
Discursos João Paulo II 1978 - Sexta-feira, 17 de Novembro de 1978
Queridos Irmãos no Episcopado
Queridos Filhos
Parece bem significativo que, apenas a um mês da minha subida ao sólio de Roma, eu possa receber-vos, a vós que viestes dos cinco continentes para tomar parte na reunião plenária do Secretariado para a promoção da unidade dos cristãos. Na verdade, a restauração da unidade entre todos os cristãos era um dos fins principais do segundo Concílio do Vaticano (Cfr. Decreto Unitatis Redintegratio UR 1) e, desde a minha eleição, comprometi-me formalmente a promover a execução das suas normas e orientações, considerando estar nisso para mim um dever primordial. Esta presença aqui hoje tem portanto valor simbólico. Manifesta que a Igreja católica, fiel à orientação tomada no Concílio, não só quer prosseguir em avançar pelo caminho que leva à restauração da unidade, mas deseja, na medida dos seus meios e em plena docilidade as sugestões do Espírito Santo (Cfr. Unitatis Redintegratio UR 24), intensificar a todos os níveis o seu contributo para este grande "movimento" de todos os cristãos (Cfr. Unitatis Redintegratio UR 4).
Um movimento não pára, não deve parar antes de ser atingido o destino. Ora ainda não chegámos, embora devamos agradecer a Deus o caminho já percorrido desde o Concilio. Estais precisamente reunidos para tomar a altura, para ver em que ponto nos encontramos. Depois destes anos de esforços múltiplos, animados por imensa boa vontade e infatigável generosidade e alimentados por tantas orações e sacrifícios, bom era examinar assim o horizonte para ver quais os resultados obtidos e reconhecer os melhores caminhos para se continuar a progredir. Na verdade é disto que se trata. É preciso, como o Apóstolo nos aconselha, estarmos de todo inclinados para a frente a fim de continuarmos a nossa corrida ( Cfr. Flp Ph 3,13), com uma fé que ignore o medo, porque ela conhece Aquele em quem acredita e com quem conta. Mas a nossa pressa de chegar, a urgência de pôr termo ao intolerável escândalo da divisão dos cristãos, impõe-nos evitar "qualquer zelo superficial ou imprudente que possa prejudicar o verdadeiro progresso da unidade" (Unitatis Redintegratio UR 24). Não se cura um mal aplicando analgésicos mas atacando as causas. Em especial, desejaria lembrar aqui ter tido o Concílio a persuasão de a Igreja se manifestar principalmente na reunião de todos os seus para a celebração duma mesma Eucaristia à volta do altar único, em que preside o Bispo rodeado pelo seu presbitério e seus ministros (Cfr. Constituição Sacrosanctum Concilium SC 41). Embora tal celebração eucarística solene só raramente se possa realizar no nosso mundo moderno, não deixa de ser menos verdade que em cada celebração eucarística é toda a fé da Igreja que entra em actividade; é a comunhão eclesial em todas as suas dimensões que se manifesta e realiza. Desta não é lícito dissociar as componentes. Fazer tal coisa seria dar prova dessa superficialidade que nos pede o Concilio para evitarmos. Seria não reconhecer todas as riquezas, as exigências e as relações íntimas da Eucaristia com a unidade da Igreja. Sei bem: quanto mais nos encontramos como irmãos na caridade de Cristo, mais se nos torna dificultoso não podermos participar juntos, neste grande mistério. Não disse eu que as divisões entre cristãos se tornam intoleráveis? Sentirmo-las deve estimular-nos a vencer os obstáculos que nos separam ainda da profissão unânime da mesma fé, da reunificação, por um mesmo ministério sacramental, das nossas comunidades divididas. Não é possível dispensarmo-nos de resolver juntos essas questões, que dividiram os cristãos. Seria caridade bem mal entendida aquela que desejasse exprimir-se à custa da verdade. Buscar a verdade na caridade era um princípio que gostava de repetir o primeiro Presidente do Secretariado, o venerado Cardeal Bea, cujo 10° aniversário de morte acabastes há dias de celebrar.
