Discursos João Paulo II 1980

Domingo, 7 de Dezembro de 1980



Caríssimos irmãos
e amados filhos e filhas

Expressastes o desejo de vos encontrardes com o Papa, numa audiência especial a vós reservada, para vos deterdes um pouco com ele e manifestar assim a vossa fé e o vosso respeito. Fostes ouvidos! Grande por isso é a vossa alegria; mas maior ainda é a minha. Demos graças ao Senhor por este dom de fraternidade e amizade, que nos consola e conforta. E aceitai agradecimentos também vós todos que viestes, trazidos pelo afecto e pela ansiedade de pessoas crentes e sensíveis.

1. Saúdo primeiramente a peregrinação da Diocese de Concórdia-Pordenone, organizada para comemorar, de modo digno e concreto, o primeiro decénio de actividade pastoral do Bispo e para dar novo impulso à vida diocesana inteira. Saúdo com sincera deferência Dom Abramo Freshi, vosso amado Pastor, juntamente com os Sacerdotes, os Religiosos e as Religiosas; saúdo as Autoridades Civis de todos os graus, que desejaram honrar com a sua participação a iniciativa: sobretudo quero saudar-vos a vós, caros fiéis, Povo de Deus e da Igreja de Veneza Júlia, bem conhecida Região da Itália pelos seus dramáticos reveses e pelo seu carácter austero e corajoso; e por vosso meio, apresento a minha afectuosa saudação aos 300 mil habitantes de toda a Diocese que representais aqui.

A vossa presença, tão variada mas tão homogénea, à volta do vosso Bispo e dos vossos Sacerdotes, junto do Sucessor de Pedro, sugere um conselho, que desejo deixar-vos como especial recordação: permanecei sempre unidos! Amai-vos uns aos outros! Trabalhai juntos com amor, com bondade, com compreensão e dedicação recíproca! A vossa terra, profundamente cristã e duramente atribulada, saiba manter as características da fraternidade, da ajuda mútua e da fé convicta nos valores supremos que orientaram os vossos antepassados através da história, entre tantas peripécias e adversidades. Este é o voto sincero que vos confio neste memorável encontro.

2. Saúdo agora com particular efusão o numeroso grupo de Sacerdotes e Educadores, de jovens e adultos, da Acção Católica Juvenil que participam no Encontro Nacional para educadores paroquiais, sobre o tema: "As crianças reclamavam pão e não havia quem lho repartisse". Tenho gosto de poder, antes de tudo, apresentar as minhas reconhecidas boas-vindas ao Assistente-Geral da Acção Católica, Dom Giuseppe Costanzo, ao novo Presidente-Geral, Professor Alberto Monticone, e a todos os outros dirigentes e responsáveis.

A vós, de modo particularíssimo, caríssimos Jovens, chegue a minha saudação, cheia de cordialidade, amizade e confiança. Agradeço-vos a vossa presença e sobretudo a vossa generosidade. Alegro-me intensamente com esta vossa participação nas iniciativas do Centro e aprecio profundamente o vosso interesse pela formação humana e cristã da juventude.

Agradecei ao Senhor que vos chamou a esta nobre e alta missão, que enche de santo fervor a vossa vida e a compromete em vista de esplêndidos ideais. Ao mesmo tempo senti-vos responsáveis por uma tarefa delicada e importantíssima, para a qual sempre tendes necessidade de luz interior e fortaleza. Estou certo que regressareis às vossas paróquias ricos de santo entusiasmo para amar os jovens a vós confiados, para lhes partir com convicção e segurança o pão da verdade, da caridade e da santidade, seguindo os passos do Amigo Jesus. Tendes um encargo maravilhoso. Desempenhai-o com paixão e delicadeza, recordando-vos que des-te modo servis a Igreja e contribuís, de modo directo e determinante, para a formação dos jovens, para a salvação da família e portanto da sociedade.

Sobretudo procurai inculcar nos jovens o "sentido da missionariedade". De facto, pela riqueza da graça, pelos dons naturais e pela cultura religiosa que possuem, também as crianças podem e devem ser "testemunhas" vivas de Cristo entre os seus companheiros, em todos os ambientes em que se encontram, de modo que façam conhecer e amar a sua mesma fé. Ajudai a que desperte esta vocação e aos chamados indicai o modo concreto para a pôr em prática, pois toda a Acção Católica deve ser essencialmente missionária.

Caríssimos

Ao despedir-me de vós, depois deste breve parêntesis tão afectuoso e tocante, não posso deixar de assegurar-vos que me recordarei de vós nas minhas orações. Permaneçamos todos unidos na fé, na esperança e na caridade recíproca. Tudo passa, mas o amor fica. Recordemo-nos uns dos outros, convencidos que não há felicidade senão no serviço do Senhor.

Ajude-vos e inspire-vos Nossa Senhora Imaculada, a Virgem da Esperança, a quem vos recomendo a todos, fiéis de Concórdia-Pordenone e educadores da Acção Católica Juvenil. Levai aos vossos ambientes o sorriso de Maria, Mãe nossa.

Com afecto vos concedo a Bênção Apostólica no nome do Senhor.



ATO DE VENERAÇÃO À IMACULADA NA PRAÇA DE ESPANHA

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

Solenidade da Imaculada Conceição da Bem-Aventurada Virgem Maria

Segunda-feira, 8 de Dezembro de 1980



Mãe de Cristo!

No dia da solenidade da tua Imaculada Conceição, vimos a este lugar, consagrado já por longa tradição romana; a este lugar, circundado por uma constante recordação dos seus habitantes, para exprimir-mos, aos Teus pés, junto desta coluna comemorativa, a nossa veneração e o nosso amor.

