AUDIÊNCIAS 1980 - AUDIÊNCIA GERAL


JOÃO PAULO II

AUDIÊNCIA GERAL

Quarta-feira, 14 de Maio de 1980




Radical mudança do significado da nudez original

1. Já falámos da vergonha que surgiu no coração do primeiro homem, varão e mulher, ao mesmo tempo que o pecado. A primeira frase da narrativa bíblica a este respeito soa assim: «Então abriram-se os olhos aos dois e, reconhecendo que estavam nus, prenderam folhas de figueira umas às outras e colocaram-nas como se fossem cinturões» (Gn 3,7). Esta passagem, que fala da vergonha recíproca do homem e da mulher como sintoma da queda (status naturae lapsae), deve ser considerada no seu contexto. A vergonha naquele momento toca o grau mais profundo e parece transtornar os fundamentos mesmos da existência de ambos. «Nessa altura, aperceberam-se de que o Senhor Deus percorria o jardim pela suavidade do entardecer, e o homem e a sua mulher logo se esconderam do Senhor Deus, por entre o arvoredo do jardim» (Gn 3,8). A necessidade de se esconderem indica que no profundo da vergonha sentida um pelo outro, como fruto imediato da árvore do conhecimento do bem e do mal se produziu um sentimento de medo diante de Deus: medo precedentemente desconhecido. «O Senhor Deus chamou o homem e disse-lhe: 'Onde estás?'. Ele respondeu: 'Ouvi o ruído dos Teus passos no jardim, e, cheio de medo, porque estou nu, escondi-me'» (Gn 3,9-10). Certo medo pertence sempre à essência mesma da vergonha; apesar disso, a vergonha original revela de modo particular o seu carácter: estou «cheio de medo, porque estou nu». Damo-nos conta que entra aqui em jogo alguma coisa mais profunda que a vergonha mesma corporal, ligada a uma recente tomada de consciência da própria nudez. O homem procura cobrir com a vergonha da própria nudez a origem autêntica do medo, indicando preferentemente o efeito dele, para não chamar pelo nome àquilo que o provocou. E é então que Deus Javé o faz em sua vez: «Quem te disse que estavas nu? Comeste, porventura, algum dos frutos da árvore que te proibi comer?» (Gn 3,11).

2. Perturbadora é a precisão daquele diálogo, perturbadora é a precisão de toda a narrativa. Ela manifesta a superfície das emoções do homem ao viver os acontecimentos, de maneira que desvela ao mesmo tempo a profundidade dos mesmos. Em tudo isto, a «nudez» não tem apenas significado literal, não se refere só ao corpo, não é origem de uma vergonha referida só ao corpo. Na realidade através da «nudez», manifesta-se o homem destituído da participação no Dom, o homem alienado daquele Amor que tinha sido a fonte do dom original, fonte da plenitude do bem destinado à criatura. Este homem, segundo as fórmulas do ensino teológico da Igreja (1), foi privado dos dons sobrenaturais e preternaturais, que faziam parte da sua «dotação» antes do pecado; além disso, sofreu um dano no que pertence à natureza mesma, à humanidade na plenitude original «da imagem de Deus». A tríplice concupiscência não corresponde à plenitude daquela imagem, mas precisamente aos danos, às deficiências e às limitações que apareceram com o pecado. A concupiscência explica-se como carência, a qual enterra porém as raízes na profundidade original do espírito humano. Se queremos estudar este fenómeno nas suas origens, isto é no limiar das experiências do homem «histórico», devemos tomar em consideração todas as palavras que Deus-Javé dirigiu à mulher (Gn 3,16) e ao homem (Gn 3,17-19), e devemos ainda examinar o estado da consciência de ambos; e é o texto javista que expressamente no-lo facilita. Já antes chamámos a atenção para a especificidade literária do texto a tal respeito.

