AUDIÊNCIAS 1981 - AUDIÊNCIA GERAL


PAPA JOÃO PAULO II

AUDIÊNCIA GERAL

Quarta-feira, 29 de Abril de 1981




Os limites éticos nas obras de arte e na produção audiovisual

1. Já dedicámos uma série de reflexões ao significado das palavras pronunciadas por Cristo no Sermão da Montanha, em que exorta à pureza de coração, fazendo notar o "olhar concupiscente". Não podemos esquecer estas palavras de Cristo, mesmo quando se trata da vasta esfera da cultura artística, sobretudo a de carácter visual e espectacular, como também quando se trata da esfera da cultura "de massa" — tão significativa para os nossos tempos —ligada com o uso das técnicas divulgativas da comunicação audiovisual. Dissemos ultimamente que a referida esfera da actividade do homem é às vezes acusada de "pornovisão", assim como no referente à literatura é apresentada a acusação de "pornografia". Um e outro facto realizam-se quando se ultrapassa o limite da vergonha, ou seja, da sensibilidade pessoal a respeito do que se liga com o corpo humano, com a sua nudez, quando na obra artística, mediante as técnicas de produção audiovisual, é violado o direito à intimidade do corpo na sua masculinidade ou feminilidade, e — em última análise — quando é violado aquele íntimo e constante destino para o dom e o recíproco dar-se, que está inscrito naquela feminilidade e masculinidade através da inteira estrutura de "ser homem". Aquela profunda inscrição, melhor, incisão, decide do significado esponsal do corpo, isto é, da fundamental chamada que ele recebe para formar uma "comunhão de pessoas" e a participar nela.

2. É óbvio que nas obras de arte, ou nos produtos da reprodução artística audiovisual, o sobredito destino constante para o dom, isto é, aquela profunda inscrição do significado do corpo humano, pode ser violada só na ordem intencional da reprodução e da representação; trata-se, de facto, — como já precedentemente foi dito — do corpo humano como modelo ou tema. Todavia, se o sentimento da vergonha e a sensibilidade pessoal são em tais casos ofendidos, isto acontece por causa da transferência delas para o campo da "comunicação social", portanto por causa de se tornar, por assim dizer, pública propriedade aquilo que, no justo sentir do homem, pertence e deve pertencer estritamente à relação interpessoal, aquilo que está ligado — como já antes se notou — à "comunhão mesma das pessoas", e no seu âmbito corresponde à verdade interior do homem, portanto também à verdade integral sobre o homem.

Neste ponto não é possível concordar com os representantes do chamado naturalismo, que alegam o direito a "tudo aquilo que é humano", nas obras de arte e nos produtos da reprodução artística, afirmando operarem de tal modo em nome da verdade realista acerca do homem. É mesmo esta verdade sobre o homem — a verdade inteira sobre o homem — que exige tomar-se em consideração quer o sentimento da intimidade do corpo quer a coerência do dom conexo com a masculinidade e feminilidade do corpo mesmo, no qual se reflecte o mistério do homem, próprio da estrutura interior da pessoa. Tal verdade sobre o homem deve ser tomada em consideração também na ordem artística, se queremos falar de um pleno realismo.

3. Neste caso constata-se portanto que a regularidade, própria da "comunhão das pessoas", concorda profundamente com a área vasta e diferenciada da "comunicação". O corpo humano na sua nudez — como afirmámos nas precedentes análises (em que nos referimos a Gn 2,25) — entendido como manifestação da pessoa e como o seu dom, ou seja sinal de confiança e de doação à outra pessoa, consciente do dom, escolhida e decidida a responder a ele de modo igualmente pessoal, torna-se fonte de particular "comunicação" interpessoal. Como já foi dito, esta é uma particular comunicação na humanidade mesma. Essa comunicação interpessoal penetra profundamente no sistema da comunhão (communio personarum), ao mesmo tempo cresce a partir dele e desenvolve-se correctamente no seu âmbito. Precisamente por causa do grande valor do corpo em tal sistema de "comunhão" interpessoal, fazer do corpo na sua nudez — que exprime exactamente "o elemento" do dom — o objecto-tema da obra de arte ou da reprodução audiovisual, é problema não só de natureza estética, mas, ao mesmo tempo, também de natureza ética. De facto, aquele "elemento do dom" é, por assim dizer, suspenso na dimensão de uma recepção desconhecida e de uma resposta imprevista, e com isto está de algum modo intencionalmente "ameaçado", no sentido de que pode tornar-se objecto anónimo de "apropriação", objecto de abuso. Exactamente por isso a verdade integral sobre o homem constitui, neste caso, a base da norma segundo a qual se modela o bem ou o mal das acções determinadas, dos comportamentos, dos costumes e das situações. A verdade sobre o homem, sobre aquilo que nele — precisamente por motivo do seu corpo e do seu sexo (feminilidade-masculinidade) — é particularmente pessoal e interior, cria aqui limites precisos que não é lícito ultrapassar.

