AUDIÊNCIAS 1980 - AUDIÊNCIA GERAL


JOÃO PAULO II

AUDIÊNCIA GERAL

Quarta-feira, 12 de Novembro de 1980




A espontaneidade é verdadeiramente humana
quando é fruto amadurecido da consciência

1. Hoje retomamos a análise, iniciada há uma semana, sobre a recíproca relação entre o que é «ético» e o que é «erótico». As nossas reflexões desenvolvem-se dentro do contexto das palavras pronunciadas por Cristo no Sermão da Montanha, com as quais Ele se referiu ao mandamento «não cometerás adultério» e, ao mesmo tempo, definiu a «concupiscência» (o «olhar concupiscente») como «adultério cometido no coração». Destas reflexões resulta que o «ethos» está relacionado com a descoberta de uma nova ordem de valores. É necessário encontrar continuamente naquilo que é «erótico» o significado esponsal do corpo e a autêntica dignidade do dom. Esta é a tarefa do espírito humano, tarefa de natureza ética. Se não se assume tal tarefa, a própria atracção dos sentidos e a paixão do corpo podem não passar de pura concupiscência privada de valor ético, e o homem, varão e mulher, não experimenta aquela plenitude do «eros», que significa o impulso do espírito humano para aquilo que é verdadeiro, bom e belo pelo que aquilo que é «erótico» se torna também verdadeiro, bom e belo. É indispensável, por conseguinte, que o ethos se torne a forma constitutiva do eros.

2. As mencionadas reflexões estão intimamente ligadas ao problema da espontaneidade. Com bastante frequência considera-se que é precisamente o ethos a tirar espontaneidade àquilo que é erótico na vida e no comportamento do homem; e por este motivo se exige o afastamento do ethos «em vantagem» do eros. Também as palavras do Sermão da Montanha pareceriam dificultar este «bem». Só que, tal opinião é errónea e, em qualquer caso, superficial. Aceitando-a e afirmando-a com obstinação, não chegaremos nunca às plenas dimensões de eros, e isto repercute-se inevitavelmente no âmbito da relativa «praxis», isto é no nosso comportamento e também na concreta experiência dos valores. De facto, aquele que aceita o ethos do enunciado de Mateus 5, 27-28, deve saber que é também chamado à plena e matura espontaneidade das relações, que nascem da perene atracção da masculinidade e da feminilidade. Precisamente tal espontaneidade é o fruto gradual do discernimento dos impulsos do próprio coração.

3. As palavras de Cristo são rigorosas. Exigem do homem que ele, no âmbito em que se formam as relações com as pessoas do outro sexo, tenha plena e profunda consciência dos próprios actos e, sobretudo, dos actos interiores; que ele tenha consciência dos impulsos interiores do seu «coração», a ponto de ser capaz de os individualizar e qualificar de modo circunspecto. As palavras de Cristo exigem que nesta esfera, que parece pertencer exclusivamente ao corpo e aos sentidos, isto é ao homem exterior, ele saiba ser verdadeiramente homem interior, saiba obedecer à recta consciência; saiba ser autêntico senhor dos próprios impulsos íntimos, como um guarda que vigia uma fonte escondida; e saiba, por fim, tirar de todos aqueles impulsos o que é conveniente para a «pureza do coração», construindo consciente e coerentemente aquele sentido pessoal do significado esponsal do corpo, que abre o espaço interior da liberdade do dom.

4. Pois bem, se o homem quiser responder ao apelo expresso por Mateus 5, 27-28, deve, perseverante e coerentemente, aprender o que é o significado do corpo, o significado da feminilidade e da masculinidade. Deve aprendê-lo não só através de uma abstracção objectivizante (embora também isto seja necessário), mas sobretudo na esfera das reacções interiores do próprio «coração». Esta é uma «ciência», que não pode ser verdadeiramente aprendida apenas dos livros, porque se trata aqui em primeiro lugar do profundo «conhecimento» da interioridade humana.

No âmbito deste conhecimento, o homem aprende a discernir entre o que, por um lado, compõe a multiforme riqueza da masculinidade e da feminilidade nos sigais que provêm da sua perene chamada e atracção criadora, e o que, por outro lado, traz só o sinal da concupiscência. E embora estas variantes e tonalidades dos impulsos interiores do «coração» num certo limite se confundam entre si, deve todavia dizer-se que o homem interior foi chamado por Cristo a adquirir uma avaliação ajuizada e completa, que o leva a discernir e julgar os vários impulsos do seu próprio coração. E é necessário acrescentar que esta tarefa pode realizar-se e é realmente digna do homem.

