Discursos João Paulo II 1979 - Quarta-feira, 21 de Fevereiro de 1979

Caríssimos. Cristo espera-vos para libertar-vos do mal, do pecado e do erro, isto é, das verdadeiras raízes de que provêm as misérias que degradam e aviltam o homem. Sede sempre profetas e testemunhas da Verdade.

Com a minha Bênção Apostólica.

Amen.





DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS MEMBROS DA « OBRA DA REALEZA »


NO CINQUENTENÁRIO DA FUNDAÇÃO


23 de Fevereiro de 1979

Queridos Irmãos e Irmãs

Começo por agradecer ao Senhor Cardeal Ferdinando Antonelli as estimadas palavras de saudação que me dirigiu também em vosso nome. E agradeço também a vós todos terdes querido fazer-me visita em tão grande número, como encerramento da 21ª Reunião Nacional Litúrgico-Pastoral, promovida pela "Obra da Realeza de Nosso Senhor Jesus Cristo".

Sei que estais a estudar o tema actualíssimo "Liturgia e formas de piedade, para uma renovação da piedade popular". Faço votos por que chegueis a colocar na justa luz, com o devido equilíbrio, a relação mútua que existe entre ambos estes importantes aspectos da vida religiosa cristã, de maneira que respeite cada um e favoreça as exigências e a identidade do outro.

Mas desejo também recordar que este ano decorre o quinquagésimo aniversário de fundação da mencionada "Obra da Realeza". Sei bem que essa associação se deve ao infatigável e benemérito Padre franciscano Agostino Gemelli, que lhe deu como característica a finalidade duma promoção dupla: litúrgica e ascética. É-me agradável reconhecer hoje cordialmente diante de vós o grande bem realizado por esta Instituição em tantos anos: quer com as numerosas publicações antigas e recentes, quer com as não poucas iniciativas de fecundos encontros de estudo e oração.

Alegra-me, pois, formular votos sinceros de novo desenvolvimento da "Obra", conforme o espírito do Fundador, em harmonia com outros Institutos semelhantes e em fiel colaboração com os Bispos: oxalá ela contribua sempre para educar e vivificar cristãmente extensos sectores da santa Igreja de Deus que está na Itália.

Com estes votos e com paternal afecto, a todos concedo uma especial Bênção Apostólica, em penhor das necessárias graças do céu.





DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


A UM GRUPO DE JOVENS PEREGRINOS IRLANDESES


Sexta-feira, 23 de Fevereiro de 1979

Queridos jovens

Fizestes uma grande caminhada a pé: da Irlanda até Roma! Dedicastes a viagem à causa da caridade, na esperança de prestar ajuda às crianças necessitadas.

O Papa sente-se feliz em ver-vos esta manhã, em dar-vos as boas-vindas ao Vaticano, e em vos confirmar no vosso amor cristão, como também na fé que está, no fundamento de toda a virtude.

Sede imensamente reconhecidos pela vossa fé católica e apostólica. E enorme dom de Deus, concedido aos vossos antepassados e defendido através dos séculos com grande generosidade e sacrifício.

E empenhai-vos decididamente em viver vidas que estejam em concordância com a vossa fé. Mantende o vosso interesse pelos outros, a vossa solicitude por aqueles que sofrem, a vossa dedicação por todos os vossos companheiros e companheiras, onde quer que se encontrem e quaisquer que sejam as suas convicções ou a condição de vida. Lembrai-vos como São João caracteriza toda a religião, como ele resume a vontade de Deus: O Seu mandamento é este: acreditarmos no nome do Seu Filho, Jesus Cristo, e amarmo-nos uns aos outros como Ele nos amou (Jn 3,23 Jn 3,2).

Por outras palavras, queridos jovens, o que eu peço para hoje é: fidelidade e coerência. Sois chamados — é a vocação de todos vós — a serdes fiéis à mensagem da verdade divina que recebestes. Devereis proceder de maneira coerente coro aquilo em que credes. Acima de tudo, esta coerência manifesta-se no amor: no amor pelos outros, generoso, disciplinado e desinteressado — a fim de cumprirdes o grande mandamento: Se Deus nos amou assim, também nós nos devemos amar uns aos outros (1Jn 4,11).

