Discursos João Paulo II 1980 - Quarta-feira, 12 de Novembro de 1980

Sabei, além disso, professar com alegria e constância a fé cristã, recebida no Baptismo e consolidada pelo ensinamento e pelos exemplos dos vossos queridos pais e dos sacerdotes, que foram os vossos educadores no espírito; esta vossa fé manifeste-se no compromisso constante com que cumpris os vossos deveres civis e religiosos; na continua reflexão sobre o Evangelho; na límpida pureza das vossas atitudes, na oração, que inspire e sustenha os momentos culminantes da vossa vida quotidiana.

Faço votos por que sejais sempre cidadãos honestos e laboriosos, de quem possa orgulhar-se legitimamente a Nação italiana, e por que possais ser também vós protagonistas do seu ordenado desenvolvimento e da sua prosperidade pacífica.

Com estes votos invoco sobre vós, pela maternal intercessão da Virgem Santíssima, a continua assistência de Deus, e concedo-vos, em penhor da minha benevolência, a propiciadora. Bênção Apostólica, que faço extensiva aos vossos familiares, aos vossos Superiores e ao vosso Capelão-Chefe.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AO «GRUPO DEMOCRÁTICO»


DO PARLAMENTO EUROPEU


13 de Novembro de 1980



Tenho a felicidade de vos receber durante os vossos dias de estudo em Roma e de ter esta troca de pensamentos convosco.

O tema dos vossos estudos impõe-se: A Europa e o seu equilibrado desenvolvimento. Como sabeis, o Papado esteve presente ao nascer a civilização europeia e contribui para a formação do seu espírito e das suas instituições. A Igreja Católica e a Europa fizeram juntas grande percurso de estrada. Assim os Papas mantiveram muito tempo, juntando-o à missão específica deles, o interesse no destino de cada povo europeu e da Europa como um todo, e do mesmo modo nas suas instituições.

O Parlamento Europeu, no qual trabalhais e tratais de assuntos importantes e delicados, é o ponto focal do esforço comum para construir a Europa. Se as instituições estão para ser realmente vivas, devem impregnar-se da consciência moral dos indivíduos e dos povos, e exprimir a concordância deles a respeito dos valores básicos da civilização. A longa história do continente, com as suas glórias e as suas sombras, ensina-nos que não podemos construir uma Europa de cooperação bem ordenada e pacífica, não sendo ela colocada sobre um fundamento de valores humanos autênticos, incutidos nas mentes dos europeus e consequentemente também nas suas leis e instituições. Lançar tal pensamento pressupõe a concordância a respeito da primazia da pessoa humana e o reconhecimento, tanto na teoria como na prática, de todos os direitos que pertencem à pessoa humana como sujeito transcendente.

A segurança e a cooperação na Europa não podem ficar só no fundamento. A segurança baseada em armamentos falhou no passado não preservando o continente de guerras fratricidas; não há motivos para pensar que terá melhor resultado no futuro. A segurança enganadora da balança das forças deve ser substituída pela mais sólida segurança da lei, da justiça e da liberdade.

Quando olhamos para a Europa hoje, vemos sinais prometedores de progresso e desejo de renovação, mas não podemos fechar os olhos às forças em actividade, que levam à paralisia e à desunião. O abaixamento do número de matrimónios e de nascimentos, as muitas maneiras como a vida humana é atacada, o aumento do uso da droga, as ostentações de egocentrismo por parte dos indivíduos, famílias e comunidades todas estas coisas parecem ser sintoma de um cepticismo destruidor e de falta de confiança na vida e no futuro.

Esta doença deve ser combatida. Competir-vos-á, como guias, insuflar nova vida na Europa de hoje, propondo e apoiando iniciativas para conduzir os direitos humanos à sua mais plena extensão em todas as suas aplicações, criando isto um clima favorável para o desenvolvimento da cooperação europeia.

É objecto da minha oração que o vosso trabalho constitua importante contributo para que se chegue a esta meta. Oxalá Deus, que escolheu criar o homem à Sua própria imagem, colocando-o acima da criação inteira em toda a sua maravilha, guie os vossos esforços e vos abençoe.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS BISPOS BOLIVIANOS POR OCASIÃO


DA VISITA «AD LIMINA APOSTOLORUM»


Quinta-feira, 13 de Novembro de 1980



Caríssimos Irmãos no Episcopado

Com profunda alegria recebo-vos hoje, Pastores do Povo de Deus na Bolívia que, após uma determinação sugerida por especiais acontecimentos no vosso País, viestes a Roma para realizar a vossa visita "ad limina Apostolorum". Sinto-me unido a vós, a todos os membros das vossas respectivas comunidades eclesiais e também a eles dirige-se o meu afectuoso pensamento, ao assegurar-vos com palavras do Apóstolo São Paulo que "não cesso de dar graças a Deus por vós, lembrando-me de vós nas minhas orações, para que o Deus de nosso Senhor Jesus Cristo... vos conceda um espírito de sabedoria e de revelação para bem O conhecer-des" (Ep 1,17).

