia Beneditina de Keur Moussa, no Senegal, onde os Beneditinos provenientes da Abadia-mãe de Solesmes se puseram à escuta das tradições da África, conservando fielmente, ao mesmo tempo, o património litúrgico recebido da tradição da Igreja.

Além disso, desejo oferecer uma Medalha do Pontificado à Escola de Cinematografia "Ipotesi Cinema", fundada e guiada pelo Mestre Ermano Olmi, pela sua pedagogia fundada sobre o humanismo autêntico, assim como ao Coro Interuniversitário de Roma, guiado pelo Mestre, Pe. Massimo Palombella, pelo serviço prestado ao culto divino e à cultura musical.

Confio cada um de vós e as várias Instituições a que pertenceis à materna protecção da Virgem Maria, que invocamos como Tota Pulchra, a "Toda Bela". Garanto-vos uma recordação na oração e concedo de coração a todos a Bênção Apostólica.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS MEMBROS DA CONFERÊNCIA EPISCOPAL


DO OCEANO ÍNDICO POR OCASIÃO


DA VISITA «AD LIMINA APOSTOLORUM»


Terça-feira, 9 de Novembro de 2004

Queridos Irmãos no Episcopado

Amados Irmãos no sacerdócio!

1. É com alegria que vos recebo hoje, no momento em que realizais a vossa visita "ad Limina". Tenho assim a oportunidade de me dirigir de modo particular a vós, Pastores da Igreja nas Ilhas do Oceano Índico. O nosso encontro é uma manifestação da comunhão entre os Bispos e a Sé de Pedro. Não se trata de "uma mera informação recíproca, mas é sobretudo a afirmação e a consolidação da colegialidade... no corpo da Igreja, pela qual se constitui a unidade na diversidade" (Exortação Apostólica Pastores gregis ). Agradeço ao Presidente da vossa Conferência Episcopal, D. Gilbert Aubry, Bispo de São Dinis da Reunião, as palavras fraternas que me dirigiu em vosso nome, expressando a vossa fidelidade ao Sucessor de Pedro.

Desde a vossa última visita, verificaram-se diversas mudanças na vossa Conferência Episcopal. A constituição do Vicariato apostólico de Rodrigues, destacado da Diocese da Ilha Maurício, é um sinal da vitalidade da Igreja na vossa região. Saúdo cordialmente D. Alain Harel, Vigário apostólico desta nova circunscrição, assim como D. Denis Wiehe, novo Bispo de Seicheles. A vossa presença permite-me sentir-me próximo de todos os vossos diocesanos. Regressando a casa, levai aos povos das vossas ilhas a minha calorosa saudação, transmitindo a cada um a certeza da minha oração e do meu afecto. Que, com a abundância dos seus dons, o Senhor seja para todos uma fonte vivificante de esperança e de amor fraterno!

2. Na diversidade das situações humanas e religiosas que constituem a realidade da vossa região, tendo também em consideração as grandes distâncias que separam as vossas Dioceses, é particularmente indispensável para vós uma autêntica espiritualidade de comunhão. Ela não deixará de vos estimular a fortalecer os vossos vínculos e a desenvolver colaborações entre vós. Sinto-me feliz por saber que os vossos intercâmbios e as vossas consultas no âmbito da Conferência episcopal (CEDOI) vos ajudam a evitar o isolamento e a sentir-vos parte activa da vida da Igreja universal. "L'avant-Cedoi", que vos permite encontrar-vos com sacerdotes, religiosos e religiosas, assim como com os leigos da vossa região, para reflectir sobre os temas pastorais mais importantes, dão um apoio autêntico aos Pastores; permite também que os fiéis ampliem os próprios horizontes e se abram à diversidade da Igreja, demonstrando que a sua vida e a sua missão dizem respeito a todos.

