
Discursos João Paulo II 1981 - Quinta-feira, 29 de Janeiro de 1981
Senhor Embaixador!
À vontade de Portugal, de querer prosseguir a aceitar e favorecer a colaboração que é própria da Igreja, no desempenho da sua missão específica, para se criarem as melhores condições de respeito e afirmação da dignidade de cada pessoa humana, corresponde da parte da mesma Igreja – fiel a si mesma, ao homem e ao seu Senhor, Jesus Cristo –toda a boa vontade para servir a grande causa do Homem.
Com os meus sinceros votos de todo o bem e prosperidades, imploro para a sua nobre Nação e para todos os Portugueses, onde quer que se encontrem, ao mesmo tempo que para Vossa Excelência, as mais copiosas bênçãos de Deus.
Venerados Irmãos e ilustres Senhores!
É para mim motivo de grande alegria na audiência de hoje receber-Vos, Representantes da Comissão Nacional para as Celebrações do XV centenário do nascimento de São Bento Abade e de Sua Irmã Santa Escolástica, ao término do ano jubilar, que vos viu empenhados na tarefa nobre de cuidar da digna celebração do significativo acontecimento.
Agradeço-vos sinceramente esta visita; de modo especial, exprimo o meu caloroso agradecimento ao Deputado Rolando Picchioni, Presidente da Comissão, o qual, interpretando também os vossos sentimentos, me dirigiu palavras tão gentis.
1. A vossa presença reaviva na minha mente e no meu coração as piedosas assembleias de fé e de oração e os encontros com todos aqueles fiéis, sobretudo com os jovens, que pude ver durante as minhas peregrinações aos lugares consagrados pela presença e pela passagem do grande Patriarca do Ocidente: em Núrsia, sua cidade natal; em Monte Cassino, Casa-Mãe do Monaquismo beneditino; em Subiaco, onde o Santo passou a maior parte da sua vida eremítica e cenobítica.
Em grande parte, o mérito do êxito destas manifestações é atribuído também ao diligente trabalho desta Comissão, que, coordenando as actividades das várias Repartições do Governo, das Academias nacionais e de qualificados Centros culturais, a diverso título interessados no acontecimento, trouxe um notável contributo para um conhecimento melhor da mensagem espiritual e social, que o Santo nos deixou como recomendação.
Enquadram-se neste contexto a promoção de oportunas e louváveis iniciativas, como a restauração de monumentos beneditinos em Subiaco e em Monte Cassino; a transmissão, por parte da Rádio e da Televisão Italiana, de apropriados programas; a organização de encontros, de conferências e de debates, e mesas-redondas a nível tanto científico como de divulgação; e uma apreciável emissão filatélica, que honra as artísticas e religiosas tradições italianas. E tudo isto, graças também aos bons serviços dos meios da Comunicação Social, que o Ministério do Turismo e do Espectáculo, aqui dignamente representado, colocou em acção.
2. Mas agora que o ano beneditino terminou, desejo exprimir os meus votos por que todos estes esforços, destinados essencialmente à necessária animação cristã da sociedade — o que constituiu a preocupação constante de São Bento — não terminem aqui, mas que tudo quanto fizestes vos sirva de estimulo a iniciativas sempre novas, dirigidas para dignificar a civilização cristã. É verdade que se conclui uma ocorrência singular, mas os ideais que ela recordou e proclamou devem perdurar e ser aprofundados em todos os seus aspectos, tanto mais que vivemos num momento histórico, em que se sente, mais que nunca, a urgente necessidade de um retorno aos insubstituíveis valores da espiritualidade, da unidade e da paz: ideais estes nos quais se concentra todo o admirável conteúdo daquele áureo livrinho, que é a Regra de São Bento.Por isso ele tem muito a dizer e a dar aos homens de hoje. De modo particular, o futuro da Europa dependerá de como ela souber continuar a assimilar e a interiorizar o espírito beneditino, que um tempo soube forjá-la e uni-la com a Cruz e com o Arado, e com o relativo lema simbólico: "Ora et Labora". Tudo isto permanece sempre fundamental para a construção da sociedade. E é fermento animador também, e sobretudo, no actual esforço pela unificação da Europa, hoje tão desejada.
