
Discursos João Paulo II 2001 - Sexta-feira, 30 de Agosto de 2001
1. Desejo expressar o meu mais vivo reconhecimento a quantos, nesta tarde, tornaram possível a estreia de uma obra, sob diversos aspectos, muito significativa. Em primeiro lugar felicito o cineasta, Sr. Jerzy Kawalerowicz, e o produtor, Sr. Miroslaw Slowinski, por terem realizado um trabalho de tão amplo horizonte, que demonstra a actualidade do romance de Henryk Sienkiewicz, escrito há mais de um século e que em 1905 lhe valeu o Prémio Nobel.
Esta nova interpretação cinematográfica foi preparada por ocasião do ano de 2000. Durante o Grande Jubileu, num certo sentido, Cristo voltou a percorrer as ruas de Roma e do mundo inteiro. E nós repetimos-lhe as palavras do Apóstolo Pedro, citadas por Santo Ambrósio (cf. Serm. c. Auxentium, 13): "Domine, quo vadis? Senhor, aonde vais?". E, como então, Jesus respondeu-nos: "Venio iterum crucifigi. Venho para ser novamente crucificado". Ou seja, venho para renovar o meu dom de salvação a todos os homens, no alvorecer do terceiro milénio.
Nesta perspectiva, adquire um profundo significado a intenção do cineasta, de voltar a analisar a interrogação de Pedro, como se fosse dirigida ao homem contemporâneo: Quo vadis, homo?" Aonde vais, homem?". Vais ao encontro de Cristo ou segues outros caminhos, que te levam para longe dele e de ti mesmo?
Esta pergunta impressiona-nos mais ainda, se consideramos que o lugar em que nos encontramos neste momento é precisamente aquele onde, há dois mil anos, aconteceram alguns factos narrados pelo romance e pelo filme Quo vadis? Com efeito, encontramo-nos na área do Circo de Nero, onde não poucos cristãos padeceram o martírio, inclusivamente Sao Pedro. Testemunha silenciosa desses acontecimentos trágicos e gloriosos é o obelisco, o mesmo que entao se encontrava no meio do circo e que, a partir do século XVI, se eleva no centro da Praça de Sao Pedro, coração do mundo católico. Este obelisco é encimado pela Cruz, como que para recordar que o céu e a terra passarao, juntamente com os impérios e os reinos humanos, mas Cristo nao passará, pois Ele é o mesmo ontem, hoje e sempre.
2. Agradeço a todas as pessoas aqui presentes e, sobretudo, aos produtores do filme, esta tarde especial: ao cineasta Jerzy Kawalerowicz, aos excelentes actores e rqueles que, de alguma forma, contribuíram para a realizaçao desta obra.
Daqui a pouco os críticos farao uma avaliação artística do filme. Quanto a mim, só desejo agradecer a atenção com que o filme foi realizado atenção nao apenas pela obra-prima de Sienkiewicz, mas acima de tudo pela tradição crista, na qual ele encontra a sua origem. Nao se pode compreender o atual contexto da Igreja e da espiritualidade cristã, sem retornar às vicissitudes religiosas dos homens que, entusiasmados pela "boa nova" de Jesus Cristo, se tornaram suas testemunhas. É necessário voltar a considerar o drama que se passou na sua alma, onde se confrontaram o medo humano e a coragem sobre-humana, o desejo de viver e a vontade de ser fiel até à morte, o sentido da solidão diante do ódio impassível e, ao mesmo tempo, a experiência do poder que provém da presença próxima e invisível de Deus, e da fé conjunta da Igreja nascente. É preciso reflectir sobre esse drama, a fim de que brote a seguinte pergunta: uma parte dele tem lugar no meu coração? O filme Quo vadis? faz com que seja possível voltar para esta tradição de provas emocionantes e ajuda a identificar-se nela.
Uma vez mais, obrigado a todos!
3. Agradeço novamente a quantos ofereceram e organizaram a estreia do filme nesta tarde enquanto, do íntimo do coração, vos concedo a todos vós e aos vossos entes queridos uma especial Bênção apostólica.