E quando voltardes às vossas casas, transmiti a minha bênção aos que vos são queridos. A minha especial Bênção Apostólica destina-se a toda a Irlanda.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS PÁROCOS PREFEITOS DA DIOCESE DE ROMA


Sábado, 24 de Fevereiro de 1979

Caríssimos

1. Sinto viva necessidade, no termo desta reunião fraternal, de manifestar-vos de coração a minha alegria e a minha satisfação por este nosso encontro: alegria, por mais uma vez me encontrar com um grupo qualificado de Sacerdotes da minha Diocese de Roma; satisfação, por ter podido verificar pessoalmente a seriedade e o empenho pastoral que animam a todos vós.

Vós, "Prefeitos", tendes, na articulada estrutura da Diocese, o delicado encargo de estabelecer o laço de união entre o "Presbyterium" e o Ordinário; de garantir e reforçar também, a contínua e eficaz concórdia dos Sacerdotes no âmbito das respectivas Prefeituras, para ser coordenada a Pastoral de conjunto a fim de se conseguir uma eficácia mais homogénea e pronta. O círculo desta união dupla alarga-se e robustece-se mais ainda nos encontros comunitários dos Prefeitos, como é o de hoje, para o estudo em conjunto, num vasto giro de horizonte, dos problemas pastorais da Igreja em Roma, como está previsto pela Constituição Apostólica "Vicariae Potestatis in Urbe" (Const. Apos. Vicariae Potestatis in Urbe, nn. 7-8. )

Nesta perspectiva, a função e a missão dos Prefeitos e do Conselho dos Prefeitos adquirem importante significado para a pastoral diocesana, pois lhe garantem a necessária e desejável solidez, como também ordenado e lógico método.

A vós, em especial, compete a responsabilidade de ser a Diocese de Roma verdadeiramente, como a primitiva comunidade de Jerusalém, um só coração e uma só alma (Ac 4,32).

2. L a primeira vez que me encontro oficialmente com os Prefeitos da Diocese de Roma, e esta feliz circunstância faz-me recordar as numerosas reuniões com os Prefeitos da minha Diocese de Cracóvia, às quais presidi e nas quais, com os meus sacerdotes, dialoguei fraternalmente e discuti sobre as nossas responsabilidades comuns de pastores, de guias das almas. A íntima colaboração, que existia entre o Bispo e os Prefeitos, era garantia de serena disponibilidade para a solução dos vários e complexos problemas, que a vida eclesial ia apresentando dia a dia.

3. Ouvi com atento interesse as três relações acerca da "pastoral quaresmal" em Roma, que se deseja ordenar em três direcções, de concreta actuação: a catequese; as celebrações litúrgicas; e o esforço de caridade.

Desejo sinceramente que não só os sacerdotes da Diocese mas todos os fiéis sintam bem estes três aspectos da vida cristã, num tempo litúrgico tão rico e pujante, como é o da próxima Quaresma.

Com particular cuidado ouvi' a apreciação sobre a segunda Assembleia do Clero Romano deste ano pastoral, realizada a 15 de Fevereiro último: nela aprofundastes o tema; O Clero de Roma perante as exigências da Diocese, insistindo sobre quatro pontos: as exigências duma autêntica comunhão; as estruturas de participação e de colegialidade; solidariedade e plena igualdade entre o Clero e as paróquias; e, por último, o problema das vocações.

Fiquei favoravelmente impressionado com o espírito que animou a Reunião, com o grande número de participantes e com o esforço autenticamente sacerdotal com que enfrentastes problemas tão delicados. Espero que venham a registrar-se frutos espirituais concretos.

Julgo, além disso, que algumas ideias, que ouvi hoje nesta reunião, me servirão certamente de válido auxílio a fim de preparar o discurso que farei ao Clero Romano na Audiência prevista para o inicio da Quaresma. A este propósito, ficar-vos-ia sinceramente grato se, oralmente ou por escrito, quisésseis acrescentar alguma outra sugestão, porque, segundo nota o livro dos Provérbios, o sábio... escuta o conselho (Pr 12,15).

Para todos vós a minha estima, o meu afecto. Oxalá os fiéis de toda a Igreja, olhando para os seus irmãos e para os Sacerdotes da Diocese de Roma, subscrevam as palavras que São Paulo dirigia aos Romanos: A fama da vossa fé chega ao mundo inteiro (Rm 1,8).

Com estes votos, abençoo-vos paternalmente.





DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS MEMBROS DO SEMINÁRIO


ROMANO MAIOR


Sábado, 24 de Fevereiro de 1979



1. Fixemos hoje a nossa atenção no pensamento de São Paulo, que a sagrada liturgia nos propõe. A segunda leitura da Missa, tomada da carta aos Romanos, parece «escrita» para aqueles que, de modo especial e profundo, devem meditar no problema da sua vocação e devem ainda tomar responsavelmente decisões acerca dela.

