AUDIÊNCIAS 1980 - AUDIÊNCIA GERAL
À peregrinação francesa do movimento "Espérance et Vie"
Tenho o prazer de saudar, de modo particular, o grupo "Espérance et Vie", cujas responsáveis, vindas aqui em peregrinação e em Congresso, representam dezenas de milhares de viúvas, da França e de outros países da Europa, pertencentes a este grupo espiritual das Viúvas. Minhas Senhoras, fostes provadas com o desaparecimento dos vossos maridos e de tudo quanto a sua presença física significava de afecto e de apoio quotidiano. Na mesma medida da qualidade do vosso lar, continuais a dedicar-lhe o vosso amor e viveis, justamente, em comunhão com ele, no invisível. Mas precisamente quisestes vencer em vós mesmas o desânimo e a prostração, para procurardes livremente descobrir a vontade de Deus na vossa nova situação e experimentar vivê-la segundo o Evangelho, na esperança e no dinamismo da caridade. Os vínculos de amizade que mantendes entre vós permitem-vos compartilhar as vossas preocupações de toda a espécie e aprofundar, juntas e com os vossos dedicados capelães, a fé na fidelidade do amor de Deus vivo e no mistério da cruz, fonte de vida; aprendeis a rezar melhor, oferecendo a vossa vida e pedindo o auxílio de Deus umas para as outras; encorajais-vos a enfrentar melhor os próprios deveres familiares, sobretudo aquelas que têm filhos pequenos; sois as mais indicadas para prestar ajuda compreensível àquelas que se encontram desamparadas; mais ainda, sentis-vos chamadas a assumir outras responsabilidades eclesiais ou sociais, na medida das vossas possibilidades, com a experiência e a força de espírito que vos caracterizam. Digo-vos também como os meus predecessores: ocupais na Igreja um lugar salutar como desde a origem; ela sustém-vos e ao mesmo, tempo conta convosco, com a qualidade espiritual da vossa vida e com o vosso apostolado. As famílias no seu conjunto têm necessidade do vosso testemunho de fidelidade. E eu, ao abençoar-vos com particular afecto, peço ao Senhor, com Maria sua Mãe, que vos conceda em abundância o seu conforto, a sua paz e a sua força.
A um grupo de deficientes
Mais uma vez dou cordialmente as boas-vindas a um grupo de pessoas doentes e deficientes que vieram de Inglaterra a Roma, assistidas pela Across Trust. Desejo assegurar-vos, e também aos outros doentes e deficientes que hoje se encontram aqui presentes, a minha gratidão pela vossa presença: a vossa presença nesta audiência e o vosso papel na vida da Igreja, e também pelo vosso contributo para o mundo. Desejo recordar-vos, de modo particular, o amor de Cristo por vós, e o amor de Cristo que, mediante as vossas pessoas, pode tocar muitos corações.
A um grupo de estudantes, católicos e luteranos, provenientes da Dinamarca
As minhas especiais boas-vindas são também para os vários visitantes da Dinamarca, dos quais faz parte o grupo de estudantes Luteranos. Oxalá todos vós possais experimentar aqui nesta cidade a paz de Cristo, que é a nossa sabedoria e a nossa justiça, a nossa santificação e a nossa redenção (cf. 1Co 1,30). E peço-vos que, quando voltardes para a Dinamarca, leveis a saudação do Bispo de Roma às vossas famílias e aos vossos compatriotas.
A dois grupos de língua alemã
Dirijo uma saudação especialmente cordial ao grupo de dirigentes eclesiásticos, evangelistas e católicos, da região de Essen.
Queridos irmãos em Cristo! Com a vossa visita ao túmulo dos Príncipes dos Apóstolos dais testemunho sensível dessa união espiritual e comunhão fraterna experimentadas e fomentadas por vós mesmos e pelas vossas Igrejas. Num sério diálogo teológico e num serviço pastoral comum esforçais-vos, há já alguns anos, por abrir caminhos capazes de superar essa separação forçosa e lamentável das Igrejas. A colaboração optimista na vida eclesial a nível local e regional permite irradiar com luz clara o evangelho de Jesus Cristo, e estimular o crescimento do Reino de Deus, tanto no vosso país como fora dele. Imploro sobre vós a plenitude do Espírito Santo a fim de que vos assista em todos os esforços comuns, e manifesto a minha alegria por poder, em breve, encontrar-me convosco no vosso país.
