Discursos João Paulo II 1980 - Abidjão, Costa do Marfim, 12 de Maio de 1980

3. Adeus agora, a ti África, este continente já antes tão amado e que eu tinha impaciência, desde a eleição para a Sé de Pedro, de descobrir e percorrer. Adeus aos Povos que me receberam, e a todos os outros a que bem gostaria um dia, se a Providência o permitisse, de levar pessoalmente o meu afecto. Muitas coisas aprendi durante este périplo. Não podeis fazer ideia de quanto ele foi instrutivo. Por minha vez, desejaria eu deixar aos Africanos uma mensagem saída do coração, meditada diante de Deus, mas exigente como vinda de um amigo para os seus amigos.

A África pareceu-me vasto campo de trabalho a todos os pontos de vista, com as suas promessas mas também talvez com os seus riscos. Aonde quer que se vá, aí se admira um empreendimento considerável em favor do desenvolvimento e da elevação do nível de vida, em favor do progresso do homem e da sociedade. O caminho que é preciso percorrer é longo. Os métodos podem ser diferentes e revelar-se mais ou menos aptos. Mas o desejo de andar para a frente é inegável. Já foram conseguidos resultados evidentes. Espalha-se a instrução, doenças antigamente mortais estão vencidas, são postas em actividade técnicas novas e começa-se a saber lutar contra certos obstáculos naturais. Também se sente mais o valor das riquezas próprias da alma africana, o que desperta o brio. Paralelamente, o acesso à soberania nacional e o respeito por ela parecem constituir objecto das aspirações de todos.

Há um património original, que é absolutamente necessário salvaguardar promover harmoniosamente. Não é fácil dominar tal ebulição, fazer que as forças vivas sirvam ao desenvolvimento autêntico. É, com efeito, grande a tentação de demolir em vez de construir, de procurar a alto preço armas para populações que precisam de pão, de querer conquistar o puder — mesmo lançando etnias umas contra outras em lutas fratricidas e sangrentas — precisamente quando os pobres aspiram à paz, ou tentação ainda de sucumbir à embriaguez do lucro em benefício de uma classe de privilegiados.

Não vos deixeis prender, caros irmãos e irmãs da África, nesta engrenagem desastrosa, que afinal nada tem que ver nem com a vossa dignidade de criaturas de Deus nem com aquilo de que sois capazes. Não tendes de imitar certos modelos estrangeiros, baseados no desprezo do homem ou no interesse. Não tendes de correr atrás de necessidades artificiais que vos darão uma liberdade ilusória ou vos levarão ao individualismo, quando a aspiração comunitária está tão fortemente radicada em vós. E não vos deveis também deixar enganar com as vantagens de ideologias que fazem cintilar diante de vós uma felicidade completa... sempre adiada.

Sede vós mesmos. Asseguro-vos: vós que tanto apreciais as vossas possibilidades, podeis dar ao mundo a prova de ser capazes de resolver por vós mesmos os vossos problemas próprios com a assistência humanitária, económica e cultural, que vos é ainda útil, e não é senão justiça, mas velando vós para orientar tudo isso na boa direcção.

É precisa uma ética pessoal e social se quereis atingir o objectivo. A honestidade, a noção do trabalho, do serviço e do bem comum, o sentido profundo da vida em sociedade ou simplesmente o sentido da vida sem mais, são palavras ou expressões que já vos falam. Desejo que sempre lhes encontreis a aplicação concreta e leal, como desejo aos meus filhos católicos e filhas que as ponham melhor em prática eles próprios, e ajudem a que lhes sejam descoberto o alcance.