Fazemo-lo, como Igreja, que a Providência escolheu para a Sé de São Pedro e ligou com o seu martírio e com o de São Paulo co-apóstolo tornando esta Igreja especial centro da unidade e do amor para com todas as Igrejas no globo terrestre inteiro.

Fazemo-lo, ao mesmo tempo, como Cidade que, desde os séculos passados assim como hoje, se sente ligada a esta grande tradição da missão e do serviço apostólico.

Estamos pois de novo todos a teus pés para prestar-te, uma vez mais, testemunho da nossa veneração e do nosso amor, no dia em que a Igreja recorda o mistério da tua excepcional eleição por parte de Deus.

Mãe nossa!

Neste lugar desejamos ao mesmo tempo falar-Te — assim como se fala à Mãe — de tudo o que forma o objecto das nossas esperanças, mas também das nossas preocupações; das nossas alegrias, mas também das nossas aflições; dos temores e até das grandes ameaças.

Somos porventura capazes de exprimir tudo isto e de chamar-lhe pelo seu nome?

Exigiria muito tempo, seria como uma longa ladainha das questões e dos problemas, que afligem o homem contemporâneo, as nações e a humanidade, a começar pela caríssima terra italiana tão gravemente provada pelo último terremoto. Algumas notícias que nos chegam de todas as partes do mundo (guerras, violências, terrorrismo, sinistros e cataclismas que deixam vítimas e lutos em tantas famílias) são motivo de particular apreensão. Entre os acontecimentos a todos conhecidos, quereria recordar os graves assassínios mesmo de pessoas religiosas, como em El Salvador, ensanguentado por lutas fratricidas. E não posso deixar de falar, também como filho da minha Pátria, da minha terra da Polónia. Notícias alarmantes são difundidas e todos esperamos que não sejam confirmadas.

A Ti confio, ó Imaculada Mãe de Deus, o meu povo, a minha Pátria tão fiel a Cristo e à Igreja, de Ti tão devota.

Outros problemas ficam no segredo dos corações humanos e das consciências. Cada um de nós traz para aqui tantas preocupações semelhantes e tantos problemas que lhe dizem respeito a si mesmo, à sua família, ao próprio ambiente, à comunidade a que está ligado ou de que se sente responsável.

Embora nós não o manifestemos em voz alta, Tu, ó Mãe, sabe-lo melhor, porque a mãe sabe sempre...

Tu, ó Mãe, sabes melhor quais são os problemas da Igreja e do mundo contemporâneo, com que vem aos Teus pés o Bispo de Roma, assim como cada um dos presentes. Então, aceita-os, tem a bondade de aceitá-los e de ouvir esta nossa oração sem palavras.

E, sobretudo, recebe as expressões da nossa ardente gratidão por estares connosco, por te encontrares connosco todos os dias e particularmente no dia solene de hoje.

E continua!

Continua connosco cada vez mais. Encontra-te connosco cada vez mais frequentemente, porque temos muita necessidade. Fala-nos com a tua Maternidade, com a tua simplicidade e santidade. Fala-nos com a tua Imaculada Conceição!

Fala-nos continuamente!

E obtém-nos a graça — mesmo quando estivermos muito longe — de não perdermos a sensibilidade da tua presença no meio de nós.

Amém.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS DELEGADOS DO CONGRESSO


EUCARÍSTICO INTERNACIONAL


Terça-feira, 11 de Dezembro de 1980



Caros Irmãos e caros Filhos

1. Eis-nos a uns sete meses do Congresso Eucarístico Internacional de Lourdes. Revestirá este importância particularíssima, pois há-de marcar o centésimo aniversário do primeiro Congresso Internacional de Lille e decorrerá na cidade mariana tão querida a todos os peregrinos do mundo. Viestes de numerosos países para tomar as alturas quanto aos preparativos e vos pôr de acordo sobre as linhas dominantes da celebração. O Papa, bem o sabeis, sente-se particularmente interessado por este Congresso. Significa isto quanto ele se interessa pelos vossos trabalhos e deseja que eles levem aos melhores frutos. Quereria expressar-vos os meus vivos incentivos, para o vosso trabalho de concentração de esforços, quanto a sensibilizar o povo cristão e quanto a programar o Congresso em si.

2. Primeiro, no que se refere à preparação do povo cristão, bem compreendestes que estava nisso uma ocasião providencial para fazer progredir o sentido da Eucaristia nos Padres, nos Religiosos e nos Fiéis, bem para além do circulo restrito dos que poderão participar no Congresso mesmo, ou ao menos pela rádio e pela televisão. Numa palavra, trata-se de melhor fazer compreender o lugar central da Eucaristia na Igreja. Isto diz respeito a todas as comunidades cristãs. Não é a Eucaristia que estrutura a Igreja? O tema "Jesus Cristo, pão partido para um mundo novo", pode tornar-se como que uma sinfonia de múltiplas ressonâncias mas que devem todas proceder da essência do mistério da fé — Cristo realmente presente e oferecido sob as espécies de pão e de vinho — e exprimir de maneira adequada todas as consequências fundamentais deste mistério.

Para tudo dizer com uma só palavra, queremos celebrar solenemente a Aliança de Deus com os homens — e o nosso mundo tem mais que nunca necessidade de ouvir esta Boa Nova. Esta Aliança, estabelecida no sacrifício e na ressurreição de Cristo, é proposta em partilha a todos os homens, por um alimento sagrado que os liga realmente a Cristo e entre si, graças a Ele, de maneira que ultrapassa tudo o que subiu ao coração do homem, porque ela é a última palavra do Amor. Convém não deixar passar nenhum aspecto desta participação na Eucaristia. Ela comporta primeiramente a acção de graças e adoração que hão-de encontrar lugar eminente no Congresso, nas celebrações da Missa, nas procissões e nas horas de recolhimento diante do Santíssimo Sacramento. Compreende a conversão que a prepara e a acompanha, na linha das primeiríssimas palavras do Evangelho e da mensagem confiada a Bernadette Soubirous. Pede compromisso resoluto a que se viva o amor recebido de Deus nas relações efectivas de justiça, de paz e de misericórdia, partilhando as diversas formas do pão quotidiano com todos os nossos irmãos. Assim deve aparecer a Eucaristia, na sua dimensão vertical e horizontal. Assim se prepara o renovamento profundo das pessoas e, pouco a pouco, o renovamento do mundo.