3. Que estado de consciência pode manifestar-se nas palavras «cheio de medo, porque estou nu, escondi-me»? A que verdade interior correspondem? Que significado do corpo testemunham? Certamente este novo estado difere muito do original. As palavras de Gén. 3, 10 afirmam directamente uma mudança radical do significado da nudez original. No estado da inocência original a nudez, como observámos precedentemente, não exprimia carência, mas representava a plena aceitação do corpo em toda a sua verdade humana e portanto pessoal. O corpo, como expressão da pessoa, era o primeiro sinal da presença do homem no mundo visível. Nesse mundo, o homem era capaz, desde o princípio, de distinguir-se a si mesmo, como que individuar-se — isto é confirmar-se como pessoa — mesmo através do próprio corpo. Este, de facto, tinha sido, por assim dizer, marcado como factor visível da transcendência, em virtude da qual o homem, enquanto pessoa, supera o mundo visível dos seres vivos (animalia). Nesse sentido, o corpo humano era desde o princípio testemunha fiel e verificação sensível da «solidão» original do homem no mundo, tornando-se ao mesmo tempo, mediante a sua masculinidade e feminilidade, um límpido elemento da sua doação recíproca na comunhão das pessoas. Assim, o corpo humano levava em si, no mistério da criação, um sinal indúbio da «imagem de Deus» e constituía também a fonte específica da certeza daquela imagem, presente em todo o ser humano. A aceitação original do corpo era, em certo sentido, a base da aceitação de todo o mundo visível. E, por sua vez, era para o homem garantia do seu domínio sobre o mundo e sobre a terra, que deveria sujeitar (cfr. Gén Gn 1,28).

4. As palavras «cheio de medo, porque estou nu, escondi-me» (Gn 3,10) testemunham mudança radical dessa relação. O homem perde, de alguma maneira, a certeza original da «imagem de Deus», tal como expressa no seu corpo. Perde também, em certo modo, o sentido do seu direito a participar na percepção do mundo, da qual gozava no mistério da criação. Este direito encontrava fundamento no íntimo do homem, em ele mesmo participar na visão divina do mundo e da própria humanidade; o que lhe dava profunda paz e alegria em viver a verdade e o valor do próprio corpo, em toda a sua simplicidade, como lhe transmitira o Criador: «Deus, vendo toda a Sua obra, considerou-a muito boa» (Gn 1,31). As palavras de Gén. 3, 10 «cheio de medo, porque estou nu, escondi-me» confirmam o desabar da aceitação original do corpo como sinal da pessoa no mundo visível. Ao mesmo tempo, parece também vacilar a aceitação do mundo material em relação com o homem. As palavras de Deus-Javé quase prenunciam a hostilidade do mundo, a resistência da natureza quanto ao homem e aos seus deveres, prenunciam a fadiga que provaria depois o corpo humano em contacto com a terra por ele dominada: «Maldita seja a terra por tua causa! E dela só arrancarás alimento à custa de penoso trabalho, em todos os dias da tua vida. Produzir-te-á espinhos e abrolhos, e comerás a erva dos campos. Comerás o pão com o suor do teu rosto, até que voltes à terra donde foste tirado» (Gn 3,17-19). O termo de tal fadiga, de tal luta do homem com a terra, é a morte: «Tu és pó e em pó te hás-de tornar» (Gn 3,19).

Neste contexto, ou antes nesta perspectiva, as palavras de Adão em Gén. 3, 10 «cheio de medo, porque estou nu, escondi-me» parecem exprimir a consciência de estar inerme, e o sentido de insegurança da sua estrutura somática diante dos processos da natureza, que operam com determinismo inevitável. Talvez nesta perturbadora enunciação se encontre implícita certa «vergonha cósmica», em que se exprime o ser criado à «imagem de Deus» c chamado a subjugar a terra e a dominá-la (cfr. Gén Gn 1,28), exactamente quando, no princípio das suas experiências históricas e de maneira muito explícita, é submetido à terra, especialmente na «parte» da sua constituição transcendente representada precisamente pelo corpo.

Urge interromper aqui as nossas reflexões sobre o significado da vergonha original no Livro do Génesis. Retomá-las-emos daqui a uma semana.

Nota

1. O magistério da Igreja ocupou-se mais de perto destes problemas em três períodos, segundo as necessidades de cada época.

As declarações dos tempos das controvérsias com os pelagianos (V-VI séc.) afirmam que o primeiro homem, em virtude da graça divina, possuía «naturalem possibilitatem et innocentiam» (DS 239), chamada também «liberdade» («libertas», «libertas arbitro»), (DS 371, 242, 383 e 622). Permanecia ele num estado que o Sínodo de Orange (a. 529) chama «integritas».

«Natura humana, etiamsi in illa integritate, in qua condita est, permaneret, nullo modo se ipsam, Creatore suo non adjuvante, servaret...» (DS 389).

Os conceitos de «integritas» e, em especial, o de «libertas», pressupõem a liberdade da concupiscência, embora os documentos eclesiásticos desta época não a mencionem de modo explícito.

O primeiro homem estava além disso livre da necessidade da morte (DS 222,116 DS 222, 372 e 1511).