4. Vim a África em especial para comemorar o centenário da evangelização em vários países. São aniversários carregados de esperança, a esperança de um novo sopro para empreender nova caminhada. Isto vale aliás para todos os países visitados. Vós sois a Igreja na África. Que honra e ao mesmo tempo que responsabilidade! Vós sois toda a Igreja e, ao mesmo tempo, vós sois uma parte da Igreja universal, um pouco como o Evangelho que é e bem de cada um e se dirige igualmente a todos. Um pouco como o próprio Jesus Cristo que, tendo encarnado dentro de um povo, vive a Sua encarnação dentro de todos os povos, porque veio para todos, pertence a todos, é o dom maravilhoso do Pai a toda a humanidade. Eu creio verdadeiramente e professo que Ele veio para os Africanos, para elevar e salvar a alma africana, também ela à espera de salvação, para mostrar a beleza dessa alma mas além disso a enriquecer por dentro, pregar-lhe a vida eterna ao lado de Deus. Ele veio para os Africanos como para todos os homens, isto é, com o mesmo título; e não é estranho a nenhum sentimento nacional, a nenhuma mentalidade, convidando os Seus discípulos, de qualquer continente sejam originários, a viverem entre si a admirável permuta da fé e da caridade.

Como Ele, gostaria de vos dizer, neste dia, com todo o amor que enche o meu coração: o Papa é o servo de todos os homens, o Papa sente-se em sua casa na África!

Adeus África! Levo comigo tudo o que tu me deste tão generosamente e tudo o que me revelaste no decurso desta viagem. Deus te abençoe em cada um dos teus filhos e te faça saborear a paz e a prosperidade!



PEREGRINAÇÃO APOSTÓLICA DO SANTO PADRE À ÁFRICA

PALAVRAS DO PAPA JOÃO PAULO II

AOS JORNALISTAS DURANTE


O VOO DE REGRESSO A ROMA


Segunda-feira, 12 de Maio de 1980



Tenho que dizer um grande obrigado aos jornalistas e a todos os agentes das comunicações sociais, da imprensa, da rádio e da televisão. Primeiro aos que me acompanharam ao longo de toda esta viagem, com uma paciência digna da África, debaixo de sol e a custo de muitas fadigas. Isto faz parte da vossa profissão, mas eu tenho consciência dos vossos méritos. Agradeço também aos que in loco, em África, fizeram o seu trabalho de reportagem, de gravação e de difusão, tanto mais que o programa era muito cheio tanto para eles como para mim! Agradeço, enfim, aos trabalhadores dos mass media que, nos outros países, souberam referir esta viagem e dar-lhe, junto dos seus leitores e ouvintes, o relevo conveniente.

Eu sei que muitos outros acontecimentos importantes se estavam desenrolando no mundo: acontecimentos que não estiveram ausentes do meu pensamento e da minha oração. Mas a África merecia também, desde há muito, este lugar de destaque. Ela está, por vezes, na fronteira dos grandes debates e conflitos da política mundial; tem, portanto, grandes problemas humanos a resolver, e os seus esforços merecem ser encorajados. A própria Igreja tem, de igual modo, uma grande vitalidade a incrementar.

Mas não insisto mais sobre o significado da minha viagem. Pertence-vos a vós extraí-lo dos muitos discursos e actos, dizendo simplesmente a verdade, aquilo que vistes e ouvistes. E difícil, por vezes, aos não africanos evitarem lançar sobre este continente e sobre os seus habitantes juízos e interpretações que estão longe das realidades africanas, da alma africana e das suas aspirações e reacções.

Empreguei com frequência a palavra "testemunhas" para designar os cristãos. Sede boas testemunhas. E mais uma vez obrigado pela vossa colaboração.

Caros amigos empenhados nos meios de comunicação!

Quando se escrever a história do último quartel deste milénio, estou convencido que será registado com particular relevo para as futuras gerações o contributo dado pelos meios de comunicação à causa da humanidade. Quanto a mim, estarei sempre em débito para convosco que transmitis as minhas mensagens ao mundo, que me ajudais a atingir milhões de pessoas — meus e vossos irmãos e irmãs —, como arauto de paz, mensageiro de esperança e simples irmão. Sim, agradeço-vos de todo o coração pelo respeito que tendes à própria verdade, pela objectividade das vossas comunicações e pela atenção que reservais às pessoas que, através de vós, escutam a minha voz. De igual modo, posso, através de vós, anunciar a mensagem religiosa — que, para mim, se funda na palavra de Deus, por Ele mesmo revelada —, uma mensagem que eu comunico livremente e sem constrição alguma a todos quantos a queiram escutar. Na realidade, vós sois veículos da verdade porque, por meio de vós, a verdade chega aos povos e os povos abraçam a verdade.