Felicito portanto e animo vivamente todos os que já aplicaram, no próprio país, os meios para despertar a oração, a reflexão e a acção, tendo por eixo o mistério eucarístico. Penso por exemplo nas cartas de certos Pastores. É preciso, ao mesmo tempo, desenvolver estas iniciativas, nos planos teológico, espiritual e pastoral, e velar pela autenticidade delas em relação com o Testamento de Cristo.

3. Mas, além desta pedagogia que interessa cada uma das vossas Igrejas locais, estais reunidos em Roma neste momento para encarar a organização laboriosa do Congresso, vos debruçar sobre o seu programa, sobre os problemas da sua realização e da participação. Impõem-se opções para atingir, com mais segurança, o essencial, e exprimir do melhor modo os aspectos diversos de que falámos. Pertence-vos pesá-los prudentemente, tendo em conta vários critérios: primeiramente, a experiência e as tradições dos Congressos Eucarísticos precedentes, com os elementos que já deram provas de si; o carácter festivo e as outras exigências destas grandes reuniões populares de fiéis provenientes de muitos países e diversos meios, para que todos possam associar-se facilmente à oração; a graça particular da cidade mariana de Lourdes com as suas manifestações de piedade eucarística e as suas diligências pessoais de reconciliação; a atenção dirigida para os doentes e para os sofrimentos do mundo; e ainda certas exigências novas que surgem para permitir aos diferentes grupos, por exemplo aos jovens, reflexão aprofundada, expressão de oração adaptada e participação efectiva.

O Congresso deve constituir excepcional momento de testemunho prestado à Eucaristia, como proclamação da fé da Igreja patente a todos, manifestação de caridade evangélica e, ao mesmo tempo, fonte de esperança para todos os que estão a caminho e a misericórdia de Deus chama à salvação e à unidade em Jesus Cristo.

Não podendo prolongar hoje a nossa conversa, abençoo de toda a alma a vossa delegação. Oxalá a vossa harmonia em combinar os alvitres e a caridade mútua preparem bem o caminho para o Congresso. O Espírito Santo vos dê em abundância a Sua luz. A Virgem Imaculada, Nossa Senhora de Lourdes, nos ajude a todos a pormo-nos a ouvir o seu Filho, nos prepare para venerar, receber e repartir o pão da vida, que deve regenerar o mundo.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


A UM GRUPO DE SACERDOTES


DOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA


Terça-feira, 11 de Dezembro de 1980



Caros irmãos Sacerdotes

1. Tenho a felicidade de encontrar esta ocasião para me reunir convosco ao completardes na Casa de Santa Maria o vosso curso de continuação da formação teológica, e ao preparardes o vosso regresso à pátria. Sabeis que, durante estes momentos que passamos juntos, Jesus Cristo está no meio de nós porque estamos reunidos no Seu nome e na fraternidade do nosso sacerdócio.

Por graça de Deus e com o incentivo dos vossos Bispos e Superiores religiosos, tivestes a oportunidade maravilhosa de uma prolongada reflexão sobre a teologia e a Sagrada Escritura. Ao mesmo tempo estou certo que vós conhecestes as outras vantagens que vê o Concílio Vaticano II ligadas a cursos como o vosso: reforçamento da vida espiritual e comunicação benéfica das experiências apostólicas (cf. Presbyterorum Ordinis PO 19).

2. E agora estais de regresso ao meio do vosso povo, de todas essas comunidades em que exerceis o vosso ministério pastoral. Estais a regressar, queira Deus, a fim de proclamar, com ainda maior conhecimento e zelo, a Boa Nova da Salvação, que revelou o misericordioso e afectuoso Pai, e a Igreja, em fidelidade a Cristo, comunica de uma geração à seguinte.

A proclamação do Evangelho é a vossa tarefa primária como cooperadores com os vossos Bispos, e atinge a sua realização plena no Sacrifício Eucarístico (Presbyterorum Ordinis PO 4,13). É a missão a que vós sois chamados; é a razão pela qual fostes ordenados.

3. Mas para serdes totalmente eficazes como Sacerdotes, as vossas vidas no seu todo devem ser dedicadas à palavra de Deus e Aquele que é a Palavra Encarnada do Pai, Jesus Cristo nosso Senhor e Salvador, nosso Sumo Sacerdote.

A palavra de Deus é o critério para toda a nossa pregação. O poder inerente à palavra de Deus é o que nós oferecemos ao nosso povo, e é este poder que une os fiéis e os constrói em santidade e justiça. A palavra divina é uma exigência para com o Povo de Deus — e para com o coração de cada um de nós — mas traz consigo fortaleza, imensa fortaleza; e quando abraçada, produz alegria e satisfação. A palavra de Deus, que estais chamados a proclamar e sobre a qual toda a comunidade de fé está construída, é a mensagem da Cruz. Quando nós nos reunimos dia após dia, semana após semana, para celebrar o mistério da fé, procuremos apresentá-la e explicá-la nos seus vários aspectos, que tão vitais são para a vida da Igreja: a aura e o perdão, o sofrer e a salvação, a vitória e a eterna misericórdia, que nos são mostradas por Cristo. Como São Paulo estamos nós verdadeiramente conscientes de nos apresentarmos "cheios de fraqueza, de temor e de grande tremor" e sem "a força persuasiva da sabedoria humana", mas é com a palavra de Deus que nós possuímos sempre "o convincente poder do Espírito". E com São Paulo estejamos sempre prontos a falar em plena verdade ao nosso povo, dizendo: "A vossa fé não se apoia na sabedoria dos homens mas no poder de Deus" (1Co 1,2 1Co 4-5).