3. A todos vós é conhecido com que satisfação foi saudado o ingresso da Grécia no âmbito do Mercado Comum Europeu: é um facto importante não só pelos seus aspectos económicos e sociais, mas também por aqueles religiosos e culturais, porque a cultura grega, ao lado daquela romana, forma a outra pilastra da alma europeia. A este propósito, ao encerrar-se o ano de São Bento, que veneramos como Patrono da Europa, quis colocar ao seu lado, como Co-Patronos deste antigo continente, os Santos Cirilo e Metódio que, naturais de Tessalonica, "põem em realce, primeiro o contributo da antiga cultura grega, e em seguida o alcance da irradiação da Igreja de Constantinopla e da tradição oriental, inscrevendo-se esta profundamente na espiritualidade de tantos Povos e Nações na parte oriental do Continente europeu" (Carta Apostólica Egregiae virtutis, 3).
Os dois Irmãos, Apóstolos dos povos eslavos, nos ajudem a entender as exigências das nações eslavas, que formam tão grande parte da Europa e aspiram, também elas, a começar a participar no concerto das famílias europeias.
4. Quanto a Vós, caríssimos Irmãos, peço ao Senhor para que permaneçam nos vossos corações a satisfação pelo trabalho realizado e o conhecimento dos frutos, que dele surgirão durante este ano. Oxalá tais benefícios possam multiplicar-se e crescer viçosos, nesta nossa querida Europa cristã.
Estes são os votos que faço com grande afecto a cada um de vós e aos que vos são caros, e que, em penhor das mais amplas recompensas celestes, confirmo de bom grado com a minha Bênção Apostólica.
Senhor Decano,
Caros Prelados e Oficiais da Sagrada Rota Romana!
1. Sinto-me feliz por me poder encontrar hoje convosco, por ocasião da inauguração do novo ano judiciário deste Tribunal. Agradeço vivamente ao Decano as nobres palavras que me dirigiu e os sábios propósitos metodológicos formulados. Todos vós saúdo com paternal afecto, ao mesmo tempo que exprimo o meu sentido apreço pelo vosso trabalho, tão delicado e também tão necessário, que é parte integrante e qualificada da missão pastoral da Igreja.
A competência específica da Sagrada Rota Romana sobre as causas matrimoniais está muito ligada ao tema tão actual da família, que foi objecto de estudo por parte do recente Sínodo dos Bispos. Pois bem, é sobre a tutela jurídica da família na actividade judiciária dos Tribunais eclesiásticos que agora me proponho falar-vos.
2. Com profundo espírito evangélico, o Concílio Ecuménico Vaticano II habituou-nos a olhar para o homem, a fim de o conhecermos em todos os seus problemas e o ajudarmos a resolver os que são vitais com a luz da verdade que nos foi revelada por Cristo e com a graça que nos oferecem os divinos mistérios da salvação.
Entre os que hoje mais afligem o coração do homem, e por conseguinte o ambiente humano, quer familiar quer social, em que ele vive e trabalha, deve ser incluído como proeminente e inderrogável o problema do amor conjugal, que liga dois seres humanos de sexo diferente, fazendo deles uma comunidade de vida e de amor, isto é unindo-os em matrimónio.
Do matrimónio tem origem a família a qual "é — acentua o Vaticano II — ponto de encontro de várias gerações que mutuamente se ajudam a adquirir maior sabedoria e a humanizar os direitos das pessoas com as restantes exigências da vida social"; e é assim que a família "constitui verdadeiramente o fundamento da sociedade". Na verdade, acrescenta o Concílio, "o bem-estar da pessoa e da sociedade humana e cristã está estreitamente ligado à prosperidade da comunidade conjugal e familiar". Mas com o mesmo Concílio devemos reconhecer que "a dignidade desta instituição não tem em toda a parte o mesmo esplendor, por ser empanada pela poligamia, pela epidemia do divórcio, pelo chamado amor livre e por outras deformações; além disso, o amor conjugal é demasiadas vezes profanado pelo egoísmo, pelo hedonismo e outras práticas ilícitas contra a geração" (Gaudium et Spes GS 47), Devido também às graves dificuldades que, às vezes violentamente, nascem das profundas transformações da sociedade hodierna, a instituição matrimonial revela o seu valor insubstituível e a família continua ainda a ser a "escola do mais rico humanismo" (ibid., 52).
Perante os graves males que hoje afligem quase em toda a parte este grande bem, que é a família, foi também sugerida a elaboração de uma Carta dos direitos da família, reconhecida universalmente, a fim de assegurar a esta instituição a justa tutela, no interesse também de toda a sociedade.
