Discursos João Paulo II 2000 342

À PEREGRINAÇÃO NACIONAL DA GUATEMALA


Sábado, 7 de outubro de 2000





Queridos filhos e filhas
guatemaltecos

1. É para mim motivo de alegria encontrar-vos, por ocasião da vossa vinda a Roma para celebrar o Grande Jubileu e compartilhar assim, como irmãos na fé, esta profunda experiência de reconciliação com Deus e com os irmãos. Com o significativo gesto de atravessar a Porta Santa, a Igreja convida os seus fiéis a deixar para trás todo o vestígio de pecado, a saborear a infinita misericórdia de Deus e, estimulados assim pela sua graça, a dirigir os olhos para Cristo, o único Salvador do género humano. Por isso, o Jubileu revigora e dá novo impulso à nossa esperança, ao libertar-nos do peso das escravidões passadas e ao permitir-nos levantar o olhar para o alto onde, como no céu estrelado indicado a Abraão, se manifestam a grandeza incomensurável das promessas divinas e o autêntico futuro da humanidade libertada.

2. Quiestes viver esta experiência nos vossos corações, como filhos da Igreja, e também como comunidade nacional que deseja caminhar de maneira solidária, juntamente com todo o povo da Guatemala. Por isso apresento cordiais boas-vindas a D. Víctor Hugo Martínez Contreras, Arcebispo de Los Altos-Quetzaltenango-Totonicapán e Presidente da Conferência Episcopal da Guatemala, assim como aos outros Prelados e aos numerosos fiéis que fizeram a peregrinação jubilar a Roma, para estarem próximos dos túmulos dos Apóstolos Pedro e Paulo. Convido-vos a inspirar-vos no exemplo destas grandes testemunhas do Evangelho, fiéis até derramarem o seu sangue por ele, para enfrentardes com renovada energia as tarefas da nova evangelização no vosso País.

Desejo saudar cordialmente também o Senhor Embaixador junto da Santa Sé, que muito se prodigalizou por tornar possível esta peregrinação nacional, assim como os demais representantes da Guatemala presentes em Roma e os guatemaltecos residentes na Itália, que quiseram celebrar os ritos jubilares juntamente com os seus compatriotas. Exorto-vos a aproveitar o legítimo sentimento pátrio, para promoverdes o compromisso comum de construir um futuro melhor para todo o povo, livre de tensões internas e discriminações, solidário nas necessidades de cada pessoa ou grupo, forte diante das adversidades e criador de novos espaços para a civilização do amor. Este será um precioso fruto jubilar, pois abrirá as portas a novas esperanças de transformar o mundo e fazer com que, com a graça e o poder de Deus, "as espadas se mudem em arados e ao clamor das armas se sucedam os cânticos de paz", como diz a Oração do Jubileu.

3. Deus abençoe abundantemente o vosso empenho em serdes fiéis a Deus e à Igreja, e a Virgem Maria, Nossa Senhora da Assunção, com solicitude materna, conserve em vós as graças e os bons propósitos desta peregrinação. De coração peço-Lhe que vos proteja e acompanhe, ao mesmo tempo que vos concedo de bom grado a Bênção Apostólica.



ALOCUÇÃO DO SANTO PADRE


NO ENCERRAMENTO DA RECITAÇÃO DO


ROSÁRIO DIANTE DA IMAGEM DE


NOSSA SENHORA DE FÁTIMA


Sexta-feira, 6 de outubro de 2000





1. No final deste intenso momento de oração mariana, desejo dirigir a todos vós, caríssimos Irmãos no Episcopado, uma cordial saudação, que faço extensiva de bom grado aos numerosos fiéis presentes esta tarde aqui, na Praça de São Pedro, ou que se uniram a nós através da rádio e da televisão.

Congregados em Roma para o Jubileu dos Bispos, o primeiro sábado do mês de Outubro não podia deixar de nos conduzir juntos a rezar aos pés da Virgem, que o Povo de Deus venera neste dia com o título de Rainha do Santo Rosário.

343 A nossa oração desta tarde situa-se de maneira particular à luz da "mensagem de Fátima", cujo conteúdo ajuda a nossa reflexão sobre a história do século XX. A presença entre nós da venerada imagem da Virgem de Fátima, que tive a alegria de receber de novo no Vaticano, rodeado solenemente por numerosos Irmãos no Episcopado e por tantos sacerdotes, religiosos, religiosas e fiéis, reunidos esta tarde nesta Praça, reforça esta perspectiva espiritual.