Este fraterno encontro do Sucessor de Pedro convosco, é o momento culminante da vossa vinda a Roma e a grande expressão dessa comunhão eclesial que já se manifestou nos colóquios particulares com cada um de vós. Um perfeito caminho para tornar cada vez mais íntimos os vínculos de união no amor eclesial que nos liga mutuamente.

Dou, pois, graças a Deus por todo este encontro e pela ocasião que se me ofereceu de compartilhar convosco as esperanças e os problemas das vossas dioceses, assim como de vos animar na generosa doação à causa do Senhor. Por isso, desejava ver-vos "para vos comunicar alguma graça espiritual, a fim de vos fortalecer, ou antes, para convosco me reconfortar no meio de vós, pela fé que nos é comum" (Rm 1,11 s.).

Desejo expressar-vos, antes de tudo, a íntima satisfação que tenho ao constatar a sólida união de pontos de vista e de sentimentos, que existe entre os diversos membros do Episcopado boliviano, aqui moralmente presente no seu conjunto e acompanhado pelo Presidente e o Vice-Presidente da Conferência Episcopal. Exorto-vos a manterdes e consolidardes essa comunhão, premissa indispensável para um trabalho pastoral eficaz e sem tensões comunitárias debilitantes.

Outro motivo da minha alegria é o compromisso assumido pelo Episcopado da Bolívia na promoção de uma catequese adaptada às circunstâncias concretas do vosso próprio ambiente, seguindo as directrizes fixadas pela Catechesi tradendae. Não é, pois, necessário insistir neste ponto, que tanta importância tem para se conseguir essa evangelização profunda e generalizada, à qual a Igreja na América Latina, e na Bolívia em particular, dedicou e dedica energias tão generosas.

Precisamente para dar válida resposta a essa necessidade evangelizadora, sei que estais a ocupar-vos, com renovado interesse, da pastoral das vocações nativas para a vida sacerdotal e para a vida consagrada em geral. Trata-se de um capítulo de importância decisiva para a animação e permanência na fé das comunidades eclesiais. Por este motivo, todas as iniciativas que empreendeis para fortalecer tão fundamental sector da, pastoral, contam com o meu mais alegre aplauso e apoio mais cordial.

Para preparar adequadamente o terreno onde germinem essas vocações, bem sabeis como é imprescindível atender com todo o esmero ao apostolado da família, à qual o recente Sínodo dos Bispos consagrou precisamente o seu diligente estudo. Nas suas reflexões e directrizes podereis encontrar inspiração para dar novo impulso à pastoral familiar.

Este trabalho deverá encontrar o seu natural complemento no esforço educativo das novas gerações, para que sejam consolidadas no conhecimento e na vivência dos princípios cristãos e sejam capazes de os levar logo aos diversos ambientes da estrutura social. As realizações alcançadas e a positiva contribuição oferecida pela Igreja na Bolívia e pelas escolas católicas — de modo singular pela Universidade Católica de La Paz — são eloquente testemunho do espírito que anima a Jerarquia e os demais responsáveis, para educar na fé e colaborar ao mesmo tempo para o bem da sociedade inteira.

Embora a missão a ser realizada seja muito ampla e fiquem por se alcançar multíplices objectivos, assim mesmo vejo com agrado que a Igreja na Bolivia não se esqueceu, em nenhum momento, das iniciativas tomadas para favorecer a promoção também humana dos sectores mais necessitados da população. Encoraja -vos a intensificardes os esforços nesta direcção, com os olhos voltados para a opção preferencial pelos pobres, não exclusiva nem excludente, da qual repetidamente eu mesmo e os Bispos da América Latina nos ocupámos (cf. o meu Discurso por ocasião do XXV aniversário do CELAM, Rio de Janeiro, 2 de Julho de 1980, III, n. 7).