Setembro de 2001
: Ao venerado Irmão Card. WALTER KASPER
Presidente do Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos
Apraz-me enviar neste ano, através da sua pessoa, venerado Irmão, a minha afectuosa saudação aos participantes no VII Simpósio Intercristão sobre o seguinte tema: "Perspectivas soteriológicas nas tradições oriental e ocidental", promovido na cidade de Régio da Calábria pelo Instituto de Espiritualidade do Pontíficio Ateneu "Antonianum" de Roma e pela Faculdade Teológica "Aristóteles" de Tessalonica (Grécia).
No passado, já tive a ocasião de realçar a importância desta iniciativa entre os dois Institutos, um católico e o outro ortodoxo, que realizam encontros regulares para reflectir sobre a herança cristã conjunta, na perspectiva de servir o homem do nosso tempo e de contribuir, com a oração, o estudo e o confronto, para aplanar o mais possível o caminho rumo à plena unidade entre os crentes em Cristo. Portanto, hoje é mais útil do que nunca conhecer-se cada vez melhor uns aos outros, para identificar as convergências e complementaridades no campo teológico e aprofundar o diálogo sobre questões de interesse mútuo, deixando-se orientar pela Sagrada Escritura e pela Tradição.
Neste momento, é com profunda emoção que recordo o encontro que tive, no passado mês de Maio, com Sua Beatitude Christodoulos, Arcebispo de Atenas e de toda a Grécia. Juntos, nós declarámos: "Acreditamos firmemente que as relações entre os cristãos, em todas as suas manifestações, devem ser caracterizadas pela honestidade, pela prudência e pelo conhecimento dos problemas" (Declaração Comum, n. 2). O Senhor oriente os nossos passos ao longo do caminho da Verdade e do Amor. Multipliquem-se os momentos de diálogo e de reflexão fraterna entre os cristãos, a fim de que alcancem quanto antes a plena unidade pela qual o Senhor rezou nos últimos momentos da sua vida terrestre.
O tema, escolhido para o Simpósio deste ano, refere-se a um elemento essencial do anúncio evangélico: a redenção do homem criado para ser partícipe da própria vida de Deus, como afirma uma célebre expressão de Santo Atanásio: "O Filho de Deus fez-se homem, para nos fazer Deus" (De Incarnatione, 54).
Voltando o olhar para o novo milénio que se abre repleto de esperanças à nossa frente, como deixar de evocar a realidade providencial do imenso dom que Deus nos concedeu em Cristo, nosso Redentor? Na recente Carta Apostólica Novo millennio ineunte, eu recordava que em cada actividade eclesial é necessário "respeitar um princípio essencial da visão cristã da vida: o primado da graça" (n. 38), ou seja, daquele favor gratuito que Deus concede ao homem para que responda à sua vocação de filho de Deus, entrando na intimidade da vida trinitária para participar da própria vida divina (cf. Catecismo da Igreja Católica, CEC 1996-1997).
Por conseguinte, o tema que estais a abordar durante estes dias é importante: aprofundá-lo, considerando o desenvolvimento que ele teve no Oriente e no Ocidente, será sem dúvida uma ocasião preciosa para compreender toda a sua riqueza.
Estou persuadido de que uma intensa oração acompanhará os trabalhos do Simpósio e ajudará a vossa investigação, animada pela vontade sincera de entendimento e também de caridade fraterna recíproca.
Quanto a mim, também eu asseguro a lembrança na oração enquanto, com afecto, invoco a Bênção do Senhor sobre os organizadores, os relatores e todos os participantes.
Castelgandolfo, 10 de Agosto de 2001.
Ao Senhor Cardeal
Presidente Emérito dos Pontifícios Conselhos "Justiça e Paz" e "Cor Unum"
É-me grato dirigir, por intermédio de Vossa Eminência, a minha cordial saudação aos ilustres Representantes das grandes Religiões mundiais, que este ano se reúnem em Barcelona para o XV Encontro Internacional de Oração pela Paz, com o tema: "As fronteiras do diálogo: religiões e civilizações do novo século".