2. Meditámos sobre os "mistérios gloriosos". Do Céu, aonde o Senhor a elevou, Maria não deixa de orientar os nossos olhares para a glória de Cristo Ressuscitado, no qual se revela a vitória de Deus e do seu desígnio de amor sobre o mal e a morte. Nós Bispos, partícipes dos sofrimentos e da glória de Cristo (cf.
1P 5,1), somos as primeiras testemunhas desta vitória, fundamento de esperança certa para cada pessoa e para todo o género humano. Jesus Cristo, o ressuscitado, enviou-nos a todo o mundo para anunciar o seu Evangelho de salvação, e de Jerusalém, no decurso de vinte séculos, a mensagem chegou aos cinco continentes. Esta tarde, a nossa oração reuniu espiritualmente toda a família humana ao redor de Maria, Regina Mundi.

3. No contexto do Grande Jubileu do Ano 2000, quisemos manifestar o reconhecimento da Igreja pela solicitude materna que Maria demonstrou sempre aos seus filhos peregrinos no tempo. Não existe um século nem um povo ao qual ela não tenha feito sentir a sua presença levando aos fiéis, especialmente aos pequeninos e pobres, luz, esperança e conforto.

Confiantes na sua solicitude materna, amanhã, no final da Concelebração eucarística, realizaremos colegialmente o nosso "Acto de consagração" ao Coração Imaculado de Maria. Esta tarde, meditando juntos sobre os mistérios gloriosos do Santo Rosário, preparámo-nos interiormente para este gesto, assumindo a atitude dos Apóstolos no Cenáculo, reunidos com Maria em oração unânime e concorde.

Para cada um de vós, queridos Irmãos, e para o vosso ministério invoquei e invoco a especial intercessão da Mãe da Igreja. Ela vos ajude sempre na tarefa difícil e entusiasmante de levar o Evangelho a todos os recantos da terra, a fim de que cada homem, a começar pelos pequeninos e pobres, receba a Boa Nova de Cristo Salvador.



ATO DE CONSAGRAÇÃO A MARIA


8 de Outubro de 2000

1. "Mulher, eis aí o teu filho!" (Jn 19,26)
Quando já se aproxima o termo deste Ano Jubilar,
no qual Tu, ó Mãe, nos deste novamente Jesus,
o fruto bendito do teu ventre puríssimo,
o Verbo encarnado, o Redentor do mundo,
344 é-nos particularmente doce ouvir esta palavra
com que Ele nos entrega a Ti, tornando-Te nossa Mãe:
"Mulher, eis aí o teu filho!"
Confiando-Te o apóstolo João,
e com ele os filhos da Igreja, e mesmo todos os homens,
Cristo, longe de atenuar, reiterava
o seu papel exclusivo de Salvador do mundo.
Tu és esplendor que nada tira à luz de Cristo,
porque existes n'Ele e por Ele.
Em Ti, tudo é um "fiat", "faça-se": Tu és a Imaculada,
és transparência e plenitude de graça.
345 Assim, eis aqui os teus filhos, congregados ao teu redor,
ao alvorecer do novo Milénio.
A Igreja, hoje, pela voz do Sucessor de Pedro,
à qual se junta a de tantos Pastores
aqui reunidos das várias partes do mundo,
procura refúgio sob a tua materna protecção
e implora confiadamente a tua intercessão
perante os desafios que o futuro encerra.

2. Muitos, neste ano de graça,
viveram e continuam a viver
a alegria superabundante da misericórdia
346 que o Pai nos concedeu em Cristo.
Nas Igrejas particulares espalhadas pelo mundo,
e ainda mais neste centro da cristandade,
acolheram este dom
as mais variadas categorias de pessoas.
Aqui vibrou o entusiasmo dos jovens,
daqui se elevou a súplica dos doentes.
Por aqui passaram sacerdotes e religiosos,
artistas e jornalistas,
os homens do trabalho e da ciência,
crianças e adultos,
347 e todos reconheceram, no teu amado Filho,
o Verbo de Deus, feito carne no teu seio.
Com a tua intercessão, ó Mãe, faz
que não se percam os frutos deste Ano,
e que as sementes de graça se desenvolvam
até à medida plena da santidade
à qual todos somos chamados.