Não desconheço igualmente que, em cumprimento do vosso dever e missão de responsáveis e guias da comunidade eclesial na Bolivia, a vossa voz levantou-se em momentos delicados em favor da pacífica convivência a nível nacional. Fiéis ao vosso ofício de Pastores e guiados por uma visão cristã do ser humano, conscientes também da obrigação de servir a verdade nas suas múltiplas implicações, pronunciastes-vos em favor da "dignidade do homem e da liberdade do Evangelho" (cf. Carta Colectiva da Conferência Episcopal da Bolívia sobre "Dignidad y Libertad", Cochabamba, 8.9.1980). É esta uma dimensão do próprio magistério, ao qual a Igreja não pode renunciar, como parte indivisível do seu serviço a Deus e ao homem.

Queridos Irmãos: Deter-me-ia com prazer convosco sobre outros temas concretos, mas não podemos prolongar mais este encontro.

Continuai a trabalhar com renovado entusiasmo na porção eclesial que vos foi confiada. Queira Deus que a vossa diligência e a eficaz colaboração dos vossos sacerdotes, religiosos, religiosas, seminaristas, leigos comprometidos e de tantas outras pessoas de boa vontade, tornem disponíveis, com o favor do Senhor da messe que transcende toda a capacidade humana, as forças necessárias para um fiel e continuado serviço à Igreja e ao homem irmão. Com a minha oração por todos os filhos do vosso querido Pais, asseguro-vos a minha cordial benevolência e dou-vos a afectuosa Bênção.



DOCUMENTO SOBRE A LIBERDADE RELIGIOSA

EM VISTA DA REUNIÃO DE MADRID

SOBRE A SEGURANÇA E A COOPERAÇÃO NA EUROPA

MENSAGEM DO PAPA JOÃO PAULO II

AOS PAÍSES SIGNATÁRIOS


DO ACTO FINAL DE HELSÍNQUIA




A Igreja católica, por causa da sua missão religiosa de carácter universal, sente-se profundamente obrigada a ajudar os homens e mulheres do nosso tempo a fazerem progredir as grandes causas da paz e da justiça social, para tornar o mundo cada vez mais acolhedor e mais humano. São nobres ideais a que aspiram ardentemente os povos e são muito particularmente o abjecto da responsabilidade dos governos dos diversos países; e, ao mesmo tempo, por causa das mudanças das situações históricas e sociais, a realização deles precisa, para ser cada vez mais apta, do contributo incessante de novas reflexões e novas iniciativas, que terão maior valor por derivarem de um diálogo multilateral e construtivo.

Se se reflecte nos múltiplos factores que auxiliam a paz e a justiça no mundo, fica-se admirado com a importância cada vez maior que, sob este aspecto, tomou a aspiração, em toda a parte expandida, de que fique assegurada a igual dignidade de todo o homem e de toda a mulher na maneira de repartirem entre si os bens materiais e no gozo efectivo dos bens espirituais, e portanto dos direitos inalienáveis correspondentes.

Ao tema dos direitos do homem, e em particular ao da liberdade de consciência e de religião, a Igreja católica consagrou, nestes últimos decénios, reflexão profunda, movida pela experiência quotidiana de vida da Igreja mesma e dos crentes de todas as regiões e todos os meios sociais.

Sobre este tema, deseja a Igreja apresentar, às altas Autoridades dos países signatários do Acto final de Helsínquia, algumas considerações particulares com intenção de favorecer um sério exame da situação actual da liberdade, a fim de ela poder assegurar-se eficazmente em toda a parte. Fá-lo tendo consciência de responder ao compromisso comum, contido no Acto final, de «promover e animar o exercício efectivo das liberdades e direitos civis, políticos, económicos, sociais, culturais e outros, que derivam todos da dignidade inerente à pessoa humana e são essenciais ao seu desenvolvimento Livre e integral»; e ela pretende assim inspirar-se no critério que reconhece «a importância universal dos direitos do homem e das liberdades fundamentais; respeitá-los é factor essencial da paz, da justiça e do bem-estar necessários para assegurar o desenvolvimento de relações amigáveis e da cooperação entre eles, como entre todos os Estados».

2. Faz-se notar com satisfação que, durante os últimos decénios, a Comunidade internacional, que manifestava interesse crescente pela salvagurada dos direitos do homem e das liberdades fundamentais, tomou atentamente em consideração o respeito da liberdade de consciência e de religião em certos documentos bem conhecidos, entre os quais:

a) a Declaração universal da ONU sobre os direitos do homem, de 10 de Dezembro de 1948 (artigo 18);

b) o Pacto internacional sobre os direitos civis e políticos, aprovado pelas Nações Unidas a 16 de Dezembro de 1966 (artigo 18);

c) o Acto final da Conferência sobre a segurança e a Cooperação na Europa, assinado no 1° de Agosto de 1975 («Questões relativas à segurança na Europa, 1, a). Declaração sobre os princípios que regulam as relações mútuas dos estados participantes: VII. Respeito dos direitos do homem e das liberdades fundamentais, incluindo a liberdade de pensamento, de consciência, de religião ou de convicção»).