O trecho da carta de São Paulo fala primeiramente da nossa vocação eterna: Porque aqueles que de antemão conheceu, também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho (Rm 8,29).

Com certeza que mais de uma vez reflectimos sobre este mistério profundo. A nossa vocação tem a sua fonte unicamente em Deus, conhecedor de cada um de nós no Verbo, Seu Filho, e, «conhecendo», predestina para que nos tornemos também filhos Seus. Deste modo, o eterno e unigénito Filho «gerado, não criado, da mesma substância do Pai», tem na terra os seus irmãos, e Ele é o primogénito entre muitos irmãos (Rm 8,29). Pensar na vocação significa ter familiaridade com o eterno mistério da Caridade, o mistério da Graça. Esta é sem qualquer dúvida a dimensão fundamental e plena da nossa preparação para o sacerdócio. A Graça constitui, ao mesmo tempo, o fundamento essencial da vocação em cada um de nós. Desejo que aprofundeis a vossa vocação sacerdotal no seminário, começando por este mistério de graça. A vocação é graça e dom de Deus em Jesus Cristo. Mediante o sacerdócio, tornamo-nos particularmente semelhantes a Jesus, o primogénito entre muitos irmãos (Rm 8,29). Este conhecimento do dom divino confere à nossa vocação o seu sentido profundo, na perspectiva de toda a nossa vida. A vida humana tem pleno valor quando forma o reflexo e o cumprimento da Eterna Verdade e do único Amor.

2. Continuando a seguir o pensamento de São Paulo, tornamo-nos conscientes de a vocação, além dum dom, ser um encargo.

Mais, a consolidação e aprofundamento dela, durante o curso da vida humana, não pode dar-se sem esforço e sem luta espiritual. Se assim não fosse, como se compreenderiam e explicariam estas palavras: Se Deus é por nós, quem estará contra nós? (Rm 8,31). Estas palavras têm o seu significado verdadeiro, o seu primeiro valor, só nos lábios do homem que não só procura mas também combate. Por que coisa combate? A que coisa é que a luta conduz? Combate precisamente pela vitória que está na realização do eterno pensamento de Deus na pessoa humana, pela verdade da sua vocação ou chamamento, pelo mais profundo significado dela. Nesta busca, nesta luta interna, deve situar-se o homem, em certo sentido, a enfrentar a plena realidade do amor que Deus revelou ao homem em Cristo: Ele não poupou o próprio Filho, mas entregou-o por nós (Rm 8,32).

O resultado de tal confronto com a realidade revelada, do amor de Deus, e em particular com a da nossa eterna vocação, é esta pergunta de São Paulo: Quem nos separará então do amor de Cristo? (Rm 8,35).

Assim precisamente. No centro das reflexões sobre a nossa vocação sacerdotal coloca-se este amor: amou-me e entregou-se a Si mesmo por mim (Rm 20,20); fitando-me, amou-me (Cfr. Mc Mc 10,21). Se não tivesse havido este olhar, se não houvesse este amor, eu não estaria aqui. Não me encontraria neste caminho. Este caminho deve ser a minha vocação até ao fim da vida ... Sei em que ela consiste? Persevero nela? A resposta de São Paulo é: Mas em tudo isto somos nós mais que vencedores por Aquele que nos amou (Rm 8,37). É isto um encargo incrivelmente importante. É isto o princípio-chave de toda a formação para o sacerdócio e para a vida sacerdotal, da ascese sacerdotal e do ministério sacerdotal:

Estou certo que nem a morte nem a vida ... nem o presente nem o futuro ... nem a altura nem a profundidade, nem qualquer outra criatura poderá separar-nos do amor de Deus que está em Cristo Jesus, Nosso Senhor (Rm 8,37).

Que pode significar «altura»? Que pode significar «outra criatura»? Que pode significar «profundidade», na perspectiva da nossa vocação? É necessário olhar para tudo isto com pleno sentido do concreto, considerando adequadamente a realidade que «eu próprio» constituo. E é necessário olhar para tudo isto com espírito de fé; com espírito de esperança e de confiança.

3. Esta última palavra orienta-nos para Maria, «Mãe da confiança». A data de hoje é particularmente querida a todos vós, porque o Seminário Romano é dedicado a Nossa Senhora da Confiança.