4. Estes limites devem ser reconhecidos e observados pelo artista que faz do corpo humano objecto, modelo ou tema da obra de arte ou da reprodução audiovisual. Nem ele nem outros responsáveis neste campo têm o direito de exigir, propor ou fazer que outros homens — convidados, exortados ou admitidos a ver, a contemplar a imagem — violem aqueles limites juntamente com eles, ou por causa deles. Trata-se da imagem, na qual o que em si mesmo forma o conteúdo e o valor profundamente pessoal, o que pertence à ordem do dom e do mútuo dar-se de pessoa a pessoa, é, como tema, desenraizado pelo próprio substrato autêntico, para se tornar, por meio da "comunicação social", objecto, e para mais, em certo sentido, objecto anónimo.

5. Todo o problema da "pornovisão" e da "pornografia", como resulta do que está dito acima, não é efeito de mentalidade puritana nem de um moralismo apertado, como também não é produto de um pensamento carregado de maniqueísmo. Trata-se nele de uma importantíssima, fundamental, esfera de valores, diante dos quais o homem não pode ficar indiferente por motivo da dignidade da humanidade, do carácter pessoal e da eloquência do corpo humano. Todos aqueles conteúdos e valores, através das obras de arte e da actividade dos meios audiovisuais, podem ser modelados e aprofundados, mas também ser deformados e destruídos "no coração" do homem. Como se vê, encontramo-nos continuamente na órbita das palavras pronunciadas por Cristo no Sermão da Montanha. Também os problemas, que estamos aqui a tratar, devem examinar-se à luz daquelas palavras, que tomam o "olhar", vindo da concupiscência, como um "adultério cometido no coração".

E por isso dir-se-ia que a reflexão sobre estes problemas, importantes para "criar um clima favorável à educação da castidade", constitui um anexo indispensável a todas as precedentes análises, como as que, no decurso dos numerosos encontros das quartas-feiras, dedicámos a este tema.



Saudações

Recordação dedicada à Santa Catarina de Sena

A audiência de hoje ocorre na festa de Santa Catarina de Sena, Padroeira da Itália, juntamente com São Francisco de Assis. A recordação da humilde e sábia Virgem dominicana enche o ânimo de todos nós de espiritual exultação e faz-nos vibrar de alegria no Espírito Santo, porque o Senhor do céu e da terra revelou os seus segredos aos humildes (cf. Lc Lc 10,21). A mensagem de Catarina, animada de fé puríssima, amor ardente e profunda dedicação à Igreja, vem ao encontro de cada um de nós e leva-nos suavemente a uma imitação generosa. Alegro-me, portanto, ao dirigir particular saudação aos italianos presentes neste encontro e a todo o querido povo italiano.

Ouvi, caros fiéis, estas palavras de Santa Catarina: "Na chama da fé adquiro a sabedoria; na luz da fé sou forte, constante e perseverante; na luz da fé espero; não me deixo desfalecer no caminho. Esta luz ensina-me o caminho" (Diálogo, c. CLXVII).

Pela sua intercessão imploramos uma fé sempre mais profunda e ardente, a fim de Cristo ser a luz do nosso caminho, do das nossas famílias e de toda a sociedade, assegurando assim à dilecta Itália a verdadeira paz, fundada na justiça e sobretudo no respeito da lei divina, que constitui a vivíssima aspiração da grande Santa senense.

A um grupo de estudantes do Colégio Norte-americano de Roma

Desejo exprimir os meus especiais bons votos aos estudantes do Colégio Norte-americano que vão ser ordenados diáconos amanhã, e também às suas famílias e amigos que se encontram em Roma para esta feliz ocasião. A recepção da Ordem de Diácono une-vos mais estreitamente à Igreja. Participareis mais plenamente na sua vida de santidade e de oração, e assumireis maior responsabilidade na sua missão de proclamar o Evangelho de nosso Senhor Jesus Cristo. Oxalá sirvais sempre o Senhor com fidelidade, gratidão e alegria.