De facto, o discernimento de que estamos a falar está em relação essencial com a espontaneidade. A estrutura subjectiva do homem demonstra, neste campo, uma específica riqueza e uma clara diferenciação. Por conseguinte, uma coisa é, por exemplo, uma nobre satisfação, outra, pelo contrário, o desejo sexual; quando o desejo sexual está ligado a uma nobre satisfação, é diferente de um mero e simples desejo. Analogamente, no que diz respeito à esfera das reacções imediatas do «coração», a excitação sensual é muito diversa da emoção profunda, com que não só a sensibilidade interior, mas a própria sexualidade reage à expressão integral da feminilidade e da masculinidade. Não se pode desenvolver aqui mais amplamente este argumento. Mas é certo que, se afirmarmos que as palavras de Cristo segundo Mateus 5, 27-28 são rigorosas, são-no também no sentido que em si contêm as exigências profundas relativas à espontaneidade humana.

5. Não pode haver tal espontaneidade em todos os estímulos e impulsos que nascem da mera concupiscência carnal, desprovida, como ela é, de uma opção e de uma jerarquia adequada. É precisamente à custa do domínio sobre eles, que o homem alcança aquela espontaneidade mais profunda e amadurecida, com que o seu «coração», refreando os instintos, descobre a beleza espiritual do sinal constituído pelo corpo humano na sua masculinidade e feminilidade. Ao consolidar-se esta descoberta na consciência como convicção, e na vontade como orientação, quer das possíveis opções quer dos simples desejos, o coração-humano torna-se participante, por assim dizer, de outra espontaneidade de que nada ou pouquíssimo sabe o «homem carnal». Não há dúvida alguma que, mediante as palavras de Cristo segundo Mateus 5, 27-28, somos chamados precisamente a tal espontaneidade. E a esfera mais importante da «praxis» — relativa aos actos mais «interiores» — é talvez mesmo a que traça gradualmente o caminho para tal espontaneidade.

Este é um vasto assunto que nos convirá retomar novamente, quando nos dedicarmos a demonstrar qual é a verdadeira natureza da evangélica «pureza de coração». Por agora terminamos dizendo que as palavras do Sermão da Montanha, com as quais Cristo chama a atenção dos seus ouvintes — de outrora e de hoje — sobre a «concupiscência» («olhar concupiscente»), indicam indirectamente o caminho para uma amadurecida espontaneidade do «coração» humano, que não sufoca os seus nobres desejos e aspirações, mas, pelo contrário, os liberta e, em certo sentido, os favorece.

Baste por agora o que dissemos sobre a recíproca relação entre o que é «ético» e o que é «erótico», segundo o ethos do Sermão da Montanha.

Saudações

Aos peregrinos polacos

Diante de vós aqui presentes, desejo hoje exprimir a minha alegria pelo que ocorreu nos últimos dias na nossa Pátria: pelo sábio e prudente acordo, ao qual se chegou entre as autoridades e os novos sindicatos, Sindicatos independentes, que à base do estatuto aprovado iniciam as suas actividades.

Desejo também, de coração, enviar uma bênção a essas novas instituições, que reúnem tão grande número dos meus compatriotas, trabalhadores, tanto operários como empregados. Desejo ao mesmo tempo que esta maturidade, que nos últimos meses caracterizou o modo de agir dos nossos compatriotas, continue a ser-nos própria, e que a Polónia continue a encontrar apoio naquelas forças do espírito que, por Cristo, pelo Seu Evangelho, pela Sua Cruz e por Sua Mãe, se tornaram grande património da nossa Pátria. Desejo que vós, aqui presentes, transmitais estes meus melhores votos, as minhas palavras e orações a todos os que vivem na Pátria e também fora das suas fronteiras.

Aos participantes na Conferência Internacional sobre os alimentos extraídos do mar

Tenho o prazer de dar as boas-vindas aos participantes na Conferência Internacional sobre os alimentos provenientes do mar e que está a realizar-se em Roma. Os vossos esforços para aumentar a produção dos alimentos provenientes do mar são, sem dúvida, uma empresa digna de louvor num mundo que sofre frequentemente carência de recursos alimentícios. Elogio, por isso os vossos esforços. Ao mesmo tempo estimulo-vos a estudar modos e meios para atender directamente àqueles que padecem fome. É um problema moral, difícil e crucial ao mesmo tempo, para a nossa comunidade global de hoje. E, procurando dar-lhe uma solução, respondemos à Palavra de Deus que nos exorta a pensar nas necessidades dos outros. Espero que as vossas deliberações destes dias não só ajudem o vosso trabalho na produção de alimentos provenientes do mar, mas também enriqueçam a vossa vida individual.

A peregrinação organizada pelo semanário católico alemão
"Leben und Erzieben" (Viver e educar)

Dirijo uma especial saudação aos peregrinos alemães que este ano vieram a Roma em tão grande número; de entre eles saliento os leitores da revista "Leben und Erzieben" aqui presentes, provenientes da diocese de Aquisgrano.