A vós, queridos Irmãos, gostaria de repetir mais uma vez uma das minhas profundas convicções: para aqueles que Cristo instituiu como Pastores da sua Igreja é particularmente necessário um compromisso espiritual fundado na contemplação do rosto do Senhor e no anúncio do Evangelho. Sede perseverantes no sustento da vossa vida espiritual alimentando-vos da palavra viva e eficaz das Escrituras e da Sagrada Eucaristia, pão da vida eterna (cf. Pastores gregis ). Isto consentir-vos-á também propor a todos os vossos diocesanos que levem uma vida espiritual sempre intensa, fundamento de uma existência autenticamente cristã.

3. Neste espírito, convido o povo cristão a viver o Ano da Eucaristia, no qual entrámos há pouco, como um tempo forte de encontro com Cristo. Por conseguinte, faço votos por que os fiéis descubram neste tesouro incomparável que Jesus nos deixou a alegria e a felicidade da presença amorosa do Salvador. Que eles saboreiem com fervor a vontade de Deus para os homens! Que todos encontrem nele luz e força para a vida quotidiana no mundo, no exercício da sua profissão, nas situações mais diversas, no seu testemunho de fé, assim como para viver plenamente a beleza e a missão da família (cf. Carta Apostólica Mane nobiscum Domine, 30). O Ano da Eucaristia constitui também um tempo propício para redescobrir o significado do domingo e a necessidade de o santificar, sobretudo através da participação regular na Missa dominical. A comunidade cristã reunida, adquirindo uma renovada consciência do facto que a Eucaristia que a constitui lhe foi doada "para a vida do mundo" (Jn 6,51), encontrará nela um alimento que permitirá a cada um dos seus membros viver da própria vida do Senhor Jesus, assim como de adquirir um renovado impulso missionário. Prolongando a celebração, a adoração eucarística, fonte inexaurível de santidade, constituirá a ocasião para os fiéis estabelecerem um diálogo cada vez mais íntimo com o Senhor.

4. A formação dos futuros sacerdotes é um desafio importante para a Igreja. Preocupais-vos com todo o processo de formação daqueles que o Senhor chama, e quisestes que ela pudesse ser pouco a pouco dispensada na vossa região, aproximando assim os seminaristas das realidades pastorais nas quais deverão servir. O seminário "Notre-Dame de la Trinité", na Ilha Maurício, já garante aos jovens os primeiros anos de formação. Encorajo calorosamente o grupo dos formadores no seu precioso serviço, para que o seminário seja o lugar de um discernimento sério das vocações e de uma autêntica formação comunitária para o ministério sacerdotal. Convido-vos também a valorizar a pastoral das vocações, e a fazer com que ela seja uma preocupação fundamental das vossas Dioceses, para que, mediante a oração e a atenção aos jovens, todos os fiéis contribuam para o surgimento e a maturação das vocações, ajudando os jovens e os adolescentes a discernir a chamada do Senhor. Quanto a vós, tende a audácia de convidar os jovens a seguir Cristo e, depois, de os acompanhar ao longo de todo o seu caminho!

Queridos Irmãos, um dos vossos deveres principais em relação aos vossos sacerdotes é vigiar sobre a sua vida espiritual, de forma que o seu ministério encontre um fundamento sólido no encontro pessoal com Cristo, sobretudo através da oração assídua e dos sacramentos da Eucaristia e da Penitência. É também um convite insistente que vos é feito para estar próximos deles, mediante o acolhimento, a escuta, a amizade partilhada, para que ninguém se sinta isolado ou incompreendido. A cada um deles, como também aos diáconos, aos religiosos, às religiosas e aos seminaristas, transmiti a saudação cordial e afectuosa do Papa, que os convida a ser cada vez mais testemunhas da santidade de vida, sentindo uma paixão fervorosa pelo anúncio do Evangelho. Dirijo-lhes o meu sentido encorajamento no serviço à Igreja. O seu compromisso entre os mais pobres é um bonito testemunho prestado à caridade de Cristo para com os mais pequeninos dos seus irmãos.