4. Oxalá os duradouros resultados do vosso curso em Roma constituam renovada obrigação quanto à palavra de Deus. Continuai, caros irmãos, a estudar a palavra de Deus; a meditá-la e a vivê-la. Crede na palavra de Deus com todo o vosso coração. Pregai-a, unidos com toda a Igreja, em toda a sua pureza e integridade.

E finalmente sujeitai as vossas próprias vidas totalmente às suas exigências e inspirações.

E oxalá Maria, Esposa do Espírito Santo e Mãe dos Sacerdotes, sustenha cada um de vós no seu ministério da palavra e na sua consagração sacerdotal a Jesus Cristo, a Palavra eterna, que "se fez carne e habitou entre nós" (Jn 1,14).



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS BISPOS DO VIETNAME


EM VISITA «AD LIMINA APOSTOLORUM»


Terça-feira, 11 de Dezembro de 1980



Irmãos caríssimos em Cristo

1. Ao Papa Paulo VI, que tanto padeceu com os vossos sofrimentos e tanto esperou acolher os Bispos do Vietname, foi unicamente dada a grande alegria de receber no Colégio dos Cardeais o antigo Arcebispo de Hanói, o muito venerado Dom Joseph Trin Nhu Khue. Este acontecimento característico deixava pressagiar que os Pastores das Dioceses Vietnamitas poderiam por fim tomar o caminho de Roma e encontrar-se com o Irmão mais velho, o humilde sucessor de Pedro. O ano de 1980 constituirá data nos anais das vossas Igrejas locais. Como não recordar a visita dos vossos Irmãos, vindos sobretudo do Norte do Vietname, em Junho último? A comovedora saudação do Cardeal Joseph-Marie Trinh van Can, quando da audiência colectiva a 17 de Junho, a conversa pastoral que me foi concedido ter com eles sobre os principais problemas religiosos do vosso país, assim como a agradável tarde de permutas e descanso passada sob o tecto da vossa Procura romana, permanecem como lembranças bem vivas e queridas ao meu coração. E vós, com quem eu tivera a grande felicidade de me encontrar particularmente em meados de Outubro, eis-vos aqui de novo reunidos para o abraço do "até mais ver". Pois tenho boa esperança de vos acolher ainda, fraternalmente precedidos pelo Senhor Arcebispo de Hochiminhville. Tereis a felicidade de levar convosco, mas igualmente para os vossos Irmãos já vindos, o testemunho renovado da profunda afeição do Papa e as suas palavras de ânimo, reiteradas para que vivais na unidade, na esperança e no generoso serviço da vossa pátria.

2. A "graça" de Roma não é palavra vã. Pudestes por fim encontrar-vos, ver e ouvir aquele que a Providência misteriosamente fez vir de longe para assumir o temeroso encargo de confirmar os seus irmãos na fé e na caridade. Permiti-me que vos assegure, uma vez mais, que estou especialmente perto dos Bispos do Vietname, devido à minha missão particular e igualmente por eu próprio ter vivido as exigências e as esperanças de uma Igreja local, ainda que no quadro de uma Conferência Episcopal que me ajudou muito, sem falar da rica experiência colegial do Concílio e dos Sínodos romanos. Vós também, estai com o Papa, aconteça o que acontecer. A experiência secular da Igreja leva a dizer que as iniciativas do Episcopado, longe de serem estranhas ao cuidado da unidade católica, encontram na referência ao Bispo de Roma a garantia e o incentivo de que precisam.

A comunhão "efectiva e afectiva" com o Sucessor de Pedro é a condição sine qua non da unidade entre vós, unidade de que o povo tem necessidade vital. A exortação de São Cipriano, Bispo de Cartago no século III, no momento em que a unidade entre os Bispos do seu país estava ameaçada, é ainda hoje actualíssima: "Devemos manter esta unidade, nós sobretudo os Bispos que presidimos à Igreja, a fim de testemunharmos que o episcopado é uno e indivisível. Ninguém engane os fiéis nem altere a verdade. O episcopado é uno..." (De unitate Ecclesiae, 6-8). Deus seja louvado, esta unidade existe entre vós, mas deve crescer ainda. Precisamente torno a exprimir os meus votos ardentes por que um dos instrumentos privilegiados desta unidade de vista e de acção apostólica — a saber, a Conferência Episcopal com as suas diversas estruturas — se desenvolva concreta e harmoniosamente. Os primeiros passos da vossa Conferência, como a primeira carta colegial publicada pelos 37 Bispos do Vietname em Maio passado, foram para mim fonte de grande conforto e de acção de graças. Esta união dos espíritos e dos corações constitui em si mesma caminho da evangelização. "Para que todos sejam um só... como Tu, ó Pai, estás em Mim e Eu em Ti, que eles também sejam um em Nós para que o mundo creia que Tu me enviaste" (Jn 17,21). A unidade dos Bispos entre si foi sempre e sempre será a chave da unidade do presbitério, dos religiosos e das religiosas, tão intimamente associados ao ministério do Evangelho, e dos leigos cristãos cada vez mais chamados a tomarem a sua parte na edificação das comunidades de fé, que procuram adaptar-se judiciosamente às necessidades novas.