Diante da imagem devota da Mãe da Confiança, tão venerada e tão amorosamente conservada neste Seminário, há mais de um século e meio que falanges inúmeras de Seminaristas se foram ajoelhando e, no auxílio maternal de Maria, encontraram a força para vencer os momentos de dificuldade e a generosidade de compromisso requerida pela fiel correspondência à vocação.

«Mater mea, fiducia mea», é a jaculatória familiar entre estes muros. Maria é fonte inexaurível de confiança porque é Mãe nossa. Cada um de nós pode dizer: Jesus fitando-me, amou-me (Cfr. Mc Mc 10,21). Dirigiu-me o seu olhar particular e amou-me de modo especial quando, do alto da cruz, disse ao discípulo indicando a Mãe: Eis a tua Mãe (Jn 19,27).

Se, portanto, aceitar a vocação, escolher o sacerdócio e perseverar no sacerdócio, significa crer no amor (1Jn 4,16), então, em toda a vossa vida (primeiro seminarística e depois sacerdotal) é necessário inserir bem fundo também aquele olhar do alto da cruz e as últimas palavras do nosso Mestre: Eis aí a tua Mãe. Com o auxílio de tal fé e tal confiança é construído o nosso sacerdócio. Ele leva-nos a particular semelhança com Aquele que, precisamente como Filho de Maria, se tornou o primogénito entre muitos irmãos (Rm 8,29). Então o sacerdócio absorve em si, de certo modo, um particular e pessoal influxo desta esperança e desta confiança, tão necessária ao homem chamado enquanto percorre os caminhos às vezes difíceis da vida, mas sobre os quais ele deve responder à chamada do eterno Amor.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AO CONSELHO DA FEDERAÇÃO INTERNACIONAL


DAS UNIVERSIDADES CATÓLICAS


E AOS REITORES DAS UNIVERSIDADES CATÓLICAS


24 de Fevereiro de 1979



Queridos Irmãos e Filhos

Será preciso dizer quão grande motivo de satisfação é para mim encontrar-me por alguns momentos convosco, membros do Conselho da Federação Internacional das Universidades Católicas ou Reitores das Universidades Católicas da Europa? O Anuário Pontifício de 1978 ainda trazia o meu nome entre os membros da Congregação para a Educação Católica, onde eu me familiarizei com os vossos problemas. Guardei também excelente recordação da minha participação no nosso Encontro de Lublin ao qual tão gentilmente acabais de vos referir aqui. Quanto ao trabalho de professor da Universidade, avalio, naturalmente, o seu interesse e a sua importância, depois dos anos que eu mesmo passei a ensinar na Faculdade Teológica de Cracóvia, a mais antiga da Polónia, e na Universidade Católica de Lublin.

1. Estais certamente convencidos, mas eu desejo-o sublinhar de novo, que as Universidades Católicas têm um lugar especial no coração do Papa, assim como o devem ter em toda a Igreja e no conjunto das preocupações que os seus Pastores têm nas múltiplas actividades do seu ministério. Dedicadas a um trabalho de pesquisa e de ensino, elas têm também, além disso, um papel de testemunho e um apostolado, sem os quais a Igreja não poderia evangelizar plenamente e de maneira duradoira o vasto mundo da cultura, nem simplesmente as gerações jovens cada vez mais instruídas, e que serão também cada vez mais exigentes para fazer face, na fé, aos múltiplos problemas postos pelas ciências e pelos diversos sistemas de pensamento. A Igreja sentiu, desde os primeiros séculos, a importância duma pastoral da inteligência — bastará lembrar São Justino e Santo Agostinho — e inumeráveis foram as suas iniciativas neste campo. Nem é preciso citar os textos do recente Concílio que sabeis mesmo de cor. Desde há algum tempo, que a atenção dos responsáveis da Igreja foi chamada justamente, pelas necessidades espirituais de ambientes sociais bastante descristianizados ou pouco cristianizados: trabalhadores rurais, migrantes, pobres de toda a espécie. Bem necessário é, e dessa necessidade fez o Evangelho um dever para nós. Mas o mundo universitário tem, também ele mais do que nunca, necessidade de uma presença da Igreja. E, no vosso quadro específico vós contribuís para a garantir.