Já decorreram treze anos desde que, em estreita e constante colaboração com os nossos irmãos das outras Igrejas, o Secretariado se consagra a essa busca dum acordo sobre os pontos que ainda nos dividem, ao mesmo tempo que se esforça na promoção, dentro da Igreja católica, duma mentalidade, dum espírito e duma fidelidade que se conformem aos desejos do Concílio; sem isso os resultados positivos que se obtenham nos diversos diálogos não poderão ser recebidos pelo povo fiel. É preciso recordar, a este respeito, que o Concílio pedia que se fizesse um esforço especial no ensino da teologia e na formação da mentalidade dos futuros sacerdotes (Cfr. Unitatis Redintegratio UR 10). O que é de especial importância nestes dias, quando o ensino não pode ignorar os trabalhos dos diálogos que decorrem. Como, depois de aplicados no ministério, poderiam estes sacerdotes encontrar, sob a direcção dos próprios Bispos, a maneira, pastoralmente responsável e prudente, de informar o povo fiel sobre os diálogos e o progresso deles, se não tivessem recebido iniciação nesses diálogos enquanto estavam a ser formados? Na verdade, não deve haver distância, menos ainda oposição, entre o aprofundamento da unidade da Igreja pela sua renovação e a busca da restauração da unidade entre os cristãos divididos. Trata-se dessa mesma unidade pela qual orou Cristo, a qual é realizada pelo Espírito Santo; deve haver, por conseguinte, interacção incessante entre os dois aspectos inseparáveis dum mesmo esforço pastoral que deve ser o de toda a Igreja. Bem o sabeis, vós que vindes das vossas dioceses para nos ajudar a explicitar, à luz das vossas experiências, tudo o que implica o Concílio no campo da unidade, e com intenção de satisfazer as exigências nascidas das circunstâncias novas que exactamente o progresso do movimento ecuménico veio a criar. Agradeço-vos de todo o coração que tenhais vindo e me tenhais dado este tempo, que eu sei quão precioso é.
Aos que terminam, como membros do Secretariado, o serviço prestado à unidade, quero expressar a minha gratidão de maneira muito particular e manter a esperança de que sejam, nas próprias dioceses e nas próprias Conferências Episcopais, promotores esclarecidos e ardorosos da actividade ecuménica no plano local e regional. Requerem-se os esforços constantes e a vigilância de todos, a fim de promover e aprofundar sem descanso essa unidade que está no coração do ministério da Igreja. Não é a Igreja, "em Cristo, como que o sacramento, isto é ao mesmo tempo o sinal e o instrumento da íntima união com Deus e da unidade de todo o género humano" (Constituição apostólica Lumen Gentium LG 1)? Servir a Igreja é servir a Cristo no seu desígnio de "reunir na unidade os filhos de Deus dispersos" (Jn 11,52), de tudo renovar e recapitular n'Ele a fim de que Ele possa tudo submeter a seu Pai e de que nós estejamos todos no Espírito, para louvor da sua glória. Grande é este serviço! Merece todas as nossas energias. Está verdadeiramente além das nossas forças próprias. Exige a nossa oração continua. O Senhor vos inspire e fortifique. Em seu nome, abençoo-vos.
Caríssimos filhos
Este encontro semanal do Papa com os jovens e os adolescentes — tão entusiasta e tão cheio de vivacidade verdadeiramente sinal de alegria e de esperança. Sinal de alegria, porque onde há jovens, adolescentes ou crianças, há certeza de alegria, uma vez que está a vida no seu florir mais espontâneo e viçoso. Vós possuís em abundância e dais generosamente esta "alegria de viver" a um mundo que às vezes esta cansado, desanimado, desconfiado e desiludido. Sinal de esperança é também este nosso encontro, porque os adultos — não só os vossos pais mas também os vossos professores e todos quantos ajudam o vosso crescimento e maturação física e intelectual — vêem em vós aqueles que hão-de realizar aquilo que eles, pela variedade das circunstâncias, não puderam talvez levar a termo.
Portanto, um jovem sem alegria e sem esperança não é autêntico jovem, mas homem murcho e envelhecido antes de tempo. Por isso vos diz o Papa: Levai, comunicai e irradiai a alegria e a esperança! O assunto da Audiência de hoje está profundamente relacionado com tudo o que recordei até agora: nas quartas-feiras precedentes, continuando o esquema deixado quase como testamento pelo meu saudoso Predecessor João Paulo I, falei das virtudes cardeais: prudência, justiça e fortaleza. Hoje quero deter-vos brevemente com a quarta virtude cardeal: a temperança, a sobriedade. São Paulo escrevia a seu discípulo Tito, que deixara como bispo na ilha de Creta: Exorta os jovens a serem sóbrios (Tt 2,6). Seguindo eu também a exortação do Apóstolo das Gentes, desejaria começar por dizer que as atitudes do homem, provenientes de cada uma das virtudes cardeais, são entre si interdependentes e unidas. Não se pode ser homem verdadeiramente prudente, nem autenticamente justo, nem realmente forte, não se possuindo a virtude da temperança. Esta condiciona indirectamente todas as outras virtudes; mas também estas são indispensáveis para que o homem possa ser "temperante" ou "sóbrio". Temperantia est commune virtutum cognomen — escrevia no século VI São João Clímaco (Escada do Paraíso, 15) — isto é, poderíamos traduzir, "a temperança é o denominador comum de todas as virtudes".