3. Queremos, hoje, consagrar-Te o futuro que nos espera,
pedindo-Te que nos acompanhes no nosso caminho.
Somos homens e mulheres dum período extraordinário,
tão cheio de triunfos como de contradições.
348 A humanidade possui, hoje, instrumentos de força inaudita:
pode fazer deste mundo um jardim,
ou reduzi-lo a um amontoado de ruínas.
Conseguiu uma capacidade extraordinária de intervenção
sobre as próprias fontes da vida:
pode usá-la para o bem, dentro das margens da lei moral,
ou ceder ao orgulho míope
duma ciência que não aceita confins,
até espezinhar o respeito devido a todo o ser humano.
Hoje, como nunca no passado,
a humanidade encontra-se numa encruzilhada.
349 E, uma vez mais, a salvação está total e unicamente,
ó Virgem Santa, no teu Filho Jesus.

4. Por isso, Mãe, tal como o Apóstolo João,
queremos receber-Te na nossa casa (cf. Jo
Jn 19,27),
para aprendermos de Ti a conformar-nos com o teu Filho.
"Mulher, eis aqui os teus filhos!"
Viemos à tua presença
para consagrar à tua solicitude materna
nós mesmos, a Igreja, o mundo inteiro.
Intercede por nós junto do teu amado Filho
para que nos dê o Espírito Santo em abundância,
350 o Espírito de verdade que é fonte de vida.
Acolhe-O por nós e connosco,
como na primeira comunidade de Jerusalém,
aconchegada ao teu redor no dia de Pentecostes (cf. Act
Ac 1,14).
O Espírito abra os corações à justiça e ao amor,
incite os indivíduos e as nações à mútua compreensão
e a uma vontade firme de paz.
Nós Te consagramos todos os homens, a começar pelos mais débeis:
as crianças que ainda não foram dadas à luz
e as nascidas em condições de pobreza e de sofrimento,
os jovens à procura de um sentido,
351 as pessoas carecidas de emprego
e atribuladas pela fome e pela doença.
Consagramos-Te as famílias em crise,
os anciãos sem assistência
e quantos vivem sozinhos e sem esperança.

5. Ó Mãe que conheces os sofrimentos
e as esperanças da Igreja e do mundo,
assiste os teus filhos nas provas quotidianas
que a vida reserva a cada um
e faz com que, graças ao esforço de todos,
as trevas não prevaleçam sobre a luz.
352 A Ti, aurora da salvação, entregamos
o nosso caminho no novo Milénio,
para que, sob a tua guia,
todos os homens descubram Cristo,
luz do mundo e único Salvador,
que reina com o Pai e o Espírito Santo
pelos séculos dos séculos. Amen.






AOS PARTICIPANTES NA


PEREGRINAÇÃO JUBILAR HÚNGARA


9 de Outubro de 2000



Caríssimos Irmãos e Irmãs em Cristo

1. Quero dirigir a cada um de vós, caríssimos peregrinos húngaros, cordiais desejos de boas-vindas. Saúdo com fraternal afecto o Cardeal Laszló Paskai, D. István Seregéli, Presidente da Conferência Episcopal Húngara, a quem agradeço as nobres palavras que me quis dirigir em nome de todos os presentes e de toda a Igreja que está na Hungria. Convosco saúdo os venerados Irmãos no Episcopado, que vos guiam nesta especial experiência de fé e de graça.
A minha saudação deferente para o Senhor Embaixador Pál Tar que, com a sua presença, oferece um renovado testemunho da colaboração positiva entre a Igreja Católica e a Autoridade estatal no vosso País, depois dos anos difíceis da ditadura comunista.

353 Obrigado por esta visita que renova e consolida a antiga fidelidade do povo magiar à Sé de Pedro! Obrigado pelo afecto que, também nesta circunstância, manifestais à minha Pessoa!

2. A vossa peregrinação nacional teve início diante da sacristia da Basílica Vaticana, com a bênção da lápide. Esta recorda o lugar onde se encontrava a primeira casa dos peregrinos húngaros, fundada há mil anos pelo Rei Santo Estêvão, que quis esta casa perto do túmulo do Apóstolo S. Pedro, até porque desejava que os peregrinos húngaros, ao virem a Roma, renovassem a fidelidade e o amor a Pedro. Tal acto solene estabelece uma feliz ligação entre os dois extraordinários acontecimentos por vós celebrados no ano 2000: o Grande Jubileu do Cristianismo e o Milénio Húngaro, que constituem, também, as motivações especiais desta peregrinação.

Viestes em grande número à Cidade eterna para visitar o Túmulo dos Apóstolos e para confirmar a vossa fé no encontro com o Sucessor de Pedro. A vossa presença assim numerosa testemunha a constante adesão do povo magiar à Santa Sé, que, a partir da entrega da coroa pelo Papa Silvestre II ao Rei Santo Estêvão constitui um elemento fundamental da vossa história e da vossa cultura.