Aos Membros do Movimento "Fé e Luz"

Dou calorosas saudações ao grupo de "Fé e Luz" proveniente da Austrália. A vossa peregrinação a Lourdes seja para vós ocasião de abundantes graças, não só agora mas também para os anos futuros. Nas vossas orações, por favor, lembrai-vos de mim e das intenções de toda a Igreja, que está contando com a vossa assistência.

A um grupo de peregrinos de Kyoto (Japão)

Desejo também as boas-vindas ao grupo proveniente de Kyoto, no Japão. Deus vos abençoe e a todos os que vos são queridos e que ficaram em casa, e a quem peço, transmitais as minhas cordiais saudações.

A um grupo de Jovens croatas

Meus caros jovens croatas!

E já a quinta vez que um grupo de jovens da Croácia, simpatizantes entusiastas da vida e do trabalho do Servo de Deus Prof. Dr. Ivan Merz, vem a Roma pedir a Bênção do Santo Padre. Apraz-me poder saudar-vos entre os outros peregrinos de Zagrábia.

O Prof. Merz é modelo para vós: isto é coisa boa; a fim de que também vós, como Merz, procurando Jesus através da liturgia, possais conhecê-l'O e segui-1'O melhor. Sede coerentes como o foi Merz, e evitai o pecado com coragem. Testemunhai firmemente Jesus, sem receio, orgulhosos de serdes católicos.

Recebei a minha Bênção Apostólica e levai-a aos Vossos que se encontram na minha querida Croácia.

A um grupo de peregrinos polacos

Dou muito cordialmente as boas-vindas a todos os meus compatriotas, tanto aos provenientes da Polónia como aos provenientes de outros Países. Vários grupos se encontram hoje na Praça de São Pedro.

Saúdo todos muito cordialmente e a todos desejo uma alegre aleluia, uma aleluia polaca para a Polónia neste período pascal.

Já formulei as boas-festas de Páscoa a todos, mas desejo ainda acrescentar particulares votos por ocasião das celebrações e, em certo sentido, por uma celebração contínua dos nossos santos padroeiros. Começámos por Santo Adalberto em Gniezno, e no próximo domingo celebrar-se-á a festividade da Mãe de Deus, Rainha da Polónia, não só em Jasna Gora, mas em toda a Polónia e em toda a parte, onde quer que se encontrem Polacos. Por fim, a 8 de Maio e no domingo seguinte, Santo Estanislau, em Cracóvia. Que estes Santos padroeiros — Nossa Senhora de Jasna Gora, S. Adalberto e S. Estanislau —, não deixem nunca de proteger a nossa nação, a minha pátria dilecta, todos os seus difíceis e importantes acontecimentos; não deixem nunca de proteger a Igreja na Polónia, todo o povo de Deus, ordens religiosas, clero, episcopado, e de modo particular o Primaz da Polónia.

Aos Assistentes da Associação Italiana dos Professores Católicos

Dirijo agora uma saudação particularmente cordial aos Sacerdotes Assistentes da "Associação Italiana dos Professores Católicos", que estão participando num Congresso nacional sobre o tema "A exigência religiosa na formação e no empenho profissional e social do Professor".

Caríssimos, sei quanto é precioso o vosso papel junto daqueles que oferecem à juventude os primeiros elementos do saber e que, em colaboração com os pais, indicam os valores dignos de serem atingidos e vividos. Encorajo-vos no vosso empenho e acompanho-vos com a minha oração.

O vosso testemunho sacerdotal e a vossa orientação ajudem os Professores Católicos a levarem para o ambiente escolar a presença viva de Cristo e os ensinamentos perenes da sua Igreja. A minha Bênção vos acompanhe.

A duas peregrinações diocesanas provenientes de Acerra e de Veroli e Anagni (Itália)

É-me particularmente grato dirigir uma cordial saudação aos numerosos membros das peregrinações diocesanas de Acerra e de Veroli e Anagni, acompanhadas pelos respectivos Bispos Dom António Riboldi e Dom Humberto Florenzani.