O Concílio Tridentino define o estado do primeiro homem, anterior ao pecado, como «santidade e justiça» («sanctitas et iustitia» — DS 151 DS 1 DS 151 1 e 1512) ou como «inocência» («innocentia» — DS 1521).

As novas declarações nesta matéria defendem a absoluta gratuidade do dom original da graça, contra as afirmações dos jansenistas. A «integritas primae creationis» era uma elevação imerecida da natureza humana («indebita humanae naturae exaltatio») e não «o estado que lhe era devido por natureza» («naturalis eius condicio» — DS 1926). Deus poderia portanto criar o homem sem estas graças e dons (DS 1955); isto não violaria a essência da natureza humana nem a privaria dos seus privilégios fundamentais (DS 1903-1907, 1909, 1921, 1923, 1924, 1926, 1955, 2434, 2437, 2616 e 2617).

Em analogia com os Sínodos antipelagianos, o Concílio Tridentino trata sobretudo do dogma do pecado original, inserindo no seu ensinamento os precedentes enunciados que vinham a propósito. Aqui, porém, foi introduzida certa precisão, que em parte mudou o conteúdo encerrado no conceito de «liberdade» ou «liberum arbitrium». A «liberdade da vontade» dos documentos antipelagianos não significa possibilidade de escolha, relacionada com a natureza humana, portanto constante, mas referia-se só à possibilidade de realizar os actos meritórios, a liberdade que brota da graça e que o homem pode perder.

Ora, por causa do pecado, Adão perdeu o que não pertencia à natureza humana entendida no sentido estrito da palavra, isto é «integritas», «sanctitas», «iustitia». O «liberum arbitrium», a liberdade da vontade, não foi tirada, mas enfraqueceu-se:

«...liberum arbitrium minime exstinctum... viribus licet attenuatum et inclinatum...» (DS 1521 Trid. Sess. VI, Decr. de lustificatione, C. 1).

Juntamente com o pecado aparecem a concupiscência e a inelutabilidade da morte:

«...primum hominem... cum mandatum Dei... fuisset transgressus, statim, sanctitatem et iustitiam, in qua constitutus fuerat, emisisse incurrisseque per offensam praevarications huiusmodi iram et indignationem Dei atque ideo mortem... et cum morte captivitatem sub eius potestate, qui «mortis» deinde «habuit imperium»... «totumque Adam per illam praevaricationis offensam secun dum corpus et animam in deterius commutatum fuisse...» (DS 1511, Trid. Sess. V, Decr. de pecc. orig. 1).

(Cfr. Mysterium Salutis, II, Einsiedeln-Zurich-Koln 1967, PP 827-828, W. Seibel, «Der Mensch ais Gottes übernatürliches Ebenbild und der Urstand des Menschan»).

Saudações

Tenho particularmente o prazer de vos saudar e vos apresentar um meu hóspede e muito amado irmão no Senhor, Sua Santidade Mar Ignatius Yacoub III, Patriarca siro-ortodoxo de Antioquia e de todo o Oriente, que realiza nestes dias uma visita oficial à Igreja de Roma.

A Igreja síria tem as suas raízes naquele país do Próximo Oriente onde se manifestaram diversas tradições de oração, de espiritualidade e de pensamento teológico que distinguiram profundamente a vida da Igreja de Cristo nos primeiros séculos.

As nossas Igrejas têm em comum muitos elementos da fé e da vida sacramental e disciplinar, todavia, elas não estão em plena comunhão eclesial desde há muitos séculos, por complexas razões doutrinais e históricas. Com a graça de Deus, porém, as relações entre as nossas Igrejas têm melhorado de modo verdadeiramente extraordinário, a partir do Concílio Vaticano II. Há nove anos, Sua Santidade o Patriarca fez uma visita ao meu venerado predecessor o Papa Paulo VI. A partir de então os contactos multiplicaram-se em vários campos da pesquisa teológica e da colaboração pastoral. Apresento as minhas melhores saudações ao Patriarca, aos sete veneráveis bispos, ao sacerdote e ao representante do laicado sírio, que o acompanham.

Oxalá a Santa Mãe de Deus, a Theotókos, e os antigos mártires cristãos de Roma e de Antioquia, que veneramos juntos, possam ajudar-nos com a sua intercessão, a fim de que consigamos alcançar a desejada e plena comunhão eclesial.

Aos participantes na Assembleia plenária
da Comissão europeia da Federação Internacional dos Cegos

Dirijo-me agora, com particular e paterno afecto, ao grupo dos participantes na Assembleia Plenária da Comissão para a Área Europeia da Federação Internacional dos Cegos, vindos de vários Países para manifestar ao Papa a homenagem da sua dedicação.