3. A Igreja, por sua vez e no âmbito da sua competência, sempre procurou tutelar a família também com legislação apropriada, além de a favorecer e ajudar com várias iniciativas pastorais. Já citei o recente Sínodo dos Bispos. Mas é bem sabido que, desde os inícios do seu magistério, a Igreja, confortada pelas palavras do Evangelho (cf. Mt Mt 19,5 Mt 5,32), sempre ensinou e afirmou explicitamente o mandamento de Jesus sobre a unidade e indissolubilidade do matrimónio, sem o que não pode haver uma família estável, sã e verdadeira célula vital da sociedade. Contra a praxe greco-romana e judaica, que facilitava bastante o divórcio, já o apóstolo declarava: "mando aos casados — não eu mas o Senhor — que a mulher se não separe do marido (...) e que o marido não repudie a mulher" (1Co 7,10-11). Segui a pregação dos Padres, os quais, perante o alastrar-se dos divórcios, afirmavam com insistência que o matrimónio, por vontade divina, é indissolúvel.
O respeito, portanto, das leis queridas por Deus para o encontro entre o homem e a mulher e para a união deles perdurar, foi o elemento novo que o Cristianismo introduziu na instituição matrimonial. O matrimónio — dirá depois o Vaticano II — enquanto "íntima comunidade conjugal de vida e amor foi fundado e dotado de leis próprias pelo Criador; baseia-se na aliança dos cônjuges, ou seja, no seu irrevogável consentimento pessoal. Uma instituição que a lei divina confirma, nasce assim, mesmo em face da sociedade, do acto humano pelo qual os esposos se entregam e recebem mutuamente" (Gaudium et Spes GS 48).
Esta doutrina guiou imediatamente a pastoral, o comportamento dos cônjuges cristãos, a ética matrimonial e a disciplina jurídica. E a acção catequético-pastoral da Igreja, apoiada e corroborada pelo testemunho das famílias cristãs, introduziu modificações até mesmo na legislação romana, que no tempo de Justiniano não admitia já o divórcio sine causa e ia aceitando gradualmente a instituição matrimonial cristã. Foi uma grande conquista para a sociedade, porque a Igreja, restituindo dignidade à mulher e às núpcias, mediante a família contribuiu para salvar o melhor da cultura greco-romana.
4. No actual contexto social repropõe-se hoje à Igreja o primitivo esforço, doutrinal e pastoral, de comportamento e praxe, e também legislativo e judiciário.
O bem da pessoa humana e da família, em que o indivíduo realiza grande parte da sua dignidade, além do bem da própria sociedade, exigem que a Igreja hoje, ainda mais que no passado recente, circunde de tutela especial a instituição matrimonial e familiar.
Quase vão poderia vir a ser o esforço pastoral, solicitado também pelo último Sínodo dos Bispos, se não fosse acompanhado por acção legislativa e judiciária correspondente. Para auxílio de todos os Pastores podemos dizer que a nova codificação canónica está a providenciar com sábias normas jurídicas a traduzir o que emergiu do último Concílio Ecuménico em favor do matrimônio e da família. As palavras ouvidas no recente Sínodo dos Bispos sobre o alarmante aumento das causas matrimoniais nos tribunais eclesiásticos serão certamente tidas em consideração durante a revisão do Código de Direito Canónico. Estamos igualmente certos que os Pastores, também como resposta às instâncias do mencionado Sínodo, saberão com aumentado compromisso pastoral, favorecer a preparação adequada dos nubentes para a celebração do matrimónio. A estabilidade do vínculo conjugal e a feliz subsistência da comunidade familiar dependem, de facto, não pouco da preparação que os noivos fizeram antes do próprio matrimónio. Mas é ainda verdade que a mesma preparação para o matrimónio viria a ser influenciada negativamente pelos pronunciamentos ou sentenças de nulidade matrimonial, quando estes fossem obtidos com demasiada facilidade. Se entre os males do divórcio existe também o de tornar menos séria e empenhativa a celebração do matrimónio, até ao ponto de hoje esta ter perdido, em não poucos jovens, a devida consideração, é para recear que na mesma perspectiva existencial e psicológica encaminhassem também as sentenças de declaração de nulidade matrimonial, se aumentassem com pronunciamentos fáceis e precipitados.