Este encontro significa uma etapa importante, não só por ter chegado à sua XV edição, mas também porque com ele desejais realçar o modo de entrar neste novo tempo. Não só com os debates e as reflexões que se realizaram nestes dias, mas também com a vossa presença, manifestais ao mundo que é bom iniciar o século XXI não com discrepâncias mas com uma visão comum: o sonho da unidade da família humana.
Fiz meu este sonho quando, em Outubro de 1986, convoquei em Assis os meus irmãos e os responsáveis das grandes Religiões mundiais para rezar pela paz: um ao lado do outro, e não um contra o outro. Com efeito, desejaria que todos, jovens e adultos, mulheres e homens, num mundo ainda dividido em dois blocos e condicionado pelo medo da guerra nuclear, se sentissem chamados a construir um futuro de paz e de prosperidade. Tinha diante dos meus olhos como que uma grande visão: todos os povos do mundo a caminho dos diversos pontos da terra para se reunirem perante o único Deus como uma só família. Naquela tarde memorável, na cidade natal de São Francisco, esse sonho tornou-se realidade: era a primeira vez que representantes de diversas religiões do mundo se encontravam juntos.
Passaram quinze anos desde aquela data. Aproveito esta ocasião para agradecer profundamente à Comunidade de Santo Egídio por ter prosseguido aquela iniciativa e continuado a propô-la com esperança, ano após ano, para que os esforços pela paz perseverem sem desânimos, mesmo perante as grandes adversidades. Estes dias são realizados num clima de fraternidade, que eu quis chamar o "espírito de Assis". Nestes anos cresceu uma amizade profunda que se expandiu em tantas partes do mundo e deu não poucos frutos de paz. Muitas personalidades religiosas uniram-se aos primeiros que vieram, através da oração e da reflexão. Assistiram também pessoas não crentes que, procurando honradamente a verdade, participaram com o diálogo nestes encontros, obtendo deles grande ajuda.
Dou graças a Deus, rico de misericórdia e de bênçãos, pelo caminho percorrido ao longo destes anos. Congratulo-me com todos vós por esta iniciativa. Os homens e as mulheres do mundo vêem como aprendestes a estar juntos e a rezar de acordo com a própria tradição religiosa, sem confusão e no respeito recíproco, mantendo cada qual íntegras e sólidas as próprias crenças. Numa sociedade na qual convivem pessoas de religião diversa, este encontro representa um sinal de paz. Todos podem verificar como, neste espírito, a paz entre os povos já não é uma utopia distante.
Por isso, ouso afirmar que estes encontros passaram a ser "um sinal dos tempos", como diria o Beato João XXIII, de venerada memória. Um sinal oportuno para o século XXI e para o terceiro milénio, caracterizados cada vez mais pelo pluralismo cultural e religioso, para que o seu futuro seja iluminado desde o início pelo diálogo fraterno e, desta forma, se abra ao encontro pacífico. Vós mostrais de maneira visível o modo de ultrapassar as fronteiras mais delicadas e urgentes do nosso tempo. Com efeito, o diálogo entre as diversas religiões, não só afasta "o espectro funesto das guerras de religião que já cobriram de sangue muitos períodos na história da humanidade" (Novo millennio ineunte, 55), mas estabelece sobretudo condições mais seguras para a paz. Todos nós, como crentes, temos um dever grave e ao mesmo tempo apaixonante, além de urgente: "O nome do único Deus deve tornar-se cada vez mais aquilo que é: um nome de paz, um imperativo de paz" (ibid.).
Reunistes-vos nessa cidade da Catalunha, a mim tão querida, que se abre sobre o mediterrâneo e olha para horizontes mais amplos. Nesta ocasião, dirijo a minha fraterna saudação à Arquidiocese de Barcelona e ao seu benemérito Arcebispo, Cardeal Ricardo María Carles Gordó, por ter colaborado na realização deste Encontro. Envio de igual modo a minha respeitosa saudação à Generalitat da Catalunha e ao seu Presidente, ao Município de Barcelona e ao seu Presidente, que tornaram possível esta louvável iniciativa.
Juntos, queridos irmãos e irmãs, "far-nos-emos ao largo" em diálogo ecuménico. Que o terceiro milénio seja o da união à volta do único Senhor: Jesus Cristo. Não se pode tolerar mais o escândalo da divisão: é um "não" repetido ao amor de Deus. Demos voz à força do amor que Ele nos mostrou para termos a audácia de caminhar juntos.