Os fiéis da diocese de Acorra quiseram inserir o encontro com o Papa num caminho de fé que encerra as energias de toda a Comunidade eclesial. Os peregrinos de Veroli e Anagni vieram para exprimir publicamente ao sucessor de Pedro a sua fidelidade e dedicação. Ao agradecer-vos, caríssimos filhos de ambas as dioceses, formulo votos pelo contínuo incremente da vossa fé e por um testemunho cada vez mais generoso de obras de caridade em espírito de adesão pessoal e activa a Cristo Ressuscitado. Concedo-vos com afecto a minha Bênção Apostólica que faço extensiva a todos os vossos familiares.

Aos Doentes

Dirijo-me agora aos doentes, para lhes manifestar a minha afectuosa participação nos sofrimentos que crucificam o corpo e o espírito. Saúdo particularmente os grupos provenientes de Santa Teresa de Gallura e de Ostuni.

Caríssimos, também a dor é elemento essencial da Páscoa. Ao assegurar-vos a minha oração ao Senhor, que sofre e é glorificado, a fim de que alivie os vossos sofrimentos, exorto-vos a unir-vos espontaneamente à paixão e morte de Cristo, a fim de contribuirdes assim para o bem do Povo de Deus (cf. Col Col 1,24). A fé em Jesus vitorioso sobre a morte alimente sempre nos vossos corações a chama da esperança.

A minha Bênção Apostólica vos acompanhe.

A uma peregrinação de Viena (Áustria)

Uma especial saudação de boas-vindas dirijo agora ao grupo de peregrinos provenientes de Viena. Oxalá este lugar onde estais a passar alguns dias de reflexão e recolhimento religioso, o "Centro Pio XII para um Mundo melhor", constitua para vós um programa e um compromisso espiritual. O homem transforma o mundo sobretudo quando ele mesmo se torna melhor e mais perfeito. "Se fostes, pois, ressuscitados com Cristo, buscai as coisas do alto...", exorta-nos São Paulo; "pensai nas coisas do alto, não nas coisas da terra" (Col 3,1-2). Com estes votos peço para vós abundantes graças pascais e concedo-vos de coração e a todos os peregrinos aqui presentes, a minha Bênção Apostólica.



                                                                             Maio de 1981

PAPA JOÃO PAULO II

AUDIÊNCIA GERAL

Quarta-feira, 6 de Maio de 1981




Responsabilidade ética do artista ao tratar o tema do corpo humano

1. No Sermão da Montanha pronunciou Cristo as palavras, a que dedicámos uma série de reflexões durante quase um ano. Explicando aos Seus ouvintes o significado próprio do mandamento "Não cometerás adultério", Cristo assim se exprime: "Eu porém digo-vos que todo aquele que olhar para uma mulher, desejando-a, já cometeu adultério com ela no seu coração" (Mt 5,28). Parece que as citadas palavras se referem também aos vastos campos da cultura humana, sobretudo aos da actividade artística, de que se tratou já ultimamente, no decorrer de alguns encontros das quartas-feiras. Hoje convém-nos dedicar a parte final destas reflexões ao problema da relação entre o "ethos" da imagem — ou da descrição — e o "ethos" da visão e da auscultação, da leitura ou de outras formas de recepção cognoscitiva, com que se encontra o conteúdo da obra de arte ou da audiovisão entendida em sentido lato.

2. E aqui voltamos uma vez mais ao problema já anteriormente assinalado: se e em que medida o corpo humano, em toda a visível verdade da sua masculinidade e feminilidade, pode ser tema da obra de arte e, por isso mesmo, tema dessa específica "comunicação" social, a que está destinada tal obra. Esta pergunta refere-se ainda mais à cultura contemporânea de "massa", relacionada com as técnicas audiovisuais. Pode o corpo humano ser um tal modelo-tema, dado que nós sabemos estar ligada com isto aquela objectividade "sem opção" que primeiro chamámos anonimato, e parece trazer consigo uma grave e potencial ameaça da esfera inteira dos significados, própria do corpo do homem e da mulher, por motivo do carácter pessoal do sujeito humano e do carácter de "comunhão" das relações interpessoais?

Pode-se acrescentar neste ponto que as expressões "pornografia" ou "pornovisão" — apesar da sua antiga etimologia — apareceram na linguagem, relativamente tarde. A tradicional terminologia latina servia-se do vocábulo ob-scaena, indicando de tal modo tudo o que não deve encontrar-se diante dos olhos dos espectadores, aquilo que há-de ser circundado por conveniente discrição, aquilo que não pode ser apresentado ao olhar humano sem alguma opção.