"É ali que o juiz eclesiástico — advertia já o meu venerado Predecessor Pio XII —não deve mostrar-se fácil a declarar a nulidade do matrimónio, mas deve antes prodigar-se primeiro que tudo para fazer que seja, válido o que foi contraído invalidamente, sobretudo quando as circunstâncias do caso o aconselharem de modo particular". E como explicação desta, advertência dizia: "Quanto às declarações de nulidade dos matrimónios ninguém ignora que a Igreja é cauta a facilitá-las. Se de facto a tranquilidade, a estabilidade e a segurança do comércio humano em geral exigem que os contratos não sejam declarados nulos irreflectidamente, isto vale ainda mais para um contrato de tanta importância, como é o matrimónio, cuja solidez e estabilidade são requeridas pelo bem comum da sociedade humana e pelo bem particular dos cônjuges e da prole, e cuja dignidade de Sacramento proíbe que aquilo que é sagrado e sacramental seja insensatamente exposto ao perigo de profanação" (Discurso à Sagrada Rota Romana, 3 de Outubro de 1941, AAS 1941, PP 223-224). Para afastar este perigo, está a contribuir louvavelmente o Supremo Tribunal da Assinatura Apostólica com a sua sábia e prudente obra de vigilância. Igualmente válida, considero a acção judiciária do Tribunal da Sagrada Rota Romana. A vigilância do primeiro e à sã, jurisprudência do segundo, deve corresponder o trabalho igualmente sábio e responsável dos tribunais inferiores.
5. Para a necessária tutela da família contribuem em não pequena medida a atenção e a pronta disponibilidade dos tribunais diocesanos e regionais em seguir as directrizes da Santa Sé, a constante jurisprudência rotal e a fiel aplicação das normas, quer substanciais quer processuais já codificadas, sem recorrer a supostas ou prováveis inovações, a interpretações que não têm objectiva confirmação na norma canónica e que não são sufragadas por nenhuma jurisprudência qualificada. É de facto temerária toda a inovação de direito, quer substancial quer processual, que não encontre confirmação alguma na jurisprudência ou nas praxes dos tribunais e dicastérios da Santa Sé. Devemos estar persuadidos que um exame sereno, atento, meditado, completo e exauriente das causas matrimoniais exige a plena conformidade com a recta doutrina da Igreja, com o direito canónico e com a sã jurisprudência canónica, que foi maturando sobretudo mediante o contributo da Sagrada Rota Romana; tudo isto deve ser considerado, como vos dizia Paulo VI de venerada memória, "meio apto" e "como um par de linhas por onde se corre, que tem por eixo precisamente a busca da verdade objectiva e por ponto terminal a recta administração da justiça" (Paulo VI, Discurso à Rota Romana, 28 de Janeiro de 1978, L'Oss. Rom , Rm 4).
Nesta busca, todos os ministros do tribunal eclesiástico cada um com o devido respeito tanto à própria missão como à dos outros devem dar atenção particular, constante e conscienciosa, à formação do livre e válido consenso matrimonial, sempre unida à solicitude, igualmente constante e conscienciosa, pela tutela do Sacramento do matrimónio. Para chegar ao conhecimento da verdade objectiva, isto é da existência do vinculo matrimonial, validamente contraído, ou da sua inexistência, contribuem quer a atenção aos problemas da pessoa quer a atenção às leis que, seja por direito natural seja por direito divino, ou positivo da Igreja, estão na base da válida celebração das núpcias e do perdurar do matrimónio. A justiça canónica, que, segundo a bela expressão de São Gregório Magno, mais significativamente denominamos sacerdotal, emerge do conjunto de todas as provas processuais, avaliadas conscienciosamente à luz da doutrina e do direito da Igreja, e confortadas pela jurisprudência mais qualificada. Exige-o o bem da família, tendo presente que toda a tutela da família legítima é sempre em favor da pessoa; enquanto que a preocupação unilateral em favor do indivíduo pode acabar em prejuízo da pessoa humana mesma, além de ser nociva ao matrimónio e à família, que são bens tanto da pessoa como da sociedade. É nesta perspectiva que devem ser vistas as disposições do vigente Código sobre o matrimónio.
6. Na mensagem do Sínodo às famílias cristãs é acentuado o grande bem que a família, sobretudo a família cristã, constitui e realiza para a pessoa humana. A família "ajuda os seus membros a tornarem-se protagonistas da história da salvação e, igualmente, sinais vivos do desígnio que Deus tem sobre o mundo" (n. 8). Também a actividade judiciária, para ser actividade da Igreja, deve ter presente esta realidade — que não é só natural mas também sobrenatural — do matrimônio e da família, que tem origem no matrimónio. Natureza e graça revelam-nos, seja embora de modos e medidas diversos, um desígnio divino sobre o matrimónio e sobre a família, que deve ser sempre atendido, tutelado e, segundo as tarefas próprias a cada actividade da Igreja, ajudado, para que seja recebido o mais vastamente possível pela sociedade humana.
A Igreja, portanto, também com o seu direito e o exercício da potestas iudicialis, pode e deve salvaguardar os valores do matrimónio e da família, para promover o homem e valorizar-lhe a dignidade.
A acção judiciaria dos tribunais eclesiásticos matrimoniais, na medida da acção legislativa deverá ajudar a pessoa humana na busca da verdade objectiva e, portanto, a afirmar esta verdade, para que a pessoa mesma possa estar em condições de conhecer, viver e realizar o desígnio de amor que Deus lhe confiou.