2. Recentemente, dirigindo-me aos professores e aos estudantes do México, eu indicava três objectivos para os Institutos universitários católicos: dar um contributo específico à Igreja e à sociedade, mediante um estudo verdadeiramente completo dos diferentes problemas, procurando aprofundar o pleno significado do homem regenerado em Cristo, e assim fomentar o seu desenvolvimento integral; formar, pedagogicamente, homens que tendo realizado uma síntese pessoal entre fé e cultura, sejam, ao mesmo tempo, capazes de ocupar o seu lugar na sociedade e de, nela, dar testemunho da própria fé; formar, entre professores e alunos, uma verdadeira comunidade que testemunhe já visivelmente um cristianismo vivo.

3. Insisto aqui em alguns pontos fundamentais. A pesquisa a nível universitário supõe lealdade e seriedade completas e, consequentemente, a liberdade da investigação científica. Só assim podereis dar testemunho da verdade, servir a Igreja e a sociedade, merecer a estima do mundo universitário; e isto, em todos os ramos do saber.

Mas, tratando-se do homem, do campo das ciências humanas, deve-se acrescentar: se é justo tirar proveito do contributo das diversas metodologias, não é suficiente escolher uma dentre elas, nem mesmo fazer a síntese de várias, para determinar o que é o homem, em profundidade. O cristão não pode limitar-se a essa síntese até porque, se não deixa iludir, eventualmente, pelos seus preconceitos. Ele sabe que deve ultrapassar a perspectiva puramente natural; a sua fé leva-o a abordar a antropologia na perspectiva da vocação e da salvação plenas do homem; é a luz a que ele trabalha, e que orienta a sua pesquisa. Por outras palavras, uma Universidade Católica não é somente um campo de pesquisas religiosas aberto para todos os sentidos. Supõe, nos seus professores, uma antropologia esclarecida pela fé, coerente com a fé, em particular com a Criação e com a Redenção de Cristo. Em meio da superabundância das abordagens actuais, que, aliás, demasiado frequentemente levam a uma redução do homem, os cristãos têm um papel original a desempenhar, mesmo no campo da pesquisa e do ensino, precisamente porque rejeitam toda e qualquer visão parcial do homem.

Quanto à pesquisa teológica propriamente dita, por definição, ela não pode existir sem procurar a sua fonte e a sua norma na Escritura e na Tradição, na experiência e nas decisões da Igreja consignadas pelo Magistério ao longo dos séculos. Estas breves reflexões marcam as exigências específicas da responsabilidade do corpo docente nas Faculdades católicas. É neste sentido que as Universidades Católicas devem salvaguardar o seu carácter próprio. É neste sentido que elas dão, não só junto dos seus alunos, mas também das outras Universidades, testemunho da seriedade com que a Igreja aborda o mundo do pensamento, e ao mesmo tempo, de uma verdadeira inteligência da fé.

4. Perante esta grande e difícil missão, a colaboração entre Universidades católicas do mundo inteiro é profundamente desejável, para elas próprias e para manterem convenientemente as suas relações com o mundo da cultura. Daqui, toda a importância da vossa Federação. Eu encorajo, muito do coração, as suas iniciativas, e em particular o estudo do tema da próxima Assembleia sobre os problemas éticos da sociedade tecnológica moderna. Tema capital, ao qual eu próprio sou muito sensível e espero ter ocasião de voltar. Que o Espírito Santo vos guie com a Sua luz e vos dê a força necessária! E que a intercessão de Maria vos faça permanecer disponíveis à sua acção, à vontade de Deus! Vós sabeis que acompanho de perto as vossas preocupações e o vosso trabalho. De todo o coração vou dou a minha Bênção Apostólica.





SAUDAÇÃO DO PAPA JOÃO PAULO II


A UM CASAL DE ESPOSOS DURANTE


A CELEBRAÇÃO DO MATRIMÓNIO


Domingo, 25 de Fevereiro de 1979



Queridos Esposos

Daqui a pouco pronunciareis as palavras da promessa sacramental que, diante de Deus e da Igreja, vos fará cônjuges em Cristo Jesus. São palavras concisas (certamente as sabereis de cor), mas o significado, o peso específico e a força unitiva ,que têm, são excepcionalmente grandes. Prometendo-vos reciprocamente o amor, a fidelidade e a honestidade matrimonial, não só confirmareis de novo aquilo de que prestam agora testemunho os vossos jovens corações mas, ao mesmo tempo, colocareis os fundamentos para a construção da casa do vosso futuro comum. O homem deve habitar na terra, e para nela habitar não precisa só dum edifício construído sobre um fundamento material; hoje precisa dum fundamento espiritual. O amor, a fidelidade e a honestidade matrimonial constituem este fundamento, único sobre o qual pode apoiar-se a comunidade matrimonial, o fundamento sobre o qual pode construir-se a habitação espiritual para a família futura.