Recebo-vos com muito prazer, caríssimos Irmãos e Irmãs que não podeis ver, e agradeço-vos esta vossa presença. Sei bem quais são os nobres sentimentos que vos distinguem e com que dignidade sabeis suportar os vossos sofrimentos. Conheço também a fidelidade cristã que inspira a vossa vida e as vossas acções, infundindo-vos paz e serenidade. Seja a vossa fortaleza interior fonte de luz e de inspiração para todos aqueles que têm olhos para ver, mas muitas vezes não vêem, porque não sabem ir além das aparências materiais. A Igreja é-vos grata pela força e o exemplo com que sabeis sofrer e irradiar os valores imperecíveis do espírito, que nos põem em comunhão com Deus.

Como sinal da minha especial benevolência concedo-vos a propiciadora Bênção Apostólica, extensiva a todos aqueles que vos acompanham e vos assistem.

A grupos de pessoas nascidas em 1920

Uma palavra de saudação quero também dirigir ao simpático grupo de pessoas nascidas em 1920, a que também eu pertenço. Caríssimos coetâneos, exprimo-vos o meu mais vivo apreço pelos sentimentos de afecto e de felicitações ao Papa, que vos conduziram aqui. Desejando retribuir este delicado gesto, faço votos por que saibais ser sempre fiéis aos compromissos do vosso Baptismo, honrando sempre o nome cristão e levando para o ambiente em que viveis o testemunho do Evangelho e a coerência nos ensinamentos que vos foram conferidos na família e na Igreja, desde a infância. Para este fim abençoo-vos e a todas as vossas famílias.

Aos peregrinos da Paróquia de Santa Maria dos Anjos
na diocese de Assis (Itália)

Saúdo ainda dois grupos que me são particularmente queridos: eles são respectivamente a Peregrinação da Paróquia de Santa Maria dos Anjos, na diocese de Assis, da qual fazem parte duzentas crianças da Primeira Comunhão e Crisma; e os participantes no Congresso da Associação Nacional dos Educadores Beneméritos, que foram condecorados com a "Medalha de Ouro para a Agricultura".

Estou muito grato aos primeiros por esta visita, que reacende no meu ânimo as belas recordações da minha peregrinação a Assis no início do meu Pontificado. Agradeço particularmente a todos aqueles que se dedicaram com generosidade na Paróquia à peregrinação para a Primeira Confissão, a Primeira Comunhão e o Crisma das queridas crianças que são a alegria e a força da Igreja. Estou grato aos outros pela dedicação que consagram à escola para a promoção cultural e espiritual da juventude.

Ao mesmo tempo que exorto todos a continuarem corajosa e diligentemente neste compromisso de educação cristã, acompanho este esforço com a minha Bênção Apostólica, penhor da contínua assistência divina.

A vários grupos de língua francesa

Entre os grupos de língua francesa, saúdo de modo particular a peregrinação da diocese de Grenoble: desejo a todas estas pessoas da terceira idade que aproveitem bem este período calmo da sua vida para descobrir tanta beleza da história e da arte, e vivificar, junto do túmulo de Pedro, as suas convicções de fé e o seu amor pela Igreja. Cristo ressuscitado as ajude a viver na paz, na alegria e na entreajuda fraterna! A todos, a minha afectuosa Bênção Apostólica.

A várias peregrinações alemãs

Entre os peregrinos aqui presentes saúdo cordialmente os membros da "Fraternidade Popular Mariana" de Trier. A peregrinação que fazeis anualmente à Cidade Eterna e uma expressão eloquente da vossa fidelidade e do vosso amor à Igreja de Cristo, que em Pedro e no seu Sucessor tem o seu fundamento visível de fé e o seu centro de unidade. Permanecei firmes nessa fé e dai testemunho dela nàs vossas famílias e comunidades mediante uma vida autenticamente cristã. É isto que peço para vós por intercessão de Maria, vossa Padroeira e protectora com a minha Bênção Apostólica.

É também uma especial alegria para mim a presença de numerosos peregrinos do "Movimento Operário Católico" da Suíça. Vai igualmente para vós a minha saudação de boas-vindas a esta audiência. Conheço por experiência própria os vossos desejos, as vossas preocupações e as vossas esperanças no mundo do trabalho. Como trabalhadores católicos sois chamados a lutar decididamente em favor do respeito e da promoção da dignidade humana no trabalho, na família e na sociedade. Agindo consciente e responsavelmente, contribuis, por convicção cristã, a tornar cada vez mais justo e humano todo o regulamento operário e social. Na vossa profissão desejo-vos de todo o coração prosperidade e satisfação pessoal. Com a minha particular Bênção Apostólica uno-me a vós e ao vosso trabalho.