Saúdo também cordialmente o grupo de peregrinos cegos de Düren, juntamente com os seus assistentes e acompanhadores. A vossa visita alegra-me, e peço na minha oração que, durante esta peregrina aos lugares santos, Cristo vá ao vosso encontro com aquele mesmo amor que O levou ao encontro dos cegos do Evangelho. Embora, no seu inescrutável desígnio, Ele não vos liberte da cegueira exterior, deseja porém fortalecer-vos e iluminar-vos interiormente, a fim de que, não obstante as grandes provas, possais viver como verdadeiros cristãos e, com o seu auxílio, atingir a plena maturidade em Cristo. Para tanto concedo de coração, a vós e a todos os peregrinos presentes, a Bênção Apostólica.
Aos Superiores-Maiores dos Servos de Maria
Exprimo o meu apreço aos Superiores-Maiores dos Servos de Maria pelo seu encontro romano, que teve por objectivo examinar o trabalho realizado nas várias províncias da Ordem e os programas de desenvolvimento para os próximos anos.
Ao exortar-vos, caríssimos filhos, a uma cada vez mais generosa fidelidade aos ideais professados, encorajo-vos no vosso compromisso de testemunho de vida evangélica, para alimentar sobretudo o sentido de Cristo redentor do homem. Assim vos ajude a Virgem dolorosa, a quem estais particularmente consagrados. Com a minha Bênção Apostólica, extensiva a todos os vossos Irmãos de hábito.
Aos peregrinos da Associação dos Artesãos da província de Bérgamo (Itália)
Dirijo agora uma cordial saudação aos participantes na peregrinação da Associação dos Artesãos da Província de Bérgamo. Sei bem, caríssimos filhos, que quereis honrar o nome cristão, de que é orgulhosa a vossa terra. Exorto-vos, pois, a amardes generosamente o Senhor, a seguirdes a vida da Igreja com atenção e respeito profundo, pondo em prática, leal e sinceramente. os seus ensinamentos e directrizes, sobretudo nos ambientes das vossas fadigas e da vossa actividade. Perseverai, com fervor renovado, neste testemunho cristão. O Papa está junto de vós com a sua oração e o seu afecto, e abençoa-vos de coração assim como a todos aqueles que vos são queridos.
O Santo Padre dirigiu em seguida, como faz habitualmente, saudações aos jovens, aos doentes e aos jovens casais.
Quarta-feira, 29 de Outubro de 1980
A força original da criação torna-se para o homem força de redenção
1. Há muito tempo que as nossas reflexões das quartas-feiras se vão centrando no seguinte enunciado de Jesus Cristo no Sermão da Montanha: «Ouvistes que foi dito: Não cometerás adultério. Eu, porém, digo-vos que todo aquele que olhar para uma mulher, desejando-a, já cometeu adultério com ela no seu coração» (Mt 5,27-28). Ultimamente esclarecemos que estas palavras não podem entender-se nem interpretar-se segundo a ideologia maniqueia. Não contêm, de nenhum modo, a condenação do corpo e da sexualidade. Encerram só um apelo a que se vença a tríplice concupiscência, e em particular a concupiscência da carne: o que precisamente deriva da afirmação da dignidade pessoal do corpo e da sexualidade, e unicamente apoia esta afirmação.
Precisar isso que se formula, ou determinar o significado próprio das palavras do Sermão da Montanha, em que Cristo apela para o coração humano (cf. Mt Mt 5,27-28), é importante não só por causa de «hábitos inveterados», nascidos do maniqueísmo, no modo de pensar e valorizar as coisas, mas também por causa de algumas posições contemporâneas que interpretam o sentido do homem e da moral. Ricoeur qualificou Freud, Marx e Nietzsche de «mestres da suspeita» (1) («maítres du soupçon»), tendo no espírito o conjunto dos sistemas que representa cada um deles, e talvez sobretudo a base oculta e a orientação de cada um ao entender e interpretar o humanum mesmo. Parece necessário aludir, pelo menos brevemente, a esta base e a esta orientação. Urge fazê-lo para descobrir, por um lado, uma significativa convergência e, por outro, também uma divergência fundamental com a hermenêutica que nasce da Bíblia, hermenêutica a que tentamos dar expressão da nossa análise. Em que está a convergência? Consiste em que os pensadores supramencionados, que exerceram e exercem grande influxo no modo de pensar e de valorizar dos homens do nosso tempo, parecem em substância também julgar e acusar o «coração» do homem. Mais ainda, parecem julgá-lo e acusá-lo por causa do que na linguagem bíblica, sobretudo joanina, é chamado concupiscência, a tríplice concupiscência.