Juntamente convosco, Representantes das grandes Religiões mundiais, devemos também "remar até ao largo" até ao grande oceano deste mundo a fim de ajudar todos a erguer o olhar e dirigi-lo para o Alto, para o único Deus e Pai de todos os povos da terra. Reconheceremos que as diferenças não nos levam ao conflito mas sim ao respeito, à colaboração leal e à edificação da paz. Todos devemos apostar no diálogo e no amor como únicas vias que nos permitem respeitar os direitos de cada um e enfrentar os grandes desafios do novo milénio.
Vaticano, 28 de Agosto de 2001, solenidade de Santo Agostinho.
Estimados Irmãos e Irmãs
1. É com grande alegria que vos dou as boas-vindas, a vós colaboradoras e colaboradores da "Missio Aachen", que durante estes dias realizais esta peregrinação a Roma. Dirijo uma saudação especial ao vosso Presidente, Pe. Hermann Schalück, que vos acompanha ao longo deste percurso espiritual na Cidade Eterna. Enquanto vos observo, penso inevitavelmente nos grandiosos e inestimáveis méritos da Pontifícia Obra Missionária na Alemanha. Por isso, ao saudar-vos é de bom grado que faço minhas as palavras que Paulo, o Apóstolo das Gentes, dirigiu aos Tessalonicenses: "Damos sempre graças a Deus por todos vós, lembrando-nos de vós sem cessar nas nossas orações, recordando a actividade da vossa fé, o esforço da vossa caridade e a constância da esperança que vós tendes em nosso Senhor Jesus Cristo" (1Th 1,2-3).
Sim, fé, esperança e caridade fizeram com que a "Missio Aachen" se tornasse, ao longo da sua história, uma obra-prima da Igreja missionária.
2. Como evidencia o programa da vossa peregrinação, da visita aos túmulos dos Príncipes dos Apóstolos esperais receber sobretudo inspirações espirituais para a vossa obra futura. Assim, é com prazer que aproveito o ensejo, em consideração da vossa missão eclesial, para "não cessar de vos lembrar estas coisas, embora estejais instruídos e confirmados na presente verdade" (2P 1,12).
No mundo contemporâneo, o homem corre o perigo de limitar o progresso à dimensão horizontal. Todavia, o que seria do homem, se não se voltasse também para o Alto, para o Absoluto? Uma "nova humanidade" sem Deus está destinada a terminar rapidamente, como no-lo demonstram os sinais de sangue, que nos foram deixados pela história das ideologias e dos regimes totalitários do século passado.
Por isso os cristãos do terceiro milénio, que há pouco teve início, têm mais do que nunca "a tarefa maravilhosa e exigente de ser o seu "reflexo"... Este é um encargo que nos faz tremer, quando olhamos para a fraqueza que frequentemente nos torna opacos e cheios de sombras. Mas é uma missão possível se, expondo-nos à luz de Cristo, nos abrirmos à graça que nos faz homens novos" (Novo millennio ineunte, 54).
3. Diante deste horizonte a que Cristo, sol da nossa salvação, confere a sua luz, delineia-se um "sinal dos tempos", que deve ser lido e avaliado novamente: a Igreja tem uma responsabilidade missionária em relação aos povos, à qual não pode subtrair-se. Uma das tarefas mais urgentes da Missio ad gentes é o anúncio do facto de que o homem, que busca a liberdade e o sentido, encontra a sua plenitude de vida no Mysterium de Jesus Cristo, que é "Caminho, Verdade e Vida" (Jn 14,6).
Por este motivo, a missão não pode consistir apenas na assistência ao desenvolvimento, mas deve também e em primeiro lugar ser anúncio do Evangelho, com as palavras e as acções. É por esta razão que vos exprimo a vós, representantes da "Missio Aachen", o meu apreço e a minha estima pelo facto de que sempre considerastes a vossa actividade como uma obra de difusão da fé, e inclusivamente no futuro desejais conservar esta orientação. Certa e justamente, a Igreja missionária está comprometida em muitos sectores, dedicando-se à redução das necessidades materiais e à libertação dos oprimidos, à justa defesa dos bens da terra e à salvaguarda dos direitos do homem. Todavia, as suas tarefas principais são outras: alimentar os que têm fome, não só com o pão e a liberdade, porque eles precisam sobretudo de Deus, enquanto "nem só de pão vive o homem, mas de toda a palavra que sai da boca de Deus" (Mt 4,4).