Poderia parecer estranho falar da temperança ou da sobriedade a jovens e a adolescentes. Mas, filhos caríssimos, esta virtude cardeal é necessária de modo particular a vós, que vos encontrais no período maravilhoso e delicado, em que a vossa realidade biopsíquica cresce até à maturação perfeita para serdes capazes, física e espiritualmente, de enfrentar as alternativas da vida nas suas mais desvairadas exigências.
Temperante é aquele que não abusa dos alimentos, das bebidas e dos prazeres; que não toma desmedidamente bebidas alcoólicas; que não se priva da consciência mediante uso de estupefacientes ou drogas. Em nós podemos imaginar um "eu inferior" e um "eu superior". No nosso "eu inferior" exprime-se o nosso "corpo" com as suas carências, os seus desejos, as suas paixões de natureza sensível. A virtude da temperança garante a cada homem o domínio do "eu superior" sobre o do "inferior". Trata-se, talvez, neste caso, de humilhação, de diminuição para o nosso corpo? Pelo contrário! Esse domínio valoriza-o, exalta-o.
O homem temperante é aquele que é senhor de si mesmo; aquele em que as paixões não tomam a supremacia sobre a razão, sobre a vontade e também sobre o coração. Entendamos portanto como a virtude da temperança é indispensável para que o homem seja plenamente homem, para que o jovem seja autenticamente jovem. O triste e aviltante espectáculo dum alcoólico ou dum drogado faz-nos compreender claramente como "ser homem" significa, antes de qualquer outra coisa, respeitar a própria dignidade, isto é, deixar-se alguém conduzir pela virtude da temperança. Dominar-se a si mesmo, as próprias paixões e a sensualidade não significa de maneira nenhuma tornar-se alguém insensível ou indiferente; a temperança de que falamos é virtude cristã, que aprendemos com o ensino e o exemplo de Jesus, e não com a chamada moral "estóica".
A temperança exige de cada um de nós urna especial humildade a respeito dos dons que Deus colocou na nossa natureza humana. Há a "humildade do corpo" e a do "coração". Esta humildade é condição necessária para a harmonia interior do homem, para a sua beleza íntima. Reflecti bem nisto, vós jovens, que estais precisamente na idade em que tanto se estima ser belo ou bela para agradar aos outros! Um jovem e uma jovem devem ser belos primeiramente e sobretudo interiormente. Sem tal beleza interior, todos os outros esforços que só tenham o corpo por objecto não farão — nem dum jovem nem duma jovem — uma pessoa verdadeiramente bela.
Desejo, filhos caríssimos, que irradieis sempre beleza interior.
Veneráveis Irmãos no Episcopado
Depois do encontro individual com cada um de vós, é-me grato receber hoje colectivamente todos os Membros do Episcopado das Honduras, nesta visita "ad limina Apostolorum" que estais a realizar.
Se durante o nosso contacto precedente falámos de aspectos particulares de cada uma das vossas dioceses, agora desejaria tratar algum tema que diz respeito à vida da Igreja nas Honduras, globalmente.
Através das vossas palavras e dos relatórios que apresentastes verifiquei, com satisfação, que o trabalho de evangelização nas Honduras se tem intensificado nos últimos anos e que, com ele, aumentou a prática da religião, e melhorou também a formação religiosa do povo, sobretudo nalguns sectores. São estes motivos de esperança que, ao mesmo tempo, fazem pensar na dificuldade principal que a Igreja encontra no vosso País, derivada da escassez de sacerdotes.
Sei bem que, graças a Deus, o laicado católico hondurenho tem vindo a tomar consciência crescente da sua responsabilidade dentro da Igreja, e está a contribuir de modo positivo para a tarefa eclesial de difusão da mensagem evangélica. Este contributo, que denota maturação da consciência cristã do laicado, é muito louvável, deve prosseguir e deve ser intensificado em toda a medida do possível.