3. Desejo também confiar-vos outra aspiração. Com a ajuda do Senhor, vivei cada vez mais na esperança: a esperança evangélica fundada na verdade da nossa fé, na solidez da nossa concepção da existência humana. Certamente, melhor que qualquer outro, conheceis vós por dentro o número e o peso das dificuldades que sobrecarregam o vosso país e o vosso ministério pastoral. Medis porém igualmente o dinamismo espiritual que anima agora os vossos fiéis e eles vão buscar ao aprofundamento do Mistério pascal do Senhor Jesus. Abandonando-se nas mãos do seu Pai, Cristo fez por assim dizer explodir a partir de dentro o destino que parecia esmagá-1'O. Transformou a necessidade em esperança. Hoje Cristo, morto e ressuscitado, convida os Pastores e os fiéis vietnamitas a reler as Escrituras e a longa história da Igreja que é o seu Corpo místico para renascer para a esperança. Cristo parece dizer a todos e a cada um: por mais longa que seja a noite, a alvorada vem sempre à sua hora. Vale acaso a pena acrescentar que esta esperança, bebida na cruz e ressurreição do Senhor Jesus, nada tem que ver com uma piedosa resignação, um quietismo que contradissesse os apelos evangélicos à coragem?

Tal esperança faz dirigir olhares novos para as pessoas e os acontecimentos, impele a que se procurem soluções novas, leva a recomeçar as mesmas tentativas melhorando-as sempre. Vede vós mesmos, caros Irmãos, a pedagogia de Cristo. Não é ela verdadeira pastoral da esperança? Medi a vossa responsabilidade. A esperança, com efeito, é contagiosa.

4. Por fim, a minha terceira aspiração é esta: mostrai cada vez mais quanto amor tendes à vossa pátria. Neste plano tão importante e tão delicado, o comportamento de Cristo é igualmente significativo. Sem medo de errar, pode-se afirmar que Ele amou verdadeira e profundamente o seu país. Com dignidade e fidelidade partilhou os seus sofrimentos e as suas esperanças. Sabeis também como o recente Concílio pôs em relevo a obrigação, para todos os cidadãos, de participarem na vida da nação, na consecução do bem comum (cf. Constituição Gaudium et Spes GS 75, parágr. 5). Felicito-vos por terdes sabido traduzir este ensinamento do Vaticano II na Carta colectiva do Episcopado Vietnamita, à qual fiz alusão há pouco. Oxalá todos os fiéis compreendam bem que o seu estilo de participação no desenvolvimento da comunidade nacional é a maneira de anunciar o Evangelho. Oxalá, em compensação sejam reconhecidos como servidores leais e corajosos do próprio país. Não quereria deixar de sublinhar que, nos seus esforços para colaborarem na reconstrução e no progresso do Vietname, a caridade das Igrejas particulares e o auxílio das Organizações Católicas, que se manifestaram tantas vezes e generosamente, lhes estão sempre garantidas.

5. Partilhei convosco algumas convicções profundas. Vós partilhá-las-eis também com os vossos Irmãos já vindos em visita "ad limina". Assim vos falei pensando sem cessar na Cruz de Cristo, sem a qual a existência humana não tem nem raízes nem futuro, pensando na Mãe de Cristo, tão honrada nas vossas igrejas e nas moradas dos vossos fiéis, esperando que os Bem-Aventurados Mártires do Vietname, e do mesmo modo São Francisco Xavier e Santa Teresa do Menino Jesus, que vós gostais de evocar, vos acompanharão também neste mistério da paixão e da ressurreição das comunidades católicas vietnamitas.

Para vós, caros Irmãos aqui presentes, para todos os Bispos do Vietname e para os seus respectivos diocesanos, concedo de todo o coração a minha Bênção Apostólica.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AO SENHOR HUGO ESCOBAR SIERRA NOVO EMBAIXADOR


DA COLÔMBIA JUNTO DA SANTA SÉ POR OCASIÃO


DA APRESENTAÇÃO DAS CARTAS CREDENCIAIS


Sexta-feira, 12 de Dezembro de 1980



Senhor Embaixador

Ao receber hoje as Credenciais que o acreditam como Embaixador Extraordinário e Plenipotenciário da Colômbia junto da Santa Sé, é-me sobremaneira grato dar a Vossa Excelência as minhas boas-vindas mais cordiais.

Quero antes de tudo desejar-lhe, neste dia, contínuo bom êxito no feliz cumprimento da sua alta missão. Sabe Vossa Excelência muito bem que é missão singular, cujo prestigio e credibilidade não estão limitados, como poderia de facto acontecer com outros mandatos de carácter semelhante, à consecução de meros objectivos vantajosos em áreas do poder temporal.

A sua presença aqui reveste significado particular e é portadora de um caudal de valores que fluem de mananciais muito distintos desse âmbito temporal quer dizer, de saber e sentir como entre o seu País e a Igreja — à qual preside na caridade esta Sé Apostólica — teve e continua a ter uma colaboração efectiva, de encontro comum, que tem como centro a pessoa humana e é caracterizada pela actuação dos princípios cristãos ao serviço da mesma.

Foi para mim verdadeiro prazer ouvir as palavras acabadas de pronunciar por Vossa Excelência, que vieram assegurar-me de alguma coisa que, dentro de mim era já uma convicção: que a Igreja não só esteve junto do povo colombiano no seu crescimento histórico, mas se inseriu profundamente na sua alma com a mensagem de salvação pelo amor, dando assim vida e configuração própria ao espírito nacional. Não creio pois arriscado afirmar: quem não compreenda este facto real — ou o que seria pior, procurasse desfigurá-lo — renunciaria já de antemão a conhecer o substrato profundo, a base cultural de maior solidez, a cristã, capaz de dar expressão às aspirações mais genuínas das gentes da Colômbia.