Ouvistes já, também outras vezes, como eu insisto sobre a dignidade da vossa missão e sobre a importância do vosso papel de serviço à comunidade — à comunidade mundial que quer ser sustida por esta verdade que edifica a unidade da família humana. Mesmo que as tenhais já ouvido, talvez estas considerações possam ser ainda úteis para a vossa reflexão sobre a responsabilidade que vos compete.

Agradeço-vos sinceramente pelo interesse que demonstrais pela minha missão, pelo entusiasmo com que a referis e por toda a vossa colaboração. E, do mesmo modo, quero assegurar-vos o meu interesse pela vossa missão, o meu entusiasmo pelo seu sucesso, e a minha colaboração convosco e com todos os trabalhadores da comunicação social do mundo. Há em vós algo de especial, em virtude da verdade que servis. E há algo de especial na verdade, porque, segundo as palavras de Cristo, é a verdade que nos torna livres (cfr. Jn 8,32).

Estou contente por saber que o final desta viagem africana significa para vós tornar a casa, para o seio das vossas famílias, para a unidade e a liberdade que experimentais nos vossos lares, e para o amor que partilhais com os vossos familiares. Dizei aos vossos filhos que penso neles, e levai a todos as minhas saudações. Quanto a mim, o nosso encontro não terminou ainda; recordá-lo-ei na oração, pedindo que esteja sempre convosco a bênção de Deus Todo-Poderoso. Obrigado uma vez mais.



PEREGRINAÇÃO APOSTÓLICA DO SANTO PADRE À ÁFRICA

ENTREVISTA CONCEDIDA PELO SANTO PADRE

AO «L'OSSERVATORE ROMANO»


E À RÁDIO VATICANO DURANTE


O VOO DE REGRESSO DA ÁFRICA


12 de Maio de 1980



PERGUNTA: Santidade, qual é a impressão mais viva que lhe permenece na mente e no coração, ao terminar esta peregrinação africana?

PAPA JOÃO PAULO II: Penso que é sobretudo a impressão de um encontro, se se considera esta palavra no seu significado total. Encontro quer dizer estar juntos, que as duas partes, as duas pessoas querem encontrar-se, querem e desejam isto. E para mim a impressão fundamental é esta, porque desejei vivamente aproximar-me o mais breve possível daquele continente, daqueles Países, daquela Igreja e daquela cristandade, e vi que havia o mesmo desejo da outra parte, que os diversos Países e as diversas Igrejas desejavam a mesma coisa. E assim, vivemos a plenitude deste encontro sobretudo no sentido existencial. Talvez também para mim seja difícil determinar o que significa para eles a pessoa do Papa, a pessoa do Bispo de Roma, sucessor de Pedro. Mas talvez seja algo diferente do significado que lhe damos nós europeus, mesmo cristãos; menos abstracta, talvez, menos teológico mas muito profundo no sentido afectivo. Sentido afectivo quer dizer para eles sentido existencial. Eles vivem com o coração, como vivem também com o seu corpo, vivem o seu génio africano, vivem, exprimem-se com o coração, na sinceridade, na total manifestação. E neste sentido a minha impressão geral é impressão de um encontro.

PERGUNTA: Crê que a resposta dada pela África aos seus gestos e às suas palavras, demonstre a plena maturidade do Continente para o contributo que pode dar à Igreja universal?

PAPA JOÃO PAULO II: Certamente existe maturidade. Naturalmente, a maturidade é sempre relativa; aquela maturidade quer dizer ao mesmo tempo juventude. Eles são jovens, jovens também na fé e na sua cristandade. As nossas tradições cristãs, as nossas histórias, também a história do meu povo, são milenárias; pelo contrário, no Gana e no Zaire a Igreja tem 100 anos, noutros Países até menos. São jovens. Portanto, existe a maturidade de um jovem. Outra é a maturidade de quem é já ancião, de um velho. Lembro-me das palavras que ouvi a D. Tchidimbo quando lhe falei pela primeira vez após a sua libertação. Disse-me assim: "Estou convicto de que a Igreja em África é agora bastante adulta para enfrentar todas as provas possíveis". Penso que isto se deva considerar como um aspecto essencial da sua maturidade. Mas, sobretudo, esta maturidade é maturidade de juventude, de alegria, de força, de serem eles mesmos, de se se encontrarem nesta Igreja como sua Igreja. Não é Igreja importada de fora, é a sua Igreja, a Igreja vivida autêntica e africanamente; todos nós vimos, sentimos e observámos isto; e também experimentámos grande alegria por esta africanidade, porque uma Igreja que fosse algo de importado, de estranho e não próprio, não seria ainda uma Igreja autêntica e autenticamente madura.

