Discursos João Paulo II 1980 - Quarta-feira, 19 de Dezembro de 1980

Conhecendo, com efeito, a importância crescente que traz consigo, para uma paz real e efectiva, no plano nacional e internacional, o gozo concreto dos bens espirituais e dos direitos inalienáveis que lhes correspondem, pareceu-me útil convidar os altos destinatários para uma reflexão aprofundada sobre o assunto, de tal maneira que ela favorecesse em cada país uma aplicação mais completa e mais orgânica, na vida real, da liberdade religiosa.

A sua resposta, que recebi muito recentemente, manifesta que tanto Vossa Excelência como o Governo jugoslavo compreendem a finalidade positiva deste documento. Este visa a conseguir que nos países empenhados em desenvolver o processo multilateral posto em movimento pela assinatura do Acto final de Helsínquia, todo o ser humano veja satisfeitas convenientemente as suas aspirações naturais mais íntimas de ordem espiritual, no plano individual e comunitário, e encontre assim incentivo e condições mais favoráveis para oferecer serenamente o seu contributo para se realizar maior bem-estar social para todos.

Penso que este documento, examinado à luz de tal perspectiva, poderá ter também os efeitos benéficos que se podem desejar para a vida e a actividade da Igreja católica na Jugoslávia, a fim de ela poder cumprir cada vez mais adequadamente a sua missão religiosa e moral. Tais progressos não deixariam também de facilitar o contributo dos católicos da Jugoslávia num melhoramento e consolidação da vida social.

3. Se a minha iniciativa corresponde à missão particular da Sé Apostólica, não é menos verdade que esta continua a seguir com viva estima qualquer iniciativa e qualquer outro esforço com intenção de vencer as tensões e as discórdias que perturbam cada vez mais a vida entre os homens e entre as nações e, por conseguinte, de fortalecer a paz e tornar possíveis melhores relações internacionais, na Europa e para além deste continente. A este propósito, conheço bem os esforços que a Jugoslávia continua a realizar, dentro dos diversos organismos internacionais, a fim de preparar os caminhos que permitem vencer as graves dificuldades que tornam ainda hoje tão frágil a paz do mundo.

Não causará, por conseguinte, surpresa que, ao mesmo tempo que lhe asseguro que a Santa Sé não deixará de se pronunciar e trabalhar em favor de um diálogo prudente, aberto e leal — considerando-o como o caminho humano e justo que permite atingir a solução ambicionada dos problemas complexos que preocupam a opinião pública mundial —, lhe renovo, Excelência, os meus votos fervorosos pelo prosseguimento da acção que o seu país empreendeu neste sentido, a qual é também o fruto da atitude de legítima independência que a caracteriza de há anos.

4. Neste fim do ano de 1980, permita-me, Senhor Presidente, dirigir a todas as populações da Jugoslávia, e primeiramente a si próprio e às Autoridades federais e locais, os meus melhores votos para que o ano que vem traga a todos, entre muitos outros dons, a alegria de um constante progresso que seja capaz de satisfazer as suas aspirações humanas, materiais e espirituais. Peço ao Senhor que assim seja, e considero um dever desejar igualmente venturosa festa de Natal a todos os que, na Jugoslávia, compartilham na fé a alegria da sua iminente celebração



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AO SENHOR YAYA DIARRA


PRIMEIRO EMBAIXADOR DO MALI


JUNTO DA SANTA SÉ POR OCASIÃO


DA APRESENTAÇÃO DAS CARTAS CREDENCIAIS


Sábado, 20 de Dezembro de 1980



Senhor Embaixador

Ao acolher Vossa Excelência nesta casa, na qualidade de primeiro Embaixador Extraordinário e Plenipotenciário da República do Mali junto da Santa Sé, sinto viva satisfação. De facto, o estabelecimento de relações diplomáticas entre a Sé Apostólica e o Mali reveste significado muito particular, num mundo muito frequentemente guiado apenas pelos interesses económicos. Tais relações, desejadas e efectuadas por ambas as partes a este alto nível, manifestam a preocupação de introduzir, nos laços internacionais, o dinamismo, tão necessário, dos valores espirituais.