2. Poder-se-ia fazer aqui certa distribuição das partes. Na hermenêutica nietzschiana, o juízo e a acusação do coração humano correspondem, em certo modo, ao que na linguagem bíblica é chamado «soberba da vida»; na hermenêutica. marxista, ao que foi chamado «concupiscência dos olhos»; e na hermenêutica freudiana, pelo contrário, ao que é chamado «concupiscência da carne». A convergência destas concepções com a hermenêutica do homem fundada na Bíblia consiste em que, descobrindo no coração humano a tríplice concupiscência, poderíamos também nós limitar-nos a colocar aquele coração em estado de contínua suspeita. Todavia, a Bíblia não nos permite deter-nos aqui. As palavras de Cristo segundo Mateus 5, 27-28 são tais que, manifestando embora toda a realidade do desejo e da concupiscência, não consentem que se faça de tal concupiscência o critério absoluto da antropologia e da ética, ou seja, o núcleo mesmo da hermenêutica do homem. Na Bíblia, a tríplice concupiscência não constitui o critério fundamental e talvez único e absoluto da antropologia e da ética, embora seja indubiamente um coeficiente importante para compreender o homem, as suas acções e o seu valor moral. Também a análise, até agora por nós feita, o mostra.
3. Embora querendo chegar a uma completa interpretação das palavras de Cristo sobre o homem que «olha com concupiscência» (cf. Mt Mt 5,27-28), não podemos contentar-nos de qualquer concepção da «concupiscência», mesmo no caso de se atingir a plenitude da verdade «psicológica» a nós acessível; devemos, pelo contrário, recorrer à Primeira Carta de João 2, 15-16 e à «teologia da concupiscência» que nela está encerrada. O homem que «olha para desejar» é de facto o homem dá tríplice concupiscência da carne. Por isso «pode» olhar deste modo e mesmo deve estar consciente de que, abandonando este acto interior ao poder das forças da natureza, não pode evitar o influxo da concupiscência da carne. Em Mateus 5, 27-28 Cristo trata também disto e para isto chama a atenção. As suas palavras referem-se não só ao acto concreto de «concupiscência», mas, indirectamente, também ao «homem da concupiscência».
4. Estas palavras do Sermão da Montanha — apesar da convergência, do que dizem a respeito do coração humano (2), com o que foi expresso na hermenêutica dos «mestres da suspeita» — porque não podem ser consideradas como base da sobredita hermenêutica ou de uma análoga? E por que motivo constituem expressão, configuração de um «ethos» totalmente diverso? — diverso não só do maniqueu mas também do freudiano?
O conjunto das análises e reflexões, até agora feitas, penso que dá resposta a esta pergunta. Resumindo, pode dizer-se brevemente que as palavras de Cristo segundo Mateus 5, 27-28 não consentem determo-nos na acusação contra o coração humano e colocá-lo em estado de suspeita contínua, mas devem ser entendidas e interpretadas sobretudo como apelo dirigido ao coração. Isto deriva da natureza mesma do «ethos» da redenção. Sobre o fundamento deste mistério, que São Paulo (Rm 8,23) define «redenção do corpo», sobre o fundamento da realidade chamada «redenção» e, por conseguinte, sobre o fundamento do «ethos» da redenção do corpo, não podemos deter-nos só na acusação do coração humano com base no desejo e na concupiscência da carne. O homem não pode deter-se a pôr o «coração» em estado de contínua e irreversível suspeita por causa das manifestações da concupiscência da carne e da libido, que, em particular, um psicanalista descobre mediante as análises do incônscio (3). A redenção é uma verdade, uma realidade, em cujo nome o homem deve sentir-se chamado, e «chamado com eficácia». Deve dar-se conta de tal chamada até mediante as palavras de Cristo segundo Mateus 5, 27-28, relidas no pleno contexto da revelação do corpo. O homem deve sentir-se chamado a redescobrir, mais, a realizar o significado esponsal do corpo e a exprimir de tal modo a liberdade interior do dom, isto é, daquele estado e daquela força espiritual, que derivam do domínio da concupiscência da carne.
5. O homem é chamado a isto pela palavra do Evangelho, portanto «de fora», mas ao mesmo tempo é chamado também «de dentro». As palavras de Cristo, que no Sermão da Montanha apela para o «coração», levam, em certo sentido, o ouvinte a essa chamada interior. Se ele consentir em que elas actuem em si, poderá ouvir ao mesmo tempo no íntimo um quase eco daquele «princípio», daquele bom «princípio» a que faz referência Cristo outra vez, para recordar aos próprios ouvintes quem é o homem, quem é a mulher, e quem são reciprocamente um para o outro na obra da criação. As palavras de Cristo, pronunciadas no Sermão da Montanha, não são apelo lançado no vácuo. Não são dirigidas ao homem entregue de todo à concupiscência da carne, incapaz de procurar outra forma de relações recíprocas no âmbito da perene atracção, que aparece na história do homem e da mulher logo «desde o princípio». As palavras de Cristo testemunham que a força original (portanto também a graça) do mistério da criação se torna para cada um deles força (isto é graça) do mistério da redenção. Isto refere-se à mesma «natureza», ao mesmo substrato da humanidade da pessoa, aos mais profundos impulsos do «coração». Não sente acaso o homem, juntamente com a concupiscência, profunda necessidade de conservar a dignidade das relações recíprocas, que encontram expressão no corpo, graças à sua masculinidade e feminilidade? Não sente acaso a necessidade de impregná-las de tudo o que é nobre e belo? Não sente acaso a necessidade de lhes conferir o valor supremo que é o amor?