Nós todos, aqui reunidos, damos grande importância a tais palavras que em breve ides pronunciar. Sabemos o valor que revestem essas palavras, para vós pessoalmente e, ao mesmo tempo, como importantes são para a Igreja e para a sociedade.

Uma só coisa desejamos para vós neste dia e acima de tudo pedimos a Deus: que tais palavras constituam o princípio de toda a vossa vida; que possais, com a ajuda da graça divina, realizá-las na vossa vida, observando reciprocamente os solenes compromissos que hoje, diante de Deus, mutuamente formulais.

Esteja sempre Cristo convosco. Não afasteis nunca os olhos d'Ele. Procurai-O com o pensamento, com o coração e com a oração, para que Ele guie o vosso jovem amor para o desempenho dos graves encargos, de que a partir de hoje vós assumis a responsabilidade. E novos homens — os vossos filhos, o fruto que virá da vossa união — testemunhem que realizais fielmente o eterno desígnio de amor do próprio Criador, e encontrem depois, por meio de vós, o caminho para Cristo e para a Sua Igreja. Deste modo, dareis graças a Deus pelo amor que Ele despertou nos vossos corações e hoje permite que expresseis e confirmeis com este grande Sacramento.





DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS PARTICIPANTES NO CONGRESSO


EUROPEU DOS MOVIMENTOS PELA VIDA


26 de Fevereiro de 1979



Ilustres Senhores

Sede bem vindos à casa do Papa. Acolhi com prazer o desejo por vós expresso, duma Audiência especial por ocasião do vosso segundo Congresso Europeu, porque este encontro oferece-me ocasião de dizer-vos, e a todos os filiados nos Movimentos pela Vida, uma palavra de louvor e de incitamento a fim de que persevereis no nobre compromisso, que para vós tomastes, em defesa do homem e dos seus direitos fundamentais. Lutais para que seja reconhecido a cada homem o direito a nascer. a crescer, a desenvolver harmoniosamente as próprias capacidades e a construir livre e dignamente o seu destino transcendente.

São estas, finalidades altíssimas, e alegro-me ao ver que, ao procurarem atingi-las, estão unidos não só os filhos da Igreja católica, mas ainda membros doutras confissões religiosas e pessoas doutra orientação ideológica, pois considero isto como expressão daquele «acordo em apoiar-se nalguns princípios, elementares mas firmes», «princípios de humanidade» que «todo o homem de boa vontade pode encontrar ... na sua própria consciência», a que me referia na minha recente Mensagem para o Dia Mundial da Paz.

Fiel à missão recebida do seu Fundador divino, a Igreja afirmou sempre, mas com especial vigor no Concílio Ecuménico Vaticano II, a sacralidade da vida humana. Quem não recorda aquelas palavras solenes?: «Deus, Senhor da vida, confiou aos homens a missão altíssima de proteger a vida: missão que deve ser cumprida de modo humano. Por isso, a vida humana, desde o momento da concepção, deve ser protegida com o maior cuidado» (Const. past. Gaudium et Spes GS 51). Baseados nesta convicção, os Padres conciliares não hesitaram em condenar, sem meios termos «tudo quanto se opõe à vida, como seja toda a espécie de homicídio, genocídio, aborto, eutanásia e suicídio voluntário; tudo o que viola a integridade da pessoa humana, como as mutilações, os tormentos corporais e mentais e as tentativas mesmo para violentar as consciências; tudo quanto ofende a dignidade da pessoa humana, como as condições de vida infra-humanas, as prisões arbitrárias, as deportações, a escravidão, a prostituição, o comércio de mulheres e jovens; e também as condições degradantes de trabalho, em que os operários são tratados como meros instrumentos de lucro e não como pessoas livres e responsáveis» (Ibid., 27).

Neste contexto se coloca o vosso compromisso. Consiste, em primeiro lugar, numa acção, inteligente e assídua, de sensibilização das consciências acerca da inviolabilidade da vida humana em todos os seus períodos, de maneira que o direito a ela seja eficazmente reconhecido nos costumes e nas leis, como valor fundamental de toda a convivência que pretenda chamar-se civil; exprime-se, depois, na corajosa tomada de posição contra qualquer forma de atentado à vida, venha ele donde vier; e traduz-se, por fim, na oferta desinteressada e respeitosa, de auxílios concretos às pessoas a quem se deparam dificuldades em conformar o próprio comportamento com os ditames da consciência.