O título desta louvável publicação leva-me a recomendar-vos muito encarecidamente a mensagem da recente Assembleia do Sínodo dos Bispos sobre a família cristã: lede e estudai esta mensagem, de modo que possa produzir fruto nas vossas próprias famílias e vos torne capazes de serdes para as outras famílias protecção e apoio. A bênção de Deus vos acompanhe nesta importante tarefa.

Aos participantes no Curso do Secretariado Unitário de Animação Missionária

E agora dirijo, a minha saudação aos participantes no Curso promovido pelo Secretariado Unitário de Animação Missionária. Caríssimos Filhos, é vossa intenção estar presentes com um contributo específico nos lugares e momentos qualificativos dás opções pastorais da Igreja Italiana, a fim de as abrir para um horizonte missionário cada vez mais amplo. Ao manifestar-vos o meu apreço por estes propósitos, desejo encorajar-vos a prosseguir no empenho de aprofundar a compreensão entre os vossos Institutos, a fim de coordenar cada vez melhor as suas iniciativas, fazendo delas uma expressão de comunhão eclesial operante. A minha Bênção Apostólica vos conforte.

Às Superioras das Religiosas que se dedicam ao apostolado nas prisões italianas

Estão presentes nesta Audiência as Superioras das Religiosas que se dedicam ao apostolado nas prisões italianas. Ao dirigir-vos a minha saudação, caríssimas Filhas, aproveito de bom grado o ensejo para renovar a expressão do meu apreço pela obra preciosa das vossas Religiosas, que se entregam todos os dias: a um serviço solícito e paciente, de grande valor humano e cristão. A elas e a vós, que as representais aqui, concedo a propiciadora Bênção Apostólica.



JOÃO PAULO II

AUDIÊNCIA GERAL

Quarta-feira, 26 de Novembro de 1980


Aspectos da missão da Igreja na Alemanha

Caríssimos

1. É desejo meu sintetizar na audiência de hoje a viagem pastoral que, de 15 a 19 de Novembro, me levou a percorrer as terras da República Federal da Alemanha, isto é, Colónia, Bona, Osnabrück, Mogúncia, Fulda, Altotting e Munique da Baviera. Deste modo procurei corresponder ao convite, que já há tempos me dirigira o Arcebispo de Colónia, Cardeal Joseph Hoffner, por ocasião do septingentésimo aniversário da morte de Santo Alberto Magno; ao seu convite associaram-se ainda os Cardeais de Mogúncia e de Munique da Baviera, e todo o Episcopado Alemão. Quero pois sublinhar com reconhecimento que o convite, vindo da parte da Igreja, foi acompanhado também pelo que me foi dirigido pelo Presidente Federal (Bundespraesident). A este propósito quero acrescentar que apreciei muito a presença do Senhor Presidente nos momentos da minha chegada e da minha partida, e também a possibilidade do meu encontro com Ele, com o Chanceler Federal (Bundeskanzler) e com os Representantes das autoridades estatais, na tarde de 15 de Novembro, no Castelo de Brühl.

2. O carácter e o programa estritamente pastoral da visita permitiram-me — não obstante o breve espaço de tempo — tocar uma série de problemas-chaves, ligadas com a vida e a missão da Igreja na Alemanha. E sabido quão antiga é a história do Cristianismo naquela terra situada ao Norte dos Alpes, nas margens do Reno, história que remonta aos antigos tempos romanos.

E sobre este antigo fundo, a história, em sentido próprio, da Igreja na Alemanha começa plenamente já depois das migrações dos povos, precisamente entre aquelas populações novas que primeiro eram ainda pagãs. O início da evangelização no meio delas está ligado ao nome do grande missionário beneditino São Bonifácio, bispo e mártir, junto de cujo túmulo rezámos juntos em Fulda, onde se realizou o encontro com toda a Conferência do Episcopado alemão, e também com os sacerdotes, os diáconos e os seminaristas lá reunidos de todas as dioceses, como ainda com os cooperadores da pastoral e com os representantes do apostolado dos leigos, esplendidamente organizado. Este apostolado está largamente aberto às necessidades da Igreja e da sociedade nos diversos Países e nos diversos Continentes, como dão testemunho as organizações missionárias e caritativas de alcance mundial «Missio», «Adveniat» e «Misereor». As ofertas, recolhidas por ocasião da minha visita à Alemanha, foram destinadas aos países do Sahel, aflitos pelo flagelo da seca.