3. Fazendo a precedente pergunta, damo-nos conta de que, de facto, no curso de épocas inteiras da cultura humana e da actividade artística, o corpo humano foi e é um tal modelo-tema das obras de arte visíveis, assim como toda a esfera do amor entre o homem e a mulher. Ligado com ele, também o "dar-se recíproco" da masculinidade e da feminilidade, nas suas expressões corpóreas, foi, é e será, tema da narrativa literária. Tal narração encontrou o seu lugar também na Bíblia, sobretudo no texto do "Cântico dos cânticos", que nos convirá retomar noutra circunstância. Mas, é necessário reconhecer que na história da literatura ou da arte, na história da cultura humana, este tema se mostra particularmente frequente e é particularmente importante. De facto, refere-se a um problema que em si mesmo é grande e importante. Manifestámo-lo desde o princípio das nossas reflexões, seguindo os vestígios dos textos bíblicos, que nos revelam a justa dimensão deste problema: isto é, a dignidade do homem na sua corporeidade masculina e feminina, e o significado esponsal da feminilidade e masculinidade, inscrito em toda a estrutura interior — e ao mesmo tempo visível — da pessoa humana.

4. As nossas precedentes reflexões não pretendiam pôr em dúvida o direito a este tema. Querem só demonstrar que tratá-lo anda ligado com uma particular responsabilidade de natureza não só artística, mas também ética. O artista, que se lança a este tema em qualquer esfera da arte ou mediante as técnicas audiovisuais, deve estar consciente da plena verdade do objecto, de toda a escala de valores ligados com ele; deve não só ter conta deles in abstracto, mas também vivê-los ele mesmo correctamente. Isto corresponde de igual modo àquele princípio da "pureza de coração", que em determinados casos é preciso transferir da esfera existencial das atitudes e comportamentos para a esfera intencional da criação ou reprodução artística.

Parece que o processo de tal criação tende não só à objectivação (e em certo sentido a uma nova "materialização") do modelo, mas, ao mesmo tempo, a exprimir em tal objectivação o que pode chamar-se a ideia criativa do artista, na qual precisamente se manifesta o seu mundo interior dos valores, portanto também o viver a verdade no seu objecto. Neste processo realiza-se uma característica transfiguração do modelo ou da matéria e, em particular, daquilo que é o homem, o corpo humano em toda a verdade da sua masculinidade ou feminilidade. (Deste ponto de vista, como já mencionámos, há uma bem importante diferença, por exemplo, entre o quadro ou a escultura e a fotografia ou o filme). O espectador, convidado pelo artista a olhar para a sua obra, comunica não só com a objectivação, e portanto, em certo sentido, com uma nova "materialização" do modelo ou da matéria, mas ao mesmo tempo comunica com a verdade do objecto que o autor, na sua "materialização" artística, conseguiu exprimir com os meios a ele próprios.

5. No decurso das várias épocas, começando da antiguidade — e sobretudo no grande período da arte clássica grega — há obras de arte, cujo tema é o corpo humano na sua nudez, e cuja contemplação consente concentrarmo-nos, em certo sentido, na verdade inteira do homem, na dignidade e na beleza — também a "supra-sensual" — da sua masculinidade e feminilidade. Estas obras trazem em si, quase oculto, um elemento de sublimação, que leva o espectador, através do corpo, ao inteiro mistério pessoal do homem. Em contacto com tais obras, em que não nos sentimos determinados pelo seu conteúdo para "olhar desejando", de que fala o Sermão da Montanha, aprendemos em certo sentido aquele significado esponsal do corpo, que é o correspondente e a medida da "pureza de coração". Mas, há também obras de arte, e porventura ainda mais vezes reproduções, que provocam objecção na esfera da sensibilidade pessoal do homem — não por motivo do seu objecto, pois o corpo humano em si mesmo tem sempre uma sua inalienável dignidade — mas por motivo da qualidade ou do modo da sua reprodução, figuração e representação artística. Sobre aquele modo e aquela qualidade podem decidir os vários coeficientes da obra ou da reprodução, como também múltiplas circunstâncias, muitas vezes de natureza mais técnica do que artística.