O convite que o Vaticano II dirigiu a todos, particularmente àqueles "que têm influência sobre a sociedade e as suas diversas categorias" envolve responsavelmente, portanto, também os ministros dos tribunais eclesiásticos para as causas matrimoniais, a fim de que igualmente eles, servindo bem a verdade e administrando bem a justiça, colaborem "para o bem do matrimónio e da família" (Gaudium et Spes GS 52).
Portanto apresento-lhe, Senhor Decano, aos Prelados Auditores e aos Oficiais da Sagrada Rota Romana, os meus votos cordiais para um trabalho sereno e profícuo, realizado à luz destas considerações de hoje.
E, ao mesmo tempo que me é grato renovar os sentimentos do meu apreço pela valiosa e indefessa actividade deste Tribunal, concedo de coração a todos vós a particular Bênção Apostólica, propiciadora da assistência divina sobre a vossa delicada missão e sinal da minha constante benevolência.
1. Para que todos sejam um.
A unidade, sinal esplendente da verdadeira Igreja, é o vértice da oração sacerdotal de Cristo na Última Ceia, é o seu Testamento extremo de amor, a palavra de ordem que Ele nos deixou, antes da sua paixão: antequam pateretur.É um sinal distintivo da Igreja, que Jesus se aprestava naquele momento a fundar e remir, instituindo a Eucaristia, derramando sobre a Cruz, do coração, sangue e água (cf. Jo Jn 19,34). E sentimos repercutir-se em nós, na comunhão de afecto e de oração desta hora particular, a suprema aspiração do Salvador: Ut omnes anum sint.
Não podemos subtrair-nos ao exame de consciência a que nos submete esta palavra. Ela é a pedra-de-toque para a credibilidade do discipulado de Cristo no mundo: para que o mundo creia que Tu Me enviaste (Jn 17,21). Se não formos um, como o Pai é um em Cristo, e Cristo é um no Pai, o mundo não acreditará: passa-lhe despercebida a prova concreta do mistério da redenção, mediante a qual o Senhor fez da humanidade dispersa uma só família, um só organismo, um só corpo e um só coração. A Koinonia, de que os Actos nos falam com tanta eloquência, é sinal visível daquela unidade profunda, radicada na unidade da vicia Trinitária, que une num único vinculo compacto a Igreja católica, fundada por Jesus. A divisão põe em questão tudo isto: como disse o Vaticano II, no início do grande Decreto sobre o Ecumenismo, "a Igreja foi fundada por Cristo Senhor nosso como una e única, mas, apesar disso, muitas Comunhões cristãs se apresentam aos homens pretendendo ser a verdadeira herança de Jesus Cristo; todas com efeito se afirmam verdadeiras discípulas do Senhor, mas propõem diversas opiniões e caminham por vias diversas, como se o próprio Cristo estivesse dividido. Esta divisão não só contradiz abertamente a vontade de Cristo, mas escandaliza o mundo e prejudica a santíssima causa da pregação do Evangelho a todas as criaturas" (Unitatis Redintegratio UR 1).
Por isto estamos aqui, hoje, a rezar, todos nós da Cúria Romana, a fim de sentirmos no nosso íntimo toda a força de impetração e de súplica ao Pai, daquelas palavras que Jesus fez brotar dos lábios e do coração na noite da Eucaristia e da agonia. A noite de Quinta-Feira Santa. A noite da traição, do escândalo e da divisão: e as ovelhas do rebanho dispersar-se-ão (Mt 26,31). Mas a voz de Cristo é mais forte: Ut omnes unum sint.
2. Estas palavras repetimo-las aqui com particular fervor. Chamei-vos esta manhã, venerados Cardeais, caríssimos Irmãos no Episcopado e no Sacerdócio, e prezadíssimos membros do laicado, que me trazeis a vossa preciosa colaboração, a todos os níveis, até ao mais humilde, nos vários Dicastérios, Tribunais e Organismos da Cúria Romana. Vós sois os Colaboradores do Papa! Esta convicção torna-se ainda mais significativa nesta Capela, onde tantos dos meus Predecessores, até a quem vos fala, foram misteriosamente eleitos pelo Espírito Santo para guiar a Igreja de Roma e a Igreja Universal. Em mim vós servis aquele mesmo Pedro, a quem o Senhor confiou as chaves do Reino dos Céus (cf. Mt Mt 16,19), como o servistes nos meus imediatos Predecessores.