PERGUNTA: Qual foi o momento mais significativo, que pode recordar como o mais significativo de tantos dias e encontros tão diferentes?

PAPA JOÃO PAULO II: Direi que não houve um momento que não fosse significativo. Todos foram significativos, cada um a seu modo, no seu género: esta é a resposta à pergunta. Posso dizer que houve momentos que me sensibilizaram mais. Algumas vezes foram momentos brevíssimos. Por exemplo, quando o Rei dos Ashantes me disse, no colóquio: "Foi o meu predecessor que recebeu aqui pela primeira vez os missionários da Igreja". E disse com alegria: "We welcome the first priests, the first missionaries in our country". Foi um momento muito significativo, porque exigia um testemunho: o testemunho do centenário da evangelização, a tradição ainda viva dos que se encontravam lá no momento em que chegaram os primeiros missionários, a recordação de como os tinham recebido e de como os tinham tratado. Outro momento, que ficou gravado profundamente no meu coração e na minha memória, foi o encontro com as Religiosas carmelitas zairesas no seu convento. Foi um encontro muito bonito e muito autêntico. E depois, foi significativo por ter sido o único encontro banhado pela chuva, e verdadeiramente parecia que a chuva tinha esperado aquele momento, o encontro do Papa com as Religiosas, para agir com toda a sua força e as molhar a todas. Houve muitos outros momentos semelhantes, mas recordei apenas estes como exemplo. Mas a verdadeira resposta a esta pergunta é que não houve momento que não fosse significativo. Todos foram cheios de significado.

PERGUNTA: Os africanos saudaram e acolheram Vossa Santidade como um peregrino de paz. Pensa que haja condições para poder esperar verdadeiramente. num futuro de paz para este continente?

PAPA JOÃO PAULO II: Direi que sim: eles têm grande necessidade de paz, uma grande necessidade. Eles falam disto e exprimem-no, rezam pela paz. Se pudessem tornar-se, no futuro, senhores do próprio destino e das próprias situações, estou certo que teriam a paz. Terão a paz. Porque agora vêem tantos e tantos problemas a serem resolvidos, para o que a paz é indispensável. Vêem tudo. Nada ganhariam com a guerra e com a luta. E depois, parece-me que são, por sua natureza, pacíficos nos seus propósitos. Têm o sentido de comunidade e o espírito de solidariedade no interior da própria família e da própria tribo, e também, direi, da própria nação, mesmo se esta é uma realidade ainda não bem determinada, mas que começa a sê-lo. Eles não quereriam a guerra, porque amam a vida e a família e porque consideram a paz como a condição fundamental para construir o próprio futuro. Depende de outros o não impor a guerra: envolvê-los numa guerra seria verdadeiramente um desastre para este jovem continente, para estes jovens povos, para as jovens estruturas politicas destes Jovens Estados. Penso que é muito grande a responsabilidade sobretudo do mundo ocidental e das grandes potências.

PERGUNTA: Sua Santidade chamou a atenção do mundo inteiro sobre o continente africano: então, qual seria a mensagem à cristandade do Ocidente em relação ao que deve ser feito em favor da África?