3. Nos tempos de São Bonifácio, isto é no oitavo século, teve início o desenvolvimento da Igreja medieval nas terras germânicas. Aquela Igreja, nos séculos X e XI, deu à sé Apostólica seis Papas; além disso, deu muitos Santos e pessoas doutas, quer homens quer mulheres, tanto nas cortes dos imperadores como nos conventos e nas abadias. Um deles é precisamente Santo Alberto, o único dos teólogos medievais a que a história deu o sobrenome de «Magno», de «Grande». Nascido em Lauingen, foi, como teólogo, mestre de São Tomás de Aquino, e tem grandes méritos no problema da harmonização entre as ciências naturais, a filosofia aristotélica e o conhecimento que se recolhe da Palavra da divina Revelação. Bispo de Ratisbona, terminou a vida em Colónia há 700 anos. Prestando veneração à memória daquele grande filho de São Domingos, não se podia deixar de recordar Duns Scoto, que repousa também em Colónia, na igreja dos Franciscanos; como também, na mesma igreja, outra personagem do século passado: a figurado grande pastor e activista social, Rev. Adolph Kolping, cuja obra permanece e continua a desenvolver-se na Alemanha e ainda além das suas fronteiras.

Juntamente com Santo Alberto, desvela-se diante de nós uma grande perspectiva histórica da ciência e da cultura, para as quais o contributo da Nação e da Igreja alemã, no passado e nos dias de hoje, é enorme. E portanto deu-se a óptima oportunidade de, na esplêndida catedral de Colónia, eu ter podido falar aos homens da ciência, reunidos em grande número, professores e estudantes, sobre o tema do problema fundamental das relações recíprocas entre a ciência e a fé no contexto contemporâneo. Outro encontro, um pouco semelhante, realizou-se, no último dia da viagem, em Munique da Baviera: reuniu em «Herkules-Saal» alguns milhares de artistas, de homens da cultura e também de representantes da chamada cultura de massa, que se desenvolve com a ajuda dos instrumentos contemporâneos das comunicações sociais: imprensa, rádio e televisão.

No contexto do aniversário do grande teólogo do século XIII não podia, evidentemente, faltar também ao menos um encontro com os representantes dos professores das numerosas Faculdades teológicas e dos Ateneus eclesiásticos da Alemanha, encontro realizado em Altotting, a 18 de Novembro.

4. Caminhando pelas grande rotas da história, chegámos ao século XVI, ao aparecer de Martinho Lutero, e aos tempos da Reforma. Precisamente no ano corrente completam-se 450 anos a partir da data à qual está ligada a famosa «Confissão de Ausburgo» (1530). E ainda que os esforços então empreendidos para manter a unidade da Igreja não tenham dado os resultados esperados, todavia o aniversário da «Confissão de Ausburgo» tornou-se para mim motivo particular, para eu estar presente, exactamente neste ano, na pátria da Reforma e procurar ocasião para o encontro com os representantes da Igreja Evangélica Alemã (EKD), e das outras Igrejas e comunidades cristãs, com que a Igreja católica está em relação de cooperação ecuménica. Considero particularmente importante o encontro com os representantes da Igreja Evangélica Alemã por motivo das circunstâncias históricas supra-indicadas, e evidentemente também por motivo do novo desenvolvimento de toda a acção em favor da união dos cristãos, acção na qual todos nós vemos a vontade de Nosso Senhor.

Este é o caminho de que não podemos retroceder; devemos sempre ir para a frente, não desistindo da oração e da conversão interior, mas adaptando o nosso comportamento à luz do Espírito Santo, que é o Único a fazer que toda a obra se realize em conjunto no amor e na verdade. É obra de importância capital para a credibilidade do nosso testemunho cristão: «Para que o mundo creia»... Cristo pediu ao Pai pelos seus discípulos, «para que todos sejam uma só coisa» (Jn 17,21).

Os encontros ecuménicos tiveram lugar em Mogúncia (Mainz). Juntou-se ainda — também em Mogúncia — o encontro com os representantes da comunidade judaica, que teve significado especial e eloquência singular.

Complemento pastoral deste capítulo ecuménico do programa inteiro, foram ainda a visita a Osnabrück, a concelebração e o encontro com a «diáspora» católica da Alemanha do Norte. Experiência necessaríssima e carregada de significado.

5. A Igreja na Alemanha encontra-se diante das grandes tarefas da evangelização, relacionadas com o estado da sociedade dividida, em consequência da segunda guerra mundial, em dois Estados alemães separados. Estas são as tarefas típicas para aquela sociedade altamente industrializada no sentido da economia e da civilização, e, ao mesmo tempo, submetida a intensos processos de secularização. Em tais circunstâncias, a não fácil missão da Igreja requer particular maturidade da verdade pregada, e uma força de valor tal que seja capaz de vencer a indiferença e a ausência efectiva de muitos na comunidade dos crentes.

