Discursos João Paulo II 1979

IV — ALGUMAS TAREFAS PRIORITÁRIAS


Vós ides considerar muitos temas pastorais de grande significado. O tempo não permite fazer-lhes alusão. A alguns deles já tive ou vou ter azo de me referir nos encontros com os Sacerdotes, com os Religiosos, com os Seminaristas e com os Leigos. No entanto os temas que aqui passo a assinalar-vos, por diferentes motivos, têm todos eles uma grande importância. Não deixareis certamente de os considerar, entre tantos outros que a vossa clarividência pastoral vos indicará.

a) A Família

Empregai todos os esforços para que haja uma pastoral familiar. Atendei a um campo tão prioritário, com a certeza de que no futuro a evangelização depende em grande parte da «Igreja doméstica». Ela é a escola do amor, do conhecimento de Deus, do respeito pela vida e pela dignidade do homem. Esta pastoral é tanto mais importante, quanto a família está a ser objecto de graves ameaças. Pensai nas campanhas a favor do divórcio, de práticas anticoncepcionais, do aborto, que destroem a sociedade.

b) As vocações sacerdotais e religiosas

Na maioria dos vossos países, não obstante um esperançoso despertar de vocações, é um problema grave e crónico a falta das mesmas. A desproporção entre o número crescente de habitantes e de agentes da evangelização é imensa. Isto é algo que interessa sobremaneira à comunidade cristã. Toda a comunidade há-de procurar-se as suas vocações, como sinal inclusivamente da sua vitalidade e maturidade. Há que revitalizar uma intensa acção pastoral que, partindo da vocação cristã em geral e de uma pastoral da juventude entusiasta, dê à Igreja os servidores de que ela necessita. As vocações leigas, tão indispensáveis, não podem constituir uma compensação. Mais ainda, uma das provas do empenho do leigo é a fecundidade nas vocações para a vida consagrada.

c) A Juventude

Quanta esperança põe na juventude a Igreja! Quantas energias circulam na juventude na América Latina, de que a Igreja precisa! Como temos nós, os Pastores, de procurar aproximar-nos da juventude, para que Cristo e a Igreja e para que o amor dos irmãos calem profundamente no seu coração.

CONCLUSÃO


Ao terminar esta mensagem não posso deixar de invocar uma vez mais a protecção da Mãe de Deus sobre as vossas pessoas e o vosso trabalho nestes dias. O facto deste nosso encontro se realizar com a presença espiritual de Nossa Senhora de Guadalupe, venerada no México e em todas as outras nações como Mãe da Igreja na América Latina, é para mim um motivo de alegria e uma fonte de esperança. «Estrela da evangelização», que ela seja a vossa guia nas reflexões que fareis e nas decisões que vierdes a tomar. Que Ela alcance do seu divino Filho para vós:

— audácia de profetas e prudência evangélica de Pastores,

— clarividência de mestres e segurança de guias e orientadores,

— força de ânimo como testemunhas, e serenidade, paciência e mansidão de pais.

O Senhor abençoe os vossos trabalhos. Estais acompanhados de selectos representantes:. Presbíteros, Diáconos, Religiosos, Religiosas, Leigos, Peritos e Observadores, cuja colaboração vos irá ser muito útil. Depois, toda a Igreja tem os olhos postos em vós, com confiança e com esperança. E vós quereis certamente corresponder a tais expectativas com plena fidelidade a Cristo, à Igreja e ao homem. O futuro está nas mãos de Deus; de certa maneira, porém, esse futuro de um novo impulso evangelizador, Deus o põe nas vossas mãos também. Ide, pois, e ensinai todas as gentes (65).



Notas

1. Cfr. Testamento de Paulo VI.

2. Tg. 1, 17.

3. 2 Cor. 11, 28.