Além disto, neste Acto final, no sector da cooperação relativo aos «contactos entre pessoas», há um parágrafo em virtude do qual os estados participantes «confirmam que os cultos religiosos e as instituições e organizações religiosas, que operam no quadro constitucional dos estados participantes, e os seus representantes, podem, no campo da própria actividade, ter entre si contactos e encontros e trocar informações.»

Estes documentos internacionais reflectem, aliás, a convicção que se manifestou mais e mais no mundo com a evolução progressiva da problemática relativa aos direitos do homem na doutrina jurídica e na opinião pública dos diversos países, de maneira que o princípio do respeito da liberdade de consciência e de religião é hoje reconhecido, na sua formulação fundamental, ao mesmo tempo que o princípio da igualdade entre os cidadãos, na maior parte das constituições dos estados.

Segundo o conjunto de formulações que se encontra nos instrumentos jurídicos, nacionais e internacionais, mencionados acima, é possível pôr em evidência os elementos que dão à liberdade religiosa um quadro e uma dimensão adaptados ao seu pleno exercício.

Em primeiro lugar, vê-se claramente que o ponto de partida para o reconhecimento e respeito desta liberdade é a dignidade da pessoa humana, que manifesta a exigência interior, indestrutível, de proceder livremente «segundo os imperativos da sua própria consciência» (cf. texto do acto final supra citado, na letra c). O homem é levado, fundando-se nas próprias convicções, a reconhecer e a seguir uma concepção religiosa ou metafísica em que está incluída toda a sua vida, no que diz respeito às escolhas e aos comportamentos fundamentais. Esta reflexão íntima, mesmo que não chegue a uma afirmação de fé em Deus, explícita e positiva, não pode deixar de ser, apesar de tudo, objecto de respeito em nome da dignidade da consciência de cada um, cujo misterioso trabalho de investigação não poderia ser julgado por outros homens. Assim, por um lado, todo o homem tem o direito e o dever de se aplicar à investigação da verdade, e por outro lado, os outros homens e a sociedade civil são obrigados a respeitar o Livre desenvolvimento espiritual das pessoas.

Esta liberdade concreta funda-se na natureza mesma do homem de quem é próprio ser Livre, e mantém-se — segundo os termos da declaração do Concílio Vaticano II —, «mesmo nos que não satisfazem a obrigação de procurar a verdade e aderir a ela; o seu exercício não pode ser embargado, uma vez que se ressalve uma ordem pública justa» (Dignitatis humanae DH 2).

Um segundo elemento, não menos fundamental, é constituído por a liberdade religiosa se exprimir por actos que não são apenas interiores nem exclusivamente individuais, porque o ser humano pensa, actua e comunica em relação com os outros; a «profissão» e a «prática» da fé religiosa exprimem-se por uma série de actos visíveis, sejam eles pessoais ou colectivos, particulares ou públicos, que dão origem a uma comunhão com as pessoas da mesma fé, estabelecendo um laço que faz pertencer o crente a uma comunidade religiosa orgânica; este laço pode ter diferentes graus, diversas intensidades, segundo a natureza e os preceitos da fé ou convicção, a que se adere.

3. A Igreja católica sintetizou o fruto da sua reflexão a este propósito na Declaração Dignitatis humanae do Concílio Ecuménico Vaticano II, promulgada a 7 de Dezembro de 1965, documento que tem para a Sé Apostólica valor particular de obrigação.

Esta declaração foi precedida pela encíclica Pacem in terris, do Papa João XXIII, datada de 11 de Abril de 1963, que insistia solenemente em «cada um ter o direito de honrar a Deus segundo a justa regra da sua consciência».

A mesma declaração do Concílio Vaticano II foi retomada em seguida por diversos documentos do Papa Paulo VI, pela mensagem do Sínodo dos Bispos de 1974 e, mais recentemente, pela mensagem dirigida à Assembleia da Organização das Nações Unidas por altura da visita papal de 2 de Outubro de 1979, a qual recordava o conteúdo essencial dela:

«Em virtude da própria dignidade, todos os homens, por serem pessoas, isto é, dotados de razão e de vontade livre, e, por consequência, dotados de uma responsabilidade pessoal, são impelidos pela sua própria natureza, e forçados por obrigação moral, a procurar a verdade, primeiramente a que diz respeito à religião. São obrigados também a aderir à verdade depois de a conhecerem e a regular toda a própria vida segundo as exigências desta verdade» (Dignitatis humanae DH 2).