Vossa Excelência, Senhor Embaixador, teve a bondade de evocar os esforços que tenho envidado em favor de uma compreensão maior entre os homens e as nações. Eles serão tanto mais frutuosos quanto mais encontrarem nos povos uma concepção certa do homem, da sua dignidade inalienável e da sua dimensão espiritual, que não lhe permite limitar-se à satisfação das suas necessidades imediatas, mas lhe lembra a sua misteriosa vocação de abertura a Deus. Não estará esta intuição profundamente radicada na alma africana? É conveniente preservá-la e expandi-la.

Tal visão não desvia das tarefas imediatas. Dá àqueles que as empreendem um espírito novo e, estou convencido, uma tenacidade reforçada, quer se trate de lutar contra a ignorância, contra as doenças, ou contra a seca; ou mesmo de ajudar os indivíduos e as colectividades a tomarem nas mãos os meios necessários para o desenvolvimento, ou ainda de ensinar a juventude a colocar a sua sede de ideal na realização de obras exaltantes e úteis para a comunidade. A colaboração internacional deve, por seu lado, procurar tais fins, e dedicar-se em primeiro lugar a estabelecer condições de paz e de maior justiça, fundadas sobre o respeito da personalidade das comunidades e dos povos. É mesmo isto, aliás — e Vossa Excelência fez-lhe alusão — uma exigência especialmente sentida no Mali, onde se encontram a viver juntas populações de origens diversas, reivindicando justamente pertencerem a civilizações antigas e brilhantes.

É assim que podereis enfrentar, juntos, os problemas dificeis causados ao país pelas condições climáticas, frequentemente desfavoráveis, que Vossa Excelência recordou. Com muita atenção — deve acreditá-lo — sigo os esforços empreendidos para as enfrentar, tanto no plano nacional como no internacional. Há aqui um terreno de acção oferecido à solidariedade dos povos, que requer coragem, abertura de coração e altruísmo. Renovo os encorajamentos que a este respeito eu próprio exprimi em Maio passado em Uagadugu.

É precisamente este espírito de serviço que anima a Igreja Católica no Mali. Ela propõe-se, por seu lado, com a liberdade de que goza, prosseguir este serviço de todos, sem distinção alguma, pelas suas obras de ensino e da assistência sanitária e social. Regozijo-me de poder, neste dia, por meio de Vossa Excelência, saudar os cristãos do Mali, entre todos os seus compatriotas.

É, com efeito, para todos os naturais do Mali, que dirijo nesta altura o pensamento e, em primeiro lugar, para Sua Excelência o General Moussa Traore, que o designou para representar o país junto da Santa Sé, Queira transmitir-lhe os votos que formulo pela prosperidade do Mali e pela afirmação das relações amistosas que acabam de ser confirmadas de modo oficial.

Quanto a Vossa Excelência, Senhor Embaixador, sinto-me feliz em lhe formular os meus melhores votos pelo bom êxito da sua elevada missão e de lhe assegurar que encontrará sempre aqui o compreensivo acolhimento de que possa ter necessidade.

O Altíssimo o cumule, como também aos seus Familiares, das suas bênçãos.

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

AOS JOVENS DA ACÇÃO CATÓLICA ITALIANA

Sábado, 20 de Dezembro de 1980



Caros Jovens da Acção Católica

1, Esta é para mim ocasião de alegria: encontrar-me convosco para receber os bons votos de Natal que vós me trazeis também em nome de todos os jovens da Acção Católica Italiana. Mas é também ocasião de tristeza, porque vós provindes, como representantes dos vossos coetâneos, daquelas zonas do Sul da Itália que foram tão duramente provadas pelo recente sismo, que foi causa de tremendas agitações, semeando num momenta destruição e morte.

Vós fostes testemunhas daqueles momentos de enorme sofrimento, e todavia, fortes da vossa fé cristã, fazeis-vos portadores, junto do Papa, de um voto de alegria e de paz, quase para Lhe exprimir as certezas evangélicas que vos acompanham no fadigoso caminho da hora presente. Caros jovens, agradeço-vos este acto de devoção e obséquio, e juntamente convosco desejo deter-me um momento na reflexão dos profundos e inextinguíveis motivos de confiança que permeiam a expectativa litúrgica da Igreja neste tempo de imediata preparação para o Natal.