6. Ao relê-lo, este apelo encerrado nas palavras de Cristo no Sermão da Montanha não pode ser acto separado do contexto da existência concreta. Significa sempre — se bem que só na dimensão do acto a que se refere — a redescoberta do significado de toda a existência, do significado da vida, em que está compreendido também aquele significado do corpo a que chamamos aqui «esponsal». O significado do corpo é, em certo sentido, a antítese da hermenêutica «da suspeita». Esta hermenêutica é muito diferente, é radicalmente diferente, da que descobrimos nas palavras de Cristo no Sermão da Montanha. Estas palavras descobrem não só Outro «ethos», mas também outra visão das possibilidades do homem. É importante que ele, precisamente no seu «coração», não se sinta só irrevocavelmente acusado e entregue como presa à concupiscência da carne, mas que no mesmo coração se sinta chamado com energia. Chamado precisamente àquele supremo valor que é o amor. Chamado como pessoa na verdade da sua humanidade, portanto também na verdade da sua masculinidade e feminilidade, na verdade do seu corpo. Chamado naquela verdade que é património «do princípio», património do seu coração, mais profundo que a pecaminosidade herdada, mais profundo que a tríplice concupiscência. As palavras de Cristo, enquadradas na inteira realidade da criação e da redenção, reactualizam aquela herança mais profunda e dão-lhe real força na vida do homem.
Notas
1. «Le philosophe formé à l'école de Descartes sait que les choses sont douteuses, qu'elles ne sout pas telles qu'elles apparaissent; mais il ne doute pas que, la conscience ne soit telle qu'elle apparait à elle-même...; depuis Marx, Nietzsche et Freud nous en doutons. Après le doute sur la chose, nous sommes entrés dans le doute sur Ia conscience.
Mais ces trois maitres dú soupçon ne sont pas trois maitres de scepticisme; ce sont assurément trois grands «destructeurs». (...)
A partir d'eux, la compréhension est une herméneutique: chercher le sens, désormais, ce n'est plus épeler la conscience du sens, mais en déchiffrer les expressions. Ce qu'il faudrait donc confronter, c 'est non seulement un triple soupçon, mais une triple ruse. (...)
Du meme coup se découvre una parenté plus profonde encore entre Marx, Freud et Nietzsche. Tous trois commencent par le soupçon concernant les illusions de la conscience et continuent par la ruse du déchiffrage...» (Paul Ricoeur, Le conflit des interprétations, Paris 1969, Seuil, PP 149-150).
2. Cf. também Mt. 5, 19-20.
3. Cf. por exemplo a característica afirmação da última obra de Freud:
«Den Kern unseres Wesens bildet also das dunkle Es, das nicht direkt mit der Aussenwelt verkehrt und auch unserer Kenntnis nur durch die Vermittlung einer anderen Instanz zuganglich wird, In diesem Es wirken die organischen Triebe, selbst aus Mischungen von Zwei Urkraften (Eros und destruktion) in wechselnden Ausmassen zusammengesetzt, und durch ihre Beziehung zu Organen oder Organsystemen voneinander differenziert.
Das einzige Streben dieser Triebe ist nach Befriedigung, die von bestimmten Veranderungen an denOrganen mit Hilfe von Objekten der Assussenwelt erwartet wird» (S. Freud, Abriss der Psrchohnalrse. Das Unhehagen in der Kultur, Frankfurt-M. Hamburg 1955, Fischer, PP 74-75).
Então aquele «núcleo» ou «coração» do homem seria dominado pela união entre o instinto erótico e o destrutivo, e a vida consistiria em satisfazê-los.
Saudações
A uma peregrinação inglesa de doentes
Desejo dar as boas-vindas ao grupo de doentes, assistidos pelos Religiosos de Don Orione e que hoje se encontram entre os visitantes aqui presentes. Lembrai-vos sempre, queridos amigos, que nos vossos sofrimentos e aflições Cristo continua a sua missão de amor redentor. Oxalá o nobre ideal de serviço permaneça sempre naqueles que seguem as pegadas de Don Orione.