4. Jo. 8, 32.

5. Cfr. 1 Tim.1, 3-7; 18-20; 2, 16; 2 Tim. 1, 4-14.

6. Evangelii Nuntiandi, 78.

7. Exort. Apost. Evangelii Nuntiandi, 22.

8. Cfr. Exort. Apost. Evangelii Nuntiandi, 18.

9. Mt. 16, 16.

10. Homilia no início solene do meu Pontificado, a 22 de Outubro de 1978.

11. Gál. 1, 8.

12. Cfr. Mt. 4, 8; Lc.4, 5.

13. Cfr. Mt. 22, 21; Mc.12, 17; Jo. 18, 36.

14. Cfr. Const. Lumen Gentium, 8.

15. Cfr. Exort. Apost. Evangelii Nuntiandi, 19 e 27.

16. SANTO HILÁRIO DE POITIERS, Ad Ausentium, 1-4.

17. Homilia no início solene do meu Pontificado, em 22 de Outubro de 1978.

18. Cfr. Const. Lumen Gentium, 9.

19. Cfr. ibid., 7.

20. Cfr. Exort. Apost. Evangelii Nuntiandi, 13.

21. Cfr. Const. Lumen Gentium, 9.

22. Cfr. HENRI DE LUBAC, Meditations sur l'Église.

23. SÃO CIPRIANO, De unitate, 6, 8.

24. Exort. Apost. Evangelii Nuntiandi, 16.

25. SANTO AGOSTINHO, In Joannem, tract. 32, 8.

26. Primeira Mensagem à Igreja e ao Mundo do meu Pontificado, a 17 de Outubro de 1978.

27. Ibid.

28. Cfr. Exort. Apost. Evangelii Nuntiandi, 14-15; Const. Lumen Gentium, 5.

29. Exort. Apost. Evangelii Nuntiandi, 15.

30. Cfr. Exort. Apost. Evangelii Nuntiandi, 60.

31. Ibid., 60.

32. Cfr. 1 Tess.2, 13.

33. Primeira Mensagem à Igreja e ao Povo de Deus do meu Pontificado, a 17 de Outubro de 1978.

34. Const. Lumen Gentium, 5.

35. Exort. Apost. Evangelii Nuntiandi, 77.

36. Const. Gaudium et Spes, 22.

37. Cfr. Const. Gaudium et Spes, 12 e 14.

38. Adversus Haereses, III, 20, 2-3.

39. Mensagem do Natal- 1978, 1.

40. Jo. 2, 25.

41. SÃO CIPRIANO, em De unitate Ecctesiae, 6-8.

42. Cfr. Lc. 10, 29 ss.

43. Cfr. Mt. 25, 31 ss.

44. Cfr. Mc. 6, 35-44.

45. Cfr. Documento Final do Sínodo dos Bispos de 1971, Outubro de 1971.

46. Cfr. Exort. Apost. Evangelii Nuntiandi, 31.

47. Ibid., 29.

48. Cfr. Const. Gaudium et Spes, 26, 27 e 29.

49. PAULO VI, Discurso pronunciado na O.N.U., a 5 de Outubro de 1965.

50. Cfr. SANTO AMBRÓSIO, De Nabuthae c. 12, n. 53; PL 14, 747.

51. Enc. Populorum Progressio, 23-24; e cfr. também Enc. Mater et Magistra de João XXIII, n. 106.

52. Cfr. Const. Gaudium et Spes, 35.

53. Enc. Populorum Progressio, 76.

54. Mensagem por mim dirigida em data recente à O.N.U.

55. Cfr. Exort. Apost. Evangelii Nuntiandi, 30.

56. Cfr. Exort. Apost. Evangelii Nuntiandi, 31.

57. Exort. Apost. Evangelii Nuntiandi, 9.

58. Rom. 8, 15.

59. Exort. Apost. Evangelii Nuntiandi, 32.

60.. Cfr. Exort. Apost. Evangelii Nuntiandi, 35.

61. Cfr. Const. Lumen Gentium, 8.

62. Cfr. Exort. Apost. Evangelii Nuntiandi, 38.

63. Cfr. Const. Apost. Octogesima adveniens, 4.

64. Const. Gaudium et Spes, 43.

65. Mt. 28, 19.



VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA JOÃO PAULO II

À REPÚBLICA DOMINICANA, MÉXICO E BAHAMAS

DISCURSO DO SANTO PADRE DURANTE

A VISITA AO HOSPITAL INFANTIL


DE CIDADE DO MÉXICO


Segunda-feira, 29 de Janeiro de 1979

Queridos filhos

Ao vir passar estes momentos entre vós, quero saudar os Dirigentes do Centro, todos os meninos e meninas doentes deste Hospital Infantil e todas as crianças que sofrem em suas casas, em qualquer parte que seja do México.

A doença não vos permite brincar com os vossos amigos; por isso quis vir ver-vos outro amigo, o Papa, que tantas vezes pensa em vós e reza por vós.

Saúdo também os vossos pais, irmãos, irmãs, familiares e todos os que se preocupam da vossa saúde e a vós atendem com tanto esmero e afecto.

Convido-vos agora a rezarmos uma Ave-Maria a Nossa Senhora de Guadalupe por vós, que tão cedo encontrais a dor e a enfermidade na vossa vida.

Queridos meninos: o Papa continuará a lembrar-se de vós e leva consigo de braços abertos a vossa saudação sorridente, deixando-vos o seu abraço e a sua Bênção.



VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA JOÃO PAULO II

À REPÚBLICA DOMINICANA, MÉXICO E BAHAMAS

DISCURSO DO SANTO PADRE

NA CERIMÓNIA DE BOAS-VINDAS EM OAXACA


Segunda-feira, 29 de Janeiro de 1979

Senhor Arcebispo,
Irmãos e filho muito queridos

Muito obrigado a todos por esta recepção tão cordial que me dispensastes ao chegar eu a estas terras de Oaxaca. Muito obrigado também ao Senhor Arcebispo pelas suas palavras de boas-vindas.

Não posso reprimir a minha admiração, emocionada e agradecida, ao ver com quanta afabilidade, com quanta entusiasmo me acolheis entre vós: sinal, sem qualquer dúvida, de que sempre vos sentistes muito perto, no afecto, do Vigário de Cristo, pastor da Igreja universal, e portanto também vosso.

Neste primeiro encontro convosco, desejo somente manifestar-vos o meu profundo respeito e apreço por esta terra de Oaxaca, rica de história, tradições e religiosidade; além disso, berço de diversos povos nativos desta zona, que deixaram vestígios inapagáveis na história mexicana. Povos e homens que vos deixaram, em herança, alguma coisa que vós cultivais como património genuíno: profunda estima pelos valores morais e espirituais.

Saúdo também muito cordialmente todos os que não puderam vir por estarem impedidos, especialmente os doentes e as pessoas de idade. A todos, a eles e a vós. a minha melhor Bênção.

VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA JOÃO PAULO II

À REPÚBLICA DOMINICANA, MÉXICO E BAHAMAS

DISCURSO DO SANTO PADRE

AOS ÍNDIOS MEXICANOS REUNIDOS


EM CUILAPÁN


Segunda-feira, 29 de Janeiro de 1979

Amadíssimos irmãos indígenas e "campesinos"

Saúdo-vos com alegria e agradeço a vossa presença entusiasta e as palavras de boas vindas que me dirigistes. Não encontro melhor saudação para vos expressar os sentimentos que invadem agora o meu coração, do que a frase de São Pedro, o primeiro Papa da Igreja: "Paz a vós os que estais em Cristo". Paz a vós, que formais um grupo tão numeroso.

Também a vós, habitantes de Oaxaca, de Chiapas e de Culiacan, e os que viestes de tantas outras partes, herdeiros do sangue e da cultura dos vossos nobres antepassados — sobretudo os mixtecas e os zapotecas — fostes chamados a ser santos, com todos aqueles que invocam o nome de nosso Senhor Jesus Cristo (1Co 1 1Co 2).

O Filho de Deus "habitou entre nós" para constituir filhos de Deus aqueles que crêem no seu nome (Cfr. Jo Jn 1,11 ss.); e confiou à Igreja a continuação desta missão salvadora, onde quer que haja homens. Nada é pois de estranhar que um dia, no já longínquo século XVI, tenham chegado aqui, por fidelidade à Igreja, missionários intrépidos, desejosos de assimilar o vosso estilo de vida e costumes, para revelarem melhor e darem expressão viva à imagem de Cristo. Suba a nossa recordarão agradecida ao primeiro Bispo de Oaxaca, Juan José Lópcz de Záratc e a tantos outros missionários — franciscanos, dominicanos, agostinhos e jesuítas homens admiráveis pelo fé e pela generosidade humana.

Eles sabiam muito bem quanto é importante a cultura, como veículo para transmitir a fé, a fim de os homens progredirem no conhecimento de Deus. Nisto não pode haver distinção de raças nem de culturas, não grego nem judeu..., nem escravo nem livre, mas Cristo é tudo em todos (Col 3,11). Aqui está estímulo e desafio para a Igreja, uma vez que ela, sendo fiel ã mensagem genuína e total do Senhor, há-de abrir-se e há-de interpretar toda a realidade humana para impregná-la da força do Evangelho (Cfr. Evangelii nuntiandi, EN 20,40).

Amadíssimos irmãos: a minha presença entre vós quer constituir sinal vivo e autêntico desta preocupação universal da Igreja. O Papa e a Igreja estão convosco e amam-vos: amam as vossas pessoas, a vossa cultura, as vossas tradições; admiram o vosso maravilhoso passado, animam-vos no presente e muito esperam do futuro.