JOÃO PAULO II

AUDIÊNCIA GERAL

Quarta-feira, 21 de Maio de 1980




Enorme tarefa missionária da Igreja — O sentido da consciência missionária

1. Desejo hoje falar da África, da minha peregrinação de dez dias nesse continente. Faço-o, primeiro, a fim de corresponder a uma necessidade do coração e também — ao menos em esboço provisório — às exigências de um primeiro balanço. Seria difícil, de facto, pensar num pagamento completo da dívida, que ao fazer esta visita contraí perante muitos homens, como também perante as sociedades e as Igrejas africanas. E seria muito mais difícil «contar», num discurso relativamente breve, este acontecimento, ou antes, toda a série de acontecimentos que se verificaram, tão eloquentes e cheios de múltiplos conteúdos. É tema que merece voltar repetidamente e dar os frutos ainda durante muito tempo.

Desde os primeiros dias do meu serviço pastoral na Sé romana de São Pedro, senti a necessidade profunda de aproximar-me do Continente Negro. E por isso aceitei com alegria, primeiro, o convite por parte do Episcopado do Zaire, convite relacionado com o primeiro centenário da evangelização daquele grande país. Em seguida, chegou outro semelhante convite do Episcopado do Gana, onde igualmente o início da missão evangelizadora da Igreja remonta ao ano de 1880.

Todavia, ao lado destes convites, justificados por um particular aniversário, depressa apareceram outros chegados de diversos países da África. Provinham dos vários Episcopados e também dos representantes das Autoridades civis. Foram tão numerosos que não se encontrou maneira de os aceitar todos durante esta primeira viagem. Embora o itinerário de dez dias tenha abraçado, além do Zaire e do Gana, também o Congo-Brazzaville, o Quénia, o Alto Volta e a Costa do Marfim, esta é só uma parte do encargo, que tenho obrigação de desempenhar, e, com a ajuda de Deus, tenciono cumprir. Mais, considero isso meu dever pastoral.

2. Pode-se olhar de maneiras diversas para os mencionados acontecimentos, assim como se pode diversamente apreciar todo este modo de exercer o serviço pastoral do Bispo de Roma na Igreja universal. Todavia, permanece o facto de já João XXIII ter previsto tais possibilidades, e Paulo VI as ter aproveitado com vasta extensão. Está isto certamente ligado também ao desenvolvimento dos meios modernos de comunicação, mas sobretudo está ligado à nova consciência missionária da Igreja. Esta consciência devemo-la ao Concílio Vaticano II, que mostrou, até às raízes mais profundas, o significado teológico da verdade que diz estar a Igreja continuamente em estado de missão (in statu missionis). E não pode ser de outro modo, dado que permanece constantemente nela a missão, isto é, o mandato apostólico de Cristo, Filho de Deus, e a missão invisível do Espírito Santo, que é dado pelo Pai à Igreja, e mediante a Igreja aos homens e aos povos, por obra de Cristo crucificado e ressuscitado.

Pode-se portanto dizer que, depois do Vaticano II, não é possível prestar serviço algum na Igreja, senão no sentido da consciência missionária assim formada. Esta tornou-se, em certo sentido, dimensão fundamental da fé viva de cada cristão, modo de viver de cada paróquia, de cada congregação religiosa e das várias comunidades. Tornou-se característica essencial de cada Igreja «particular», isto é, de cada diocese. Portanto, tornou-se também modo próprio e adequado, de cumprir a missão pastoral, o Bispo de Roma. Parece que, depois do Concílio Vaticano II, ele não pode cumprir a sua missão doutro modo: apenas saindo para ir ter com os homens, portanto com os povos e as nações, no espírito das palavras tão claras de Cristo, que ordena aos apóstolos que vão por todo o mundo e ensinem «todas as nações baptizando-as em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo» (Mt 28,18).