A dois grupos de peregrinos da Alemanha Federal
Dirijo uma cordial saudação de boas-vindas aos participantes na peregrinação das Dioceses de Fulda, Limburgo e Mogúncia, acompanhados dos respectivos coros paroquiais. Saúdo também o grupo de Meninos do Coro da Diocese de Hildesheim, acompanhados do seu pároco. O Concílio Vaticano II afirmou solenemente, queridos Meninos do Coro e coros paroquiais, que, com a vossa actividade, desempenhais um "verdadeiro ministério litúrgico". Com palavras do mesmo Concílio desejo hoje, pois, exortar-vos e animar-vos de coração a que exerçais sempre o vosso múnus "com a autêntica piedade e do modo que convém a tão grande ministério e que o povo de Deus... tem o direito de exigir (de vós) (Constituição sobre a sagrada liturgia, n. 29). Por isso peço para vós uma fé profunda, a assistência de Deus, e a Sua especial bênção.
Saúdo também cordialmente os participantes no "IV Seminário romano da Associação de militantes católicos". Alegra-me a vossa louvável iniciativa de vos dedicardes ao aprofundamento da história da Igreja, ao longo da Idade Moderna. Oxalá o estudo do passado da Igreja vos ajude a compreender melhor e em maior profundidade a Igreja do presente. A Igreja é a presença misteriosa de Cristo no tempo. Depois de cada apresentação procurai antes de tudo encontrar-vos com Ele, reconhecê-1'O coma, vosso Senhor e Redentor pessoal, e amá-1'O cada vez mais.
Para isso concedo de coração, a vós e a todos os peregrinos aqui presentes, a Bênção Apostólica.
A um grupo de Vietnamitas
Entre os grupos anunciados anteriormente, desejo saudar com particular afecto os prófugos Vietnamitas, residentes na Itália e assistidos pela Cáritas.
Queridos irmãos e irmãs, agradeço-vos vivamente a vossa presença.
Pensando na pátria longínqua, desejo-vos uma estada alegre e serena, reavivada pela solidariedade humana e cristã de tantos irmãos, e inspirada nas superiores certezas da fé.
Abençoo-vos de todo o coração e, juntamente convosco aqui presentes, abençoo cada um dos vossos familiares.
Aos Missionários de São Carlos (Scalabrinianos)
Uma afectuosa saudação aos Missionários de São Carlos — Scalabrinianos — presentes nesta audiência por ocasião do seu Capítulo Geral. Ao encorajar-vos, caríssimos filhos, a perseverardes no espírito do vosso grande Fundador que trabalhou com tanto zelo em favor dos irmãos que deixam a pátria para procurar, em qualquer outra parte, um trabalho para manterem a própria família, invoco sobre vós o auxílio contínuo da divina protecção, e concedo de todo o coração, a vós e a todos os vossos Irmãos de hábito, a Bênção Apostólica.
A um grupo de "Gondoleiros" de Veneza
E agora dirijo a minha saudação cordial aos Gondoleiros de Veneza aqui reunidos com as suas famílias. Vós, que com ágeis e pitorescas embarcações, sulcais silenciosos e hospitaleiros as águas da vossa deslumbrante laguna, contribuindo assim para aquela beleza que distingue a vossa cidade, aceitai o convite de São Paulo: "Tudo o que é honesto, tudo o que é justo, tudo o que é puro, tudo o que é amável, tudo o que é de boa fama, tudo o que é virtuoso e louvável, é o que deveis ter em mente" (Ph 4,8). O Senhor infunda nos vossos corações confiança e serenidade, e eu abençoo-vos com afecto, a vós e a todos os que vos são queridos.
Novembre de 1980
Quarta-feira, 5 de Novembro de 1980
«Eros» e «Ethos» encontraram-se e frutificam no coração humano
1. Durante as nossas reflexões semanais sobre as palavras de Cristo no Sermão da Montanha, em que Ele, ao referir-se ao mandamento «não cometer adultério», compara a «concupiscência» («o olhar concupiscente») ao «adultério cometido no coração», procuramos responder à pergunta: estas palavras acusam apenas o «coração» humano, ou são principalmente um apelo que lhe é dirigido? Apelo, compreende-se, de carácter ético; apelo importante e essencial para o próprio ethos do Evangelho. Respondemos que as palavras acima mencionadas são sobretudo um apelo.