Mas isso não deve fazer esquecer o lugar insubstituível e próprio que na santificação do Povo de Deus compete aos sacerdotes, chamados pelo Senhor para que "possuindo na sociedade dos mesmos fiéis o sagrado poder da Ordem, pudessem oferecer o Sacrifício e perdoar os pecados, desempenhando oficialmente, em nome de Cristo e em favor dos homens, o múnus sacerdotal" (Decreto sobre o Ministério e Vida dos Sacerdotes, 2).
Trata-se de uma questão de importância vital para a Igreja. Daí deriva o preciso dever de atender com solicitude absolutamente prioritária ao campo das vocações para o sacerdócio, e, paralelamente para a vida consagrada. uma grande tarefa a que deve ser dedicada toda a diligência, educando imediatamente essas vocações num sólido sentido de fé e serviço ao mundo actual.
Para criar um ambiente propício ao florescimento das vocações, a comunidade eclesial deverá oferecer um testemunho de vida conforme com os valores essenciais do Evangelho, a fim de que assim possam despertar almas generosas, orientando-se para a entrega total a Cristo e ao próximo. Com a confiança posta no Senhor e na recompensa prometida a quem O serve com fidelidade.
Pensando nos vossos sacerdotes, desejo recomendar-vos com especial interesse que presteis particular cuidado pastoral aos vossos colaboradores, a fim de que eles mantenham sempre viva a sua própria identidade sacerdotal e a doação eclesial que fizeram. Ajudai-os com o exemplo e a palavra a estarem bem conscientes da grandeza da sua tarefa de continuadores da missão salvadora de Cristo, e da necessidade de se adequarem cada vez mais a ela.
Isto exigirá um esforço constante por não se conformarem com este século (Cfr. Rom Rm 12,2), por ressuscitarem todos os dias a graça adquirida mediante a imposição das mãos (Cfr. 2Tm 1,6), por viverem para Cristo, que vive neles (Cfr. Gál Ga 2,20). Só neste espírito de fé poderão os sacerdotes estar plenamente conscientes do valor sublime do seu próprio estado e da sua missão.
No exercício do sagrado ministério, para dar plena eficácia ao esforço evangelizador é essencial manter estreita comunhão entre os Bispos e os sacerdotes. Aqueles, em espírito de autêntica caridade e exercendo a sua autoridade em atitude de serviço (Cfr. Mt Mt 20,28); estes, em fidelidade às directrizes recebidas do próprio Ordinário, conscientes de que formam "uma única família, cujo pai é o Bispo" (Decreto sobre o Múnus Pastoral dos Bispos, 28.). Convido, pois, os vossos sacerdotes a pensarem que nada de estável ou construtivo poderá obter-se no seu ministério, se pretenderem realizá-lo fora da comunhão com o próprio Bispo; e muito menos se lhe forem hostis. Para não me referir ao prejuízo e à desorientação que tais atitudes criam entre os fiéis.
Queridos Irmãos: desejaria poder tratar aqui muitas outras questões. Baste, por agora, a minha palavra de conforto na vossa acção pastoral. Ao regressardes ao vosso País, transmiti vós essa palavra de conforto do Papa aos sacerdotes e aos seminaristas, aos religiosos parte tão importante entre os vossos colaboradores —, às religiosas e aos leigos. Levai-lhes a saudação afectuosa do Papa, que os tem presentes nas suas orações, os anima no seu respectivo compromisso eclesial e os abençoa de todo o coração.
Queridos Irmãos,
participantes no ministério episcopal na Igreja de Cristo
Saudamo-vos com profundo respeito e afecto. Os fiéis cristãos que servis são cidadãos de uma nação ainda jovem, embora sejam herdeiros de duas antigas tradições que enriquecem a única Igreja Católica. Ao dar-vos as boas-vindas incluímos também as Igrejas que tendes ao vosso cuidado, exprimindo a nossa cordial veneração e o nosso amor por elas.
A Igreja é certamente enriquecida com estas veneráveis tradições e seria muito mais pobre sem elas. A variedade das mesmas contribui em não pequena medida para o seu esplendor. Elas conservam valores artísticos e culturais muito grandes, cuja perda seria dolorosamente sentida. Cada uma delas é em si mesmo merecedora de grande admiração e apreço.