Isto quer dizer também que, olhando para o futuro, não se pode embaraçar, nem muito menos congelar, essa linfa espiritual e moral, inoculada pela Igreja mediante o seu trabalho evangelizador. Poderão modificar-se sistemas; será necessário empreender reformas e iniciativas adequadas para suprimir diferenças e superar desequilibrios que podem perturbar a consciência da justiça, a solidariedade fraterna, ou a desejada convivência ordenada e pacífica.

No entanto, se se procura realmente uma progressiva maturidade integral da pessoa, deverá ter-se sempre presente a alma, a personalidade interior de um povo, que se foi constituindo historicamente como tal, à medida que se consolidarem contemporaneamente a sua cultura e a sua identidade cristã. Está aí precisamente um dado fixo que, com a sua constância igual a uma grande clarividência que lhes faz honra, souberam manter e corroborar os Próceres colombianos. Além de nociva, seria portanto superficial a exclusiva pretensão de querer misturar essa base fundamental com outras formas de interpretar e avaliar a existência humana ou que se apoiem em ideologias estranhas, incompatíveis com a profissão autêntica da fé ou com a prática da moral cristã.

Dizendo isto, quis pôr em evidência não só o afecto, mas também as grandes esperanças que deponho na Colômbia, de maneira especial nos filhos da Igreja. Afecto e esperanças correspondentes, por sua vez, a uma solicitude não menor por que a Igreja, sempre fiel à sua missão, continue a prodigar-se nessa sua dimensão animadora do homem e da sociedade. São sentimentos que pude comprovar felizmente nos meus encontros com os irmãos no Episcopado, e também como Senhor Presidente da República, Dr. Júlio César Turbay Ayala, de cuja visita conservo excelente recordação e a quem envio daqui a minha respeitosa saudação.

Senhor Embaixador Reiterando os meus melhores votos pelo bom êxito da missão que hoje começa, desejo igualmente assegura-lo das minhas orações por Vossa Excelência, pela sua Família e por toda a amadíssima Nação colombiana.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


ÀS DELEGAÇÕES DOS GOVERNOS


DA ARGENTINA E DO CHILE


12 de Dezembro de 1980



Excelentíssimos Senhores Ministros
Senhoras e Senhores

1. Sinto que uma emoção muito profunda comove o meu coração nestes momentos, em que, graças à amável resposta ao meu convite, tenho a oportunidade de vos receber, Senhores Ministros dos Negócios Estrangeiros da República da Argentina e da República do Chile, juntamente com as delegações que os vossos dois Governos acreditaram para os trabalhos da minha mediação na controvérsia sobre a zona austral.

Estou certo de não me enganar, pensando que os vossos dois povos e as vossas mais altas Autoridades vivem, coma também vós viveis, emoção análoga ao pressentir que este dia poderá ser — nos desígnios de Deus, rico em misericórdia — o começo da etapa final de um trabalho árduo e difícil, empreendido para estabelecer, de modo firme e definitivo, a paz entre os vossos dois Países, tão queridos ao Papa, e também aos católicos.

2. É verdade que, desde o momento em que os vossos povos adquiriram a independência no concerto internacional, não faltaram divergências entre eles. É verdade que nem sempre se verificou, nas relações mútuas, uma completa e luminosa «tranquilitas ordinis», expressão concisa consagrada por Santo Agostinho para definir de maneira insuperável a paz.

Mas também é verdade — e salientei-o em Setembro do ano passado perante membros destas representações governamentais que «é belo e consolador constatar que nunca houve um conflito bélico entre os dois Países». Trata-se de um facto singular, talvez único na história das relações entre as Nações limítrofes. Quase me atrevia a dizer que vejo nisto especial assistência da Providência de Deus misericordioso.

Perante este facto, penso que ninguém poderá encontrar infundada ou carecida de lógica esta consideração: se Deus assistiu durante este tempo com tanto carinho ao desenvolvimento das relações entre as vossas duas Nações, como poderíamos eximir-nos nós a fazer tudo o que está nas nossas mãos para não perder esse dom inestimável da paz, privilégio da vossa história comum?

Em mais de uma ocasião e concretamente na mensagem para o «dia da&Paz» do ano de 1979 — insisti na necessidade de «educar para a paz», manifestando que tal objectivo se alcança também, segundo o meu modo de ver, mediante a realização de gestos de paz, dado que «a prática da paz leva à paz». Naqueles dias do final de 1979 — tão agitados e tensos para vós e para todos os vossos concidadãos, e também tão preocupantes para o meu recém-iniciado coração de Pastor comum —, Deus, Pai de todos, impeliu-me a levar a cabo um gesto de paz não fácil e sim audaz, arriscado, empenhativo, mas também esperançoso.

Gesto semelhante é o que me atrevo a pedir agora a duas Nações, que nunca se viram enfrentadas pela guerra, perante um mundo que, infelizmente, não chega a conhecer a paz e respira tantos temores e presságios de novas violências. E o gesto que peço aos vossos povos e, sobretudo, aos mais Altos responsáveis de ambos os Países: para estes últimos, defensores como são dos legítimos interesses nacionais, desejo a inigualável recompensa de a História se lembrar deles também pela sua valentia em jogar pela paz num momento difícil e em terem dado, desta forma, ao mundo — em particular àqueles que orientam os destinos das Nações — o exemplo da concórdia e da sensatez como critério que não exclui a adopção de decisões menos agradáveis em favor de uma paz verdadeira, completa, aberta ao progresso e à realização plena de uma convivência harmoniosa com as exigências da fraternidade humana.