PAPA JOÃO PAULO II: Penso que é um ponto sobre o qual se deve reflectir. Pode-se dizer que tudo o que disse até agora durante esta viagem, durante esta peregrinação, foi ao mesmo tempo uma mensagem a toda a Igreja, também à Igreja da Europa e não só da Europa, à vida da cristandade do mundo inteiro, no que diz respeito a África. Deve-se absolutamente repensar em toda esta experiência e nos seus diversos elementos para os exprimir nesta perspectiva exacta, ou seja como dirigidos à vida de toda a cristandade. Em todo o caso, se devo dizer algo "à primeira vista", parece-me que a Igreja na África é ainda uma "Igreja em estado de missão, uma Igreja missionária, uma Igreja em estado de implantação e de crescimento, uma Igreja que deve ser ajudada, mas da qual, se deve também procurar aprender: e em diversos campos ela tem muito a ensinar-nos, porque os Africanos estão já perfeitamente conscientes de ser cristãos, de ser Igreja e de viver como Igreja a própria vida, a própria realidade humana, e evidentemente cristã. Sobre este ponto, devemos estar muito atentos a não destruir nada, até mesmo ajudando-os, e sobretudo estar atentos a considerá-los Igrejas irmãs, Igrejas irmãs na África. Elas têm ainda grande necessidade de "missionários e de missionárias autênticos, que permaneçam na linha doutrinal e pastoral exigida pela sua própria situação. Elas recebem-nos e recebê-los-ão sempre com muita amizade e com muito entusiasmo. Mas penso que é já o momento de começarmos a reflectir sobre como receber, isto é, como receber os dons de que elas são portadoras, porque já trazem um dom, ou melhor dizendo, muitos dons: Eis qual pode ser, mais ou menos, a minha resposta à sua pergunta.



PEREGRINAÇÃO APOSTÓLICA DO SANTO PADRE À ÁFRICA

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

NA CHEGADA A ROMA


Segunda-feira, 12 de Maio de 1980



Laus Deo!

Esta breve palavra, que me vem espontaneamente aos lábios depois da minha viagem ao Continente Africano, quer interpretar o profundo sentimento de gratidão e de glória ao Senhor, que sinto agora no meu espírito, repensando nos múltiplos encontros, nos comoventes espectáculos de fé e nas singulares experiências pastorais por mim vividas quotidianamente no embora breve período de dez dias. Devo, na verdade, agradecer de todo o coração ao Senhor que, uma vez mais, me concedeu o modo de conhecer de perto porções eleitas da sua Igreja indivisa, levando aos caríssimos Irmãos e Filhos que habitam nas Terras por mim visitadas o conforto que lhes devo dar em virtude do mandato recebido de Cristo (cfr. Lc 22,32, Confirma fratres tuos!). Por minha vez — segundo a admirável lei de permuta, intrínseca à comunhão eclesial — eu próprio colhi dela motivos de conforto para o meu ministério.

Pude saborear, de facto, uma alegria imensa ao levar àquelas populações a Palavra de Deus, como o fizeram, cem anos atrás, os Missionários; e esta alegria foi acrescida pelo facto de ter podido notar a maturidade que atingiram já aquelas Igrejas, apesar da sua fundação relativamente recente. O seu testemunho de fé e o seu amor por toda a Igreja de Cristo, espalhada pelo mundo, deram-me um profundo conforto. Não posso calar a impressão profunda que senti ao verificar a vitalidade daquele Continente que conserva intactos não poucos valores morais fundamentais, como sejam os da hospitalidade, da família, do sentido comunitário e da vida como dom inestimável, à qual se reserva sempre um acolhimento generoso e alegre.

Quando, na Audiência Geral do passado dia 26 de Março, dei a comunicação oficial da viagem, que agora felizmente se conclui, quis pôr em relevo o seu carácter apostólico, e disse que apenas movia os meus passos a intenção de corresponder à minha missão de Pastor. Em concordância com tal anúncio, posso agora afirmar que foi assim, verdadeiramente, a minha visita: aproximei-me de muitas almas; pude dar-me conta das condições de vida de muitas populações; pude constatar com viva satisfação — baseado num teste, eu diria bastante vasto e representativo — o magnífico trabalho que se fez no passado e que se continua a fazer ainda agora pelo incremento do Reino de Deus. A África é intimamente alimentada pelo Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo, está consagrada à glória do seu Nome e aberta ao sopro do seu Espírito. Laus Deo!