É sabido que através de todos estes elementos se torna, em certo sentido, acessível ao espectador, como ao ouvinte ou ao leitor, a mesma intencionalidade fundamental da obra de arte ou do produto de relativas técnicas. Se a nossa sensibilidade pessoal reage com objecção e desaprovação, fá-lo porque naquela fundamental intencionalidade, juntamente com a objectivação do homem e do seu corpo, descobrimos tornar-se indispensável, para a obra de arte ou para a reprodução dela, a sua contemporânea redução à categoria de objecto, de objecto de "gozo", destinado à satisfação da concupiscência mesma. Isto apresenta-se contra a dignidade do homem também na ordem intencional da arte e da reprodução. Por analogia, é necessário dizer o mesmo, no que se refere aos vários campos da actividade artística — segundo a respectiva especificidade — como também às várias técnicas audiovisuais.

6. A Encíclica Humanae Vitae de Paulo VI (n. 22) sublinha a necessidade de "criar um clima favorável à educação da castidade"; e com isto pretende afirmar que, viver o corpo humano em toda a verdade da sua masculinidade e feminilidade, deve corresponder à dignidade deste corpo e ao seu significado em construir a comunhão das pessoas. Pode dizer-se que esta é uma das dimensões fundamentais da cultura humana, entendida como afirmação que nobilita tudo o que é humano.Por isso dedicámos este breve esboço ao problema que, em síntese, poderia chamar-se do "ethos" da imagem. Trata-se da imagem que serve para uma singular "visibilização" do homem, e que é necessário compreender em sentido mais ou menos directo. A imagem esculpida ou pintada "exprime visualmente" o homem; doutro modo o "exprime visualmente" a representação teatral ou o espectáculo de bailado, e doutro modo o filme; também a obra literária, à sua maneira, tende a desfrutar imagens interiores, servindo-se das riquezas da fantasia ou da memória humana. Portanto o que aqui denominamos "ethos da imagem" não pode ser considerado abstraindo da componente correlativa, que seria necessário chamar "ethos do ver". Entre uma e outra componente está encerrado todo o processo de comunicação, independentemente da vastidão dos círculos que descreve esta comunicação, neste caso sempre "social".

7. A criação do clima favorável à educação da castidade encerra estas duas componentes; refere-se, por assim dizer, a um circuito recíproco que se estabelece entre a imagem e o ver, entre o "ethos" da imagem e o "ethos" do ver. Como a criação da imagem, no sentido lato e diferenciado do termo, impõe ao autor, artista ou reprodutor, obrigações de natureza não só estética mas também ética, de maneira que o "olhar", entendido segundo a mesma vasta analogia, impõe obrigações àquele que é receptor da obra.

A autêntica e responsável actividade artística tende a ultrapassar o anonimato do corpo humano como objecto "sem opção", procurando (como já foi dito precedentemente), através do esforço criativo, tal expressão artística da verdade sobre homem na sua corporeidade feminina e masculina, que seja por assim dizer assinalada como tarefa ao espectador e, num raio mais vasto, a cada receptor da obra. Dele, por sua vez, depende se vai decidir-se a realizar o próprio esforço para aproximar-se de tal verdade, ou se vai ficar sendo apenas um "consumidor" superficial das impressões, isto é alguém que desfruta do encontro com o anónimo tema-corpo, só a nível da sensualidade, que reage de per si ao seu objecto precisamente "sem opção".

Aqui terminamos este importante capítulo das nossas reflexões sobre a teologia do corpo, cujo ponto de partida foram as palavras pronunciadas por Cristo no Sermão da Montanha: palavras com valor para o homem de todos os tempos, para o homem "histórico", e com valor para cada um de nós.

As reflexões sobre a teologia do corpo não seriam todavia completas, se não considerássemos outras palavras de Cristo, quer dizer, aquelas em que Ele apela para a futura ressurreição. A elas portanto, nos propomos dedicar o próximo ciclo das nossas considerações.



Saudações

Aos peregrinos de língua portuguesa

É para mim motivo de alegria saudar, especialmente, nesta Audiência, o numeroso grupo de peregrinos e visitantes de Portugal.

Para todos, como expressão de estima e apreço, vão os meus votos de bem e por que esta visita a Roma, onde tantos sinais e apelos de fé cristã se encontram e veneram, constitua estímulo para a realização pessoal e, na luz de Cristo e da sua Igreja, para o serviço humano e espiritual dos irmãos, vivendo em plenitude a vocação de homens e de cristãos, para glória de Deus.

Abençoo-vos, de coração, a vós, às vossas famílias e comunidades, e a quantos da vossa querida pátria tendes no pensamento. E, neste mês de Maio, que Nossa Senhora de Fátima vos proteja sempre!