Como membros da Cúria, que está ao serviço directo do Papa, e que deseja fazer próprias as Suas próprias aspirações, vós estais, a título muito particular, ao serviço da humanidade. Vós tendes o privilégio de viver na "Igreja maior e conhecida de todos, fundada e constituída em Roma pelos gloriosíssimos Apóstolos Pedro e Paulo" (Adv. Haer., III, 3, 2; S, C. 211, ed. A. Rousseau e L. Dutreleau, Tom. II, Paris 1974, p. 32) como a define Santo Ireneu. Vós partilhais, amparais e dilatais o trabalho do Vigário de Cristo, Sucessor de Pedro, vós sois os primeiros a compartilhar dele; por conseguinte, repetindo o que vos disse no encontro de Junho passado: "devemos sentir-nos, todos juntos, parte viva desta Santa Igreja de Deus que está em Roma, e experimentar a nobre glória de fazer parte dela, por motivo da nossa qualificação" (cf. L'Osservatore Romano, ed. port. 20.7.80, p. 16).
Por isto a semana de orações pela unidade dos cristãos, que se tornou costume vivo de toda a Igreja, deve ver-nos, diria, no primeiro lugar na oração que todos os fiéis do mundo, todas as dioceses, todas as paróquias, todos os conventos e mosteiros, todas as comunidades eclesiais, até às estações missionárias mais distantes, estaco a dirigir nestes dias ao Senhor para que se recomponha a Koinonia de todos os crentes em Cristo. Nós com eles, com toda a Igreja; e todos eles connosco. Ut omnes unum sint.
3. O tema desta Semana de oração pela unidade diz: "Um único Espírito, diversos dons, um só corpo". Ouvimos-lhe os enunciados na leitura da Primeira Carta aos Coríntios, de São Paulo (1Co 12,3-13). E reconhecemo-nos nesta descrição. Sim, caros irmãos e irmãs: o nosso organismo reflecte, na sua embora pequena proporção numérica, o que se realiza na Igreja inteira: "há, pois, a diversidade de dons, mas o Espírito é o mesmo; há diversidade de serviços, mas o Senhor é o mesmo; e há diversidade de operações, mas é o mesmo Deus que opera tudo em todos. Mas a manifestação do Espírito é dada a cada um para proveito comum" (ibid. 4-7).
A beleza da Igreja está na unidade, embora na diversidade dos ministérios e das operações: "ubi divisio, foeditas est, non pulchritudo: onde há divisão, há deformidade, não há beleza" diz Santo Agostinho (Serm., 46, 37; CCL 41, ed. C. Lambot, Turnhout 1961, p. 564). E esta beleza é dom do Espírito Santo, como diz ainda o grande Bispo de Hipona: Spiritu enim Sancto ad unitatem colligimur, non ab unitate dispergimur: pelo Espírito Santo reunimo-nos na unidade, e não nos separamos dela" (Serm. 8, 17; op. cit. p. 96).
Ao pedirmos pela unidade, para que o Espírito Santo, que move tudo aquilo que vive na Igreja a conserve e a recomponha onde foi quebrada, devemos sentir-nos sempre em estreita dependência do mesmo Espírito: também nós formamos, n'Ele, um só corpo; e, no exercício dos diversos ministérios que nos estão confiados, todos nós, do primeiro ao último, sabemos ser parte integrante de um, grande desígnio de unidade: devemos consumar-nos, no silêncio, na obediência, no sacrifício, até nas incumbências mais humildes, porque estamos certos de que o nosso trabalho, como semente lançada no terreno fértil, dará fruto em tempo oportuno.
O nosso trabalho edifica, também ele por sua vez, a Igreja, a Jerusalém terrestre pela qual rezamos no Salmo, responsorial a fim de que seja sempre mais imagem da Jerusalém superna, que vive na paz de Deus Uno e Trino: "Pedi a graça da paz para Jerusalém, / e vivam em segurança os que te amam. / Reine a paz dentro dos teus muros / e a tranquilidade nos seus palácios. / Por amor dos meus Irmãos e dos meus amigos, / direi: 'Haja paz para ti!' Por amor da causa do Senhor, nosso Deus, / pedirei para ti todos os bens" (Ps 121,6-9),
O conjunto ordenado de toda a Cúria Romana coopera, deve cooperar para a realização desta visão de paz. É um serviço para a unidade total de todos os crentes em Cristo; uma diaconia para a Koinonia. O anseio de Jesus na última Ceia deve tornar-nos cada vez mais responsáveis desta grande realidade, para lhe responder com todas as forças: cada um no seu lugar, cada um com o máximo empenho, sem diferença alguma, porque é um serviço requerido pelo amor.