Além disso estas tradições não são mero adorno da Igreja. Unidas fraternalmente, são importantes meios à disposição da Igreja para ela mostrar ao mundo a universalidade da salvação em Cristo e cumprir a sua missão de granjear discípulos de todas as nações.
A variedade dentro da fraternidade que se vê na Igreja Católica, longe de ser prejudicial para a unidade da Igreja, chega mesmo a manifestá-la, mostrando como todos os povos e culturas são chamados a estar organicamente unidos no Espírito Santo mediante a mesma fé, os mesmos sacramentos e a mesma disciplina.
Cada tradição deve avaliar e animar as outras. Os olhos não podem dizer às mãos: "Não temos necessidade de vós"; porque se todos os órgãos fossem um só, onde estaria o corpo (Cfr. 1Co 12,19-21)? A Igreja é o corpo de Cristo e as várias partes do corpo são entendidas para servirem o bem do todo e para colaborarem com cada uma das outras para aquele fim.
Cada tradição individual tem a sua própria contribuição para o bem do todo. Cada um dos modos de compreensão da fé é aprofundado pela doutrina contida nas palavras dos Padres e nos escritores ascéticos dos outros, pelas riquezas teológicas conservadas nas outras liturgias porque foram desenvolvidas ao longo de séculos sob a guia do Espírito Santo e da legítima autoridade eclesiástica, e pelos outros modos de viver a fé que receberam dos Apóstolos. Cada um de nós pode encontrar amparo nos exemplos de zelo, fidelidade e santidade que são proporcionados pela história dos outros.
O Concílio Vaticano II declarou que "Todos sabemos quanto o conhecer, venerar, conservar e defender o riquíssimo património litúrgico e espiritual dos Orientais é de suma importância para a fiel guarda da íntegra tradição cristã" (Unitatis Redintegratio UR 15). O Concílio também declarou a propósito das Igrejas Orientais, "que todo este património espiritual e litúrgico, disciplinar e teológico, nas suas diversas tradições, pertence à plena catolicidade e apostolicidade da Igreja" (Ibidem 17).
Meus irmãos Bispos, respeito e aprecio do coração as veneráveis tradições a que pertenceis, e desejo vê-las florescer.
Desejaria que cada membro da Igreja católica alimentasse a sua própria tradição. "É de facto intenção da Igreja Católica que permaneçam salvas e íntegras as tradições de cada Igreja ou rito particular, e igualmente ela quer adaptar o seu teor de vida às várias necessidades dos tempos e lugares" (Orientalium Ecclesiarum OE 2). Vós e as Igrejas que governais deveríeis, por conseguinte, fazer tesouro da vossa herança e procurar que seja mantida na sua integridade para as gerações futuras.
Também desejaria que cada membro da Igreja Católica reconhecesse dignidade igual aos outros ritos dentro da própria unidade. Cada rito é chamado a assistir os outros, a trabalhar em conjunto, em harmonia e boa ordem para o bem do todo e não para o seu próprio particular bem-estar.
Asseguro-vos as minhas orações por todos os membros das vossas Igrejas nos Estados Unidos da América. Peço também pelos vossos concidadãos e pelos vossos irmãos em religião nos países de origem dos vossos antepassados. Para a maior parte de vós estes países estão próximos da minha terra natal. Para um de vós significa uma das áreas mais tristemente provadas hoje no mundo, precisamente o Líbano, área que merece de todos nós orações especiais pelo fim da inimizade e da opressão dentro dela, a fim de que os seus habitantes possam viver ali em paz e compreensão. Invocamos sobre todo o vosso povo as bênçãos do Todo Poderoso.
* * *
Terminado o discurso em língua inglesa, o Santo Padre dirigiu aos Bispos presentes as seguintes palavras em ruteno:
Quero ainda acrescentar algumas palavras em ruteno, a língua dos vossos antepassados.
Saúdo-vos cordialmente e ao mesmo tempo agradeço-vos a visita que me fazeis, a mim Sucessor de Pedro na Cátedra romana.
Como Vigário de Cristo convido-vos a continuar com empenho o trabalho pelas almas que vos foram confiadas.
De todo o coração vos abençoo, a todos vós que estais aqui presentes, aos vossos Sacerdotes, às Religiosas que trabalham nas vossas paróquias e a todos os vossos Fiéis.