5. Nos vossos relatórios quinquenais realçais que o pedido e também a necessidade da formação da fé dos leigos estão presentes nas vossas comunidades diocesanas. Sem dúvida, as necessidades são diversas, de acordo com as circunstâncias nas quais os fiéis vivem. Contudo, em geral, é indispensável que os cristãos tenham uma formação religiosa sólida a fim de continuarem pelo longo e difícil caminho do compromisso no seguimento de Cristo. A presença de crentes de outras religiões, mas também a actividade das seitas, devem estimular os discípulos de Cristo a usar todos os meios para se fortalecerem na fé, não se deixando influenciar por qualquer doutrina (cf. Ef Ep 4,14), a fim de poder dar testemunho da esperança que os anima (cf. 1P 3,15).

Estai atentos à urgência de comunicar a Palavra de Deus aos homens na sua própria cultura, para que o Mistério de Cristo seja anunciado e acolhido por todos, de modo que cada um ouça falar a sua própria língua (cf. Act Ac 2,6). A inculturação da mensagem evangélica é, de facto, uma tarefa muito importante, para que os homens e as mulheres de todas as nações e culturas possam ir ao encontro de Cristo e caminhar pelas vias do Evangelho. Os esforços que realizastes neste sentido contribuem para o enraizamento real da fé nas vossas ilhas, respondendo também a um desafio essencial da evangelização.

6. O compromisso dos fiéis na vida social é caracterizado pela diversidade das situações dos vossos países. Onde quer que seja possível, os leigos devem desempenhar o papel que lhes corresponde na construção da nação. É seu dever dar o contributo para que o homem assuma a sua plena dimensão de criatura de Deus. O ensinamento social da Igreja é uma ajuda preciosa para o serviço ao bem comum e à dignidade integral do homem, sobretudo fazendo compreender quais são as condições mais justas e mais fraternas no seio da sociedade.

Para que os povos possam progredir pacificamente, o diálogo inter-religioso é de igual modo uma necessidade. Em algumas das vossas ilhas, os crentes de outras religiões são numerosos, por vezes amplamente maioritários, e tenho conhecimento de que a presença dos cristãos é em geral bem aceite e apreciada. Luz humilde entre os povos, como os faróis no Oceano, eles podem ser para os homens de boa vontade os sinais que indicam o caminho da fraternidade e da concórdia, dando assim testemunho do Evangelho.

7. A atenção à família e ao seu desenvolvimento harmonioso constitui uma das vossas prioridades pastorais. Na vossa região, como em numerosas regiões do mundo, as mudanças da sociedade contribuem para fragilizar as estruturas familiares. Por conseguinte, é necessário recordar o significado e o valor do matrimónio e da família no desígnio de Deus. As famílias cristãs devem ser testemunhas autênticas da presença de Cristo que as acompanha e as ampara na sua vida quotidiana. De facto, elas têm como missão "guardar, revelar e comunicar o amor, como reflexo vivo e real participação do amor de Deus pela humanidade e do amor de Cristo Senhor pela Igreja, sua esposa" (Exortação Apostólica Familiaris consortio FC 17). Ao mesmo tempo, são o lugar privilegiado de formação dos jovens e de transmissão dos valores morais e espirituais. Por conseguinte, encorajo-vos vivamente a promover uma pastoral familiar eficaz, anunciando com vigor o ensinamento do Evangelho sobre a família e sobre o matrimónio, propondo aos jovens a educação necessária à compreensão e à aceitação das exigências que dele derivam, preocupando-se em acompanhá-los antes e depois da celebração do matrimónio. Deve ser dedicada uma solicitude particular aos casais em dificuldade, às famílias desagregadas, assim como às pessoas que vivem situações matrimoniais dolorosas.