2. A Liturgia do Advento ilumina com viva luz a psicologia do cristão. Ela, enquanto nos faz verificar que "a consciência da nossa culpa nos entristece", indica-nos ao mesmo tempo, com expressivo contraste, a fonte da nossa alegria "na vinda do Redentor", o qual, salvando-nos no espírito e na carne, nos enche de esperança, e nos abre, além disso, para o amor, tornado sinal da vida cristã e antegozo dos bens eternos. O amor de Deus pelo seu povo não desfalece nunca e Deus mesmo será o redentor do seu povo, oferecendo-lhe uma aliança de paz: "Com efeito, o teu esposo é o teu Criador, o teu Redentor é o Santo de Israel; ... ainda que os montes sejam abalados, o meu amor jamais se apartará de ti, e a minha aliança de paz não se mudará" (Is 54,5-10).

Eis onde se fundam a vossa certeza, a vossa confiança e a vossa esperança: no Amor de Deus que se manifesta em Cristo Salvador, e de quem vós quereis fazer-vos mensageiros e testemunhas, na convicção de que o Amor é mais forte do que o sofrimento e a morte, é mais forte que o pecado (cf. Carta Enc. Dives in Misericordia DM 8). Aprofundando na fé, na oração e na experiência quotidiana a realidade do Amor de Deus que salva, vós aspirais a ser junto dos outros sinal de tal amorosa vontade salvífica; encontrando misericórdia, vós desejais manifestar misericórdia. Isto é a "síntese de toda a Boa Nova, de todo o admirável intercâmbio nela contido, que é uma lei simples, forte e ao mesmo tempo suave da economia da salvação" (l. c.),

3. Vós aqui presentes e todos aqueles que militam nas fileiras da Acção Católica Italiana, estais animados do propósito de colaborar, com responsabilidade cada vez maior, no apostolado jerárquico, na tarefa de evangelização que diz respeito à Igreja inteira. Prestai, pois, testemunho eficaz e concreto à alegria do Natal, à alegria da salvação, à certeza do Amor de Deus que é mais forte do que toda a destruição, que sabe construir sobre qualquer ruína coisas maiores e mais belas. Eis então uma meta privilegiada, a meta das metas da vossa obra de jovens católicos: sede apóstolos da esperança e do amor, trazidos ao mundo pelo Natal.

E em particular, vós que me ouvis, ao voltardes para o meio dos vossos entes queridos, difundi à vossa volta a confiança num amanhã mais sereno, porque baseado sobre o Amor. A vida continuará, mas deve enfrentar todos os dias problemas formidáveis de reconstrução. A solidariedade generosa requererá sempre novos compromissos concretos, os quais poderão ser enfrentados e mantidos apenas se forem animados interiormente pela segurança de um Amor que vem do alto e que realiza o seu desígnio de salvação através dos caminhos frequentemente atormentados da humanidade. Sede arautos de tal mensagem luminosa.

Bom Natal, caros jovens, a vós, a todos os vossos amigos da Acção Católica Italiana, aos vossos Assistentes e Presidentes e às vossas Famílias e Paróquias. Levai este meu voto de paz a todas as pessoas provadas pela recente e grande calamidade. Dizei-lhe que o Papa na Noite de Natal está junto delas com intensa oração, a fim de que o Menino Jesus traga aos corações doçura e esperança. Acompanhe-vos nos próximos dias festivos a minha afectuosa Bênção.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS MEMBROS DA ASSOCIAÇÃO


DE SÃO PEDRO E SÃO PAULO


Domingo, 21 de Dezembro de 1980



Irmãos caríssimos

1. Agradeço de coração ao vosso Presidente, Doutor Pietro Rossi, as nobres palavras com que se tornou intérprete dos sentimentos de comoção e alegria, que hoje se misturam na vossa alma.

Também eu devo manifestar-vos a minha sincera alegria por este encontro, caros membros da Associação de São Pedro e São Paulo da Cidade do Vaticano, que celebrais com legítima satisfação, neste ano social o X aniversário de fundação do vosso agrupamento. Mas, pelas riquezas interiores e pelos valores espirituais, de que sois dignos portadores e responsáveis testemunhas, vindes de muito mais longe: sois de facto os herdeiros da Guarda Palatina de Honra, constituída em 1850 pelo meu venerado Predecessor Pio IX, a qual recolheu na casa do Papa os representantes dos fiéis de Roma, desejosos de manifestar ao Papa, em tempos particularmente difíceis e delicados para a Sé Apostólica, dedicação incondicionada e fidelidade a toda a prova.