4. Graças à generosidade de inúmeros fiéis, no mundo inteiro os responsáveis da "Missio Aachen" conseguiram, em diversos âmbitos missionários, satisfazer as várias necessidades materiais e espirituais. Considerados individualmente, os projectos não prevêem apenas a edificação e a ajuda às igrejas, escolas e residências, mas também a promoção da caridade, da educação e da formação, visando consolidar a dignidade pessoal de todos, sobretudo das crianças e das mulheres. Por conseguinte, no âmbito da assistência material é importante prestar atenção ao espírito com que se dá. A generosidade do dom deverá ser sempre iluminada pela fé, medida com o parâmetro do amor. Só então o dar será mais santo do que o receber.
Colaborar na missão significa ser capaz não apenas de dar, mas inclusive de receber. Precisamente a história da vossa Institutição demonstra que a Missio só obtém bom êxito quando está radicada na Communio. Durante a realização da sua vasta missão, todas as Igrejas participantes, tanto as jovens como as menos jovens, são chamadas a dar e a receber. Sim, a Igreja como Communio constitui uma comunidade que vive do intercâmbio recíproco dos seus dons, como o Concílio Vaticano II explicou de maneira exaustiva: "Em virtude desta catolicidade, cada parte contribui com os seus dons peculiares para as demais [partes] e para toda a Igreja, de modo que o todo e cada parte crescem por comunicação mútua e pelo esforço comum, em ordem a alcançar a plenitude na unidade" (Constituição Dogmática Lumen gentium, LG 13).
5. O número das pessoas que ainda não ouviram falar de Jesus é infinitamente grande. Os espaços culturais aonde o anúncio do mysterium da salvação ainda não chegou são tão vastos, que a Communio da Igreja o exige com todas as suas forças. Portanto, no início do terceiro milénio a missão da Igreja consiste em alimentar o zelo apostólico para levar a luz e a alegria da Boa Nova a quantos ainda não conhecem o amor de Deus, que se manifestou em Jesus Cristo para salvar todos os homens (cf. Tt Tt 2,11 Tt 3,4).
A esta actividade eclesial a "Missio Aachen" oferece uma contribuição generosa e preciosa. Gratos a Deus por nos ter dado esta Instituição, confio à Virgem Maria quantos estão ligados a ela mediante a actividade, as ofertas e a oração, a fim de que lhes conceda a sua protecção materna.
É de bom grado que vos concedo a Bênção apostólica.
Queridos Irmãos e Irmãs!
1. Dou-vos com grande afecto as boas-vindas por ocasião da visita ad limina Apostolorum. Com ela desejais renovar, como Pastores da Igreja que peregrina no Uruguai, a comunhão com o Sucessor de Pedro e partilhar apostolicamente os motivos de alegria e de esperança, de preocupação e de tristeza, que vive a porção tão querida do Povo de Deus posta sob os vossos cuidados pastorais.
Antes de tudo, desejo manifestar o meu sentido agradecimento a D. Carlos Maria Collazzi Irazábal, Bispo de Mercedes e Presidente da Conferência Episcopal, pelas afectuosas palavras que houve por bem dirigir-me em nome de todos. Com elas fez uma referência também à situação do vosso País e à acção da Igreja, que anima a vida dos fiéis e o seu progresso na fé no início do terceiro milénio.
2. Conservo sempre uma viva recordação da peregrinação nacional que vós, juntamente com um grande número de católicos uruguaios, realizastes no ano passado a Roma como "um momento privilegiado do Grande Jubileu". Aquele encontro jubilar coincidia, além disso, com o aniversário do falecimento de "D. Jacinto Vera, primeiro Bispo do Uruguai, que soube levar, não sem dificuldades, a presença da Igreja a todos os rincões do País (Discurso, 12/06/2000).