«Segundo o seu carácter mesmo, com efeito, o exercício da religião consiste antes de tudo em actos interiores, voluntários e livres, pelos quais o homem se ordena directamente para Deus: tais actos não podem ser nem impostos nem proibidos por nenhum poder puramente humano. Mas a própria natureza social do homem requer que ele exprima exteriormente esses actos internos de religião, em matéria religiosa tenha permutas com outros e professe a sua religião sob forma comunitária» (ibid., 3).

«Estas palavras — era ainda acrescentado no discurso à ONU — tocam no fundo mesmo do problema. Provam igualmente de que maneira a confrontação entre o conceito religioso do mundo e o conceito agnóstico ou mesmo ateu, que é um dos «sinais dos tempos» da nossa época, poderia conservar dimensões humanas, leais e respeitosas, sem prejudicar os direitos essenciais da consciência de todo o homem ou a mulher que vivem na terra» (Discurso à 34ª Assembleia Geral da ONU, nº 20).

Nesta mesma altura era expressa a convicção de o «respeito da dignidade da pessoa humana parecer exigir que, ao ser discutido ou definido o teor exacto do exercício da liberdade religiosa em vista do estabelecimento de leis nacionais ou de convenções internacionais, as instituições, que por sua natureza estão ao serviço da vida religiosa, fossem abrangidas». Isto porque, ao tratar-se de dar expressão ao conteúdo da liberdade religiosa, caso se omita a participação dos que são nisso mais directamente interessados e têm disso experiência e responsabilidade particulares, corre-se o risco de determinar aplicações arbitrárias e «de impor, num campo tão íntimo da vida do homem, normas ou restrições contrárias às suas necessidades religiosas» (Discurso à 34ª Assembleia Geral da ONU, n. 20).

4. À luz das premissas e dos princípios indicados acima, a Sé Apostólica julga direito seu e dever encarar uma análise dos elementos específicos que respondem ao conceito de «liberdade religiosa» e desta constituem a aplicação, na medida em que derivam de exigências das pessoas e das comunidades ou naquela medida em que são requeridos pelas suas actividades concretas. Na expressão e na prática da liberdade religiosa, nota-se com efeito a presença de aspectos individuais e comunitários, particulares e públicos, intimamente ligados entre si, de maneira . que o gozo da liberdade religiosa engloba dimensões conexas e completares:

a) No plano pessoal, é preciso tomar conta:

— da liberdade de aderir ou não a uma fé determinada e à comunidade confessional correspondente;

— da liberdade de realizar, individual e colectivamente, em particular e em público, actos de oração e de culto, e de ter igrejas ou lugares de culto quanto o requerem as necessidades dos crentes;

— da liberdade dos pais de educar os filhos nas convicções religiosas que lhes inspiram a própria vida, assim como a possibilidade de frequentar o ensino catequético e religioso dado pela comunidade;

— da liberdade das famílias de escolher escolas ou outros meios que assegurem aos filhos esta educação sem terem de suportar, directa ou indirectamente, encargos suplementares tais que impeçam de facto o exercício desta liberdade;

— da liberdade para as pessoas de benificiar da assistência religiosa em toda a parte onde elas se encontrem, especialmente nas instituições públicas de cuidados (clínicas, hospitais), nas casernas militares e nos serviços obrigatórios do Estado, como nos lugares de detenção;

— da liberdade de não ser constrangido, no plano pessoal, cívico ou social, a realizar actos contrários à própria fé, nem a receber um tipo de educação , ou de aderir a grupos ou associações, que têm princípios em oposição com as próprias convicções religiosas;

— da liberdade de não sofrer, por motivos de fé religiosa, limitações e discriminações, em relação outros cidadãos, nas diversas manifestações de vida (em tudo o que respeita à carreira, quer se trate de estudos, de trabalhos, ou de profissão; participação nas responsabilidades cívicas e sociais, etc.).

b) No plano comunitário, é preciso considerar que as confissões religiosas, reunindo os crentes de uma fé determinada, existem e operam como corpos sociais que se organizam segundo princípios doutrinais e fins institucionais que lhes são próprios.

A Igreja, como tal, e as comunidades confessionais em geral, têm necessidade, para a sua vida e prossecução dos seus próprios fins, de gozar liberdades determinadas, entre as quais urge citar em particular:

— a liberdade de ter a sua própria jerarquia interna ou os seus ministros correspondentes, livremente escolhidos por elas, segundo as suas normas constitucionais.