Porque me parece indubitável que o gesto audaz de jogar pela paz, embora possa comportar tal tipo de decisões além de evitar perigosas exacerbações, mostrará a outros o caminho a seguir quando se apresentam dificuldades ou tensões nas relações internacionais e dará também frutos muito positivos nos vossos dois Países. «Diligentibus Deum omnia cooperantur in bonum», afirma São Paulo (Rm 8,28); para os que amam a Deus, «tudo» concorre para o bem; e jogar pela paz é o modo de amar a Deus.

Por isso, não tenho dúvidas em afirmar que, com a ajuda do Todo-Poderoso, será possível conseguir um bem, aproveitando este desacordo que tanta angústia causou durante os últimos anos. Realizando agora gestos de paz, será realmente, possível alcançar e conservar, daqui por diante, uma paz que represente verdadeira «tranquilitas ordinis», nos mais variados e amplos sectores da vida dos nossos Países; paz que leve a estreitar e fortificar, em proveito próprio os numerosos vínculos que vos unem; ainda mais, uma paz que pode ter repercussões benéficas fora das vossas fronteiras nacionais e inclusivamente fora do vosso próprio continente.

3. Depois de ter invocado as luzes do Senhor, aceitei o pedido de mediação, considerando também que a solução da vossa desavença poderia deveria — facilitar, além de um ordenado progresso próprio, também a intensificação e o desenvolvimento da cooperação e da integração entre duas nações irmãs, em tantos campos possíveis de actividade, sob a conveniente visão do futuro.

Tendo, como as vossas duas Nações têm, indiscutível identidade radical pela língua, pela fé e pelos sentimentos religiosos, não parece ao Mediador fora do lugar contemplar a possibilidade de estender essa comunidade substancial — tão antiga como elas — a outros terrenos (económicos, industriais, comerciais, turísticos, culturais...): são muito numerosas as circunstâncias que o tornam desejável e recomendável.

4. Por outro lado, esta perspectiva, que poderia parecer ambiciosa, não deixa de ser razoável e realizável. Basta ter em conta que os povos argentino e chileno se estimam e amam espontâneamente, profunda e sinceramente; é igualmente manifesto o seu desejo de conviver num ambiente sereno de paz segura e fecunda. Perante esta realidade, que nenhum observador imparcial pode desmentir, é lícito formular votos por que chilenos e argentinos vão realizando tão humano desejo: quer dizer, a obtenção de uma solução completa e definitiva da discórdia sobre a zona austral, selada com um Acordo solene de amizade perene, assumido perante a comunidade internacional. Tal Tratado comportaria logicamente o compromisso de resolver qualquer possível litígio futuro com meios pacíficos, excluindo — perpetuamente em ambas as Nações — o recurso à força: recurso a evitar porque vicia substancialmente qualquer solução que mediante ele se procura obter.

5. Se desta forma a controvérsia sobre a zona austral viesse a servir para que os desejos profundos dos dois povos se cristalizassem em tais compromissos, parece ao Mediador que nada de melhor se poderia desejar para essa zona do que convertê-la em símbolo e prova irrefutável de nova realidade; o que na minha opinião, se conseguiria declarando-a «Zona de paz», zona em cujo âmbito a Argentina e o Chile procurarão daqui por diante corroborar a sua decisão de convivência fraterna, abandonando todo o tipo de medidas ou atitudes que possam parecer menos adequadas para o desenvolvimento das suas relações amistosas.

6. Emoldurando este litígio, num quadro tão amplo quanto atraente, creio ser evidente que as dificuldades, que inegavelmente existem para se chegar a solução, ao ficarem iluminadas pelos benefícios que se lhes devem seguir, perdem valor e importância. Ao mesmo tempo, torna-se, por isso, mais imperioso chegar quanto antes a um acordo definitivo.

No fim de contas, penso que é necessário avaliar esta controvérsia em comparação com o conjunto de possibilidades de cooperação a que antes me referi e de outras possibilidades que vós podereis descobrir. Seria assim um tema que teria menor relevo, ao enquadrá-lo num projecto de dimensões ambiciosamente totalizadoras, que olha ao futuro. Por isso, seria pouco razoável avaliar despropositadamente o que podia dificultar ou comprometer tamanho bem.

Neste contexto, sou da opinião que possíveis limitações das aspirações naturais, compreensíveis e respeitáveis, relativas àquela zona geográfica, dificilmente poderiam alcançar uma entidade tal que justificassem validamente a não aceitação de sugestões e conselhos destinados à solução da controvérsia e o consequente fracasso dessa integração, que já desde há tempo é objecto de negociações e aspirações muito lógicas.

Por outras palavras: se a solução deste problema é destinada a abrir o caminho para um esplêndido desenvolvimento em benefício das duas Nações, vale bem a pena consagrar a essa solução a melhor boa vontade: as consequências vantajosas fariam, sem dúvida, esquecer todo o resto.

7. Mais de uma vez disse — recordando palavras do primeiro acordo de Montevideu — que a solução deve ser ao mesmo tempo justa, equitativa e honrosa. De facto, tais são as características que devem reunir um acordo verdadeiro e definitivo. E preciso buscar uma solução que se coloque num plano superior, esforçando-vos todos por descobrir os desígnios divinos, hoje em dia, no que diz respeito ao padrão de relações gerais entre os vossos Países.

Para procurar obter este resultado, creio que é necessário enriquecer de tal forma a justiça positiva, mediante a equidade, que seja possível chegar a expressar o justo e natural para o momento presente; justo e natural que não poucas vezes os homens não conseguem reflectir de modo perfeito nas suas normas concretas.