Desenvolvestes a grande herança deste Jubileu no vosso documento colectivo Orientações Pastorais 2001-2006, centrando-a "na contemplação do rosto de Cristo: considerando-O nos seus traços e no seu mistério, acolhendo-O na sua multiforme presença na Igreja e no mundo, confessando-O como sentido da história e luz do nosso caminho (Novo millennio ineunte, 15). Com isto desejais assinalar uma meta que todos devem ter em vista: a santidade.
3. No exercício do vosso ministério episcopal, como Mestres da fé, enfrentais as diversas prioridades pastorais, seguindo com fidelidade os ensinamentos do Concílio Vaticano II, onde "se encontra uma bússola segura para nos orientar no caminho do século que começa (ibid., 57). Considerando as exigências actuais da nova Evangelização, em perspectiva soteriológica, deve apresentar-se antes de mais a pessoa e a missão de Cristo.
Na Catedral Metropolitana de Montevideu, durante a minha primeira visita pastoral ao Uruguai, dizia: "Senhor... devemos proclamar sem temor algum a verdade completa e autêntica sobre a Vossa pessoa, sobre a Igreja que fundastes, sobre o homem e sobre o mundo que remistes com o vosso sangue sem reducionismos nem ambiguidades" (Discurso, 31/03/1987, 3; ed. port. de 5/4/1987, pág. 4). De facto, não é suficiente promover "os denominados "valores do Reino", como a paz, a justiça, a liberdade, a fraternidade" (Redemptoris missio, RMi 17), mas deve-se proclamar que "Cristo é o único mediador entre Deus e os homens... Esta Sua mediação única e universal... é a via estabelecida pelo próprio Deus" (Ibid., 5).
O mistério de Cristo, além de ser o elemento central do anúncio, ajuda a esclarecer o mistério do homem (cf. Gaudium et spes, GS 22). Por conseguinte, testemunho e anúncio são realidades complementares e profundamente ligadas entre si, de forma que, como programa de evangelização, devem ter por finalidade "o próprio Cristo, que temos de conhecer, amar, imitar, para n'Ele viver a vida trinitária e com Ele transformar a história até à sua plenitude na Jerusalém celeste" (Novo millennio ineunte, 29). Portanto, a evangelização, "constitui o primeiro serviço que a Igreja pode prestar ao homem e à humanidade inteira, no mundo de hoje, que, apesar de conhecer realizações maravilhosas, parece ter perdido o sentido último das coisas" (Redemptoris missio, RMi 2).
4. Um acontecimento importante da vossa vida eclesial foi também a celebração, em Colónia do Sacramento, do IV Congresso Eucarístico Nacional, com o lema "Jesus Cristo, vida plena para o Uruguai". Este foi um momento especial de graça, que deve continuar a animar os fiéis católicos a viver mais intensamente o mistério da Eucaristia, participando activamente na Missa do domingo e aproximando-se do Sacramento da comunhão nas devidas condições. Isto ajudá-los-á a empenhar-se mais generosamente no serviço dos irmãos, especialmente dos mais desfavorecidos.
Deve dar-se a este Sacramento "a sua plena dimensão e o seu significado essencial. Ele é ao mesmo tempo Sacramento-Sacrifício, Sacramento-Comunhão e Sacramento-Presença. Mesmo sendo verdade que a Eucaristia foi sempre e deve ser ainda agora a mais profunda revelação e celebração da fraternidade humana dos discípulos e confessores de Cristo, ela não pode ser considerada simplesmente como uma "ocasião" para se manifestar uma tal fraternidade. Ao celebrar o Sacramento do Corpo e Sangue do Senhor, é necessário respeitar a plena dimensão do mistério divino, o pleno sentido deste sinal sacramental" (Redemptor hominis, RH 20).
5. No que se refere aos estudos teológicos e ao mundo da cultura, é louvável a tarefa da Faculdade de Teologia do Uruguai "D. Mariano Soler", criada recentemente na Arquidiocese de Montevideu, bem como o Centro Superior Teológico Pastoral e o Triénio de Teologia para Leigos. Estes centros dedicam-se a formar não só os futuros sacerdotes, mas também oferecem formação filosófica e teológica a religiosas, religiosos e leigos.