Como recordava na Mensagem que vos enviei por ocasião da Celebração do Milénio magiar, a vossa "é uma história que se inicia com um Rei santo, e também com uma família santa..., uma semente que germinará e suscitará uma multidão de nobres figuras que ilustrarão a Panónia Sagrada", que no decurso dos séculos se tornará um sólido "baluarte de defesa da cristandade contra a invasão dos tártaros e dos turcos" (Mensagem de João Paulo II ao Povo Magiar, 20 de Agosto 2000, n. 1).

Tais vicissitudes deixaram na vossa cultura traços profundos, que encontram expressão em alguns comportamentos quotidianos, como o toque dos sinos ao meio dia que, desde a vitória sobre os Turcos islâmicos, convida os cristãos húngaros a interromper o trabalho para se entregar à oração.

A especial relação que liga o vosso Povo à Sé de Pedro encontra uma significativa expressão na Capela Húngara das Grutas Vaticanas, que eu próprio tive a alegria de benzer há vinte anos, na festa da Magna Domina Hungarorum (a Grande Senhora dos Húngaros), a quem quisestes também confiar a vossa peregrinação jubilar.

3. As solenes celebrações do Grande Jubileu da Encarnação e do Milénio Húngaro exortam-vos a dar graças ao Senhor pelas maravilhas operadas no vosso Povo. Elas constituem, por outro lado, uma preciosa ocasião de conversão e de compromisso para construir um futuro digno da vossa fé e do vosso passado glorioso, que encontra na família um dos elementos imprescindíveis.

Esta instituição fundamental da sociedade humana vive hoje uma crise difícil, que parece manifestar o esquecimento dos valores humanos e cristãos fundamentais, factores indispensáveis para o progresso civil e moral da humanidade. Ela, todavia, revela também transformações profundas em acção na sociedade, que podem levar a um novo princípio. Importa, pois, que os cristãos se defendam de tal crise com fidelidade e esperança. De facto, os problemas complexos que insidiam a instituição familiar devem levar os crentes a redescobrir e a viver os valores do matrimónio e da família, como são propostos pela Igreja, para imprimir um novo impulso à construção da civilização do amor. A propósito, desejo repetir-vos o convite que vos dirigi por ocasião da celebração do vosso Milénio: "estai conscientes da centralidade da família para uma sociedade ordenada e florescente. Promovei, portanto, sábias iniciativas para proteger a sua solidez e integridade. Só uma Nação que possa contar com famílias sãs é capaz de sobreviver e de escrever uma grande história, como aconteceu no vosso passado" (Ibid., 4).

Tal cuidado particular pela família levar-vos-á a promover a todos os níveis a cultura da vida, que exige a defesa da pessoa humana desde a concepção até ao fim, a promoção do valor da paternidade e da maternidade, como também o reconhecimento do papel fundamental desenvolvido pela mulher no trabalho doméstico e na educação dos filhos.

4. As solenes celebrações do Milénio Húngaro coincidiram com a XV Jornada Mundial da Juventude, que teve uma extraordinária participação de jovens de todo o mundo. Em tal encontro estava também presente um considerável número de jovens húngaros, que quiseram partilhar com os seus coetâneos a sua fé e a sua procura de Cristo, Aquele que dá sentido à vida.
O testemunho destes jovens, o seu entusiasmo, a sua fé alegre representam um sinal de esperança para todos, que infunde coragem e exorta a não ter medo do futuro.

354 A sua presença nas vossas Igrejas abre também à vossa Pátria um horizonte cheio de promessas e anuncia um futuro melhor.

5. Caríssimos peregrinos húngaros, formulo votos para que, fortificados pela graça do Jubileu, possais construir na vossa Nação uma sociedade mais justa e mais fraterna, digna da vossa fé e das vossas profundas raízes cristãs.

Com tais votos, enquanto vos confio à protecção materna da Magna Domina Hungarorum, como um dia fez Santo Estêvão, dou a cada um de vós e ao amado Povo húngaro, uma especial Bênção Apostólica.





DISCURSO DO SANTO PADRE AOS MEMBROS DA


ASSOCIAÇÃO "PRO PETRI SEDE"


ORIGINÁRIA DO BENELUX


Quinta-feira, 12 de outubro de 2000



Senhoras e Senhores

Saúdo-vos cordialmente por ocasião da peregrinação da Associação Pro Petri Sede. Neste Ano jubilar, continuais a vossa tradição de vir trazer ao Santo Padre a oferta dos generosos benfeitores da Bélgica, de Luxemburgo e dos Países Baixos, que assim se unem de maneira mais estreita à caridade da Igreja universal e do Sucessor de Pedro.