O meu agradecimento dirige-se, depois, a todos aqueles que, em cada um dos países que visitei, presdipuseram, com refinada delicadeza, o mais adequado e cuidadoso acolhimento. Quero, portanto, mencionar todas as Autoridades civis e religiosas daqueles Países e, em particular, os Irmãos Bispos, dos quais admirei quer a actividade individual quer o trabalho colegial no seio das Conferências Episcopais, os Sacerdotes e os Religiosos, os Missionários e Missionárias, os expoentes e os membros dos Movimentos católicos laicais, as famílias cristãs e todos os fiéis. O que eles fizeram por mim, o que, com os seus gestos, com as suas palavras e com as suas atenções me demonstraram, não se apagará da minha memória como sinal e estímulo de sincero reconhecimento. A África tem um grande futuro diante de si; o meu desejo em relação a esse grande Continente é que saiba prosseguir, com afirmações crescentes, o caminho nas vias da paz, do trabalho e da solidariedade interna e internacional.

Devo, por fim, agradecer a cada um de vós aqui presentes. Senhor Primeiro-Ministro, estou-lhe muito reconhecido pelas palavras deferentes que me dirigiu. no momento em que voltei a pisar o amado e sempre hospitaleiro solo da Itália. E a vós, Irmãos Cardeais e Bispos, Excelentíssimos Embaixadores dos Países acreditados junto da Santa Sé, Senhor Presidente da Câmara Municipal de Roma, quero dizer que considero a vossa vinda aqui como uma adesão cordial à iniciativa da minha viagem, e às suas finalidades; sei que rezastes pelo seu bom êxito. Por isso, tenho mais de uma razão para vos agradecer publicamente, e para vos convidar a dirigirdes comigo um sentimento semelhante Aquele que é o generoso dador de todo o bem e que é o único que pode dar o incremento necessário aos empreendimentos humanos (1Co 3,6-7). Laus Deo!



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


À SUA SANTIDADE MAR IGNATIUS YACOUB III,


PATRIARCA SIRO-ORTODOXO DE ANTIOQUIA


Quarta-feira, 14 de Maio de 1980



Santidade
Caros Irmãos em Cristo

Com alegria no Senhor saúdo-vos e apresento-vos boas-vindas. É-me grato receber o supremo Pastor e os distintos representantes de uma Igreja que encontra as suas raízes na comunidade apostólica de Antioquia, onde os seguidores do Senhor Jesus ressuscitado começaram a receber o glorioso nome de cristãos (cfr. Ac 11,26).

O nosso amor desse mesmo Senhor Ressuscitado, a nossa devoção a essa fé apostólica e o testemunho cristão recebido dos nossos Pais é o que torna o nosso encontro de hoje tão cheio de significado. Juntos repetimos as palavras inspiradas de Pedro: "Tu és o Cristo, o Filho de Deus vivo" (Mt 16,16). Juntos confessamos o mistério da Palavra de Deus, feito homem para a nossa salvação, que é a imagem do Deus invisível, o primogénito de todas as criaturas (cfr. Col 1,15), no qual aprouve ao Pai restabelecer todas as coisas (cfr. Ep 1,10). Este é o Senhor que nós proclamamos; este é o Senhor cujo Espírito nos impele a buscar, com zelo cada vez maior, a plenitude de comunhão com todos os outros.

Pelo Baptismo nós somos uma coisa. só no Senhor Jesus Cristo. O Sacerdócio e a Eucaristia de que participamos por sucessão apostólica, torna-nos ainda mais unidos. O mundo, em que vivemos e pelo qual se entregou Cristo a Si mesmo como resgate por muitos, precisa do testemunho cristão para se tornar capaz de ouvir melhor a Sua palavra e corresponder à Sua mensagem de amor e reconciliação.

Sim, a Sua palavra é uma mensagem, ou melhor um apelo urgente à reconciliação entre aqueles que usam o Seu nome. Por séculos vivemos separados uns dos outros; incompreensão e desconfiança caracterizaram muitas vezes as nossas relações. Por graça de Deus estamos procurando ultrapassar esse passado.