Mas não é só disto que vos quero falar. Através de vós, "campesinos" e indígenas, aparece diante dos meus olhos essa multidão imensa do mundo agrícola, parte ainda dominante no continente latino-americano e sector muito grande, ainda hoje em dia, no nosso planeta. Diante desse espectáculo imponente que se reflecte nas minhas pupilas, não posso deixar de pensar no idêntico quadro que há dez anos contemplava o meu Predecessor Paulo VI, na sua memorável visita à Colômbia e, mais concretamente, no seu encontro com os "campesinos".

Com ele quero repetir — se fosse possível com tom ainda mais forte na minha voz — que o Papa actual quer ser "solidário com a vossa causa, que é a casa do povo humilde, a da gente pobre (Paulo VI, Discurso aos "campesinos", 23 de Agosto de 1968). O Papa está com essas massas de população, "quase sempre abandonadas num baixo nível de vida e às vezes tratadas e exploradas duramente" (Ibidem).

Tomando também eu a linha dos meus Predecessores João XXIII e Paulo VI, assim como a do Concílio (Cfr. Mater et Magistra, Populorum Progressio , Gaudium et Spes GS 9,71 etc.), e à vista de uma situação que ainda continua a ser alarmante, muitas vezes não melhor e às vezes até pior agora, o Papa quer ser a vossa voz — a voz de quem não pode falar ou de quem é reduzido ao silêncio — para ser ele consciência das consciências, convite à acção para se recuperar o tempo perdido, que frequentemente constituiu tempo de sofrimentos prolongados e de esperanças não satisfeitas.

O mundo deprimido do campo — o trabalhador que rega com o seu suor também o seu desconsolo não pode esperar mais tempo até que se reconheça, plena e eficazmente, a sua dignidade não inferior à de qualquer outro sector social. Tem direito a ser respeitado, a não ser privado — com manobras que ás vezes equivalem a verdadeiros despojamentos — do pouco que tem; a que não se lhe tolha a sua aspiração a ser agente do seu próprio elevamento. Tem direito a ver levantadas as barreiras da exploração, constituídas frequentemente por egoísmos intoleráveis, contra os quais se pulverizam os seus melhores esforços de promoção, Tem direito ao auxílio eficaz — que não é esmola nem migalhas de justiça — para que tenha acesso ao desenvolvimento que a sua dignidade de homem e de filho de Deus merece. Em favor deles é necessário actuar depressa e em profundidade. E necessário pôr em execução transformações audazes, profundamente inovadoras. E necessário, sem esperar mais, empreender reformas urgentes (Populorum Progressio PP 32).

Não pode esquecer-se que, as medidas que se tomem, precisam de ser adequadas. A Igreja defende, sim, o legítimo direito à propriedade particular, mas ensina com não menor clareza que sobre toda a propriedade particular pesa sempre uma hipoteca social, para que os bens sirvam ao destino geral que Deus lhes deu. E, se o bem comum o exige, não há que duvidar mesmo diante da expropriação, feita na devida forma (Populorum Progressio PP 24).

O mundo agrícola tem grande importância e grande dignidade. É ele que oferece à sociedade os produtos necessários para a sua alimentação. A sua tarefa merece o apreço e a estima agradecida de todos, no que está o reconhecimento da dignidade das pessoas que dele se ocupam.

Dignidade que pode e deve aumentar com a contemplação de Deus, a qual favorece o contacto com a natureza reflexo da acção divina, que se ocupa da erva do campo, a faz crescer e alimenta, e fecunda a terra, enviando-lhe a chuva e o vento, para que alimente também os animais que ajudam o homem, como lemos no princípio do Génesis.

O trabalho do campo encerra dificuldades não pequenas pelo esforço que exige, pelo desprezo com que por vezes é olhado ou pelas travas que encontra e que só uma acção de grande alcance pode suprimir. Sem ela, continuará a fuga do campo para as cidades, criando frequentemente problemas de proletarização extensa e angustiosa, amontoamento de seres humanos em habitações indignas, etc.

Mal bastante espalhado é a tendência ao individualismo entre os trabalhadores do campo, quando uma acção mais coordenada e solidária poderia servir de não pequena ajuda. Pensai nisto, queridos filhos.

Apesar de tudo, o mundo do campo possui riquezas humanas e religiosas invejáveis: arraigado amor à família, sentido da amizade, ajuda aos mais necessitados, profundo humanismo, amor à paz e convivência cívica, vivência do factor religioso, confiança em Deus e abertura de alma diante d'Ele, prática do amor à Virgem Maria e tantos outros. merecido tributo de reconhecimento que o Papa quer apresentar-vos e a que sois credores por parte da sociedade. Obrigado, "campesinos", pela ajuda valiosa que prestais ao bem social; muito vos deve a humanidade. Podeis sentir-vos orgulhosos do vosso contributo para o bem comum.