4. Por todos estes motivos, sentimos que são dirigidas particularmente a nós, hoje, as ardentes palavras de Cristo no Evangelho de João: "Manifestei o Teu nome aos homens que, do mundo, Me deste. Eram Teus, e Tu Mos deste; eles guardaram a Tua palavra. Agora sabem que tudo quanto Me deste vem de Ti, porque lhes dei as palavras que Tu Me deste... Santifica-os na verdade... Pai justo, se o mundo não Te conheceu, Eu conheci-Te e estes conheceram que Tu Me enviaste. Dei-lhes a conhecer o Teu nome e dá-lo-ei a conhecer, para que o amor com que Me amaste esteja neles e Eu esteja neles também" (Jn 17,6 ss. 17.25 s.).
Poderemos fazer bem pouco, no trabalho pela Igreja inteira que é a minha e a vossa preocupação quotidiana, se não tivermos adquirido esta estreita intimidade com o Senhor Jesus: se verdadeiramente não estivermos com Ele e como Ele consagrados na Verdade; se não guardarmos a Sua palavra em nós, procurando descobrir-lhe todos os dias a riqueza escondida; se o amor mesmo de Deus pelo seu Cristo não estiver profundamente radicado em nós.
A unidade exterior pela qual rezamos será o germinar, o florescer daquela íntima união com Cristo, que todos os fiéis indistintamente devem ter bispos, sacerdotes, almas consagradas e laicado apenas com a diferença do maior ou menor empenho que eles possam pôr em realizá-la. Não se pode ter a unidade entre os irmãos se não há união profunda — da vida, do pensamento, da alma, dos propósitos, da imitação — com Cristo Jesus; se, melhor, não há uma busca íntima de vida interior na união com a mesma Trindade, como bem acentuou o Vaticano II: os fiéis "quanto mais unidos estiverem em estreita comunhão com o Pai, com o Verbo e com o Espírito Santo, tanto mais íntima e facilmente poderão aumentar as mútuas relações fraternas" (Unitatis Redintegratio UR 7).
Se nos falta a genuinidade da união com Deus em Cristo, na vida da graça, o nosso ecumenismo mantém-se um puro flatus vocis. "É verdade que a Igreja católica — disse ainda o Concílio — está de posse de toda a verdade revelada por Deus e de todos os meios da graça; contudo, os seus membros não se servem deles para viver com todo o devido fervor, pelo que a face da Igreja refulge menos diante dos irmãos separados e do Mundo inteiro, e o crescimento do Reino de Deus é retardado. Portanto, todos os católicos devem tender para a perfeição cristã" (ibid., 4).
Daqui nasce o dever do renovamento contínuo, da conversão do coração e da oração, em que o Concílio tanto insistiu: deve haver uma busca constante, por parte de todos, daqueles meios sobrenaturais, os únicos que podem fazer cair barreiras já seculares entre os irmãos de diversa denominação cristã, mas, apesar disso, marcados pelo mesmo baptismo e que vivem a fé em Cristo.
5. Caríssimos irmãos e irmãs.
A isto nos chama esta hora de graça. Devemos tomar cada vez mais consciência de que, na Igreja de Deus, temos um lugar de particular responsabilidade. Como membros e colaboradores da Santa Sé, devemos sentir como dirigidas particularmente também a nós as palavras ouvidas: "Eram Teus, e Tu Mos deste; eles guardaram a Tua palavra... Eles sabem que tudo quanto Me deste vem de Ti, porque lhes dei as palavras que Tu Me deste e eles receberam-nas" (Jn 17,6 ss.). O nosso trabalho na Igreja, nos vários aspectos que assume, tem este grande dever, este grande privilégio: guardar a Palavra de Deus, viver para ela, fazê-la conhecer e difundir no inundo. Temos uma grande responsabilidade! Não nos recusemos perante ela. Trabalhemos. Trabalhemos pela Igreja. E ainda Agostinho que nos exorta: "Modo laboremus in Ecclesia, postea hereditabimus Ecclesiam: trabalhemos agora na Igreja, na expectativa de um dia termos a herança" (Sermo.45, 5; CCL 41, p. 521).
Sim, irmãos e irmãs caríssimos, não nos cansemos de lançar a semente do nosso trabalho, por muito humilde que seja, olhando para o alto, para o céu, que, mesmo quando está coberto de nuvens, encerra em si o sol que despontará de novo, mesmo depois das tempestades. A Igreja olha para nós. Cristo olha para nós, e de nós espera o compromisso quotidiano. E pede por nós ao Pai: Ut unum sint. "Dei-lhes a glória que Tu Me deste, para que sejam um como Nós somos Um. Eu neles e Tu em Mim, para que eles sejam perfeitos na unidade e para que o mundo reconheça que Tu Me enviaste e os amaste, como Me amaste a Mim" (Jn 17,22 s.).