Há nove anos, Vossa Santidade e o meu venerado predecessor Paulo VI encontraram-se neste mesmo lugar para dar claro testemunho de mútua dedicação a esta tarefa da reconciliação cristã. Nessa altura reconhecestes que, embora através dos séculos tenham surgido dificuldades por causa das diferentes expressões teológicas que foram usadas para exprimir a nossa fé na Palavra de Deus encarnado e feito realmente homem, a fé que nós desejamos proclamar é a mesma. Em palavras, que foram ao mesmo tempo animadoras e proféticas, dissestes juntos: "O período de recriminação mútua e de condenação cedeu o lugar à boa-vontade de nos encontrarmos em sinceros esforços, para esclarecer e possivelmente remover o fardo da história que ainda oprime pesadamente os cristãos" (cfr. Declaração comum de 27 de Outubro de 1971).

Estas palavras não ficaram em simples termos de boas intenções. Nas reuniões preliminares dos encontros "Pro Oriente", entre representantes das Igrejas Católica e Oriental Ortodoxa, buscaram e procuraram teólogos de ambas as nossas Igrejas resolver questões que ainda causam alguma diferença entre nós e impedem a plena comunhão canónica e eucarística. Alguns dos distintos bispos, hoje presentes, tomaram parte activa nestas conversações. Estamos agradecidos a Deus e a todos estes homens dedicados, pelo real progresso que tem sido feito.

Quanto ao cuidado pastoral dos emigrantes cristãos, houve frutuosa cooperação para o serviço desinteressado em favor daqueles que, à procura de melhoria das condições materiais de vida, sentem profunda necessidade de auxílio espiritual nos seus novos ambientes. Gostaria também de expressar o meu apreço pessoal pelos delegados que Vossa Santidade enviou quando da minha eleição para Bispo de Roma.

Assim como nós reconhecemos humildemente as bênçãos de Deus sobre os nossos esforços, especialmente durante os passados nove anos, assim também temos confiança que, se nos mantivermos abertos às inspirações do Espírito, Deus continuará a favorecer-nos com a Sua bênção.

Santidade, encontramo-nos logo a seguir ao meu regresso de uma intensa peregrinação pela África, peregrinação cheia de muitas experiências preciosas. Não é esta a oportunidade para fazer extensos comentários sobre estas experiências. Uma coisa é clara, todavia. Estou mais que nunca convencido que o mundo em que vivemos tem fome e sede de Deus, ansiedade que só em Cristo pode ser satisfeita. Como Pastores de Igrejas que participam das tradições apostólicas, somos chamados de maneira especial a prosseguir na missão apostólica de levar Cristo e os Seus dons de salvação e amor , à nossa geração. A nossa desunião é obstáculo para desempenhar esta missão. A nossa desunião abafa a voz do Espírito que está a procurar falar à humanidade por meio das nossas vozes. Mas o nosso encontro de hoje é sinal do nosso renovado desejo de mais nos harmonizarmos com aquilo que o Espírito está dizendo às Igrejas. Animados com o que o Senhor já realizou em nós e por meio de nós, olhamos para a frente com esperança no futuro, não minimizando as dificuldades mas colocando a nossa firme confiança n'Aquele que disse "Eu renovo todas as coisas" (Ap 21,5).



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AO SENHOR GENERAL ANTÓNIO RAMALHO EANES


PRESIDENTE DA REPÚBLICA DE PORTUGAL


Sexta-feira, 16 de Maio de 1980



Senhor Presidente,

O singular momento desta visita oficial, encontro com Portugal, suscita no meu ânimo grande complacência. Ao saudar e agradecer a Vossa Excelência, assim como às ilustres Personalidades do Séquito que o acompanha, desejo saudar cordialmente todo o Povo português, que aqui sinto bem presente nesta hora.

Faço-o com a maior estima, dadas as excelentes relações entre a Santa Sé e o seu País, mantidas e cimentadas ao longo de oito séculos, como se evocou, com alegria e louvores a Deus, há um ano atrás, quando da comemoração - em que tive o gosto de participar - do oitavo centenário do reconhecimento do Reino de Portugal pelo meu predecessor, o Papa Alexandre III.