Pelo vosso lado — responsáveis pelos povos, classes poderosas que às vezes conservais improdutivas as terras que escondem o pão que a tantas famílias falta — a consciência humana, a consciência dos povos, o brado do desvalido e sobretudo a voz de Deus, a voz da Igreja, repetem-vos comigo: Não é justo, não é humano, não é cristão continuarem certas situações claramente injustas. Urge pôr em prática medidas reais, eficazes, a nível nacional e internacional, na extensa linha marcada pela encíclica "Mater et Magistra" ( Mater et Magistra, parte terceira). E é claro: quem mais deve colaborar nisso e quem mais pode.

Amadíssimos irmãos e filhos: trabalhai pela vossa elevação humana, mas não pareis nisso. Tornai-vos cada vez mais dignos no campo moral e religioso. Não deis entrada a sentimentos de ódio ou de violência, mas olhai para o dono e senhor de todos, que dá a cada um a recompensa que os seus actos merecem. A Igreja está convosco e anima-vos a viver a vossa condição de filhos de Deus, unidos a Cristo, sob o olhar de Maria, nossa Mãe Santíssima.

O Papa pede-vos a vossa oração e oferece-vos a sua. E abençoando-vos e também às vossas famílias, despede-se de vós com as palavras do Apóstolo São Paulo: Saudai todos os irmãos com um ósculo santo. Seja isto uma chamada à esperançar.

Assim seja.



VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA JOÃO PAULO II

À REPÚBLICA DOMINICANA, MÉXICO E BAHAMAS

DISCURSO DO SANTO PADRE

AOS REPRESENTANTES


DAS ORGANIZAÇÕES CATÓLICAS DO MÉXICO


Segunda-feira, 29 de Janeiro de 1979


Amadíssimos filhos
das Organizações Católicas Nacionais do México

Bendito seja o Senhor que — na minha permanência nesta querida terra de Nossa Senhora de Guadalupe — me permite ainda saborear o prazer dum encontro convosco.

Agradeço as vossas vivas demonstrações de afecto filial e posso confessar-vos quanto me agradaria deter-me com cada um de vós para vos conhecer pessoalmente, para ficar mais informado do vosso serviço eclesial e para recolher informações abundantes sobre tantos aspectos fundamentais da vossa projecção apostólica. Desejo, ao menos, que estas palavras sejam testemunho eloquente de solidariedade, apreço e estímulo, e de orientação dos vossos melhores esforços como leigos — e como laicado católico organizado — por parte de quem, como Sucessor de Pedro, foi chamado ao serviço de todos os que servem ao Senhor.

Vós sabeis bem como o Concílio Vaticano II recolheu essa grande corrente histórica contemporânea de "promoção do laicado", aprofundando-a nos seus fundamentos teológicos, integrando-a e iluminando-a devidamente com a eclesiologia da Lumen Gentium, convocando e impulsionando a participação activa dos leigos na vida e missão da Igreja. No Corpo de Cristo, constituído em "pluralidade de ministérios mas unidade de missão" (AAS 2, cfr. Lumen Gentium LG 10,32), os leigos, enquanto fiéis cristãos "incorporados em Cristo pelo baptismo, constituídos em povo de Deus e tornados participantes à sua maneira da função sacerdotal, profética e régia de Jesus Cristo", estão chamados a exercer o seu apostolado, especialmente "em todas e cada uma das actividades e profissões" que desempenham, "assim como nas condições ordinárias da vida familiar e social..." ( Lumen Gentium LG 31) a fim de "impregnarem e aperfeiçoarem toda a ordem temporal com o espírito evangélico" (AAS, 5).

No quadro global dos ensinamentos conciliares e particularmente à luz da "Constituição sobre a Igreja", abriram-se vastas exigências e renovadas perspectivas de acção dos leigos em variadíssimos campos da vida eclesial e secular. Sem prejuízo do apostolado individual, reconhecido como seu pressuposto indispensável, o decreto Apostolicam Actuositatem indicou também o apreço da Igreja pelas formas associativas do apostolado leigo, congénitas ao ser comunitário da Igreja e às exigências de evangelização do mundo moderno.

Vós sois, portanto, sinais e protagonistas dessa "promoção do laicado" que tantos frutos tem dado à vida eclesial nestes anos de aplicação do Concílio. A vós — e por meio de vós a todos os leigos e associações laicais da Igreja da América Latina — convido a que renovais uma dupla dimensão do vosso compromisso laical e eclesial.