E quando o meu grande Predecessor Paulo VI instituiu a vossa Associação, desejou que as características especificas e exemplares da Guarda Palatina fossem nela conservadas, revigoradas, enriquecidas, adaptadas e desenvolvidas. Nascia deste modo a Associação de São Pedro e São Paulo que desde os primeiros passos soube, com grande dedicação, englobar e valorizar "nova et vetera", e chegou ao seu décimo ano com vitalidade e dinamismo, que procuraram sincera satisfação e admiração nos Superiores e nos vários Organismos da Santa Sé.

Mérito este certamente do esforço contínuo e generoso de vós todos, Membros da Associação, que estais "desejosos de prestar especial testemunho de vida cristã, de apostolado e de fidelidade à Sé Apostólica", e nestes anos, no silêncio e na diligência, vos prodigastes em construir, dia após dia, a identidade original da vossa Associação.

2. Hoje estou eu aqui, no meio de vós, que tendes o privilégio de viver e exercer a vossa actividade associativa na Casa do Papa; estou aqui para encontrar-me convosco, para vos fazer uma cordial visita na vossa sede; estou aqui para exprimir-vos a minha viva satisfação por no meu Palácio se reunir e operar uma escolhida falange de homens, pertencentes à minha dilecta diocese de Roma, empenhados, de modo especialíssimo, em dar testemunho de vida cristã e de fidelidade à Sé Apostólica.

Caríssimos membros da Associação de São Pedro e São Paulo, o Papa está muito satisfeito com a vossa presença na sua Casa. O Papa quer-vos na sua Casa. Vós sois a Associação da Casa do Papa. Vós sois a Associação mais vizinha do Papa.

Neste meu encontro, ao mesmo tempo que vos manifesto a gratidão, o apreço e também o meu reconhecimento pessoal por tudo o que a Associação fez até agora, desejo também deixar-vos, como recordação minha, quase três linhas de marcha, que formam reflexão sobre as finalidades mesmas estatutárias do vosso Grupo.

3. Primeiramente, caríssimos Irmãos, a vossa Associação é, e deve ser mais ainda, comunidade de fé.

A vossa fé procure aprofundar, a nível pessoal e de grupo, toda a riqueza da Palavra de Deus, da Mensagem do Evangelho, da Tradição, do Ensinamento da Igreja, Mãe e Mestra de verdade. O meu aplauso vai para os assistentes espirituais, para o empenho constante que eles têm dedicado e dedicam à catequese nas suas várias formas: e vejo com prazer aqui presente o vosso primeiro Assistente espiritual, Dom Giovanni Coppa. A minha recomendação dirige-se a vós, para que todos os Sócios saibam tirar fruto das várias iniciativas catequéticas e culturais, postas em execução para aquele contínuo caminho de fé, que há-de o cristão percorrer. De modo particular vos repito o que escrevi na Exortação Apostólica a respeito da catequese no nosso tempo, na qual recomendei, às Associações e aos movimentos comprometidos no apostolado, darem lugar importante a uma séria formação religiosa dos seus membros. Em tal sentido — dizia — "cada Associação de fiéis no seio da Igreja tem a obrigação de ser, por definição, educadora na fé" (cf. Catechesi Tradendae CTR 70).

A fé, aprofundada na reflexão e na meditação, deve animar, orientar e dirigir toda a vossa vida de homens, de cidadãos, de profissionais e de pais de família, para que, sem respeito humano e sem temor, mas com a serena consciência de possuir um dom divino, o guardeis com esforço contínuo e com particular cuidado, para serdes cristãos autênticos e fervorosos.

4. A vossa Associação é, além disso, e deve ser mais ainda, comunidade de oração.

Tendes a invejável felicidade de possuir, na vossa sede, uma bonita Capela em que está presente Cristo Eucaristia. Todos os domingos vos reunis para a Santa Missa, na expectativa do regresso definitivo de Jesus. As vossas orações levantam-se com perfume de suavidade à Trindade Santíssima, para proclamarem e reafirmarem o primado do espiritual. Seja esta Capela o coração do Agrupamento. A vossa oração seja encontro espontâneo, diálogo profundo com Quem desejou tornar-se o Hóspede das nossas almas. Deixai-vos prender por Jesus, de maneira que possais dizer, como São Paulo: "já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim" (Gn 2,2). Também o serviço de vigilância e de ordem que, com tanta generosidade e não menor senhorilidade, desempenhais na Basílica Vaticana e nas Cerimónias pontifícias, pode tornar-se verdadeiro gesto de intensa oração.