Desta maneira pode ser enriquecida a cultura uruguaia com a metodologia da primeira evangelização, que não alterou a mensagem cristã perante as dificuldades e a hostilidade do ambiente ao qual se destinava, mas com a palavra e com o testemunho conseguiu orientar e facilitar o caminho da própria cultura. A Evangelização da cultura exige que "tudo o que há de bom no coração e na mentalidade dos homens, ou nos ritos próprios e culturais dos povos, não só pereça, mas se purifique, se eleve e aperfeiçoe, para glória de Deus... e felicidade do homem" (Lumen gentium, LG 17).
No cumprimento desta missão, a Igreja no Uruguai, ao longo destes quase cinco séculos de presença, deu um grande contributo para a construção do País. De facto, os cristãos colaboraram em muitos campos da vida nacional. Neste substracto cultural católico formaram-se os forjadores da nova nação, os quais lançaram bases firmes à cultura da pátria. Isto demonstra como para a evangelização da cultura têm particular importância as instituições católicas, desde a escola até à Universidade.
Na sua acção evangelizadora, a Igreja não pode prescindir, além disso, dos meios de comunicação social para alcançar as pessoas de hoje, sobretudo as crianças e os jovens, com linguagens adequadas que transmitam fielmente a mensagem evangélica. "Eis pois a audácia, ao mesmo tempo humilde e serena, que inspira a presença cristã no interior do diálogo público dos meios de comunicação" (Mensagem pontifícia para a XXIII Jornada Mundial das Comunicações Sociais, 24/1/1989, ed. port. de 29/1/1989, pág. 1).
6. Por meio de vós, desejo saudar também, com grande afecto e em espírito de comunhão, todos os sacerdotes das vossas Igrejas particulares. Eles, de maneira imediata e através da pregação e da vida sacramental, dirigem as comunidades eclesiais que constituem a realidade diocesana. A cada um deles deveis dedicar as atenções e cuidados que Jesus dava aos seus apóstolos.
Ao mesmo tempo, tendo em conta que a sua preparação intelectual não termina com o seminário, é necessário acompanhá-los e facilitar-lhes todos os tipos de ajuda, entre as quais a formação permanente, como "um processo de conversão contínua" (Pastores davo vobis, 70), a qual engloba a dimensão humana, espiritual, intelectual e pastoral do presbítero. Desta forma serão capazes de orientar adequadamente o Povo de Deus, sobretudo quando se difundem de maneira escondida modelos de vida e comportamentos que provocam confusão e relativismo dos princípios doutrinais e morais, como realçastes nas Orientações Pastorais.
Além disso, pertencem também ao presbitério diocesano todos os sacerdotes dos Institutos de vida consagrada e das Sociedades de vida apostólica, que colaboram nas Dioceses. Eles devem viver os seus carismas próprios na unidade, na comunhão e na missão da Igreja particular. É necessário incrementar este espírito de comunhão entre o Bispo e todos os presbíteros, para que sejam, para o povo fiel, exemplo da unidade querida por Cristo (cf. Jo Jn 17,21). Ao mesmo tempo, a acção pastoral será enriquecida pela participação fraterna nos diversos carismas.
7. Preocupados com o escasso número de pessoas dedicadas à missão, vós esforçais-vos por promover e seguir com atenção uma pastoral vocacional, que deve ser acompanhada antes de mais pela oração (cf. Mt Mt 9,38). Os candidatos devem ser dirigidos com prudência e competência para que possam percorrer todas as etapas que o seguimento do Senhor na vida sacerdotal e religiosa exige.
A este respeito, "é necessário que a Igreja do terceiro milénio estimule todos os baptizados e crismados a tomarem consciência da própria responsabilidade activa na vida eclesial. Ao lado do ministério ordenado, podem florescer outros ministérios - instituídos ou simplesmente reconhecidos - para proveito de toda a comunidade, ajudando-a nas suas diversas necessidades: desde a catequese à animação litúrgica, desde a educação dos jovens às várias expressões da caridade" (Novo millennio ineunte, 46).