Trata-se de obra de grande humanidade e de generosa caridade, que não pode deixar de merecer a aprovação de todas as pessoas conscientes das possibilidades e dos riscos, que a nossa sociedade enfrenta.

Não vos desanimem as dificuldades, as oposições e os maus êxitos que podeis encontrar no vosso caminho. Está em questão o homem e, quando está em jogo semelhante parada, ninguém pode fechar-se em atitude de resignada passividade sem, com isso, abdicar de si mesmo. Como Vigário de Cristo, Verbo de Deus encarnado, eu vos digo: Tende fé em Deus, Criador e Pai de todo o ser humano; tende confiança no homem, criado à imagem e semelhança de Deus e chamado a ser Seu filho no Filho. A causa do homem já teve, em Cristo, morto e ressuscitado, o seu veredicto definitivo: a vida vencerá a morte!

Com esta esperança no coração, de boa vontade concedo a vós todos, em penhor da assistência divina, a minha Bênção Apostólica.



EXORTAÇÃO DO PAPA JOÃO PAULO II


AO POVO DE DEUS PARA A QUARESMA DE 1979


27 de Fevereiro de 1979



Vós pondes-vos a pergunta: «o que é que se tornou a Quaresma?». A privação bastante relativa de alimentos, pensais vós, não é que signifique muito, quando tão grande número de irmãos e irmãs nossos, vítimas de guerras ou de catástrofes, tanto sofrem, física e moralmente.

O jejum está em relação com a ascese pessoal, sempre necessária; mas a Igreja exige aos baptizados que assinalem com alguma coisa de diverso este Tempo litúrgico. A Quaresma, de facto, tem um significado para nós: ela há-de tornar patente aos olhos do mundo que todo o Povo de Deus, porque pecador, se prepara com a Penitência para reviver liturgicamente a Paixão, a Morte e a Ressurreição de Cristo. Um tal testemunho público e colectivo tem a sua base no espírito de Penitência de cada um de nós e, por outro lado, há-de levar-nos a aprofundar interiormente este modo de comportar-nos e a motivá-lo cada vez melhor.

Privar-se de alguma coisa não é apenas dar do que porventura para nós é supérfluo, mas sim dar também algumas vezes daquilo que nos é necessário, à imitação da viúva do Evangelho, a qual sabia bem que o seu óbolo era já um dom recebido de Deus.

Privar-se de algo é libertar-se das servidões de uma civilização que nos incita a um conforto e consumo cada vez maiores, sem ter sequer o cuidado da preservação do nosso ambiente, património comum da humanidade.

As vossas Comunidades eclesiais irão convidar-vos a participar em «Campanhas da Quaresma»; irão, por certo, ajudar-vos também a orientar o exercício do vosso espírito de Penitência, compartilhando aquilo que possuís com aqueles que têm menos ou nada têm.

Acaso ireis vós ficar inactivos ainda na praça pública porque ninguém apareceu a convidar-vos para trabalhar? Olhai: o campo da Caridade cristã carece de trabalhadores; e a Igreja faz-vos um apelo para aí trabalhardes. Não espereis que seja demasiado tarde para socorrer Cristo que se acha encarcerado ou sem ter que vestir, Cristo que é perseguido ou refugiado, Cristo, enfim, que tem fome e se encontra sem alojamento. Ajudai os nossos irmãos e irmãs que carecem do mínimo necessário para saírem de condições inumanas e poderem ter acesso a uma verdadeira promoção humana.

A todos vós, os que estais decididos a dar este testemunho evangélico de penitência e de compartilha, eu vos abençoo em nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo.





MENSAGEM DO PAPA JOÃO PAULO II


PARA A QUARESMA DIRIGIDA À IGREJA DE ROMA


: Caros Irmãos e Irmãs

I. A Igreja inicia a Quaresma. Como todos os anos, entramos neste período que principia na Quarta-feira de Cinzas, a fim de nos prepararmos durante 40 dias para o Sagrado Tríduo da paixão, morte e ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo. Refere-se ela também àquele jejum de 40 dias, que na vida terrestre de Cristo formou a introdução reveladora da sua missão de Messias e Redentor. A Igreja, durante a Quaresma, deseja animar-se a si mesma acolhendo com particular empenho a missão do seu Senhor e Mestre em todo o seu valor salvífico. Por isso, escuta com a maior atenção as palavras de Cristo, que, independentemente da sucessão das vicissitudes temporais nos diversos campos da vida humana, anuncia imutavelmente o Reino de Deus. E a última palavra sua é a Cruz no monte Calvário: quer dizer o sacrifício oferecido pelo seu amor a fim de reconciliar o homem com Deus.