Filhos caríssimos
I. Esta é para mim a primeira ocasião de encontro com os Superiores-Gerais das Ordens masculinas, encontro a que atribuo especial importância. Ao ver-vos aqui reunidos, surgem diante dos meus olhos figuras magníficas de Santos, dos grandes Santos que deram origem às vossas Famílias religiosas: Basílio, Agostinho, Bento; Domingos, Francisco, Inácio de Loyola; Francisco de Sales, Vicente de Paulo, João Baptista de la Salle, Paulo da Cruz, Afonso Maria de Ligório; e, mais perto de nós, José Bento Cottolengo, João Bosco e Vicente Pallotti; para não falar dos recentíssimos, cuja santidade espera ainda o juízo definitivo da Igreja, mas cujo influxo benéfico é testemunhado pelas falanges de almas generosas que escolheram seguir-lhes o exemplo. Todos estes noives — e não recordo senão alguns — testemunham que as vias da santidade, a que são chamados os membros do Povo de Deus, passavam e passam, em grande parte, através da vida religiosa. E não devemos admirar-nos, uma vez que a vida religiosa está disposta segundo a mais concreta "receita" da santidade, que é constituída pelo amor praticado segundo os conselhos evangélicos.
Além disso, cada um dos Vossos Fundadores, sob a inspiração do Espírito Santo prometido por Cristo à Igreja, foi um homem que tinha um carisma particular. Cristo encontrou nele um excepcional "instrumento" para a sua obra de salvação, que especialmente deste modo se perpetua na história da família humana. A Igreja foi tomando pouco a pouco estes carismas. examinou-os e, quando os julgou autênticos, deu graças ao Senhor e procurou "pô-los em seguro" na vida da comunidade, para sempre poderem dar frutos. Recordou-o o Concilio Vaticano II, sublinhando como a Hierarquia Eclesiástica, a que pertence a missão de pastorear o Povo de Deus e conduzi-lo a abundantes pastios, "seguindo docilmente a moção do Espírito Santo, acolhe as regras propostas por homens e mulheres eminentes e, depois de aperfeiçoadas, aprova-as autenticamente; e assiste com vigilância e protecção da sua autoridade aos Institutos, por toda a parte fundados para a edificação do Corpo de Cristo, para que cresçam e floresçam segundo o espírito dos fundadores" (Constituição Dogm. Lumen Gentium LG 45,1).
É isto o que desejo, antes de tudo, reconhecer e exprimir durante o nosso primeiro encontro. Não tenciono fazer aqui um apelo "ao passado entendido corno período histórico encerrado em si mesmo; tenciono referir-me "à vida" da Igreja na sua mais profunda dinâmica. À vida, assim como ela se apresenta diante de nós, hoje, trazendo consigo a riqueza das tradições do passado, para nos oferecer a possibilidade de gozarmos delas hoje.
2. A vocação religiosa é grande problema da Igreja do nosso tempo. Exactamente por isso é, primeiro que tudo, necessário reafirmar com energia que ela pertence àquela plenitude espiritual que o Espírito — espírito de Cristo — desperta e plasma no Povo de Deus. Sem as ordens religiosas, sem a vida "consagrada" por meio dos votos de castidade, pobreza e obediência, a Igreja não seria plenamente ela mesma. Os Religiosos, de facto, "coro a mesma íntima natureza do próprio ser colocam-se no dinamismo da Igreja, sedenta do Absoluto de Deus, chamada à santidade. Desta santidade são eles testemunhas. Encarnam a Igreja como desejosa de abandonar-se ao radicalismo das bem-aventuranças. Com a sua vida constituem o sinal da completa disponibilidade para com Deus, para com a Igreja, para com os Irmãos" (Exort. Apostólica Evangelii Nuntiandi EN 69). Aceitando este axioma, devemos com toda a perspicácia interrogar-nos sobre como deve a vocação religiosa ser hoje ajudada a tomar consciência de si mesma e a chegar à maturidade e como deve "funcionar" a vida religiosa no conjunto da vida da Igreja contemporânea. A esta pergunta estamos sempre procurando — e com razão — uma resposta. Encontramo-la:
a) no ensinamento do Concílio Vaticano II;
b) na exortação Evangelii Nuntiandi;
c) nas numerosas afirmações dos Pontífices, dos Sínodos e das Conferências Episcopais.
Esta resposta é fundamental e multiforme. Nela parece contudo desenhar-se particularmente um postulado: se toda a vida da Igreja tem duas dimensões, a vertical e a horizontal, as ordens religiosas devem atender, primeiro que tudo, à dimensão vertical!