As experiências daqueles poucos dias intensos permitem-nos deduzir que a Igreja na Alemanha procura contrapor àquelas crescentes dificuldades a força e a consequencialidade da fé daqueles que entendem e confessam o seu Cristianismo «na obra e na verdade». Essa eloquência precisamente têm tido para mim tais encontros, que levaram, em certo sentido, ao mesmo aspecto vivo da sociedade do Povo de Deus. Tenho na mente a Santa Missa pelos cônjuges e as famílias no Butzweilerhof em Colónia. Depois, os encontros semelhantes, pelo seu carácter de mundo do trabalho durante a santa Missa em Mogúncia para recordar o Bispo Ketteler, grande porta-voz da causa social. Por fim, a santa Missa para os jovens em Munique da Baviera, na Theresienwiese.

É necessário acrescentar que estes encontros litúrgicos se realizaram com tempo desfavorável, debaixo de chuva e do frio de Novembro em Colónia e Mogúncia, e com frio penetrante e vento em Munique da Baviera. Os participantes não só se mantiveram nos seus próprios lugares naquelas difíceis condições atmosféricas, mas já neles estavam várias horas antes do princípio da santa Missa, rezando, cantando e meditando sobre a Palavra de Deus. Com isso deram particular testemunho de fé e de paciente perseverança.

Na República Federal da Alemanha há ainda muitos trabalhadores estrangeiros, quer cristãos quer muçulmanos. Os encontros com eles realizaram-se junto da catedral de Mogúncia; estavam presentes os grupos: turco, italiano, espanhol, croata e esloveno; e, à parte, um grupo da Polónia e outros ainda. Momentos cheios de especial calor humano e de comunhão fraterna e cristã foram os dois encontros com os fiéis da Capital Federal na «Münsterplatz» de Bonn e com os anciãos no «Liebfrauendom» de Munique.

6. Desejo dedicar o último ponto desta recordação à visita ao Santuário Mariano de Altotting, no território da Baviera (diocese de Passau), para onde tinham sido convidadas sobretudo as Congregações religiosas femininas e masculinas, e, ao mesmo tempo, tinham vindo numerosos peregrinos de diversas partes, especialmente da Baviera e da Áustria. A este encontro refere-se a oração que escrevi depois do regresso a Roma.

Com certeza o tempo rigoroso de Novembro não favoreceu externamente a peregrinação, todavia agradeço a Deus ter podido realizá-la, e precisamente em tais condições.

E agradeço a todos os Homens que de algum modo para ela contribuíram, e, de algum modo, nela participaram. Vergelt's Gott.

Apelo

Solidariedade às vítimas do terremoto na Itália

E agora, antes de rezarmos a nossa oração comum, quereria dizer-vos ainda uma coisa: ontem pude visitar alguns dos lugares atingidos pelo terremoto nas zonas de Nápoles, Potenza e Avelino.

Fiquei profundamente comovido, impressionado espiritualmente por tudo o que pude ver com os meus olhos. E sem dúvida aquilo que pude ver não era senão uma parte: visão parcial, embora significativa. Pude ver não só as casas destruídas, mas sobretudo os homens, anciãos e jovens, e crianças internadas, especialmente no hospital de São Carlos Novo de Potenza, e ainda noutros lugares: internados em condições difíceis. Bem sabeis quão numerosos são os mortos; pude encontrar em Balvano o pároco da comunidade em que, no domingo passado, começava a missão com a participação dos jovens. Era o momento do primeiro, mais forte, abalo, e vários desses jovens ficaram mortos. Vi aquele pároco, cuja dor era ainda profunda dois dias depois do enterro de tais vítimas. E depois vi como a gente nesta vasta zona — porque a superfície territorial do terremoto é extensíssima (fala-se de 25.000 Km quadrados) — vive apavorada, quer nas grandes cidades quer nas aldeias. Saem das casas porque têm medo e temem novos abalos. Os abalos, de facto, repetem-se: ontem foram registados em vários lugares, e mesmo em Nápoles.

Trata-se de situação que requer a nossa presença, a nossa ajuda, moral e material. Devo dizer que vi também numerosos grupos, instituições e pessoas, especialmente jovens, que estavam já prontos para ajudar, organizando os auxílios necessários.

Certamente não é fácil satisfazer todas as necessidades em tal desastre. Esta grande tragédia, que de novo sofrem as populações da Itália meridional, de modo particular a Basilicata, impõe grande solidariedade. Solidariedade de todos os cristãos e de todos os italianos, e também de todos os estrangeiros que podem ajudar. Neste momento requerem-se sobretudo unidade e solidariedade: solidariedade para ajudar os nossos irmãos que sofrem. Agora peçamos por isto e peçamos também por aqueles que sofrem, terrorizados, sem-tecto, sem casa. Muitos vivem nas "tendópoles", nas barracas, e o inverno aproxima-se. Peçamos também pelos mortos. Não se sabe com exactidão qual é o número dos mortos mas, infelizmente, é grande.