8. Vigiar cada vez mais sobre a educação dos jovens na fé é um tema actual como nunca. A sua formação humana e espiritual é uma urgência para responder aos desafios do testemunho evangélico hoje e no futuro. Convido-vos a desenvolver uma pastoral que suscite entre os jovens o entusiasmo por Cristo e pelo serviço aos seus irmãos. Nela encontrarão razões firmes para fundar a sua vida na esperança que o Senhor Jesus lhes dá e a capacidade de amar como Ele. Todas as pessoas generosamente comprometidas na catequese se preocupem por ser, antes de tudo, exemplos vivos do ensinamento que receberam como missão de transmitir na fidelidade à Igreja.

Faço votos por que os jovens da vossa região se deixem transformar pelo encontro com Jesus, que vai ao seu encontro para fazer deles testemunhas autênticas do seu Evangelho e para os conduzir à felicidade verdadeira. Que se deixem sempre encaminhar por Ele ao longo das vias da fé, capazes de comunicar aos seus irmãos a experiência do Deus vivo que viveram!

9. Queridos Irmãos, no final do nosso encontro, dirijo a cada um de vós, como também ao querido Cardeal Jean Margéot, Bispo Emérito de Porto Luís, o meu encorajamento mais cordial pelo vosso ministério de Pastores encarregados de anunciar o Evangelho aos povos do Oceano Índico. Que os cristãos das vossas Dioceses sejam cada vez mais conscientes da sua responsabilidade missionária pessoal e comunitária!

Confio-vos com prazer à intercessão dos Beatos protectores da vossa Conferência Episcopal, Jacques-Désiré Laval, Frei Scubilion e Victoire Rasoamanarivo. Com a sua vida exemplar, são sinais de esperança e modelos para quantos seguem Cristo ao longo dos caminhos da fé. Invocando a protecção da Virgem Maria, Estrela do Mar, sobre todos os diocesanos e sobre os povos do Oceano Índico, concedo-vos uma afectuosa Bênção Apostólica.



1650° ANIVERSÁRIO DO NASCIMENTO


DE SANTO AGOSTINHO, BISPO DE HIPONA


ORAÇÃO DO PAPA JOÃO PAULO II


A SANTO AGOSTINHO


Ó grande Agostinho, nosso pai e mestre,

conhecedor dos luminosos caminhos de Deus
e também das estradas sinuosas dos homens,
nós admiramos as maravilhas que a Graça divina
realizou em ti, tornando-te apaixonada testemunha da verdade e do bem, a serviço dos irmãos.

No início de um novo milénio, marcado pela Cruz de Cristo,ensina-nos a ler a história na luz da Providência divina,
que guia os acontecimentos rumo ao encontro definitivo com o Pai.

Orienta-nos em direcção às metas de paz, alimentando no nosso coração a tua própria aspiração por aqueles valores sobre os quais é possível construir,
com a força que provêm de Deus, a "cidade" à medida do homem.

A profunda doutrina, que com estudo amoroso e paciente, hauriste das fontes sempre vivas da Escritura,
ilumine quantos hoje são tentados por miragens alienadoras.

Obtenha para eles a coragem de empreender o caminho em direcção àquele "homem interior" no qual aguarda Aquele, que somente Ele, pode dar paz ao nosso coração inquieto.

Muitos dos nossos contemporâneos parecem ter enfraquecido a esperança de poder alcançar a verdade, entre as tantas ideologias contrastantes, da qual todavia o seu íntimo conserva uma pungente saudade.

Ensina-lhes a nunca desistir da busca, na certeza de que, no final, a sua fadiga será premiada pelo encontro consolador com aquela Verdade suprema que é fonte de toda verdade criada.

Enfim, ó Santo Agostinho, transmite também a nós uma chama daquele fervoroso amor pela Igreja, a Catholica mãe dos santos, que sustentou e animou os cansaços do teu longo ministério. Faz com que, caminhando juntos sob a guia dos legítimos Pastores, alcancemos a glória da Pátria celeste, onde, com todos os Bem-aventurados, poderemos nos unir ao cântico novo do aleluia sem fim.