É sabido que as ordens religiosas sempre fizeram grande caso da dimensão vertical, entrando na vida com o Evangelho e dando dele testemunho com o próprio exemplo. Com o Evangelho atentamente relido: quer dizer, com base no ensinamento da Igreja e na fidelidade ao seu Magistério. Assim deve ser também hoje. Testificatio - sic, contestatio - non! (Testemunho - sim, contestação - não!). A cada comunidade, a cada religioso cabe particular co-responsabilidade quanto à autêntica presença de Cristo, que é manso e humilde de coração, no mundo de hoje — de Cristo Crucificado e Ressuscitado — Cristo entre os irmãos. O espírito de maximalismo evangélico, que se distingue de qualquer radicalismo sócio-político. O "silencioso testemunho de pobreza e desapego, de pureza e transparência, de abandono à obediência", que os Religiosos são chamados a prestar, "pode tornar-se, além de repto lançado ao mundo e à Igreja mesma, também pregação eloquente, capaz de impressionar mesmo os não-cristãos de boa vontade, sensíveis a certos valores" (Exort. Apostólica Evangelii Nuntiandi EN 69,2).
3. O documento comum da Sagrada Congregação para os Religiosos e os Institutos Seculares e da Sagrada Congregação para os Bispos indica qual deve ser a relação das Ordens e Congregações religiosas com o Colégio Episcopal, com os Bispos de cada diocese e as Conferências Episcopais. É documento de grande importância, a que será conveniente dedicar atenção especial nestes próximos anos, procurando chegar à atitude interior da máxima disponibilidade, em harmonia aliás com aquela docilidade humilde e pronta, que deve constituir nota distintiva do Religioso autêntico.
Onde quer que vos encontreis no mundo, vós, com a vossa vocação que tendes, sois "para a Igreja universal", através da vossa missão "numa determinada Igreja local". Portanto, a vossa vocação para a Igreja universal realiza-se dentro das estruturas da Igreja local. É preciso não omitir nenhum esforço para se desenvolver "a vida consagrada" em cada uma das Igrejas locais, para ela contribuir para a edificação espiritual dessas Igrejas e para constituir a força das mesmas. Unidade com a Igreja universal por meio da Igreja local: eis o vosso caminho.
4. Antes de concluir, permiti-me voltar a um ponto que tenho por fundamental na vida de cada Religioso, qualquer que seja a Família a que ele pertence: desejo referir-me à dimensão contemplativa, ao compromisso da oração. O Religioso é um homem consagrado a Deus, por meio de Cristo, na caridade do Espírito. É um dado ontológico que aspira a subir à consciência e orientar a vida, não só para beneficio de cada particular, mas também para vantagem da comunidade inteira, que nas almas consagradas experimenta e saboreia, de modo particularíssimo, a presença vivificante cio Esposo divino.
Não deveis por isso temer, filhos caríssimos, recordar frequentemente aos vossos Irmãos que uma pausa de verdadeira adoração tem maior valor e fruto espiritual do que a mais intensa actividade, mesmo que seja actividade apostólica. esta a "contestação" mais urgente que os Religiosos devem opor a uma sociedade em que a eficiência se tornou ídolo, sobre cujo altar lido raro se sacrifica até a dignidade humana.
As vossas casas devem ser sobretudo centros de oração, de recolhimento, de diálogo — pessoal e comunitário — com Aquele que é e deve continuar a ser o primeiro e principal interlocutor na sequência operosa dos vossos dias. Se souberdes alimentar este "clima" de intensa e amorosa comunhão com Deus, ser-vos-á possível levar à frente, sem tensões traumáticas ou debandadas perigosas, aquele renovamento da vida e da disciplina, a que vos obrigou o Concílio Ecuménico Vaticano II. A alma que vive em contacto habitual com Deus e se move dentro do influxo quente do seu amor consegue facilmente subtrair-se à tentação de particularismos e de contra-posições, que trazem o risco de molestas divisões; consegue interpretar na devida luz evangélica a opção em favor dos mais pobres e de todas as vítimas do egoísmo humano, sem ceder a radicalizações sócio-políticas, que com o andar do tempo se revelam inoportunas, contraproducentes e geradoras elas mesmas de novas violências; consegue avizinhar-se da gente e inserir-se no meio do povo, sem temer deslustrar a sua identidade religiosa nem querer ocultar aquela "originalidade específica" da sua vocação que deriva do particular "seguimento de Cristo" pobre, casto e obediente.