O Jubileu é um convite à conversão do coração, a fim de nos voltarmos para Deus e fazermos uma profunda experiência de amor do nosso Pai celeste, que nos acolhe e quer fazer de nós um povo santo. Somos chamados a espalhar à nossa volta este amor que recebemos do Senhor, dando assim um testemunho da nossa fé, que seja um sinal eloquente aos olhos do mundo.

Deste ponto de vista, o vosso gesto é particularmente importante e necessário para manifestar a misericórdia de Deus; ele procede da "caridade, que abre os nossos olhos à necessidade daqueles que vivem pobres e marginalizados" (Incarnationis mysterium, 12), e nos leva a viver como irmãos, para além da diversidade de raças, culturas e religiões. A vossa atitude inscreve-se nesta óptica e estou certo de que os generosos benfeitores da vossa Associação têm a consciência de que, mediante este gesto, estendem as mãos aos mais pobres para que eles se levantem, possam viver com a dignidade própria da sua natureza, se tornem cada vez mais artífices do seu desenvolvimento e criem uma fraternidade e uma solidariedade cada vez maiores entre todos os homens. A partilha é também uma obra importante em favor da justiça e da paz.

Peço-vos que exprimais os meus sentidos agradecimentos e gratidão a todos os membros da Associação Pro Petri Sede e aos fiéis da Bélgica, de Luxemburgo e dos Países Baixos que, no acolhimento dos pobres e dos estrangeiros, vivem o ideal evangélico de entreajuda espiritual e material. Enquanto vos confio à intercessão da Virgem Maria, que honramos de modo particular neste mês do Rosário, do íntimo do coração concedo a todos a minha Bênção Apostólica.




AO NOVO EMBAIXADOR DO CANADÁ


JUNTO À SANTA SÉ POR OCASIÃO DA


APRESENTAÇÃO DAS CARTAS CREDENCIAIS


Terça-feira, 12 de outubro de 2000


1. É-me particularmente grato receber Vossa Excelência por ocasião da apresentação das Cartas que o acreditam como Embaixador Extraordinário e Plenipotenciário do Canadá junto da Santa Sé.

355 Senhor Embaixador, fiquei sensibilizado com as palavras que acaba de me dirigir, evocando a precedente missão que teve em Roma, na Embaixada na Itália. Agradeço-lhe as mensagens que me transmitiu da parte de Suas Excelências o Governador-Geral e o Primeiro-Ministro; ficar-lhe-ia grato se exprimisse toda a minha gratidão e os meus cordiais bons votos pela sua missão ao serviço dos compatriotas. Permita-me recordar aqui, a figura de Sua Excelência o Senhor Pierre Elliot Trudeau, que faleceu há poucos dias. Ele serviu durante muito tempo o seu País e quero evocar a sua memória.

2. Como acaba de referir, desejei que a próxima Jornada Mundial da Juventude se realize em Toronto, oferecendo assim a todos os jovens do mundo, e principalmente à juventude do vasto Continente americano, a ocasião de viver uma nova experiência de fé e de encontro eclesial.

Agradeço às Autoridades do Canadá e à Igreja local o apoio que deram a esta proposta e a calorosa hospitalidade que reservaram a este convite, o que faz parte da tradição e da cultura do seu País. A recente Jornada Mundial da Juventude, que teve lugar em Roma neste Ano jubilar e que Vossa Excelência acaba de mencionar com palavras que me sensibilizam de modo particular, constituem um convite premente para a Igreja e as comunidades nacionais a todos os níveis da sociedade. Com efeito, no passado mês de Agosto, a juventude actual manifestou, de maneira ainda mais vigorosa que em outras assembleias, o seu desejo de levar uma vida bela e boa, voltando-se para Deus e servindo o próximo.

Isto lembra-nos a atenção que devemos prestar aos jovens, à sua formação intelectual e profissional assim como, mais amplamente, à sua educação humana, moral e espiritual. É especialmente importante ensinar-lhes o valor da vida, de cada vida, desde a concepção até ao seu termo natural, porque a vida é um dom de Deus, de que nós não somos os senhores. Hoje, as numerosas técnicas permitem que um bom número dos nossos contemporâneos pense que o que é cientificamente possível fazer é também aceitável do ponto de vista moral, em particular no contexto das técnicas da reprodução humana. A ciência, que é uma ajuda preciosa, nunca pode ser por si só um critério de discernimento moral, simplesmente porque oferece possibilidades novas, um poder do homem sobre o homem e, de certa maneira, um domínio do ser vivo.