3. A doutrina do Concílio Vaticano II constituiu a preparação mais adequada para a peregrinação do Papa a África, uma espécie de «manual» indispensável. E, ao mesmo tempo, pode dizer-se que esta mesma viagem ou peregrinação nada mais é do que realizar, isto é, introduzir na vida concreta a doutrina do Vaticano II. Talvez possa isto surpreender alguém, mas é assim mesmo. De facto a doutrina do Concílio é não só compêndio de conceitos abstractos e de fórmulas sobre o tema da Igreja, mas é ensinamento profundo e global sobre a vida da Igreja. Esta vida da Igreja é missão em que, através da história das nações e das gerações, se desenvolve e realiza o eterno mistério do Amor de Deus revelado em Cristo. O continente africano é terreno imenso, em que este processo dinâmico se põe por obra com particular expressão. A alma da Africa merece que seja dito dela o que, em tempos idos, disse Tertuliano, ele também africano: que é «naturaliter christiana». Pelo menos, ela é alma profundamente religiosa nos estratos, cada vez mais extensos, da sua religiosidade tradicional, sensível à dimensão sacral de todo o ser, convencida da existência de Deus e da Sua influência sobre a criação, aberta ao que é ultraterrestre e além-túmulo.

E embora, só uma parte dos habitantes do Continente Negro (de que 13 por cento são católicos) tenha aceitado o Evangelho, é todavia grande a disponibilidade para a aceitação dele; significativo é também que sejam tão grandes o entusiasmo da fé e a vitalidade da Igreja. Pode dizer-se que tudo isto — seja a missão interna da Igreja; seja o ecumenismo; seja mesmo, por outro lado, o influxo do islamismo; e a irradiação ainda bem vasta e talvez prevalecente da religião tradicional, ou animismo — que tudo isto, dizíamos, se compreende de modo justo só com a ajuda do ensinamento que encerrou o Concílio na Constituição Dogmática sobre a Igreja, «Lumen gentium», e em particular no capítulo sobre o Povo de Deus. Nele todos os elementos deste Povo foram definidos em relação com a eterna vontade salvífica de Deus, Criador e Pai, e com a realidade da Redenção e da Mediação de Cristo, que não excluem ninguém, como também, por último, em relação com a actividade misteriosa do Espírito Santo, que penetra nos corações humanos e nas consciências.

4. Tendo diante dos olhos esta imagem rica e diferenciada que delineou o Concílio, movemo-nos entre os homens e os povos da Africa não só com a viva consciência da missão, mas também com a particular esperança da salvação, salvação que - se se efectua também fora da Igreja visível — se realiza todavia sempre mediante Cristo a operar na Igreja. E talvez com isto se explique também aquela relação insólita estabelecida com um peregrino, que não representava nenhuma potência temporal, mas vinha exclusivamente em nome de Cristo, para dar testemunho do Seu infinito amor aos homens, a cada homem e a todos — também àqueles que ainda não O conhecem nem aceitam plenamente o Seu Evangelho juntamente com o ministério sacramental da Igreja.

Ao mesmo tempo, este encontro, imponente e também diferenciado, testemunha como é sempre enorme a tarefa missionária da Igreja neste continente tão prometedor. E se bem que nos vários países a maior parte dos Episcopados seja já constituída por bispos negros, todavia não só grande parte do clero e do pessoal empenhado na evangelização é formada ainda por missionários e missionárias, mas, o que mais é, os pedidos que são feitos de uns e de outras continuam a ser numerosos, ou antes, são talvez agora mais numerosos que nunca. Os Pastores mais vigilantes — filhos do continente negro — falam disto muitas vezes, acrescentando que chegou a hora especial da África na história da evangelização e que verdadeiramente «a messe é muita» (Mt 9,37). Quanto são, pois, dignos de admiração, por exemplo, aqueles Bispos brancos, que, após cederem o lugar a sucessores africanos, continuam a trabalhar como missionários na regular pastoral quotidiana daquelas Igrejas! Quanto não deveria o exemplo deles atrair outros!

5. Neste quadro sintético, devo dirigir ainda a última palavra às jovens sociedades africanas, desde há pouco independentes, aos novos Estados soberanos daquele continente. A Igreja atribui-lhes grande importância — como o testemunha, por exemplo, a Constituição «Gaudium et spes» — importância devida a motivos de natureza não política, mas sobretudo ética. Em toda a parte, pois, procurei manifestar a alegria de ver que por motivo da soberania das sociedades africanas se aplicam os direitos naturais da nação, que -- vivendo e desenvolvendo-se autonomamente — dá largas à sua dignidade congénita, à própria cultura e pode mais plenamente servir as outras sociedades, mediante os frutos da sua madura actividade. A Igreja que nos diversos continentes procura, por seu lado, ajudar o desenvolvimento das nações e das sociedades, alegra-se daquilo que neste campo pôde já fazer no continente africano e deseja também no futuro servir as jovens nações do Continente Negro com toda dedicação e amor.