Por estas intenções oremos recitando o Pai-Nosso.

Saudações

Aos participantes na Assembleia plenária do Pontifício Conselho "Cor Unum"

Devia ter-me encontrado ontem mais demoradamente com os participantes na Assembleia Plenária do Pontifício Conselho "Cor Unum". Caritas urget: em vez de me deter com eles sobre a caridade — da qual são os zelosos animadores da Igreja — decidi dirigir-me em pessoa como sabeis, às regiões da Itália onde o terremoto de domingo causou tantas vítimas, as quais recomendo às orações e à caridade de todos.

No fundo, trata-se de uma ocasião singular para mostrar a toda esta assistência o papel do Conselho "Cor Unum", cujos membros se encontram aqui presentes. Ele foi instituído por Paulo VI com o fim de coordenar e harmonizar as obras de caridade dos diferentes organismos católicos de auxílio mútuo, nacionais e internacionais; e sobretudo para promover com eles uma formação de todo o Povo de Deus no autêntico sentido da caridade, com as suas exigências práticas, adaptadas ao mundo actual, e também as suas implicações espirituais, que a unem à própria caridade de Cristo para favorecer o verdadeiro progresso humano.

O "Cor Unum" e todos os organismos que são seus membros devem sensibilizar os fiéis às necessidades dos indigentes, suscitar iniciativas, coordená-las, tudo isto nos diferentes campos que esta Assembleia acaba de estudar; as urgências, cada vez mais frequentes, as iniciativas de promoção humana, a protecção à saúde. Trata-se de servir Cristo nos seus membros que sofrem, e isso, sem nunca se cansar. É uma obra de Igreja, que deve portanto realizar-se em união estreita com as Conferências Episcopais e com cada um dos Bispos que a elas pertencem.

O Pontifício Conselho "Cor Unum" é também o organismo da caridade do Papa; e sinto-me feliz por entregar hoje aos seus responsáveis a grande soma que a Igreja da Alemanha Federal acaba de me confiar, destinada às populações do Sahel. Agradeço vivamente a todos os que contribuíram para esta generosa oferta.

Queridos Irmãos e Irmãs do "Cor Unum", faço votos por que o Espírito Santo ilumine e fortifique a vossa caridade, a fim de que vós mesmos ajudeis a Igreja no caminho que é essencial ao seu testemunho. E eu, de todo o coração, vos abençoo.

Aos membros do Capítulo Geral dos Legionários de Cristo

Aos Legionários de Cristo presentes nesta audiência e que, à volta do seu Fundador, acabam de concluir o Capítulo Geral, dirijo a minha afectuosa saudarão com a expressão da minha cordial benevolência. Estimulando-os a serem fiéis à Igreja e à própria vocação concedo-lhes, de bom grado, a Bênção Apostólica.

Aos Sacerdotes e Religiosos, Reitores dos Santuários da Itália

Dirijo agora uma saudação particularmente afectuosa ao grupo de Sacerdotes e Religiosos, Reitores dos Santuários da Itália, que participam no seu Congresso Nacional, promovido pela Liga Nacional Mariana, para estudar o tema do "Turismo religioso e social nos Santuários".

A vossa presença nesta audiência reaviva a lembrança dos numerosos Santuários que em todas as regiões da Itália se erguem a testemunhar as divinas predilecções e muitas vezes os acontecimentos miraculosos, e a chamar as multidões à necessária renovação interior na oração e na penitência. Os Santuários. de facto, são um instrumento privilegiado da acção de Deus; os peregrinos encontram neles uma hora de graça, a cura, antes de tudo, espiritual, o estímulo para se abrirem ao próximo, o convite à conversão, ao compromisso cristão e à prática religiosa.

A minha Bênção vos acompanhe.

A um grupo de Voluntárias Focolarinas

Uma saudação também particular ao grupo das Voluntárias Focolarinas, que participam no seu Congresso anual no Centro Mariapolis de Rocca di Papa.

Caríssimas, sei que estais a aprofundar nos vossos encontros o modo como viver e fazer viver "A vontade de Deus", em todos as circunstâncias do vosso dia. Direi com o Apóstolo Paulo: "Tratai de progredir sempre... Esta é a vontade de Deus: A vossa santificação" (1Th 4,1 1Th 4,3).

Invoco de coração sobre vós a força e a Bênção do Senhor.