Vossa Excelência conhece também o compromisso da Sé Apostólica e da Igreja no seu País, em comunicar aos jovens os elementos que lhes hão-de permitir levar uma vida pessoal e social fundada sobre os valores essenciais. É importante que o conjunto da comunidade educativa de um país se mobilize para transmitir às gerações vindouras, pelo ensino e o testemunho de vida, não somente o saber, mas também a capacidade e os valores que permitem reconhecer o sentido profundo de toda a existência, assim como, de forma concreta, os elementos necessários para o discernimento, as decisões e o agir humanos. De modo particular, é essencial oferecer aos jovens e adultos a capacidade de julgar o valor das suas decisões e dos seus actos pessoais, porque eles devem assumir a responsabilidade diante daqueles que lhes podem pedir contas na vida pública.

3. Neste espírito, todas as Autoridades interessadas devem prestar ajuda e apoio às instituições e às pessoas comprometidas no sistema educativo, oferecendo também aos pais a possibilidade e os meios para escolherem os lugares onde podem dar aos próprios filhos a formação que corresponde à que eles procuram; com efeito, ninguém se pode substituir à responsabilidade dos pais neste campo, enquanto que a comunidade nacional só deve agir num clima de subsidiariedade.

Deste modo, a instituição conjugal e familiar, enquanto célula básica e estrutura fundamental da sociedade, à qual nenhuma outra se pode sobrepor ou mesmo situar a nível de igualdade, há-de ser privilegiada nas decisões políticas e económicas. Os pais, que são os primeiros educadores dos seus filhos, realizam junto deles uma missão social de primeiro plano. Eles têm a responsabilidade da sua educação espiritual, moral e cívica; para a cumprirem de modo correcto, precisam de ser plenamente reconhecidos, sustentados e protegidos pelos dirigentes. Da mesma forma os grupos religiosos, reconhecidos pela Autoridade legítima, devem poder dar a sua contribuição ao sistema educativo, para inculcar nos jovens cujos pais o pedem, os valores e os princípios religiosos fundamentais, no respeito da liberdade de consciência.

4. O Canadá é um grande País que contém numerosos grupos humanos diferentes, os quais contribuem para a riqueza nacional. É importante que todas as culturas, algumas das quais estão entre as mais antigas do Continente, sejam plenamente reconhecidas e possam tomar uma parte activa na vida social, no respeito da sua especificidade e no cuidado natural pela equidade e solidariedade fraternas. Com efeito, respeitar as culturas, cujos membros são chamados a agir em harmonia e sintonia, é favorecer o desenvolvimento das pessoas, a compreensão entre os habitantes do mesmo país, a coesão social e a integração das forças vivas de uma nação, a fim de que todos concorram para o bem comum e a edificação da sociedade. Em particular, exige-se a atenção permanente para com todos os que, no seio da sociedade, são cada vez mais pobres e excluídos das redes económicas. É nesta mesma perspectiva que os seus compatriotas são chamados a prestar uma atenção cada vez maior à recepção dos estrangeiros; encorajo-os a trabalhar para que cada homem desabrigado ou sem terra possa, graças aos outros homens, encontrar toda a sua dignidade e levar uma vida que corresponda a essa mesma dignidade. A atenção aos emigrantes, nomeadamente àqueles que vêm dos países mais pobres ou de regiões onde há conflitos, é uma exigência da vida nacional e internacional. Ninguém pode abandonar o próximo sem assistência, nem lugar onde se estabelecer para se alimentar, vestir, viver na terra e ter tudo o que é necessário para levar uma existência decente.

5. Sob este ponto de vista, o ano do grande Jubileu é também uma ocasião particularmente favorável, para os cristãos e todos os homens de boa vontade, de aumentar a sua solidariedade em relação aos irmãos dos países mais pobres; da mesma maneira, convém que os Estados mais ricos, mediante significativos gestos de perdão da dívida internacional, contribuam para a vida desses países, graças ao envio de pessoas qualificadas que poderiam dar o seu apoio, durante um tempo limitado e com profundo cuidado pedagógico, para uma melhor organização e uma mais sadia gestão política, económica e social, no respeito pelas especificidades das nações em questão.