Penso que a minha primeira peregrinação aos países africanos deu esta realidade a devida e indispensável expressão. E, por isso, renovo ma vez mais a minha gratidão, não só a Deus — que dirigiu os meus passos daqueles países — mas também a todos os homens que, de diversos modos, me ajudaram a desempenhar esta missão. Deus abençoe a África: todos os seus filhos e as suas filhas!

Saudações

Quero saudar particularmente os Oficiais e Marinheiros do Navio-Escola "Custódio de Mello", do Brasil, aqui presentes:

Sede bem-vindos! É-me- muito grata a vossa visita, preito à Sé Apostólica e um gesto deferente para com o Sucessor de São Pedro. Do coração vos desejo como homens numa escola de coragem, abnegação e espírito de servir, nos vossos roteiros pelo mundo, que sejais mensageiros de fraternidade; como marinheiros, em contacto com a grandeza e as maravilhas da criação, que glorifiqueis sempre o Criador, com respeito pela natureza, por vós mesmos e pelos vossos semelhantes; e como amados por Deus, que Ele vos conceda viverdes com amor, a contribuir para o bem e para a paz de todos os homens, e que Ele vos abençoe sempre, assim como aos vossos entes queridos.

Aos peregrinos franceses

Entre os grupos de peregrinos, tenho o prazer de saudar especialmente os da Região de Provence-Méditerranée com os seus Pastores. A próxima festa do Pentecostes far-nos-á contemplar a aurora da Igreja. Aqui, queridos irmãos e irmãs, tomais maior consciência da universalidade da igreja, com os seus filhos vindos de todo universo. Sede vós próprios membros activos da vossa Igreja; o Espírito Santo vos estabeleça na paz e na alegria cristãs, e vos conceda afirmar o amor de Jesus Cristo nas vossas famílias, nos vossos ambientes e nas vossas cidades. Com a minha Bênção Apostólica.

A um grupo de Budistas da corrente Shingon provenientes do Japão

Saúdo de modo particular o grupo de visitantes Budistas provenientes do Japão. Dou-vos calorosas boas-vindas. Desejo-vos bênçãos de paz. Paz interior, apoiada na aceitação da verdade acerca de nós próprios, e no significado da nossa existência Paz com os outros, que consiste no respeito pela dignidade de cada ser humano. Deus vos conceda as suas graças.

Aos peregrinos de língua alemã

Na audiência de hoje dirijo uma especial saudação de boas-vindas à Peregrinação do "Periódico Eclesiástico para a Arquidiocese de Colónia". A minha Bênção vos acompanhe e a toda a diocese, neste aniversário da vossa magnífica igreja episcopal, a catedral de Colónia. Oxalá este templo sagrado de Deus, na sua extraordinária monumentalidade artística, seja expressão e testemunho visível de uma vida religiosa e eclesialmente activa, de uma vida consagrada ao louvor a Deus e à construção do seu Reino neste mundo. Sede cada vez mais conscientes da vossa dignidade e da vossa missão como cristãos e permanecei sempre firmes na vossa fé e no vosso amor para com Cristo e a sua Igreja. Na vossa peregrinação à Cidade Eterna é isto que o Deus de toda a graça vos concede mediante a minha Bênção Apostólica.

A dois Coros holandeses

Com grande alegria saúdo também os dois Coros da Holanda aqui presentes: o "De Haagse Zangers", de Haia, e o "Rotte's Mannenkoor", de Roterdão.

Agradeço a todos e a cada um a sua presença e o seu harmonioso canto. Oxalá a alegria que transmitis aos outros com as vossas canções se reflicta do mesmo modo nas vossas vidas, e vos estimule no progresso espiritual. São estes os meus sinceros votos com a minha Bênção e oração por vós.

Aos peregrinos espanhóis

Saúdo agora com afecto os grupos de "Amas de Casa" e do Banco Guipuzcoano, provenientes de Logroño, que se encontram presentes nesta Audiência.

Oxalá este encontro deixe no vosso ânimo, queridos irmãos. e irmãs, um renovado propósito de fidelidade ao vosso compromisso cristão, e difunda os valores do espírito no vosso respectivo ambiente familiar e social.

Ao assegurar-vos uma recordação na minha prece, abençoo-vos cordialmente e a todos as vossas queridas famílias.