Por um lado, a que testemunheis denodadamente a Cristo, confesseis com alegria e docilidade a vossa plena fidelidade ao Magistério eclesial, a que assegureis a vossa filial obediência e colaboração aos vossos Pastores, busqueis a mais adequada inserção orgânica e dinâmica do vosso apostolado na missão da Igreja e, em particular, da pastoral das vossas Igrejas locais. Muitos e muito provados exemplos disso, deu e dá o laicado mexicano. E é com alegria e agradecimento que desejo recordar especialmente a comemoração, neste ano de 1979, do cinquentenário da Acção Católica Mexicana, coluna vertebral do laicado organizado no País.

A III Conferência Geral do Episcopado latino-americano é momento forte de graça, que exige conversão pessoal e comunitária, para que se renovem a vossa comunhão eclesial, a vossa confiança nos Pastores, e o vosso vigor e impulso apostólico. Por outro lado, nessa perspectiva eclesial, quero convidar-vos a que reaviveis a vossa sensibilidade humana e cristã quanto à outra vertente do vosso compromisso: a participação nas carências, aspirações e desafios cruciais com que a realidade dos vossos próximos solicita a acção evangelizadora de leigos cristãos.

Entre a vastidão dos campos que exigem a presença do laicado no mundo, campos que assinala a Exortação Apostólica Evangelii Nuntiandi essa Carta Magna da Evangelização — quero assinalar alguns espaços fundamentais e urgentes no acelerado e desigual processo de industrialização, urbanização e transformação cultural na vida dos vossos povos.

A salvaguarda, promoção, santificação e projecção apostólica da vida familiar devem contar os leigos católicos entre os seus agentes mais decididos e coerentes. Célula básica do tecido social, considerada pelo Concílio Vaticano II como "Igreja doméstica", exige um esforço evangelizador, que active os seus factores de crescimento humano e cristão e vença os obstáculos que atentam contra a sua integridade e suas finalidades.

Os "mundos" que se levantam na sua complexidade — os intelectuais e universitários, o proletariado, os técnicos e dirigentes de empresas, os vastos sectores "campesinos" e populações suburbanas submetidas ao impacto acelerado de mudanças económico-sociais e culturais — reclamam atenção apostólica especial, as vezes quase missionária, por parte do laicado católico na projecção pastoral do conjunto da Igreja.

Como não assinalar também a presença dessa multidão interpelante da juventude, nas suas inquietas esperanças, rebeldias e frustrações, nos seus ilimitados anelos às vezes utópicos, nas suas sensibilidades e buscas religiosas, assim como nas suas tentações vindas de ídolos consumísticos ou ideológicos! Os jovens esperam testemunhos claros, coerentes e alegres, da fé eclesial, que os ajude a reestruturar e canalizar as suas disponíveis e generosas energias em sólidas opções de vida pessoal e colectiva.

A caridade, seiva dominante de vida eclesial, manifeste-se por meio dos leigos cristãos, também na solidariedade fraterna diante de situações de indigência, opressão, desamparo ou solidão dos mais pobres, predilectos do Senhor que é libertador e redentor.

E como esquecer o mundo todo do ensino, no qual se forjam os homens de amanhã; até o terreno da política, a fim de que esta se ajuste a critérios de bem comum; o campo dos organismos internacionais, para que sejam encontros de justiça, esperança e entendimento entre os povos; o mundo da medicina e do serviço sanitário, onde são possíveis tantas intervenções que muito de perto dizem respeito à ordem moral; o campo da cultura e da arte, terrenos férteis na sua contribuição para que se dignifique o homem no humano e no espiritual?

Nesta dupla vertente de renovado compromisso cristão, a vossa fidelidade eclesial — recolhendo e fortalecendo a tradição do laicado mexicano — lançar-vos-á com renovadas energias a operar como fermento no sentido de mais vastas perspectivas de convivência social.

A tarefa é imensa. Vós sois chamados a participar nela, assumindo e continuando depois o melhor da experiência de participação eclesial e laical nos últimos anos; indo deixando de lado as crises de identidade, contestações estéreis e ideologizações que sejam estranhas ao Evangelho.

Um dos fenómenos dos últimos anos em que se manifestou com crescente vigor o dinamismo dos leigos na América Latina e noutros lugares, é o das chamadas comunidades de base que têm vindo surgindo em coincidência com a crise do espírito associativo católico.

As comunidades de base podem ser um instrumento válido de formação e vivência da vida religiosa dentro dum novo ambiente de impulso cristão e podem servir, entre outras coisas, para uma penetração capilar do Evangelho na sociedade.