No tempo da Quaresma, todos devemos com especial atenção olhar para a Cruz a fim de compreender de novo a sua eloquência. Não podemos ver nela só a recordação dos acontecimentos que sé deram há perto de 2.000 anos. Devemos compreender a lição da Cruz, assim como ela fala aos nossos tempos, ao homem de hoje: Jesus Cristo é o mesmo ontem, hoje e sempre (He 13,8).

Na Cruz de Jesus Cristo exprime-se um vivo apelo à metanoia, à conversão: Convertei-vos e crede no Evangelho (Mc 1,15). E este apelo devemos acolhê-lo como dirigido a cada um de nós e a todos, de maneira particular no período da Quaresma. Viver a Quaresma significa converter-se a Deus por meio de Jesus Cristo.

2. O próprio Cristo indica-nos no Evangelho a rico programa da conversão. Cristo — e, depois d'Ele, a Igreja — propõe-nos também, no tempo da Quaresma, os meios que servem para esta conversão. Trata-se, primeiramente, da oração; depois da esmola e do jejum. É preciso aceitar estes meios e introduzi-los na vida em proporção com as necessidades e as possibilidades do homem e do cristão dos nossos tempos. A oração é sempre a primeira e fundamental condição para nos aproximarmos de Deus. Durante a Quaresma devemos orar, devemos esforçar-nos por orar mais; devemos procurar o tempo e o lugar para orar. É ela em primeiro lugar que nos faz sair da indiferença e nos torna sensíveis às coisas de Deus e da alma. A oração educa também as nossas consciências e a Quaresma é um tempo especialmente apto para despertar e educar a consciência. A Igreja recorda-nos, precisamente neste período, a inderrogável necessidade da confissão sacramental, a fim de todos podermos viver a ressurreição de Cristo não só na liturgia mas também nas nossas próprias almas.

A esmola e o jejum, como meios de conversão e de penitência cristã, estão intimamente ligados entre si. O jejum significa domínio sobre nós mesmos: significa sermos exigentes no que diz respeito a nós próprios: significa estarmos prontos a renunciar às coisas — e não só aos alimentos — mas também aos gozos e aos vários prazeres. E a esmola — na acepção mais vasta e essencial — significa a prontidão em dividir com os outros alegrias e tristezas, e em dar ao próximo, ao necessitado em especial; em dividir não só os bens materiais mas também os dons do espírito. E é exactamente por este motivo que devemos abrir-nos aos outros, sentir as suas diversas carências, os sofrimentos e os infortúnios, e procurar não só nos nossos recursos, mas sobretudo nos nossos corações, no nosso modo de nos comportarmos e procedermos — os meios para prevenir as necessidades deles ou aliviar-lhes sofrimentos e desventuras.

Assim portanto, dirigir-se alguém a Deus por meio da oração leva a que ao mesmo tempo se dirija aos homens. Sendo nós exigentes connosco mesmos e generosos com os outros, exprimiremos de maneira concreta e ao mesmo tempo social a nossa conversão. Através duma solidariedade mais plena com os homens, com os que sofrem e especialmente com os necessitados, unir-nos-emos com Cristo que sofreu e foi crucificado.

3. Entremos então no tempo quaresmal, ajustando-nos à tradição secular da Igreja. Entremos neste período em conformidade com a tradição particular da Igreja de Roma. Olham para nós as gerações dos discípulos e dos confessores de Cristo, que Lhe deram aqui singular testemunho de fidelidade, não poupando nem sequer o próprio sangue. Recordam-nos isto as catacumbas e os mais antigos santuários de Roma. Recorda-o toda a história da Cidade Eterna.

Entremos neste período, que principia na Quarta-feira de Cinzas, dia em que a Igreja coloca na nossa cabeça, em sinal da precariedade do nosso corpo e da nossa existência temporal, as cinzas, avisando-nos na liturgia: "Lembra-te que és pó e em pó te hás-de tornar".

Aceitemos com humildade este sinal penitencial, para que o mistério de Cristo Crucificado e Ressuscitado consiga mais profundamente renovar-se no coração e na consciência de cada um., de maneira que também nós possamos caminhar numa vida nova (Rm 6,4).

Do Vaticano, 28 de Fevereiro de 1979


Discursos João Paulo II 1979 - Quarta-feira, 21 de Fevereiro de 1979