Ao mesmo tempo, procuramos aproximar as nossas reflexões dos «itinerários» que percorre, no seu âmbito, a consciência dos homens contemporâneos. Já no precedente ciclo das nossas considerações nos referimos ao «eros». Este termo grego que da mitologia passou para a filosofia, depois para a língua literária e por fim para a língua falada, contrariamente à palavra «ethos» é estranho e desconhecido na linguagem bíblica. Se nas presentes análises dos textos bíblicos usamos o termo «ethos», conhecido pelos setenta e pelo Novo Testamento, fazemo-lo em consequência do significado geral que ele adquiriu na filosofia e na teologia, abraçando no seu conteúdo as complexas esferas do bem e do mal, dependentes da vontade humana e submetidas às leis da consciência e da sensibilidade do «coração» humano. O termo «eros», além de ser nome próprio da personagem mitológica, tem nos escritos de Platão um significado filosófico (1), que parece ser diferente do significado comum e também daquele que, habitualmente, lhe é atribuído na literatura. Obviamente, devemos aqui tomar em consideração a vasta gama de significados, que se diferenciam entre si de modo não claramente definido, no que diz respeito quer à personagem mitológica, quer ao conteúdo filosófico, quer sobretudo ao ponto de vista «somático» ou «sexual». Tendo em conta uma gama tão vasta de significados, é conveniente avaliar, de modo igualmente diferenciado, o que se põe em relação com o «eros» (2) e é definido como «erótico».
2. Segundo Platão, o «eros» representa a força interior, que impele o homem para tudo o que é bom, verdadeiro e belo. Esta «atracção» indica, em tal caso, a intensidade de um acto subjectivo do espírito humano. No significado comum, pelo contrário — como também na literatura —, esta «atracção» parece ser antes de tudo de natureza sensual. Ele suscita a recíproca tendência de ambos, do homem e da mulher, à aproximação, à união dos corpos, àquela união de que fala Génesis 2, 24. Trata-se aqui de responder à pergunta se o «eros» apresenta o mesmo significado que existe na narração bíblica (sobretudo em Gn 2,23-25), a qual sem dúvida atesta a recíproca atracção e a perene estimulação da pessoa humana — através da masculinidade e da feminilidade — para aquela «unidade da carne» que, ao mesmo tempo, deve realizar união-comunhão das pessoas. E precisamente por esta interpretação do eros (e juntamente da sua relação com o ethos) que adquire importância fundamental também o modo em que entendemos a «concupiscência», de que se fala no Sermão da Montanha.
3. Segundo parece, a linguagem comum toma sobretudo em consideração aquele significado da «concupiscência», que precedente-mente definimos como «psicológico» e que poderia também ser denominado «sexológico»: isto com base em premissas, que se limitam antes de tudo à interprtetação naturalista, «somática» e sensualista do erotismo humano. (Não se trata aqui, de modo algum, de diminuir o valor das pesquisas científicas neste campo, mas deseja-se chamara atenção para o perigo da redutibilidade e do exclusivismo). Pois bem, em sentido psicológico e sexológico, a concupiscência indica a subjectiva intensidade de tender para o objecto por causa do seu carácter sexual (valor sexual). Aquele tender tem a sua subjectiva intensidade devido à específica «atracção» que estende o seu domínio sobre a esfera emotiva do homem e envolve a sua «corporeidade» (a sua masculinidade ou feminilidade somática). Quando no Sermão da Montanha ouvimos falar da «concupiscência» do homem que «olha para a mulher, desejando-a», estas palavras — entendidas em sentido «psicológico» (sexológico) — referem-se à esfera dos fenómenos, que na linguagem comum são precisamente qualificados «eróticos». Nos limites do enunciado de Mateus 5, 27-28 trata-se apenas do acto interior, ao passo que «eróticos» são definidos sobretudo aqueles modos de agir e de recíproco comportamento do homem e da mulher, que são manifestação exterior própria de tais actos interiores. Nada menos, parece estar fora de qualquer dúvida que — raciocinando assim — deve colocar-se quase o sinal de igualdade entre «erótico» e aquilo que «deriva do desejo» (e serve para satisfazer a concupiscência mesma da carne). Se assim fosse, então, as palavras de Cristo segundo Mateus 5, 27-28 exprimiriam um juízo negativo sobre aquilo que é «erótico» e, dirigidas ao coração humano, constituiriam contemporaneamente uma severa advertência contra o «eros».
4. Todavia, já dissemos brevemente que o termo «eros» tem muitas tonalidades semânticas. E por conseguinte, se queremos definir a relação do enunciado do Sermão da Montanha (Mt 5,27-28) com a ampla esfera dos fenómenos «eróticos», isto é daquelas acções e daqueles comportamentos recíprocos mediante os quais o homem e a mulher se aproximam e se unem a ponto de serem «uma só carne» (cf. Gén Gn 2,24), é preciso ter em conta a multiplicidade das tonalidades semânticas do «eros». Parece possível de facto, que no âmbito do conceito de «eros» — considerando o seu significado platónico — se encontre o lugar para aquele ethos, para aqueles conteúdos éticos e indirectamente também teológicos, os quais, durante as nossas análises, foram salientados pelo apelo de Cristo ao coração humano no Sermão da Montanha. Também o conhecimento das multíplices tonalidades semânticas do «eros» e daquilo que, na experiência e descrição diferenciada do homem, em várias épocas e em vários pontos de longitude e de latitude geográfica e cultural, é definido como «erótico», pode ajudar a compreender a específica e complexa riqueza do «coração», para o qual Cristo apelou no seu enunciado de Mateus 5, 27-28.