Aprecio ainda o compromisso do seu País em favor da paz e da luta contra as minas anti-homem; estas ainda fazem muitas vítimas em todo o mundo, principalmente entre as crianças, que ficarão marcadas na sua carne para sempre por decisões irresponsáveis de países em guerra, que consistem em atacar indirectamente as populações civis inermes. Neste Ano jubilar, em que Cristo nos convida a ser cada vez mais responsáveis uns pelos outros, renovo uma vez mais o meu apelo à comunidade internacional, a fim de que se faça tudo, onde se julgar necessário, para eliminar dos campos o mais depressa possível estas armas terríveis que foram instaladas, e para deixar de as fabricar de uma vez para sempre. Os homens são a principal riqueza do planeta e atentar contra eles faz correr alguns riscos à humanidade inteira.

6. A sua presença no Vaticano oferece-me a ocasião para dirigir uma cordial saudação aos Bispos e a todos os fiéis católicos do Canadá. Encorajo-os a continuar fielmente a vida cristã, à volta dos seus pastores. Encontrarão nesta caminhada a força para dar testemunho junto dos seus compatriotas, de maneira renovada pelas suas palavras e obras, da sua fé e dos valores evangélicos que os fazem viver. Vossa Excelência conhece a longa experiência da Igreja, nomeadamente nos sectores da educação, da família, da saúde e da actividade caritativa. Tanto no Canadá como no conjunto do Continente americano, os fiéis não cessam de se comprometer ao lado dos seus irmãos, e a Igreja católica deseja participar plenamente na vida nacional, num espírito de diálogo e de colaboração com todos os homens de boa vontade e com o papel específico que lhes compete.

356 No momento em que começa a sua missão de Representante do Canadá junto da Sé Apostólica, apresento-lhe os meus melhores votos. Garanto-lhe que encontrará sempre junto dos meus colaboradores um acolhimento caloroso e uma compreensão atenta para cumprir a missão que lhe foi confiada.

Por seu intermédio, Senhor Embaixador, saúdo cordialmente Sua Excelência o Governador-Geral, o Senhor Primeiro- Ministro, o conjunto das Autoridades e todo o povo do Canadá, dirigindo a todos os meus votos de felicidade e de prosperidade.

Peço a Deus que lhe conceda, assim como àqueles que lhe são próximos, aos seus colaboradores na Embaixada e a todos os seus compatriotas, os benefícios das Suas Bênçãos.






AOS PARTICIPANTES NO


VIII COLÓQUIO INTERNACIONAL DE


MARIOLOGIA


Roma, 13 de outubro de 2000



Caríssimos Irmãos e Irmãs!

1. Tenho a alegria de vos acolher hoje, por ocasião do VIII Colóquio Internacional de Mariologia sobre o tema "São Luís Maria Grignion de Montfort: Espiritualidade trinitária em comunhão com Maria". Saúdo todos com afecto: os organizadores, os relatores e os participantes. Dirijo um particular agradecimento a D. François Garnier, Bispo de Luçon, pelas calorosas expressões com que interpretou os comuns sentimentos.

O encontro de hoje traz à memória aquele que em 1706 se realizou aqui em Roma, entre o meu venerado predecessor Clemente XI e o missionário bretão, Grignion de Montfort, vindo precisamente para pedir ao Sucessor de Pedro luz e conforto para o caminho apostólico que havia empreendido. Além disso, recordo com gratidão a peregrinação que a Providência me concedeu realizar ao túmulo deste grande Santo, em Saint-Laurent-sur-Sèvre, no dia 19 de Setembro de 1996.

São Luís Maria Grignion de Montfort constitui para mim uma significativa figura de referência, que me iluminou em momentos importantes da vida. Quando, como seminarista clandestino, eu trabalhava na fábrica Solvay de Cracóvia, o meu director espiritual aconselhou-me a meditar sobre o Tratado da verdadeira devoção à Santa Virgem. Li e reli muitas vezes, e com grande proveito espiritual, este precioso livrinho ascético de capa azul que se tinha manchado de soda. Ao situar a Mãe de Cristo em relação ao mistério trinitário, Montfort ajudou-me a entender que a Virgem pertence ao plano da salvação por vontade do Pai, como Mãe do Verbo encarnado, por Ela concebido por obra do Espírito Santo. Toda a intervenção de Maria na obra da regeneração dos fiéis não se põe em competição com Cristo, mas d'Ele deriva e está ao seu serviço. A acção que Maria realiza no plano da salvação é sempre cristocêntrica, isto é, faz directamente referência a uma mediação que acontece em Cristo. Compreendi, então, que não podia excluir da minha vida a Mãe do Senhor, sem desatender a vontade de Deus-Trindade, que quis "iniciar e realizar" os grandes mistérios da história da salvação com a colaboração responsável e fiel da humilde Serva de Nazaré.