5. O vosso Agrupamento é, por fim, e deve ser, cada vez mais, comunidade de amor.

Sim, irmãos caríssimos, a vida cristã é caridade: amor para com Deus, acima de todas as coisas, e amor para com os outros que não são estranhos mas filhos de Deus e irmãos em Cristo. O amor e a dedicação ao próximo, em particular àquele que se encontra em necessidade ou no sofrimento, são a demonstração concreta e palpável do nosso amor para com Deus (cf. 1Jn 4,2 s.). "Amor para com todos os homens sem excepção e divisão alguma — escrevi na minha segunda Encíclica —: sem, diferença de raça, de cultura, de língua, de concepção do mundo, sem distinção entre amigos e inimigos" (Dives in misericordia DM 15).

Seja, portanto, ainda mais e ainda melhor, intensificada a vossa actividade caritativa em relação com os pobres e os enfermos, mediante novo esforço organizativo e aumento tangível quer do número dos Sócios disponíveis e empenhados nesta meritória actividade, quer ainda das iniciativas concretas, que dêem demonstração continua da vossa generosidade.

Com estes votos retribuo os desejos de Bom Natal e de feliz Ano Novo e, invocando, sobre todos vós, sobre as vossas famílias e sobre os que vos são caros, a maternal protecção de Maria Santíssima "Virgo Fidelis", de todo o coração vos concedo a minha especial Bênção Apostólica.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


DURANTE A VISITA AO HOSPITAL


DE «SANT' IAGO» DE ROMA


Domingo, 21 de Dezembro de 1980



Irmãos e filhos caríssimos

1. Depois da visita por mim realizada, em Dezembro do ano passado, ao Hospital primário do Santo Espírito «in Sassia» e ao homónimo Pio Instituto, desejei vivamente vir a este Centro nosológico, dedicado e quase consagrado à assistência e à cura dos doentes. Se se olha, de facto, para a sua antiguidade e história história de quase sete séculos —, ele tem títulos não inferiores nem secundários para ser considerado como convém e insere-se dignamente, pela qualificada actividade que nele é realizada ainda hoje, no quadro bastante vasto e uniforme da organização sócio-sanitária e das estruturas hospitalares da Urbe. Hoje é parte importante da «Unidade Sanitária Local, Roma Primeira».

Mas eu vim — como bem compreendeis — não tanto para fazer notar os aliás importantes elementos externos que distinguem o Sant'Iago, quanto para encontrar-me, segundo a natureza da minha missão de Bispo de Roma, com as pessoas que estão aqui presentes. Desejo, por isso, saudar as Autoridades políticas e administrativas, a começar pelo Senhor Presidente da Junta Regional Lacial e pela Presidente da Comissão de gestão da mencionada Unidade Sanitária, a quem agradeço a gentil saudação de boas-vindas. Como pastor que deseja estar e deve estar perto das ovelhas do seu rebanho, penso em seguida em todos aqueles que trabalham aqui como agentes sanitários e aqui sofrem com as dores da doença: penso em vós, Senhores Médicos, Assistentes e Enfermeiros, e sobretudo em vós, amadíssimos Irmãos enfermos: todos vós, um a um, desejo agora saudar em nome do Senhor. Vejo no meio de vós Dom Fiorenzo Angelini, que há tantos anos se ocupa activamente da pastoral hospitalar, e estão com ele os zelosos Capelães, as Irmãs Enfermeiras, o Concelho Pastoral do Hospital e os beneméritos voluntários na assistência aos enfermos; por isso, também a estes dirijo de boa vontade a minha cordial saudação.

2. Desde o início, teve o Hospital de Sant'Iago aqui a sua sede por uma escolha certamente não casual. Como no caso do Hospital do Santo Espírito, os beneméritos fundadores e promotores preocuparam-se por que ele surgisse numa zona vizinha das vias Cássia e Flamínia, tantas vezes percorridas por peregrinos «romeiros» no seu itinerário de fé e de piedade, a caminho da cidade, consagrada pelo martírio de São Pedro e São Paulo. Poder-se-ia dizer que foi uma «escolha estratégica», destinada a oferecer — a quem do Norte chegava a Roma, depois de tantas fadigas e mesmo, nalguns casos, depois dos perigos de uma longa viagem — acolhimento e assistência, e, quando estavam doentes, também socorro e abrigo.