                                                                        Dezembro de 1980

JOÃO PAULO II

AUDIÊNCIA GERAL

Quarta-feira, 3 de Dezembro de 1980




Cristo chama-nos a reencontrar as formas vivas do homem novo

1. No princípio das nossas considerações sobre as palavras de Cristo no Sermão da Montanha (Mt 5,27-28), verificámos que estas contêm profundo significado ético e antropológico. Trata-se aqui da passagem em que Cristo recorda o mandamento «Não cometerás adultério», e acrescenta: «Todo aquele que olhar para uma mulher, desejando-a, já cometeu adultério com ela (ou para com ela) no seu coração». Falamos do significado ético e antropológico de tais palavras, porque aludem às duas dimensões intimamente ligadas do «ethos» e do homem «histórico». Procurámos, durante as precedentes análises, seguir estas duas dimensões, tendo sempre no espírito que as palavras de Cristo são dirigidas ao «coração», isto é, ao homem interior. O homem interior é o sujeito específico do «ethos» do corpo, e deste deseja Cristo impregnar a consciência e a vontade dos Seus ouvintes e discípulos. E indubitavelmente um «ethos» «novo». É «novo», em confronto com o «ethos» dos homens do Antigo Testamento, como já procurámos mostrar em análises mais particularizadas. E «novo» também com respeito ao estado do homem «histórico», posterior ao pecado original, isto é, a respeito do «homem da concupiscência». E portanto um ethos «novo» num sentido e num alcance universais. E «novo» a respeito de cada homem, independentemente de qualquer longitude e latitude geográficas e históricas.

2. Este «novo» «ethos», que se levanta da perspectiva das palavras de Cristo pronunciadas no Sermão da Montanha, já várias vezes o chamámos «ethos da redenção» e, mais precisamente, «ethos» da redenção do corpo. Seguimos nisto São Paulo, que na carta aos Romanos contrapõe «a servidão da corrupção» (Rm 8,21) e a submissão «à vaidade» (ib. 8, 20) — de que se tornou participante toda a criação por causa do pecado — contrapõe-nas, dizíamos, ao desejo da «redenção do nosso corpo» (ib. 8, 23). Neste contexto, o Apóstolo fala dos gemidos de «toda a criação», que alimenta «a esperança de ser, também ela, libertada da servidão da corrupção para participar livremente da glória dos filhos de Deus» (ib.8, 20-21). Deste modo, desvela São Paulo a situação de tudo o que foi criado, e em particular a do homem depois do pecado. Significativa para tal estado é a aspiração que — juntamente com a «filiação adoptiva» (ib. 8, 23) — tende precisamente para a «redenção do corpo», apresentada como o fim, como o fruto escatológico e maduro do mistério da redenção do homem e do mundo, realizada por Cristo.

3. Em que sentido, portanto, podemos acaso falar do «ethos» da redenção e especialmente do «ethos» da redenção do corpo? Devemos reconhecer que, no contexto das palavras do Sermão da Montanha (Mt 5,27-28) por nós analisadas, este significado não aparece ainda em toda a sua plenitude. Manifestar-se-á mais completamente quando examinar-mos outras palavras de Cristo, ou seja aquelas em que Ele faz referência à ressurreição (cf. Mt Mt 22,30 Mc 12,25 Lc 20,35-36). Todavia não há qualquer dúvida que, também no Sermão da Montanha, Cristo fala na perspectiva da redenção do homem e do mundo (e portanto precisamente da «redenção do corpo»). Esta é, de facto, a perspectiva do Evangelho inteiro, de todo o ensinamento, mesmo de toda a missão de Cristo. E, embora o contexto imediato do Sermão da Montanha indique a Lei e os Profetas como o ponto de referência histórica, precisamente do povo de Deus da Antiga Aliança, todavia não podemos nunca esquecer que no ensinamento de Cristo, a referência fundamental à questão do matrimónio e ao problema das relações entre o homem e a mulher, apela para o «princípio». Este apelo pode ser justificado só pela realidade da Redenção; fora dela, na verdade, ficaria unicamente a tríplice concupiscência ou a «servidão da corrupção», que o Apóstolo Paulo nomeia (Rm 8,21). Só a perspectiva da Redenção justifica apelar para o «princípio», ou seja para a perspectiva do mistério da criação na totalidade do ensinamento de Cristo acerca dos problemas do matrimónio, do homem e da mulher, e da relação recíproca entre eles. As palavras de Mateus 5, 27-28 colocam-se, afinal, na mesma perspectiva teológica.