Mas para que isso seja possível é necessário que se mantenham bem presentes os critérios tão claros enunciados na Evangelii Nuntiandi (Cfr. Evangelii Nuntiandi EN 58), a fim de que se alimentem da Palavra de Deus na oração, e permaneçam unidas; não separadas e menos ainda contrapostas, à Igreja, aos Pastores e aos outros grupos ou associações eclesiais.

Sejam as vossas associações como até hoje — e melhor ainda — forjas de cristãos com vocação à santidade, sólidos na fé, seguros na doutrina. proposta pelo magistério autêntico, firmes e activos na Igreja, cimentados numa densa vida espiritual, alimentada com a aproximação frequente dos sacramentos da Penitência e da Eucaristia, perseverantes no testemunho e na acção evangélica, coerentes e decididos nos seus compromissos temporais, constantes promotores de paz e justiça contra toda a violência ou opressão, agudos no discernimento crítico das situações e ideologias à luz dos ensinamentos sociais da Igreja, confiados e esperando no Senhor.

Chegue a minha Bênção Apostólica a vós, a todos os leigos das vossas associações, aos vossos assistentes eclesiásticos e ao conjunto do laicado mexicano. E também aos milhões de leigos latino-americanos que elevam a sua oração por Puebla e em Puebla depositam a sua esperança. A todos vos recomendo à protecção maternal da Virgem Maria, chamada de Guadalupe.



VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA JOÃO PAULO II

À REPÚBLICA DOMINICANA, MÉXICO E BAHAMAS

DISCURSO DO SANTO PADRE

DURANTE A VISITA À ESCOLA CATÓLICA


"MIGUEL ÁNGEL"


Cidade do México, 30 de Janeiro de 1979

Queridos jovens

Estou contente por poder encontrar-me hoje convosco nesta escola católica "Instituto Miguel Ángel". Formais um grupo numeroso de todas as idades, tanto os que estudais neste centro como os que vieram de outras escolas católicas. Na vossa juventude vejo e sinto presentes todos os estudantes do País. A todos saúdo com particular afecto, porque vejo em vós a esperança prometedora da Igreja e da nação mexicana de amanhã.

Também desejo saudar afectuosamente os vossos professores, os representantes das instituições formadoras e dos pais de família: Todos mereceis o meu respeito porque todos vós vindes formando as novas gerações.

1. As dificuldades que as escolas católicas no México souberam superar no cumprimento da sua missão, são mais um motivo do meu reconhecimento ao Senhor, e, ao mesmo tempo, um estímulo para a vossa responsabilidade, a fim de que a escola católica leve a cabo a formação integral dos futuros cidadãos sobre uma base autenticamente humana e cristã.

"No cumprimento da sua missão específica, a Igreja deve promover e dispensar a educação cristã a que todos os baptizados têm direito, a fim de alcançarem a maturidade na sua fé. Como servidora de todos os homens, a Igreja procura colaborar mediante os seus membros, especialmente leigos, nas tarefas de promoção cultural humana, em todas as formas que interessam à. sociedade" (Medellín, Educação, n. 9).

A tradição cristã é muito antiga nesta Cidade do México; e foi também pioneira em introduzir a doutrina social da Igreja nos planos escolares de estudo. isto foi o germe de um respeito maior pelos direitos de todos os homens, especialmente dos que sofrem na miséria ou na marginalização social.

2. A Igreja contempla a juventude com optimismo e profunda esperança. Vós, os jovens, representais a maior parte da população mexicana, 50 por cento da qual não chega aos vinte anos. Nos momentos mais difíceis do cristianismo na história mexicana, os jovens deram um testemunho heróico e generoso.

A Igreja vê na juventude uma enorme força renovadora, que o nosso predecessor, o Papa João XXIII, considerava como um símbolo da mesma Igreja, chamada a uma constante renovação de si mesma, ou seja, a um incessante rejuvenescimento.

Preparai-vos para a vida com seriedade e diligência. Neste momento da juventude, tão importante para a plena maturação da vossa personalidade, sabei dar sempre o lugar adequado ao elemento religioso da vossa formação, aquele que leva o homem a alcançar a sua dignidade plena, que é a de ser filho de Deus. Recordai sempre que só se vos apoiais, como diz São Paulo, sobre o único fundamento que é Jesus Cristo (Cfr. 1Co 3,11), podereis construir algo de verdadeiramente grande e duradoiro.

3. Como recordação deste encontro tão cordial e alegre, quero deixar-vos uma consideração concreta. Com a vivacidade que é própria dos vossos anos, com o entusiasmo generoso do vosso coração, caminhai ao encontro de Cristo: só Ele é a solução de todos os vossos problemas; só Ele é o caminho, a verdade e a vida; só Ele é a verdadeira salvação do mundo; só Ele é a esperança da humanidade.