Não me aplicarei a recordar as singulares e constantes solicitudes que, no decurso dos séculos, os Pontífices, meus predecessores, reservaram a este Hospital, confiando-o para a direcção a especiais Confrarias, honrando-o com o título de Arqui-hospital e destinando-o àqueles que estavam atacados de doenças, em tempos consideradas «intratáveis» ou, melhor, «não curáveis» (cf. Bula Salvatoris nostri, de Leão X, com data de 19 de Julho de 1515: Bullarium Romanum, t. III, p. III, 418-420; cf. ibid. 421-23).

Bem mais importante considero eu outro dado, que é índice de um prestigioso nível espiritual: na idade do Renascimento italiano, o Sant'Iago foi campo activo de caridade para algumas grandes figuras de Santos. São Caetano de Thiene fez dele, por muitos anos, a sua residência habitual, a fim de estar perto dos irmãos doentes. São Filipe Néri frequentou-o desde jovem como lugar onde exercitasse a compaixão e esteve entre os primeiros que entreviram a oportunidade de garantir aos convalescentes um período de descanso em lugar adaptado, antes de retomarem o trabalho. São Félix de Cantalice, tão popular na Roma de Quinhentos, aqui se dirigia com frequência para ajudar os seus Irmãos Capuchinhos, que trabalhavam aqui no seu tempo. Mas mais que os outros está ligado a Sant'Iago o nome de São Camilo de Léllis, que nele passou quase dez anos da sua vida, como doente, empregado, enfermeiro e Mestre de casa. Depois de convertido das dissipações da juventude, celebrou, na anexa e antiga igreja de Sant'Iago, a primeira Missa, e pode dizer-se que precisamente da experiência sofrida e concreta, aqui completada, tirou as linhas tão prudentes de acção pastoral, que fixou depois na Regra da sua Congregação dos «Ministros dos Enfermos». Ainda hoje, dentro destes muros venerandos, paira o seu espírito, e — podemos acrescentar — ainda opera aqui, graças à presença e à dedicação dos «seus» Religiosos.

3. Mas o encontro hodierno correria o risco de ficar abstracto e impessoal, se não houvesse, da minha parte, uma palavra particular e directa para as pessoas que, com a sua presença e o seu trabalho, animam como verdadeiros protagonistas a realidade hospitalar. Dirijo-me primeiro que tudo a vós, estimados Médicos e Professores, que juntamente com os vossos Colaboradores tendes a responsabilidade primária de tratar os doentes, necessitados como se encontram de compreensão humana e carinho fraterno, antes ainda que de eficazes e apropriadas terapias. Conheço bem as dificuldades de vário género, que são próprias da vossa profissão: além dos sacrifícios facilmente calculáveis, que se chamam dever da presença, da prontidão em intervir ou de ser encontrado nos casos urgentes, há exigência de estar actualizado no sector médico-científico que, nos nossos dias, pelo ritmo incessante da busca e da experimentação, se encontra em estado de constante desenvolvimento.

Tudo isto se resume numa palavra, que só aparentemente pode parecer usual e comum: é a palavra «serviço», que deve entender-se como luta contra a doença e esforço em favor do doente. O vosso é, na realidade, serviço prestado à vida ou, melhor ainda, ao vivente, isto é àquele homem, que — como diz um insigne Padre da Igreja antiga — precisamente porque vivente, é em concreto, glória de Deus: Gloria Dei homo vivens (S. Ireneu, Adversus Haereses, IV, 20, 7). Desta altura de perspectiva emerge toda a grandeza e nobreza da profissão sanitária, que é ao mesmo tempo arte e ciência, porque, ao lado de uma séria preparação doutrinal, requer agudeza de intuição psicológica. Se a vida é dom de Deus — grande dom de Deus —, deve constituir para vós o ponto terminal e inevitável de referência, para que é necessário olhar continuamente em todos e cada um dos cuidados e das fases, em que se recompõe o exercício de uma arte tão delicada. E, por sinal, ao vivente que, desde o primeiro instante em que se abre este sempre novo e assombroso mistério da vida, se dirige o vosso serviço, alcançando assim imediatamente um carácter de sacralidade. Eis o princípio primeiro, o princípio absoluto, que diz respeito à ética profissional e não admite excepções e violações: ele, portanto, deve ser — e faço votos por que seja sempre — ponto de honra.