— a liberdade, para os responsáveis de comunidades religiosas — em particular, na Igreja católica, para os bispos e outros superiores eclesiásticos —, de exercer livremente o seu próprio ministério, de conferir as ordenações sagradas aos sacerdotes ou ministros, de nomear para os cargos eclesiásticos, de comunicar e de ter contactos com aqueles que aderem à sua confissão religiosa;

— a liberdade de ter os seus próprios institutos de formação religiosa e de estudos teológicos, em que possam ser livremente acolhidos os candidatos ao sacerdócio e A. consagração religiosa;

— a liberdade de receber e publicar livros religiosos sobre a fé e o culto, e usá-los livremente;

— a liberdade de anunciar e comunicar o ensino da fé, pela palavra e por escrito, mesmo fora dos lugares de culto, e de tornar conhecida a doutrina moral a respeito das actividades humanas e da organização social; isto, em conformidade com o compromisso encerrado no acto final de Helsínquia, de facilitar o alargamento da informação, da cultura e das trocas de conhecimentos e de experiências no campo da educação, o que além disso corresponde, no campo religioso, à missão evangelizadora da Igreja;

— a liberdade de exercer actividades de educação, de beneficência e de assistência que permitem pôr em prática o preceito religiosos do amor para com os irmãos, especialmente para os que mais se encontram em necessidade.

Além disso:

— pelo que diz respeito às comunidades religiosas que, como a Igreja católica, têm uma Autoridade suprema, possuindo no plano universal, segundo o prescreve a sua fé, a responsabilidade de assegurar, pelo magistério e pela jurisdição, a unidade da comunhão que liga todos os Pastores e os crentes na mesma confissão: a liberdade de ter relações recíprocas de comunicação entre esta Autoridade e os Pastores e as comunidades religiosas locais, a liberdade de difundir os actos e os textos do magistério (encíclicas, instruções...);

— no plano internacional: a liberdade de permutas de comunicação, de cooperação, de solidariedade de carácter religioso, com, de maneira especial, a possibilidade de encontros e reuniões de carácter multinacional ou universal;

— no plano internacional igualmente, a liberdade de permutar, entre as comunidades religiosas, informações e contribuições de carácter teológico ou religioso.

5. A liberdade de consciência e de religião, com os elementos concretos supra-indicados, é, como se disse, direito primário e inalienável da pessoa; bem mais, na medida em que atinge a esfera mais íntima do espírito, pode mesmo dizer-se que dá a razão de ser, intimamente fundada em cada pessoa, das outras liberdades. Naturalmente, tal liberdade não pode ser exercida senão de maneira responsável, quer dizer, de acordo com os princípios éticos e respeitando a igualdade e a justiça, podendo estas ser reforçadas pelo diálogo, já mencionado, com as Instituições que, por sua natureza, servem a vida religiosa.

6. A Igreja católica — que não está limitada a um território determinado e não tem fronteiras, mas compreende homens e mulheres distribuídos por todas as regiões da terra — sabe por experiência multissecular, que a supressão, a violência ou as limitações da liberdade religiosa provocam sofrimentos e amarguras, provas morais e materiais, e que hoje mesmo há milhões de pessoas a sofrer com elas; pelo contrário, o seu reconhecimento, a sua garantia e o seu respeito trazem a serenidade às pessoas e a paz à comunidade social, e constituem factor não imperceptível para reforçar a coesão moral de um país, para aumentar o bem comum do povo e enriquecer num clima de confiança a cooperação entre as diferentes nações.

Além disso, uma sã aplicação do princípio da liberdade religiosa servirá também para ajudar a formação dos cidadãos que, em pleno reconhecimento da ordem moral, «saibam obedecer à autoridade legítima e tenham a peito a liberdade autêntica; homens que, à luz da verdade, dêem sobre as coisas um juízo pessoal, actuem com espírito de responsabilidade, e aspirem a tudo que é verdadeiro e justo, colaborando de boa vontade com os outros.» (Dignitatis humanae DH 8).

A liberdade religiosa bem compreendida servirá, por outro lado, para assegurar a ordem e o bem comum de cada país, cada sociedade, uma vez que os homens, quando se sentem protegidos nos seus direitos fundamentais, estão melhor dispostos a consagrarem-se ao trabalho para o bem comum.

O respeito deste princípio da liberdade religiosa servirá ainda para o reforço da paz internacional, que, segundo se pode ler no discurso às Nações Unidas já citado, é pelo contrário ameaçada por qualquer violação dos direitos do homem, em particular pela injusta distribuição dos bens materiais e pela violação dos direitos objectivos do espírito, da consciência humana e da criatividade humana, incluindo a relação do homem com Deus. Só a plenitude dos direitos, garantida efectivamente a todo o homem sem discriminação, pode assegurar a paz até aos seus fundamentos.