Com tais relações, respeitadoras da mútua independência e bem apoiadas nos vigentes compromissos concordatários, a Igreja não busca privilégios, mas o suficiente espaço de liberdade para desempenhar a sua missão, no campo religioso, com leal colaboração, embora indirecta, para o bem comum, ao serviço do homem, na plena verdade da sua existência, do seu ser pessoal e, ao mesmo tempo, do seu ser comunitário social, situado em numerosos ligames, contactos, situações e estruturas que o unem a outros homens.

Ao motivo das boas relações, junta-se um outro a determinar a alegria por este encontro: o facto de se tratar de um Povo cuja maioria professa a religião católica, com um glorioso passado, de devotamento à causa de Cristo e da Igreja e de benemérita acção evangelizadora e missionária.

A história do Povo português, no entanto, não esteve isenta de momentos de tensão e de sofrimento, como é sabido. Mas no meio dessas provações, de diversa ordem, os portugueses têm sabido dar mostras de coragem e perseverança, repartidas entre uma conhecida capacidade de aguentar, numa certa rotina, e uma ousadia, não raro aparentemente aventurosa, na luta por singrar na vida e na história.

Desejo ardentemente que tais qualidades, temperadas no cadinho da história e na luz de uma fé viva e, graças a Deus, conservada, levem filhos de Portugal a superar presentes dificuldades. A complexidade dos problemas em aberto - económicos, políticos e sociais - a emergirem de situações e processos novos, uns peculiares, e outros comuns a muitos povos, não hão-de provocar desânimos, até porque, nesse sentido, está Portugal alertado pelo seu Épico: para nunca se deixar cair “na rudeza duma austera, apagada e vil tristeza”.

Deste modo, ao nobre gesto de homenagem, qual é a presente visita, desejo corresponder rendendo preito às nobres tradições humanas e cristãs e aos peculiares dotes do Povo português, que soube escolher e cultivar uma relação de amor para com o Sucessor de São Pedro, garantia da sua fé, que com tanto merecimento conservou e difundiu, com a ajuda de Deus e sob o patrocínio de Nossa Senhora, sua Padroeira.

Oxalá que, com tais tradições e dotes, no cenário da vida interna portuguesa resplandeçam sempre a justiça e a equidade: no respeito pela vida, em todos os seus momentos, e pelos ineludíveis direitos de toda a pessoa humana; e, dentro de respeito dos direitos da pessoa e de acordo com a índole do Povo, na atenção e solidariedade para com os menos favorecidos e carecidos de ajuda, com empenho de todos para que desapareçam grandes desigualdades económicas, que consigo trazem discriminações individuais e sociais.

E queira Deus se cultivem constantemente os lídimos valores culturais, espirituais e morais, património comum, de alguma maneira, a assegurar e a promover sempre. E isso, começando pelos sectores vitais para a comunidade, como sejam: a família, a infância e a juventude, a instrução e a assistência.

Nestes sectores e manifestações da vida humana, como nos outros, surgem multíplices solicitações, a que se há de responder em conformidade com as exigências da justiça, da liberdade e da comum solidariedade; por tais solicitações também a Igreja se sente interpelada, em virtude da dimensão de serviço do homem da sua missão.

Hoje, Portugal mantém um lugar de honra no concerto dos Povos, com presença e participação nas instituições internacionais e nas organizações de carácter mundial. Isso constitui penhor de continuidade histórica e demonstra sentido de co-responsabilidade no bem da comunidade internacional e no seu estar no mundo.

Nesta grata e solene ocasião, de confirmar toda a estima e interesse pelo bem do seu País, da parte da Sé Apostólica, renovo os melhores votos de seguro progresso, comungado bem-estar e crescentes prosperidades, em paz serena e concórdia de todos os portugueses, no construir um Portugal cada vez mais humano e fraterno, em que cada um dos seus filhos, à luz de Cristo, se possa sentir homem, na sua plena verdade, a viver na história comum a própria história pessoal.

Destes meus votos cordiais faço prece, pelo valimento de Maria Santíssima, para que o Altíssimo proteja sempre o querido Povo português e assista os seus Governantes na sua árdua tarefa, de servir o bem comum para o homem. Com a minha Bênção Apostólica!




Discursos João Paulo II 1980 - Abidjão, Costa do Marfim, 12 de Maio de 1980