Todos se devem sentir interpelados a colaborar neste esforço de promover vocações para o sacerdócio e para a vida de especial consagração, mesmo em ambientes pouco propícios e de indiferença religiosa. "É necessário e urgente estruturar uma vasta e pormenorizada pastoral das vocações, que envolva as paróquias, os centros educativos, as famílias, suscitando uma reflexão mais atenta sobre os valores essenciais da vida, cuja síntese decisiva está na resposta que cada um é convidado a dar ao chamamento de Deus, especialmente quando este pede a total doação de si mesmo e das próprias forças à causa do Reino" (ibid.).
8. Nas vossas prioridades pastorais sentis também como dever premente ajudar os padres a serem bons pastores da "igreja doméstica". De facto, quando a família participa no ser e na missão da Igreja, não só se transforma em sacramento de salvação para os seus membros, mas realiza também plenamente a sua "missão de guardar, revelar e comunicar o amor e a vida" (Familiaris consortio, FC 17).
Nas Orientações Pastorais realçastes também como no mundo contemporâneo existe uma deterioração generalizada do sentido natural e religioso do matrimónio, com consequências preocupantes tanto a nível pessoal como público. Por isso, deve-se prestar uma particular atenção a todas as famílias: não só às que cumprem a sua missão ao serviço da vida desde a sua concepção até ao seu fim natural, sempre a partir do amor conjugal e familiar. É também necessário fazer um discernimento pastoral sobre as formas alternativas de união que hoje afectam a instituição da família no Uruguai, especialmente as que consideram como realidade familiar as simples uniões de facto, desconhecendo o autêntico conceito de amor conjugal.
Sobre este aspecto, fiz presente que "qualquer lei que prejudica a família, atentando contra a sua unidade e indissolubilidade, ou então conferindo validade legal a uniões entre pessoas, até do mesmo sexo, que pretendem sub-rogar com os mesmos direitos a família fundada sobre o matrimónio de um homem com uma mulher (...) não é uma lei conforme ao desígnio divino" (Discurso aos governantes, parlamentares e políticos, 4/11/2000, n. 4; ed. port, de 11/11/2000, pág. 6).
9. Perante os graves problemas tão comuns de ordem social, a Igreja, seguindo a sua doutrina social, procura dar resposta e encontrar soluções concretas. Através da Pastoral Social procura promover a cultura da solidariedade, mantendo a opção preferencial pelos pobres com a prática de um amor activo e concreto para com todos os seres humanos, perante qualquer tentação de indiferença ou inibição. Este é um âmbito que "sem nunca ceder à tentação de reduzir as comunidades cristãs a agências sociais" (Novo millennio ineunte, 52), caracteriza de maneira decisiva a vida cristã, o estilo eclesial e a programação eclesial.
Sei que a Igreja no Uruguai, apesar dos limitados recursos materiais, está em primeira fila na atenção às pessoas e famílias que vivem em condições muito inferiores ao mínimo requerido pela dignidade humana e na luta contra as "novas pobrezas". A Igreja, através dos sacerdotes, religiosas e religiosos, pessoas consagradas e leigos empenhados, torna-se presente nos bairros marginalizados das cidades e nas aldeias, com escolas e tantas outras formas de ajuda aos mais pobres e necessitados.
10. No final deste encontro fraterno, peço-vos que convideis os sacerdotes e diáconos, as religiosas e religiosos, os seminaristas e leigos empenhados a "fazer-se ao largo" no seu serviço à Igreja e ao povo uruguaio, sem se desencorajar e continuando a ser fiéis a Cristo e aos seus irmãos.
Sob a materna protecção da Virgem dos Trinta e Três e Mãe do Povo Oriental recomendo tudo o que partilhamos nestes dias. Deixai-vos guiar por Maria, Estrela da Evangelização, que indica sempre o caminho certo. Ao mesmo tempo, e como expressão do grande afecto no Senhor, concedo-vos a Bênção apostólica, que faço extensiva a todos e a cada um dos vossos queridos fiéis diocesanos.
Discursos João Paulo II 2001 - Sexta-feira, 30 de Agosto de 2001