Amém.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS PARTICIPANTES NO XIX CONGRESSO


INTERNACIONAL DO PONTIFÍCIO CONSELHO


PARA A PASTORAL NO CAMPO DA SAÚDE


Sexta-feira, 12 de Novembro de 2004

Senhor Cardeal

Venerados Irmãos no Episcopado
Caríssimos Irmãos e Irmãs!

1. Sinto-me feliz por vos receber por ocasião da Conferência Internacional do Pontifício Conselho para a Pastoral no Campo da Saúde, cujos trabalhos estão a decorrer. Com esta vossa visita quisestes reconfirmar o vosso compromisso científico e humano a favor de quantos se encontram numa situação de sofrimento.

Agradeço ao Senhor Cardeal Javier Lozano Barragán as gentis expressões que, em nome de todos, acabou de me dirigir. O meu pensamento agradecido e o meu apreço dirigem-se para quantos deram o seu contributo para esta assembleia, assim como para os numerosos médicos e a quantos trabalham no campo da saúde que, no mundo, dedicam as próprias capacidades científicas, humanas e espirituais ao alívio do sofrimento e das suas consequências.

2. A medicina coloca-se sempre ao serviço da vida. Mesmo quando sabe que não pode debelar uma grave patologia, dedica as próprias capacidades ao alívio dos sofrimentos. Trabalhar com paixão para ajudar o doente em qualquer situação significa ter a consciência da dignidade inalienável de cada ser humano, também nas condições extremas do estado terminal. Nesta dedicação ao serviço de quem sofre, o cristão reconhece uma dimensão fundamental da própria vocação: de facto, no cumprimento desta tarefa ele sabe que se ocupa do próprio Cristo (cf. Mt 25,35-40).

"É, pois, por Cristo que se esclarece o enigma da dor e da morte, o qual, à margem do Evangelho, nos esmaga", recorda o Concílio (Gaudium et spes GS 22). Quem se abre, na fé, a esta luz, encontra conforto no próprio sofrimento e adquire a capacidade de aliviar o sofrimento do próximo. Existe, de facto, uma relação directamente proporcional entre a capacidade de sofrer e a capacidade de ajudar quem sofre. A experiência quotidiana ensina que as pessoas mais sensíveis ao sofrimento do próximo e que mais se dedicam ao alívio das dores do próximo estão também mais dispostas a aceitar, com a ajuda de Deus, os próprios sofrimentos.

3. O amor para com o próximo, que Jesus esboçou com eficiência na parábola do bom samaritano (cf. Lc Lc 10, 29ss.), torna capaz de reconhecer a dignidade de cada pessoa, também quando a doença começou a pesar sobre a sua existência. O sofrimento, a idade avançada, o estado de inconsciência na iminência da morte não diminuem a dignidade intrínseca da pessoa, criada à imagem de Deus.

Entre os dramas causados por uma ética que pretende estabelecer quem pode viver e quem deve morrer, encontra-se o da eutanásia. Mesmo sendo motivada por sentimentos de uma mal-entendida compaixão ou de uma mal compreendida dignidade a ser perseverada, a eutanásia em vez de resgatar a pessoa do sofrimento realiza a sua supressão.

A compaixão, quando está privada da vontade de enfrentar e acompanhar quem sofre, leva à eliminação da vida para aniquilar a dor, alterando assim o estatuto ético da ciência médica.
4. A verdadeira compaixão, ao contrário, promove qualquer esforço razoável para favorecer a cura do doente. Ao mesmo tempo ela ajuda a deter-se quando nenhuma acção se manifesta útil para essa finalidade.

À recusa do excesso terapêutico não é uma recusa do doente e da sua vida. De facto, o objecto da resolução sobre a oportunidade de iniciar ou prosseguir uma prática terapêutica não é o valor da vida do doente, mas o valor da intervenção médica sobre o doente.