5. Se admitimos que o «eros» significa a força interior que «atrai» o homem para o verdadeiro, o bom e o belo, então, no âmbito deste conceito vê-se também abrir o caminho para aquilo que Cristo desejou exprimir no Sermão da Montanha. As palavras de Mateus 5, 27-28, se são «acusação» do coração humano ao mesmo tempo são ainda mais um apelo dirigido a ele. Tal apelo é a categoria própria do ethos da redenção. A chamada para aquilo que é verdadeiro, bom e belo, significa contemporaneamente, no ethos da redenção, a necessidade de vencer o que deriva da tríplice concupiscência. Significa também a possibilidade e a necessidade de transformar aquilo que foi agravado pela concupiscência da carne. Além disso, se as palavras de Mateus 5, 27-28 representam tal chamada, então significam que, no âmbito erótico, o «eros» e o «ethos» não divergem entre si, não se contrapõem reciprocamente, mas são chamados a encontrarem-se no coração humano, e, neste encontro, a frutificar. Bem digno do «coração» humano é que a forma daquilo que é «erótico» seja ao mesmo tempo forma do ethos, ou seja, daquilo que é «ético».
6. Tal afirmação é muito importante para o ethos e também para a ética. De facto, a este último conceito é muitas vezes ligado um significado «negativo», porque a ética traz consigo normas, mandamentos e também proibições. Nós somos em geral propensos a considerar as palavras do Sermão da Montanha sobre a «concupiscência» (sobre «olhar, desejando») exclusivamente como proibição — uma proibição na esfera do «eros» (isto é, na esfera «erótica»). E não raro contentamo-nos apenas com tal compreensão, sem procurar descobrir os valores verdadeiramente profundos e essenciais que esta proibição encerra, isto é, assegura. Ela não só os protege, mas torna-os até acessíveis e liberta-os se aprendemos a abrir-lhes o nosso «coração».
No Sermão da Montanha Cristo ensina-o e para tais valores dirige o coração do homem.
Notas
1. Segundo Platão o homem, colocado entre o mundo dos sentidos e o mundo das Ideias, tem o destino de passar do primeiro para o segundo. O mundo das Ideias não está porém em grau de, sozinho, superar o mundo dos sentidos: pode fazer isto somente o Eros, congénito ao homem. Quando o homem começa a pressentir a existência das Ideias, devido à contemplação dos objectos existentes no mundo dos sentidos, recebe o impulso de Eros, isto é, do desejo das Ideias puras. Eros é de facto a orientação do homem «sensual» ou «sensível» para aquilo que é transcendente: a força que conduz a alma para o mundo das Ideias. No «Simpósio» Platão descreve as etapas deste influxo de Eros: este eleva a alma do homem do belo de um só corpo àquele de todos os corpos, depois ao belo da ciência e enfim à mesma Ideia do Belo (cf. Simpósio, 211, República 514).
Eros não é nem puramente humano nem divino: é algo de intermédio (daimonion) e de intermediário. A sua principal característica é a aspiração e o desejo permanentes. Até quando parece dar, Eros persiste como «desejo de possuir», e todavia diferencia-se do amor puramente sensual, sendo o amor que tende para o sublime.
Segundo Platão, os deuses não amam porque não sentem desejos, uma vez que os seus desejos estão todos satisfeitos. Podem ser somente objecto, mas não sujeito de amor (Simpósio 200-201). Não têm portanto uma directa relação com o homem; só a mediação de Eros consente um enlaçamento de uma relação (Simpósio 203). Portanto, Eros é o caminho que conduz o homem para a divindade, mas não vice-versa.
A aspiração à transcendência é, por conseguinte, um elemento constitutivo da concepção platónica de Eros, concepção que supera o dualismo radical do mundo das ideias e do mundo dos sentidos. Eros consente passar de um para o outro. Ele é, então, uma forma de fuga para além do mundo material, ao qual a alma é obrigada a renunciar, porque o belo do sujeito sensível tem valor apenas enquanto conduz mais para o alto.
Contudo, Eros permanece sempre, para Platão, o amor egocêntrico: ele tende a conquistar e possuir o objectivo que, para o homem, representa um valor. Amar o bem significa desejar possuí-lo para sempre. O amor é, portanto, sempre um desejo de imortalidade e também isto demonstra o carácter egocêntrico do Eros (cf. A. Nygren, Eros et Agapé. La notion chrétienne de 1'amour et ses transformations, 1, Paris, 1962, Aubier, PP 180-200).