Sim, a honra! Honra medicum, diziam os antigos e agora assim quero repetir, como título de justo reconhecimento dos vossos méritos diante da sociedade humana e como confirmação, também, da estima com que a Igreja desde sempre seguiu e animou o vosso trabalho.

4. E agora desejo dirigir-me a vós, caros Religiosos Camilianos e Reverendas Irmãs da Misericórdia, que aos enfermos dedicais os vossos assíduos cuidados pastorais. Quando há pouco recordei as quatro figuras de Santos, cuja memória está aqui como bênção e como exemplo perene, pensava especialmente em vós, porque é deles que deve tirar inspiração e conforto o vosso cuidadoso trabalho quotidiano. Como os médicos, também vós estais aqui aplicados a um serviço, obviamente diverso, que diz respeito propriamente à esfera religiosa e pastoral. Quais são as qualidades de tal serviço? Como podemos chamar-lhe? Descrição; doçura; cuidado; sensibilidade; capacidade de encaminhar, retomar ou desenvolver — em variar as condições psicológicas ou as circunstâncias de pessoas —, um discurso de fé? Sim, sem dúvida; mas é melhor usar a palavra mais exacta, que nos é oferecida pelo vocabulário cristão. Os Ministros dos Enfermos e as Irmãs da Misericórdia têm por divisa a caridade e esforçam-se por proceder como Jesus, o divino Mestre, como aquele «Filho do Homem que não veio para ser servido, mas para servir e dar a Sua vida pela redenção de muitos» (Mt 20,28 Mc 10,45). Procedei de tal modo, irmãos e irmãs, que no seguimento luminoso dos Santos que imitaram aqui a Cristo Senhor, a caridade mais genuína e solícita seja a inspiradora soberana de tudo o que vós fazeis em pró dos doentes.

5. Por fim, dirijo a minha palavra a vós, Irmãos doentes, a vós que pudestes vir até aqui, e também a vós que, por motivo das condições de saúde, ficastes nos respectivos pavilhões, quartos e enfermarias. Esta palavra desce daquela mesma chama de caridade evangélica, que recomendei até agora, como virtude-guia, aos vossos Capelães e às vossas Irmãs.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AO SACRO COLÉGIO DURANTE A AUDIÊNCIA


PARA A APRESENTAÇÃO DAS BOAS-FESTAS


Sala do Consistório

Segunda-feira, 22 de Dezembro de 1980



Venerados Membros do Sacro Colégio
Caríssimos Irmãos

1. Encontramo-nos nesta Sala do Consistório, na atmosfera inconfundível da expectativa do Natal de Cristo Senhor, para a apresentação dos bons-votos. Estes bons-votos não são só palavras: exprimem a realidade vivida da communio das nossas almas, assim como das nossas energias mesmo físicas, todas aplicadas ao serviço único da Santa Igreja, todas fundidas no amor único de Cristo, de quem esperamos o nascimento.

Ouvi estas almas vibrarem nas expressões, sempre apropriadas, gentis e fervorosas, que formulou aqui em vosso nome o caro e venerado Cardeal Decano. Senti nelas, além da nobreza da sua alma a todos conhecida, também a pureza dos vossos sentimentos, nesta circunstância única do ano litúrgico, na qual nos dispomos para receber nos nossos braços, como Maria Santíssima em Belém e como Simeão no templo, o Salvador que vem. Tudo isto agradeço ao Cardeal Confalonieri e, juntamente com ele, a todos vós.