7. Nesta perspectiva, a Santa Sé, com a exposição que precede, deseja prestar serviço à causa da paz, fazendo votos que isto contribua para o melhoramento de um sector tão significativo da vida humana e social, e, em consequência, da vida internacional.

Será acaso necessário dizer que a Sé Apostólica não tem nada a ideia nem o intuito de desrespeitar as prerrogativas soberanas dos Estados? Pelo contrário, a Igreja sente profunda solicitude pela dignidade e pelos direitos de cada uma das nações, para cujo bem deseja e se compromete a contribuir.

A Santa Sé quer assim convidar à reflexão para que as Autoridades civis responsáveis dos diversos países vejam em que medida as considerações acima expostas devem constituir objecto de sério exame. Se a reflexão pode levar a reconhecer a possibilidade de melhoramento da situação actual, a Santa Sé declara-se totalmente disponível, com espírito aberto e sincero, para travar diálogo frutuoso tendo em vista esta finalidade.

Do Vaticano, 1 de Setembro de 1980.



JOANNES PAULUS PP. II


DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS PARTICIPANTES NA SEMANA DE ESTUDOS


SOBRE «ENERGIA E HUMANIDADE»


14 de Novembro de 1980



Senhoras e Senhores

Sabeis o valor que dou ao trabalho de investigação dos membros da nossa Pontifícia Academia das Ciências. Podeis imaginar a minha alegria em vos encontrar, antes de terminardes os vossos trabalhos que fazem honra à Santa Sé, para vos exprimir a minha estima pessoal e para vos encorajar.

A semana de estudos que vos reuniu trata de um dos problemas mais graves que a humanidade deve enfrentar hoje. E a vossa análise dos dados científicos sobre a energia está precisamente orientada para a solicitude pelo destino da humanidade: «Energia e Humanidade». Felicito-vos, eu que, na sede da UNESCO, no dia 2 de Junho passado, insisti sobre a necessidade de evitar que o progresso do conhecimento científico desinteressado ignore as responsabilidades das consciências (nn. 20-22).

Permiti-me agora que evoque diante de vós, de maneira bem simples e desprovida de técnica, estes dados que evidentemente vos são muito familiares; faço-o apenas com o propósito de manifestar o meu interesse pelos vossos intercâmbios e de partilhar convosco alguns interesses de ordem ética.

Ao longo da sua história, o homem desenvolveu as formas de energia de que tinha necessidade, passando da descoberta do fogo a formas de energia cada vez mais ricas, chegando por fim à energia nuclear, assombrosa em muitos pontos de vista. Simultaneamente, o progresso da industrialização deu lugar, sobretudo nestes últimos tempos, a um consumo cada dia maior, a ponto de alguns recursos naturais estarem em vias de extinção. A nossa civilização — sobretudo os seus cientistas e os seus técnicos —, deve procurar métodos novos para utilizar as fontes de energia que a Providência divina pôs à disposição dos homens. E é preciso também que os próprios governos adoptem uma política energética unificada, de forma que a energia produzida numa região possa ser utilizada noutras regiões.

É bem evidente que o sol, a primeira fonte de energia e a mais rica para o nosso planeta, deveria ser estudado mais cuidadosamente pelos investigadores; esta devia tornar-se uma das suas principais preocupações. Embora seja verdade que a utilização directa da energia solar ainda se apresenta longínqua, esta perspectiva não deve fazer atenuar os esforços dos investigadores nem o apoio dos governos. De resto, já se obtiveram alguns resultados e já se beneficia deles em várias partes do mundo. Por outro lado, outras formas de energia, tais como a energia eólica, marinha ou geotérmica, já foram utilizadas, embora de modo ainda limitado, e em função das condições geográficas.

Já me apercebi que a utilização da biomassa vos captou a atenção e vos detendes sobre a necessidade do desenvolvimento de estudos relacionados com a fotossíntese.

A madeira tem lugar entre as fontes de energia mais antigas. Nos países em via de desenvolvimento, permanecerá sem dúvida por muito tempo a fonte principal de energia. Mas é necessário que o uso desta forma de energia tradicional e importante não dê lugar ao desbaste e à destruição de florestas que produzem graves desequilíbrios ecológicos. E preciso pois prever um repovoamento florestal activo, que deve ser levado a efeito pelos botânicos, ecólogos e pedólogos. A sua realização deverá ser objecto de diligências cuidadosas por parte dos planificadores e dos políticos.