Para Platão, Eros é uma passagem da ciência mais elementar para aquela mais profunda; é ao mesmo tempo a aspiração a passar «daquilo que não existe», e é o mal, para aquilo que «existe em plenitude», e é o bem (cf. M. Scheler, Amour et connaissance, em: «Le sens dela souffrance, suivi de deux autres essais», Paris, Aubier, s.d. p. 145).
2. Cf. por exemplo, C. S, Lewis, «Eros», em: «The Four Loves», New York, 1960 (Harcourt), pp. 131-133, 152, 159-160; P. Chauchard, Vices des vertus, vertus des vices, Paris 1965 (Mame), p. 147.
Saudações
A um grupo de participantes no Congresso Internacional "Intercoiffure"
Tenho o prazer de saudar os participantes no sexto Congresso Internacional de "Intercoiffure". O vosso encontro em Roma, Senhoras e Senhores, manifesta a validez da vossa associação, 55 anos depois da sua fundação. Formulo votos por que ela vos estimule sempre a realizardes o melhor possível a vossa nobre profissão, a elegância da vossa arte ao serviço do mundo feminino, e por que ela vos ajude também a fomentar relações de amizade e de solidariedade, para além das fronteiras. Peço ao Senhor que abençoe cada uma das vossas famílias.
Aos dirigentes do Serra Internacional
Dirijo as minhas boas-vindas muito cordiais ao grupo de oficiais do Serra Internacional que se reuniram em Assembleia em Roma. Já no passado manifestei a minha grande estima pelas vossas zelosas actividades em favor das vocações religiosas. Notei, de modo particular, o amor que vos motiva, assim como o vosso constante compromisso de testemunho cristão na vida quotidiana. O mundo tem necessidade deste amor e deste compromisso. Cristo conta convosco para ajudardes a juventude a segui-1'O. Tendes um grande contributo a dar para a promoção da verdadeira missão da Igreja, a missão de evangelização: "para que a palavra do Senhor se propague rapidamente e seja acolhida com honra" (2Th 3,1). A nossa bem-aventurada Mãe Maria sustenha todos aqueles que pertencem ao Serra nestes ideais de santidade e serviço.
A um grupo de sacerdotes eslovacos
Saúdo o grupo de sacerdotes eslovacos reunidos nestes dias em Roma para um encontro de reflexão. Dedicais-vos à família e à sua tarefa no mundo contemporâneo à luz do Sínodo dos Bispos. Sabeis muito bem que a família ocupa um lugar muito importante na conservação e promoção da fé e da vida religiosa. Oxalá a vossa dedicação produza tais frutos nas famílias eslovacas. De coração concedo-vos a minha Bênção, e envio também a minha saudação e a minha Bênção a todas as famílias a quem dedicais o vosso ministério sacerdotal.
Aos membros da Associação Católica do Pessoal Sanitário
Dirijo agora a minha saudação cordial aos membros da Associação Católica do Pessoal Sanitário que, interrompendo o Seminário residencial que os tem actualmente empenhados aqui em Roma, quiseram tomar parte nesta Audiência.
Caríssimos, desejo manifestar-vos o meu apreço pelo entusiasmo com que procurastes tornar cada vez mais viva e dinâmica a vossa Associação, que prossegue a importante finalidade de dar um testemunho eficaz dos valores humanos e cristãos no âmbito do mundo sócio-sanitário. E um objectivo muito nobre, para o qual podeis contar com todo o meu encorajamento, juntamente com a minha Bênção Apostólica.
A um grupo de Focolarinos
Estão também presentes na Audiência desta manhã os representantes de numerosos grupos paroquiais italianos que se inspiram no Movimento dos Focolares.
Caríssimos, alegro-me convosco pelo empenho que assumistes de animar a vida das vossas respectivas paróquias com o testemunho concreto do amor. E um empenho que não pode deixar de dar os seus frutos. Como recordou o Concílio Vaticano II Jesus mesmo com a sua palavra indefectível dá-nos a certeza de que "está aberto a todos os homens o caminho da caridade e que os esforços envidados para realizar a fraternidade universal não são vãos" (Constituição pastoral Gaudium et Spes GS 38). Perseverai, pois, nos vossos generosos propósitos. O Papa acompanha-vos com a sua oração e a sua Bênção Apostólica.
O Santo Padre dirigiu em seguida, como faz habitualmente, saudações aos jovens, aos doentes e aos jovens casais.
AUDIÊNCIAS 1980 - AUDIÊNCIA GERAL