2. Preparamo-nos para celebrar — na humana carne do Verbo, do Filho Unigénito do Pai — o nascimento, originado no seio imaculado de Maria Santíssima; é a realização da expectativa dos séculos, que — em todas as alternativas do Antigo Pacto, como nas aspirações mais secretas dos corações humanos também fora da Revelação — dirigiram as suas aspirações para este cume da história da salvação: «Fiz dele um testemunho para os povos, um chefe soberano das nações» (Is 55,4). Cristo é o esperado por todos os povos, é a resposta de Deus à humanidade. Depois do longo período das «preparações evangélicas» (Eusébio de Cesareia), eis que vem do seio do Pai. Vem para fazer-se homem como nós, para oferecer a Deus o acto supremo de adoração e de amor, o único a poder reconciliá-l'O com o homem; vem manifestar a condescendência do Pai e as suas «entranhas de misericórdia» para com o homem, como diremos nas Missas do Natal: «Apparuit benignitas et humanitas: ...Manifestaram-se a bondade de Deus, Salvador nosso, e o seu amor pelos homens» (Tt 3,4); vem partilhar a história, a vida, o sofrimento, a pobreza e a insegurança do homem para este readquirir a familiaridade com Deus, perdida por meio do pecado; vem elevar o homem até Deus, num mistério de abaixamento e ao mesmo tempo de grandeza, diante do qual a humana inteligência se perde e não pode senão adorar e dar graças; vem até conferir ao homem a grandeza própria de Deus, a Sua vida, comunicar-lhe a Sua natureza (cf. 2P 1,4): «Fez-se Filho do homem — escreve São João Crisóstomo —, aquele que é verdadeiro Filho de Deus, para fazer os homens filhos de Deus. Quando o que há de mais excelso se une ao que há de mais humilde, a glória do primeiro não é diminuída enquanto a humildade do outro é exaltada: isto aconteceu em Cristo. Não diminuiu de facto a Sua natureza com o próprio abaixamento, mas levantou-nos a nós, que estávamos sentados na ignomínia e nas trevas, a uma glória inefável» (Homilia sobre João Evangelista, XI, 1; ). E com esta extraordinária elevação do homem, o Filho de Deus encarnado traz ao mundo a paz, a justiça, a liberdade, a verdade e o amor.

3. Não se trata de uma comemoração, mesmo que seja piedosa e encantadora; não se trata da reevocação de um mito. Depois de dois mil anos de cristianismo, e quase no limiar do terceiro milénio da nossa era, a Igreja recorda ao mundo, firme e alegremente, que esta elevação não é só enunciado teórico, mas continua, está a realizar-se e está no meio de nós. A liturgia representa-nos, na realidade misteriosa do rito, o acontecimento que nos preparamos para reviver; e a Igreja prolonga no tempo e na história a obra de Cristo, actualiza-lhe a Encarnação nas diversas contingências históricas do Kairós que ela é chamada a viver, juntamente com os povos de todo o mundo. Imersa nele, a Igreja é o fermento do mundo, participa das esperanças e das penas, das inquietações, das derrotas e das tragédias humanas. Nisto pensava eu diante do fundo terrível das ruínas da Campânia e da Basilicata, entre os restos do cataclismo que pouco antes tinha exterminado tantas vidas humanas e destruído lugares e habitações, enquanto pensava naqueles irmãos e os fixava nos olhos de sofrimento, para mim dirigidos entre as lágrimas, mas com tanta fé.

A Igreja leva Cristo ao meio dos homens: quer comunicar-lhes a vida, aparecida na noite de Natal com o Verbo feito carne; quer proclamar-lhes a esperança do futuro, que já alvorece no século presente; quer dilatar, mesmo entre os sofrimentos do mundo, aquela paz que foi anunciada pelos anjos em Belém e aquele amor de beneplácito, com que Deus nos abraçou dando-nos o Filho: «Gloria in excelsis Deo et in terra pax hominibus bonae voluntatis» (Lc 2,14).

É esta a missão que a Igreja desempenha ad extra, nos cerrados contactos que mantém com os homens que são irmãos.

Na sua primeira grande encíclica Ecclesiam Suam, o meu Predecessor Paulo VI, de venerável memória, pôs em relevo a missão essencial da Igreja, falando «das relações que hoje a Igreja deve estabelecer com o mundo que a circunda e em que ela vive e trabalha; parte deste mundo, como todos sabem, recebeu profundamente o influxo do cristianismo e absorveu-o intimamente, sem muitas vezes ter consciência de quanto é devedora das suas melhores coisas ao mesmo cristianismo, mas depois foi-se distinguindo e apartando, nestes últimos séculos, da cepa cristã da sua civilização; e outra parte, e a maior deste mundo, dilata-se até aos ilimitados horizontes dos povos novos, como se diz; mas tudo junto é um mundo que, não com uma mas cem formas de possíveis contactos, ele oferece à Igreja, abertos e fáceis alguns, delicados e complicados outros, hostis e refractários ao colóquio amigável infelizmente hoje muitíssimos (6.VIII.1694: A. A. S. 56, 1964, PP 612 s.).


Discursos João Paulo II 1980 - Quarta-feira, 19 de Dezembro de 1980