Posso assegurar-vos que, ao redigir esta proposta que presentemente, na minha qualidade de Mediador, vos devo entregar, quis inspirar-me — não podia ser diversamente — em critérios de justiça, que não pode ser lesada, quando se deseja não dar motivos a novos litígios. Procurei, ao mesmo tempo, acrescentar a esses critérios considerações de equidade, cuja concretização resulta — é verdade — menos fácil, mas que também não pode ser esquecida, quando se busca um acordo honroso. Quis, em definitivo, sugerir, para esta desavença, o que os antigos juristas romanos e também os canonistas posteriores significam com a expressão «ex bono et equo»; o que inclui que a inteligência e o juízo humanos, avaliando uma série de circunstâncias de vária índole, não deixem de lado, ou ignorem, o apoio e a luz da sabedoria divina.

Creio poder afirmar que segue também um esquema lógico o conjunto das indicações por mim propostas e, além disso, evita expressões que poderiam parecer menos agradáveis a uma Parte ou à outra. Não deixarei de ter em conta os entendimentos obtidos ou vislumbrados durante as negociações bilaterias do ano de 1978.

Se a solução que vos proponho é — como me parece — justa e equitativa, dificilmente deixará de ser honrosa para ambas as Partes, qualidade que todos desejam nas vossas Nações, como também todos nós.

8. Efectivamente, é claro que os vossos dois Povos anseiam pela paz. Demonstraram-no e manifestaram-no repetidamente por ocasião dos recentes Congressos Nacionais, Eucarístico e Mariano, celebrados no Chile e na Argentina com grande participação dos fiéis. Nas suas orações, estes católicos, guiados pelas respectivas jerarquias eclesiásticas, dedicaram uma intenção muito especial ao bom êxito desta Mediação. Estou certo que não interromperão as suas preces, sobretudo agora que estamos a entrar — pelo menos é este o meu desejo — na fase conclusiva dos nossos trabalhos.

Tenho a convicção de que toda a opinião pública dos vossos Países — tão interessada neste problema — não deixará de ajudar e amparar aqueles a quem por razão das suas altas missões, corresponde tomar decisões adequadas nas próximas semanas.

Por meu lado, considero verdadeira obrigação dar testemunho da deligência e da firmeza com que as Autoridades de ambas as nações, e todos os que aqui as representaram, expuseram e defenderam o que consideravam património das suas respectivas pátrias, com documentação abundantíssima e argumentos muito variados, explicados em centenas de conversações. Creio que ninguém — agora ou no futuro — deverá sentir-se autorizado a acusá-los de negligência ou incapacidade na defesa dos legítimos interesses nacionais, apesar de a aceitação, agora, das minhas sugestões e conselhos poder comportar modificações nas posições por eles mantidas. Fique sempre tranquila a sua consciência depois de terem cumprido cuidadosamente o próprio dever.

9. Ao começar as minhas palavras, indiquei-vos a minha emoção por este encontro. Não posso terminar sem vos comunicar que os meus sentimentos — os meus pressentimentos — se convertem em fundadas esperanças ao constatar, não sem ver nisso um sinal dá Providência, que a nossa reunião de hoje, e o que nela se trata, se está a realizar sob o olhar, amoroso e confiante, da Virgem Santa Nossa Senhora de Guadalupe: hoje é a sua festa e com ela começa o ano jubilar que recorda as célebres aparições de Dezembro de 1531. Como deixará de nos oferecer o seu apoio e toda a sua protecção Aquela a quem os vossos povos deram o título de Imperatriz das Américas? Como vai Maria Santíssima deixar de escutar as orações dos seus filhos argentinos e chilenos, que com tanto carinho e tanta confiança, a Ela recorrem em Luján e em Maipú?

Com afecto de filhos e com um coração repleto de esperança, peçamos-lhe que nos procure a paz. Ela, que em Belém ouviu o canto de paz dos anjos, nos conceda que desde agora — e não somente durante as próximas Festas natalícias — esse maravilhoso hino não deixe de ouvir-se — como voto, como palavra de ordem, como compromisso, como firme propósito e como testemunho de nova realidade — nas vossas Nações, que se prezam, ambas elas, do título de «terra mariana». E que se torne esse canto oração: Maria! Mãe nossa, Rainha da Paz, faz que os nossos espíritos se encham de desejos de paz e que estes se traduzam em obras de paz, para que a todos nós alcances a bem-aventurança prometida por teu Filho, Príncipe da Paz!

10. Com estes sentimentos, com esta esperança e também --porque não confessá-lo? — com certo tremor, que provavelmente vós próprios sentis, entrego-vos, senhores Ministros, em forma reservada, o texto da minha proposta, das minhas sugestões e dos meus conselhos. Estou certo que os vossos Governos o examinarão com serenidade.

Gostaria que nestas Festas do Natal, Ano Novo e Epifania do Senhor, em que nós cristãos estamos invadidos pela alegria da celebração litúrgica do mistério de «Deus connosco», pudesse amadurecer o fruto das vossas respostas. A ninguém surpreenderão a minha esperança e o meu sonho de que elas sejam tais que possam abrir um bom caminho para a feliz conclusão desta controvérsia, já longa e, nalguns momentos, verdadeiramente angustiosa.

Pela minha parte, estou disposto a continuar a minha actuação como Mediador até se estipular um acordo final. Oxalá o Senhor me conceda também poder amparar a sua fiel execução!

A vós, às vossas Nações e a todos os vossos concidadãos, e aos vossas Governos, os meus fervorosos votos de paz; de paz verdadeira, completa e definitiva; de paz que atinja e encha de alegria tidos os queridos filhos dos vossos países e se traduza também em frutos mais maduros de respeito mútuo, de convivência fraternal e de bem-estar cristão na vida quotidiana das vossas Nações! Com a minha cordial Bênção Apostólica.




Discursos João Paulo II 1980