4. No Sermão da Montanha Cristo não convida o homem a voltar ao estado da inocência original, porque a humanidade deixou-a irrevogavelmente atrás de si, mas chama-o a reencontrar — no fundamento dos significados perenes e, por assim dizer, indestrutíveis daquilo que é «humano» — as formas vivas do «homem novo». De tal modo lança-se um vínculo, melhor, uma continuidade entre o «princípio» e a perspectiva da Redenção. No «ethos» da redenção do corpo deverá ser retomado o original «ethos» da criação. Cristo não muda a Lei, mas confirma o mandamento «Não cometerás adultério»; porém, ao mesmo tempo, conduz a inteligência e o coração dos ouvintes àquela «plenitude da justiça» querida por Deus criador e legislador, que este mandamento encerra em si. Tal plenitude é descoberta: primeiro, com uma interior visão «do coração»; e depois, com um adequado modo de ser e de operar. A forma do «homem novo» pode derivar deste modo de ser e de operar, na medida em que o «ethos» da redenção do corpo domina a concupiscência da carne e todo o homem da concupiscência. Cristo indica com clareza que o caminho para chegar lá deve ser caminho de temperança e de domínio dos desejos, isto na raiz mesma, já na esfera puramente interior («todo aquele que olhar para uma mulher desejando-a...»). O «ethos» da redenção contém em todos os âmbitos — directamente na esfera da concupiscência da carne — o imperativo do domínio de si, a necessidade de uma imediata continência e de uma habitual temperança.

5. Todavia, a temperança e a continência não significam — se é possível assim dizer — uma suspensão no vácuo: nem no vácuo dos valores nem no vácuo do sujeito. O «ethos» da redenção realiza-se no domínio de si, mediante a temperança, isto é, na continência dos desejos. Neste comportamento o coração humano permanece vinculado ao valor, do qual, através do desejo, se teria de outro modo afastado, orientando-se para a pura concupiscência privada de valor ético (como dissemos na precedente análise). No terreno do «ethos» da redenção, a união com aquele valor, mediante um acto de domínio, é confirmada ou restabelecida com força e firmeza ainda mais profundas. E trata-se aqui do valor do significado esponsal do corpo, do valor de um sinal transparente, mediante o qual o Criador — juntamente com a perene atracção recíproca do homem e da mulher através da masculinidade e da feminilidade — escreveu no coração de ambos o dom da comunhão, isto é, a misteriosa realidade da sua imagem e semelhança. De tal valor se trata no acto do domínio de si e da temperança, para que apela Cristo no Sermão da Montanha (Mt 5,27-28).

6. Este acto pode parecer a suspensão «no vácuo do sujeito». Pode este dar tal impressão particularmente quando é necessário tomar a decisão de o realizar pela primeira vez, ou, mais ainda, quando se criou o hábito contrário, quando o homem se habituou a ceder à concupiscência da carne. Todavia, mesmo da primeira vez, e mais ainda se depois se adquire disso a capacidade, o homem faz a gradual experiência da própria dignidade e, mediante a temperança, manifesta o próprio auto-domínio e mostra realizar aquilo que nele é essencialmente pessoal. E, além disso, experimenta gradualmente a liberdade do dom, que por um lado é a condição, e por outro é a resposta do sujeito ao valor esponsal do corpo humano, na sua feminilidade e na sua masculinidade. Assim, portanto, o «ethos» da redenção do corpo realiza-se através do domínio de si, através da temperança dos «desejos», quando o coração humano contrai aliança com tal «ethos», ou antes a confirma mediante a própria subjectividade integral: quando se manifestam as possibilidades e as disposições mais profundas e, não obstante, mais reais da pessoa, quando adquirem voz os estratos mais profundos da sua potencialidade, aos quais a concupiscência da carne, por assim dizer, não consentiria que se manifestasse. Estes estratos não podem aparecer nem sequer quando o coração humano está fixo numa permanente suspeita, como resulta da hermenêutica freudiana. Não podem manifestar-se nem sequer quando na consciência domina o «antivalor» maniqueu. Pelo contrário, o «ethos» da redenção baseia-se na íntima aliança com aqueles estratos.

7. Sucessivas reflexões dar-nos-ão do mesmo outras provas. Terminando as nossas análises sobre a enunciação tão significativa de Cristo segundo Mateus 5, 27-28, vemos que nela o «coração» humano é sobretudo objecto de uma chamada e não de uma acusação. Ao mesmo tempo, devemos admitir ser, no homem histórico, a consciência da pecaminosidade não só necessário ponto de partida, mas também indispensável condição da sua aspiração à virtude, à «pureza do coração», à perfeição. O «ethos» da redenção do corpo fica profundamente radicado no realismo antropológico e axiológico da revelação. Apelando, neste caso, para o «coração», Cristo formula as suas palavras no mais concreto dos modos: o homem, de facto, é único e irrepetível sobretudo por motivo do seu «coração», que decide sobre ele «a partir do, interior». A categoria do «coração» é, em certo sentido , o equivalente da subjectividade pessoal. O caminho do apelo à pureza do coração, assim como foi expresso no Sermão da Montanha, é apesar de tudo reminiscência da solidão original, da qual o varão foi libertado mediante a abertura ao outro ser humano, à mulher. A pureza de coração explica-se, no fim de contas, com o olhar para o outro sujeito, que é original e perenemente «também chamado».


AUDIÊNCIAS 1980 - AUDIÊNCIA GERAL