No que diz respeito a outras formas de energia, tais como quedas de água, carvão, petróleo e energia nuclear, a escolha delas fundamenta-se evidentemente em vários factores que dependem dos recursos naturais e humanos, do crescimento demográfico, de formas de desenvolvimento, e da economia. Estou certo que tereis tomado em consideração, nas vossas discussões, as regras que se impõem para eliminar os perigos que ameaçam, de perto ou de longe, os que estão expostos a sofrer os prejuízos eventuais provenientes da utilização de certas formas de energia, e também para promover sempre a salvaguarda ecológica, a protecção da fauna e da flora, e para evitar a destruição das belezas naturais que enchem o coração de admiração e de poesia.

Pude constatar por mim mesmo os estragos causados à beleza da natureza por instalações industriais que poderiam ter sido colocadas noutra parte ou concebidas de uma forma diferente. Conheci sobretudo por experiência pessoal os sofrimentos dos mineiros de carvão, cujos pulmões ficam impregnados da poeira que envenena as galerias das minas. Atrevo-me a esperar que estejam desde já adoptados, em nome dos direitos do homem e para melhoramento da qualidade de vida, métodos novos e eficazes para a utilização das fontes convencionais de energia, e que já não aconteça assim que se veja pôr em perigo, além do ambiente natural, os trabalhadores e as populações.

Convém reflectir enfim sobre os perigos de ordem económica e moral que são devidos ao que se chama a civilização de consumo actual, e às suas estruturas. Como escrevi na minha encíclica Redemptor Hominis: «E bem conhecido o quadro da civilização de consumo que está num certo excesso de bens necessários ao homem, a sociedades inteiras — trata-se aqui das sociedades ricas e muito desenvolvidas — , enquanto as outras sociedades, pelo menos grandes camadas destas, sofrem fome e muitas pessoas morrem todos os dias de debilidade e desnutrição...

A amplitude do fenómeno põe em causa as estruturas e os mecanismos financeiros, monetários, produtivos e comerciais que, apoiados por várias pressões de ordem política, regem a economia mundial: mostram-se incapazes de resolver as injustiças herdadas do passado e de enfrentar os desafios urgentes e as exigências éticas do presente. Seja por submeterem o homem às tensões que ele mesmo cria, seja por malbaratarem a um ritmo acelerado os recursos materiais e energéticos, seja ainda por comprometerem o ambiente geofísico, estas estruturas fazem que se desenvolvam sem cessar as zonas de miséria e com elas a angústia, a frustração e a amargura» (n. 16).

As frustrações a que está sujeito o homem de hoje por causa do consumo excessivo por um lado, podem ser resolvidas apenas se se vier a reconhecer que a energia, seja qual for a sua forma ou origem, deve cooperar para o bem do homem. A energia e os problemas que ela põe não devem servir os interesses egoístas de grupos particulares, que procuram aumentar o círculo da sua influência económica e política; com mais razão ainda, não devem dividir os povos, colocar umas nações em estado de dependência em relações a outras, aumentando os riscos de guerra ou de hecatombe nuclear.

A energia é um bem universal que a divina Providência pôs ao serviço do homem, de todos os homens, seja qual for a parte do mundo a que pertençam, e precisamos de pensar também nos homens de amanhã, porque o Criador confiou a terra e a multiplicação dos seus habitantes à responsabilidade do homem.

Julgo que se pode considerar como dever de justiça e de caridade o esforço resoluto e perseverante feito para economizar as fontes de energia e respeitar a natureza, não só para que toda a humanidade de hoje as possa aproveitar, mas também as gerações futuras. Somos solidários das gerações futuras. E espero que os cristãos, movidos de forma particular pelo reconhecimento para com Deus, pela convicção do sentido da vida e do mundo, pela esperança e por uma caridade sem limites, sejam os primeiros a apreciar este dever e a .tirar dele as consequências.

Agradeço-vos, Senhoras e Senhores, terdes respondido em número tão imponente — atendendo à vossa elevada competência — ao apelo que vos dirigiu a Pontifícia Academia das Ciências, e formulo os melhores votos por que os vossos trabalhos sirvam para o bem de toda a humanidade. Peço a Deus que vos ajude nesta nobre tarefa, no momento em que parto para a Alemanha para comemorar Santo Alberto Magno, cuja obra científica foi considerável no seu tempo, ao lado da reflexão filosófica e teológica. Peço ao Senhor igualmente que vos abençoe e às vossas famílias.




Discursos João Paulo II 1980 - Quarta-feira, 12 de Novembro de 1980