Eis, filhos caríssimos, as reflexões que me interessava sujeitar à vossa consideração neste nosso primeiro encontro. Estou certo que não deixareis de empenhar-vos em as transmitir aos vossos Irmãos, enriquecendo-os com o auxílio da vossa experiência e prudência. Ajude-vos na vossa delicada missão a Virgem Santa! Ela — que o meu Predecessor Paulo VI de veneranda memória., na sua Exortação Apostólica Marialis Cultus indicava como a Virgem à escuta, a Virgem em oração, a Virgem que gera Cristo e o oferece pela salvação do mundo — continua a ser o modelo insuperável de toda a vida consagrada. Seja Ela a vossa guia na subida, extenuante mas fascinadora, a caminho do ideal do pleno assemelhamento a Cristo Senhor.
A estes votos junto a minha Bênção Apostólica.
Ilustres Senhores e Filhos caríssimos
Constitui para mim profunda alegria receber-vos hoje, Juristas católicos italianos, vindos a Roma para o 29° Encontro nacional da vossa União, que desde o seu princípio antecipou, podemos dizer as orientações do Concílio Vaticano II quanto à missão do Laicado cristão. Personalidades insignes por fé ardente, profundo pensamento filosófico e indiscutida competência técnico-jurídica, quiseram empenhar-se, mediante a vossa benemérita Associação, em "contribuir para a aplicação prática dos princípios da ética cristã na ciência jurídica, na actividade legislativa, judicial e administrativa, em toda a vida pública e profissional", como afirma o vosso Estatuto no artigo 2°.
É para mim grande conforto não só a vossa qualificada presença nesta Audiência, mas saber que nestes 30 anos a União se empenhou em dar inspiração cristã em muitos campos da vida social. São disso sinal e prova as actas das Reuniões de estudo e as publicações, a que a União deu vida, todas caracterizadas pelo espírito de serviço no que respeita à pessoa humana, com o objectivo de afirmar e promover os direitos desta e os seus valores inalienáveis de liberdade, inviolabilidade e desenvolvimento.
Mas traz conforto sobretudo a constante fidelidade demonstrada a Igreja, ao Papa e aos Bispos, cujos ensinamentos e orientações a vossa União sempre acolheu com respeito, amor e dedicação, sem cair nas lisonjas e tentações de mal entendidas autonomias em propor e defender os princípios da ética natural e cristã, que dirigem a instituição matrimonial, e em afirmar ainda, nos costumes e na lei, a inviolabilidade e sacralidade da vida humana desde a concepção. A vossa União considerou uma honra, antes ainda que um dever, acolher e seguir a palavra do Vigário de Cristo.
E esta palavra autorizada não vos faltou no passado: Pio XII, João XXIII e Paulo VI pronunciaram, por ocasião das Reuniões da União, discursos de profundo conteúdo doutrinal, oferecendo princípios e indicações iluminadoras de universal valor acerca dos graves problemas, que a vida da sociedade apresenta ao jurista cristão. Apraz-me recordar o discurso — sempre actualíssimo — que vos dirigiu Paulo VI, de venerada memória, a 9 de Dezembro de 1972, por ocasião do vosso Encontro sobre "Defesa do direito ao nascimento".
E a palavra do Papa não quer faltar hoje, por ocasião do Encontro que tem como tema: "A liberdade da assistência".
Este argumento tão delicado e actual — é encarado pelo jurista em toda a sua complexa problemática jurídica (constitucionalista, técnico-legislativa e filosófico-jurídica), mas não pode ser adequadamente estudado sem chamar em causa o projecto de sociedade, que se quer realizar e, antes ainda, a visão da pessoa humana — dos seus direitos fundamentais e das suas liberdades — qualificadora do projecto mesmo de sociedade.
A sociedade é feita para o homem, "hominis causa omne ius constitutum est". Ao serviço do homem se constitui a sociedade com as suas leis; para a salvação do homem foi fundada a Igreja por Cristo (Cfr. Const. dogm. Lumen Gentium LG 48 Const. past. Gaudium et Spes GS 45). Por isso, também a Igreja tem uma palavra sua para dizer a respeito de tal argumento.
E deve, primeiramente, dizer que o problema da "liberdade da assistência", num Estado moderno que deseje ser democrático, entra na mais ampla exposição dos direitos do homem, das liberdades civis e da própria liberdade religiosa.
Discursos João Paulo II 1978 - Sexta-feira, 17 de Novembro de 1978