A vários grupos de peregrinos italianos

Também hoje estão presentes vários grupos de coetâneos meus que quiseram vir dar-me pessoalmente os seus parabéns. Agradeço sinceramente esta manifestação de afecto, retribuindo a cada um de vós os melhores votos para tudo o que desejais de belo e de bom. Agradeço ao grupo daqueles que têm sessenta anos, provenientes de Borgomanero, na diocese de Novara, que se encontram entre vós,
peço-lhes que levem a minha saudação à "Madonnina" que está na sua praça.

A minha Bênção vos acompanhe a todos.

Aos jovens de duas Paróquias romanas

Estão presentes na Audiência os representantes de duas paróquia de Roma, dedicadas respectivamente a São João Baptista De Rossi, e a Jesus Divino Mestre. Desejo dirigir-lhes uma saudação particularmente cordial, porque pertencem à Diocese do Papa, à minha diocese.

A vós, fiéis da Paróquia de São João Baptista De Rossi, que festejais o 40° aniversário da sua fundação, recomendo sinceramente que conheçais e mediteis a vida do Santo a quem a vossa paróquia é dedicada: São João Baptista De Rossi (1698-1764), que, entre sofrimentos e dificuldades, consagrou toda a sua vida para o bem de Roma, apóstolo da confissão e da formação dos Sacerdotes. Ele vos ensine a permanecer sempre unidos na fraternidade da comunidade paroquial, para um compromisso cada vez mais fervoroso e eficaz de vida cristã.

A vós, rapazes e jovens da Paróquia de "Jesus Divino Mestre", que frequentastes o Curso bienal de preparação para os Sacramentos da Penitência, da Eucaristia e do Crisma, exprimo antes de tudo o meu apreço pela boa vontade que demonstrastes na diligência e no empenho postos para vos aproximardes de acontecimentos tão importantes da vossa vida; e depois, recomendo-vos que continueis a ouvir e a seguir o Divino Mestre Jesus com convicção e coerência, participando activamente nas várias actividades formativas e culturais da vossa Paróquia, para o vosso crescimento e maturação cristãos.

Aos Jovens

Torno agora extensiva a minha cordial saudação a todas as crianças e jovens aqui reunidos para manifestar ao Papa os seus sentimentos de viva fé e de afectuosa dedicação.

Caríssimos, ao dirigir-vos as minhas cordiais boas-vindas, é-me grato recordar-vos a proximidade da solenidade do Pentecostes, que constitui um acontecimento de importância capital para a Igreja: a sua apresentação ao mundo, o nascimento oficial com o baptismo no Espírito! Realização da Páscoa, a vinda do Espírito Santo sobre os discípulos de Jesus Ressuscitado — de ontem, de hoje e de todos os tempos - é princípio de vida nova, vida de verdade, de graça, de amor para o seu coração e a sua actividade. A vida inteira do cristão está por conseguinte, sob o sinal e o influxo do Espírito Santo, recebido no Baptismo e no Crisma, que são o "nosso Pentecostes".

Aos Doentes

Ao saudar todos vós, doentes aqui presentes, desejo recordar-vos também a festividade do Pentecostes, que, com fé viva e profunda alegria de coração, nos preparamos para celebrar.

Seguindo o ensinamento do Apóstolo das Gentes, sabemos que toda a criação geme e sofre até hoje, e também nós, quando somos envolvidos em misérias e sofrimentos de todos os géneros, gememos e choramos; mas o Senhor conforta-nos exorta-nos a esperar sempre. Sabei caríssimos, que, no Baptismo e no Crisma, foi derramado o Espírito Santo nos vossos corações. Portanto, continue Ele a iluminar as vossas mentes, a fim de que compreendais a vossa vocação e o valor do vosso sofrimento santificado; continue Ele a dar-vos coragem e força, a fim de que possais superar com dignidade e mérito todas as provações dolorosas; continue Ele, por fim, a ser sempre para vós "Consolador perfeito, doce hóspede da alma, dulcíssimo alívio" (da Liturgia).

Abençoo-vos a todos, juntamente com aqueles que carinhosamente vos assistem.

Aos jovens Casais

Desejo, ainda, reservar uma especial palavra de saudação aos jovens Casais, presentes nesta Audiência geral.

Caríssimos, juntamente com um cordial agradecimento pela vossa prova de filial afecto, faço-vos votos encorajantes, que vos acompanhem por toda a caminhada da vossa soda matrimonial.

O Espírito Santo ilumine com a sua luz as vossas inteligências e sustenha com a sua graça divina as vossas vontades.

Com a propiciadora Bênção Apostólica.



AUDIÊNCIAS 1980 - AUDIÊNCIA GERAL