Procurai a Jesus, esforçando-vos por conseguir uma fé pessoal profunda que informe e oriente toda a vossa vida; mas, sobretudo, que o vosso compromisso e o vosso programa sejam amar a Jesus, com um amor sincero, autêntico e pessoal. Ele deve ser vosso amigo e vosso apoio no caminho da vida. Só Ele tem palavras de vida eterna (Cfr. Jo Jn 6,68 Jo ).

A vossa sede de absoluto não pode ser saciada pelos resultados de ideologias que levam ao ódio, à violência e ao desespero. Só Cristo, procurado e amado com amor sincero, é fonte de alegria, de serenidade e de paz.

Mas, depois de se haver encontrado a Cristo, depois de se ter descoberto quem Ele é, não se pode deixar de sentir a necessidade de O anunciar. Sabei ser testemunhas autênticas de Cristo; sabei viver e proclamar, com actos e com palavras, a vossa fé.

Vós, queridíssimos jovens, deveis ter a ânsia e a desejo de serdes portadores de Cristo a esta sociedade actual, mais do que nunca necessitada d'Ele, mais do que nunca à procura d'Ele, apesar de as aparências poderem talvez fazer crer o contrário.

"É necessário — escreveu o meu predecessor Paulo VI na Exortação Evangelii Nuntiandi — que os jovens, bem formados na fé e na oração, se tornem cada vez mais os apóstolos da juventude" (Exortação Evangelii Nuntiandi EN 72). A cada um de vós compete a tarefa entusiasmante de ser um anunciador de Cristo entre os vossos companheiros de escola e de divertimento. Cada um de vós deve ter no coração o desejo de ser um apóstolo entre os que estão em seu redor.

4. Quero agora confiar-vos um problema que me está muito a peito. A Igreja está consciente do subdesenvolvimento cultural que existe em muitas zonas do Continente Latino-americano e do vosso País. O meu predecessor Paulo VI, na sua Encíclica Populorum Progressio afirmava: "a educação de base é o primeiro objectivo de um plano de desenvolvimento" (Encíclica Populorum Progressio PP 35).

Na dinâmica acelerada de mudança, característica da sociedade actual, é necessário, e, ao mesmo tempo, urgente que saibamos criar um ambiente de solidariedade humana e cristã em torno do preocupante problema da escolarização. Já o recordava o Concílio no seu Documento sobre a educação: "Todos os homens, de qualquer raça, condição e idade; enquanto participantes da dignidade da pessoa, têm o direito inalienável a uma educação..." (Gravissimum educationis GE 1).

Não é possível permanecer indiferente perante o grave problema do analfabetismo ou semi-analfabetismo.

Num dos momentos decisivos para o futuro da América Latina, lanço um premente apelo em nome de Cristo, a todos os homens, e, de modo particular, a vós, jovens, para que presteis, hoje e amanhã, a vossa ajuda, serviço e colaboração nesta tarefa de escolarização. A minha voz, a minha súplica de Pai, dirige-se também aos educadores cristãos, para que, com o seu contributo, favoreçam a alfabetização e "culturização", com uma visão integral do homem. Não esqueçamos que "um analfabeto é um espírito subalimentado" (Populorum Progressio PP 35).

Confio na colaboração de todos para ajudar a resolver este problema, que diz respeito a um direito tão essencial do ser humano.

Jovens, comprometei-vos humana e cristãmente em coisas que merecem esforço, desprendimento e generosidade! A Igreja espera-o de vós e confia em vós!

5. Depunhamos esta intenção aos pés de Maria, Aquela que vós, Mexicanos, invocais como Nossa Senhora de Guadalupe. Ela foi associada intimamente ao mistério de Cristo e é um exemplo de amor generoso e de entrega ao serviço dos outros. A sua vida de fé profunda é o caminho para robustecer a nossa fé e ensina-nos a encontrarmo-nos com Deus na intimidade do nosso ser.

Ao voltardes para as vossas casas, associações juvenis e grupos de amigos, dizei a todos que o Papa conta com os jovens. Dizei que os jovens são o conforto e a força do Papa, que deseja estar com eles para lhes fazer chegar a sua voz de alento em meio de todas as dificuldades que consigo traz o situar-se na sociedade.

Ajude-vos e estimule-vos a cumprir os vossos propósitos a Bênção Apostólica que de coração concedo, a vós, aos que vos são queridos e a todos os que se dedicam à vossa formação.



Discursos João Paulo II 1979