A eventual decisão de não empreender ou de interromper uma terapia será considerada eticamente correcta quando ela se manifesta ineficiente ou claramente desproporcionada para fins de apoio à vida ou de recuperação da saúde. Por conseguinte, a recusa da tenacidade terapêutica não é o valor da vida do doente, mas o valor da intervenção médica no doente.

Será precisamente este sentido de respeito amoroso que ajudará a acompanhar o doente até ao fim, realizando todas as acções e atenções possíveis para diminuir os sofrimentos e favorecer na última parte da existência terrena uma vida o mais serena possível, que predisponha a alma para o encontro com o Pai celeste.

5. Sobretudo naquela fase da doença, em que deixa de ser possível praticar terapias proporcionadas e eficientes, enquanto se torna obrigatório evitar qualquer forma de excesso ou insistência terapêutica, apresenta-se a necessidade de "cuidados paliativos" que, como afirma a Encíclica Evagelium vitae, são "destinados a tornar o sofrimento mais suportável na fase aguda da doença e assegurar ao mesmo tempo ao paciente um adequado acompanhamento" (n. 65).
De facto, os cuidados paliativos, visam aliviar, sobretudo no doente em fase terminal, uma ampla gama de sintomas de sofrimento físico, psíquico e mental, exigindo por isso a intervenção de uma equipe de especialistas com competência médica, psicológica e religiosa, com um bom entendimento entre si para apoiar o doente na fase crítica.

Em particular, na Encíclica Evagelium vitae, foi sintetizada a doutrina tradicional acerca do uso lícito e por vezes obrigatório dos analgésicos no respeito da liberdade dos doentes, os quais devem estar em condições, na medida do possível, "de poder satisfazer as suas obrigações morais e familiares, e devem sobretudo poder-se preparar com plena consciência para o encontro definitivo com Deus" (n. 65).

Por outro lado, enquanto não se deve deixar faltar aos doentes que têm necessidade do alívio que os analgésicos dão, a sua administração deverá ser efectivamente proporcionada à intensidade e à cura da dor, evitando qualquer forma de eutanásia que se poderia verificar quando se administram grandes doses de analgésicos precisamente com a finalidade de provocar a morte.

Para realizar esta articulada ajuda é necessário encorajar a formação de especialistas das curas paliativas, sobretudo estruturas didácticas às quais estejam comprometidos também psicólogos e agentes da pastoral.

6. A ciência e a técnica, contudo, nunca poderão dar uma resposta satisfatória aos interrogativos essenciais do coração humano. Só a fé pode responder a estas perguntas. A Igreja deseja continuar a oferecer o seu contributo específico através do acompanhamento humano e espiritual dos enfermos, que desejarem abrir-se à mensagem do amor de Deus, sempre atento às lágrimas de quem se dirige a Ele (cf. Sl Ps 39,13). Evidencia-se neste ponto a importância da pastoral da saúde, na qual desempenham um papel de especial relevo as capelanias nos hospitais, que tanto contribuem para o bem espiritual de quantos se encontram nas estruturas de saúde.

Depois, como esquecer o contributo precioso dos voluntários que com o seu serviço dão vida àquela fantasia da caridade que efunde esperança também à amarga experiência do sofrimento? É também por seu intermédio que Jesus pode continuar hoje a passar entre os homens, para os beneficiar e sanar (cf. Act Ac 10,38).

7. Desta forma, a Igreja oferece o seu contributo a esta missão entusiasmante em favor das pessoas que sofrem. Que o Senhor se digne iluminar todos os que assistem os doentes, encorajando-os a perseverar nos diferentes papéis e nas diversas responsabilidades.

Maria, Mãe de Cristo, acompanhe todos nos momentos difíceis da dor e da doença, para que o sofrimento humano possa ser assumido no mistério salvífico da Cruz de Cristo.

Acompanho estes votos com a minha Bênção.




DIscursos João Paulo II 2004