Permaneçamos neste amor. Viva-mos neste amor. Trabalhemos neste amor.
No amor do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Dê-nos Ele cada dia o sentido da dimensão universal do nosso serviço. Por toda a Igreja.
Por todos os irmãos que ainda não são uma coisa connosco.
Por todo o mundo.
Ut unum sint... ut credat mundos.
1. É com ânimo comovido e grato que recebo esta manhã, em especial audiência, a vossa Delegação, Irmãos e Filhos caríssimos do Vale do Bélice, atingidos pelo desastroso terremoto de 1968. Saúdo com fraterno afecto o Bispo de Mazara do Vale, D. Costantino Trapani, e o Bispo de Agrigento, D. Luigi Bonmarito, em cujas dioceses se encontram as zonas, onde o sismo causou os maiores danos.
Saúdo depois os Párocos e os Presidentes das Câmaras dos Municípios que o terremoto destruiu parcial ou totalmente; e com eles saúdo também o grupo de cidadãos aqui vindos como representantes de toda a população daquela dilecta terra, tão provada. A todos desejo exprimir o meu apreço por este gesto gentil, mediante o qual me apraz reconhecer um eloquente testemunho de fé em Cristo Senhor e de adesão à Igreja, que Ele fundou sobre a rocha de Pedro.
Esta presença é-me tanto mais grata enquanto sei que, com ela, pretendeis manifestar o vosso continuo reconhecimento pelo activo interesse demonstrado para convosco pelo meu predecessor, Paulo VI, de venerada memória, cuja solicita intervenção desde as primeiras horas daqueles terríveis dias, deixou indelével sinal nos vossos corações.
2. O presente que me oferecestes é particularmente significativo: um Cristo em fios de ramos. Parece-me poder nele ver quase um símbolo da vossa situação e, se consentis, também daquela das populações da Basilicata e da Campania, às quais o recente e desastroso sismo causou dramáticos danos.
As dimensões da catástrofe que lá se abateu foram grandes: 231 mortos, 623 feridos, inteiras cidadezinhas destruídas. E após aquela terrível noite da metade de Janeiro de 1968, quantas tribulações e que sofrimentos; depois as barracas destinadas a assegurar um abrigo provisório à espera de que se pudesse reconstruir as casas. Infelizmente a situação provisória perdura até hoje, com dificuldades e complicações facilmente imagináveis.
3. E, então, faço votos por que as generosas populações do Vale do Bélice possam "ressurgir" da triste condição, a que foram submetidas pelo sismo de 1968. A palavra de ordem, que vos deve guiar, é "reconstruir" para vós, para os vossos filhos e para as gerações futuras. Desejaria, contudo, sublinhar que uma autêntica reconstrução não pode começar senão pela promoção daqueles valores religiosos e morais, que os vossos antepassados vos deixaram como herança. Uma comunidade humana não se forma somente sobre a base de factores materiais, como a casa, as posses e o território. Ela concentra-se, amalgama-se e estrutura-se num povo possuidor de próprios traços característicos, graças à compartilhada assimilação de convicções, princípios e normas de comportamento, que constituem o substrato humano mais profundo e o duradouro património espiritual.
Conheceis bem quais foram os valores em que os vossos pais inspiraram a sua existência: basearam a própria vida particular e comunitária nos valores perenes do Evangelho. Ninguém pretende, certamente, descrever o passado com tintas luminosas. Também naquele tempo houve sombras. Não se pode, contudo, colocar em dúvida o papel fundamental desenvolvido pela fé no orientar, amparar e estimular a nobres e grandes sentimentos as gerações que, ao longo dos séculos, habitaram as terras que vós amais tão intensamente.
Sede, portanto, orgulhosos das vossas tradições cristãs e senti em vós mesmos o compromisso de estar altura dos exemplos de religiosidade, de amor à família, de honestidade e de altruísmo, que os vossos antepassados vos legaram. Colocareis deste modo os pressupostos mais válidos e seguros para aquele renascimento do Vale do Bélice, que juntamente convosco também eu desejo de coração.
Em penhor destes sentimentos, concedo-vos de bom grado, a vós, aos vossos familiares e às dilectas populações que aqui representais, a minha Bênção Apostólica, propiciadora de todos os desejados dons celestiais.
Discursos João Paulo II 1981 - Quinta-feira, 29 de Janeiro de 1981