Dou também agora graças ao Senhor por ter podido experimentar quanto também vós tivestes ocasião de aprofundar neste Colóquio, isto é, que o acolhimento de Maria na vida, em Cristo e no Espírito, introduz o crente no próprio âmago do mistério trinitário.

2. Caríssimos Irmãos e Irmãs, durante o vosso Simpósio ocupastes-vos da espiritualidade trinitária em comunhão com Maria: aspecto, este, que caracteriza o ensinamento de Montfort.
Com efeito, ele não propõe uma teologia sem influência na vida concreta nem sequer um cristianismo "por procuração", sem que se assuma pessoalmente os compromissos que derivam do Baptismo. Ao contrário, ele convida a uma espiritualidade intensamente vivida; estimula a um dom, decidido de maneira livre e consciente, de si mesmo a Cristo e, mediante Ele, ao Espírito Santo e ao Pai. Nesta luz se compreende como a referência a Maria torna perfeita a renovação das promessas baptismais, pois é precisamente Maria a criatura "mais conforme a Jesus Cristo" (Tratado da verdadeira devoção à Santa Virgem, 121).

357 Sim, toda a espiritualidade cristocêntrica e mariana ensinada por Montfort deriva da Trindade e a ela conduz. A esse respeito, causa impressão a sua insistência sobre a acção das três Pessoas divinas em relação a Maria. Deus Pai "deu o seu único Filho ao mundo somente por meio de Maria" e "quer ter filhos por meio de Maria até ao fim do mundo" (ibid., 16 e 29). Deus Filho "fez-Se homem para a nossa salvação, mas em Maria e por meio de Maria", e "quer formar-Se e, por assim dizer, todos os dias encarnar nos seus membros, por meio da sua querida mãe" (ibid., 16 e 31). Deus Espírito Santo "comunicou a Maria, sua Esposa fiel, os seus dons inefáveis" e "n'Ela e por meio d'Ela quer formar para Si os eleitos" (ibid., 25 e 34).

3. Maria aparece, portanto, como espaço de amor e de acção das Pessoas da Trindade, e Montfort apresenta-a em perspectiva relacional: "Maria está em total relação a Deus e muito bem charmar-Lhe-ia a relação a Deus, que só existe em relação a Deus" (ibid., 225). Por esta razão a Toda Santa conduz à Trindade. Ao repetir-Lhe cada dia "Totus tuus" e ao viver em sintonia com Ela, pode chegar-se à experiência do Pai na confiança e no amor sem limites (cf. ibid., 169 e 215), à docilidade ao Espírito Santo (cf. ibid., 258) e à transformação de si segundo a imagem de Cristo (cf. ibid., 218-221).

Alguma vez acontece que na catequese e também nos exercícios de piedade se deixa, como que implícita, "a nota trinitária e cristológica, que neles é intrínseca e essencial" (Exort. Apost. Marialis cultus, 25). Na visão de Grignion de Montfort, ao contrário, a fé trinitária impregna as orações dirigidas a Maria: "Saúdo-Te, Maria, Filha amabilíssima do eterno Pai, Mãe admirável do Filho, Esposa fidelíssima do Espírito Santo, templo augusto da Santíssima Trindade" (Métodos para recitar o Rosário, 15). De igual modo na Oração inflamada, dirigida às três Pessoas divinas e projectada sobre os últimos tempos da Igreja, Maria é contemplada como a "montanha de Deus" (n. 25), ambiente de santidade que eleva a Deus e transforma em Cristo.

Possa todo o cristão fazer própria a doxologia que Montfort põe nos lábios de Maria no Magnificat: "Adore-se e seja bendito / o nosso único e verdadeiro Deus! / O universo ressoe / e em todo o lugar seja cantado: /Glória ao eterno Pai, / glória ao Verbo adorável! / A mesma glória ao Espírito Santo / que com o seu amor os une num vínculo inefável" (
Ct 85,6).

Ao implorar sobre cada um de vós a contínua assistência da Virgem Santa, para que possais viver a vossa vocação em comunhão com Ela, nossa Mãe e modelo, concedo-vos de coração uma especial Bênção Apostólica.




Discursos João Paulo II 2000 342