Aos fiéis suíços falando da sua próxima viagem

No domingo 31 de Maio de manhã, partirei para a Suíça, como sabeis, para uma visita que durará 6 dias e, se Deus quiser, me levará a Kloten, Sion, Lugano, Einsiedeln, Sachseln, Solothurn, Friburgo e Genebra.

Desejo enviar, já desde agora, uma cordial saudação a todos os caros habitantes da Suíça, com um particular pensamento não só para o Episcopado mas também para o Senhor Presidente e os Membros do Conselho Federal, que terei o prazer de visitar na breve permanência em Lohn, pretendendo com tal acto prestar homenagem à Confederação inteira, por eles dignamente representada.

Será viagem religiosa e pastoral que permitirá encontrar-me com a Igreja que está naquele País e cumprir a minha missão de confirmar os irmãos na Fé.

E será uma visita que vai assumir uma especial nota ecuménica, porque me será dado encontrar, além dos numerosos irmãos das outras Religiões cristãs, o Conselho Ecuménico das Igrejas, que tem sede em Genebra, e o Centro Ortodoxo de Chambéry.

A tarde inteira de 4 de Junho será, atém disso, dedicada para visitar a Organização Internacional do Trabalho, por ocasião da 67° Sessão da Conferência Internacional do Trabalho, da qual me chegou o primeiro convite para efectuar esta viagem.

Este primeiro convite — seguido por muitos outros, os quais também agradeço cordialmente com sincero apreço — foi por mim acolhido com particular agrado porque este ano comemora-se o 90° aniversário da Encíclica Rerum Novarum e também porque a actividade deste benemérito Organismo internacional se adapta à missão de justiça, fraternidade e solidariedade humana e de paz do Papa.

Terei igualmente encontros com outras Instituições, também de carácter internacional, como a Cruz Vermelha e o Centro Europeu de Pesquisas Nucleares.
Convido todos a rezarem pelo feliz êxito desta minha viagem, que se realizará na semana que nos prepara para a Solenidade do Pentecostes, durante a qual recordaremos agora os 1600 anos do Concílio Constantinopolitano I e os 1550 do Concílio de Éfeso.

O Espírito Santo nos ilumine e a Virgem Maria, em cujo Santuário de Einsiedeln serei peregrino, acompanhe esta iniciativa apostólica com a sua protecção.

Ao Metropolita Damaskinos

Dirijo uma particular saudação a Sua Eminência o Metropolita de Tranoupolis, Dom Damaskinos, que representa o Patriarcado ecuménico, assim como aos fiéis ortodoxos que vieram com ele à Mariápolis, a fim de se encontrarem com os focolarinos e meditarem em conjunto sobre o esforço comum para serem testemunhas do evangelho nos seus meios.

Oxalá estes encontros sirvam para ajudar a superar o que nos separa! Faço votos por que eles se multipliquem e contribuam para tecer entre os cristãos, que foram baptizados na morte e ressurreição de Cristo e vivem do mesmo Espírito, laços cada vez mais estreitos de amor, de respeito recíproco, de estima mútua e de compreensão Sois bem-vindos aqui, e repito-vos de todo o coração a grande aclamação da fé cristã: Cristo ressuscitou! Christàs Anésti!

A uma peregrinação de Portugal

É para mim motivo de alegria saudar, especialmente, nesta Audiência, o numeroso grupo de peregrinos e visitantes de Portugal. Para todos, como expressão de estima e apreço, vão os meus votos de bem e por que esta visita a Roma, onde tantos sinais e apelos de fé cristã se encontram e veneram, constitua estímulo para a realização pessoal e, na luz de Cristo e da sua Igreja, para o serviço humano e espiritual dos irmãos, vivendo em plenitude a vocação de homens e de cristãos, para glória de Deus.

Abençoo-vos, de coração, a vós, às vossas famílias e comunidades, e a quantos da vossa querida pátria tendes no pensamento. E, neste mês de Maio, que Nossa Senhora de Fátima vos proteja sempre!

A um grupo da Turquia

Apraz-me ver hoje aqui a Turquia. representada pela equipa da Televisão Turca. A vossa presença faz-me recordar as duas breves visitas que fiz ao vosso lindo país em Novembro passado. Renovo as minhas orações pela sua paz e harmonia, e peço-vos que leveis os meus cordiais votos a todo o povo turco. Invoco sobre ele e sobre os seus chefes as bênçãos de Deus Todo-Poderoso.

A vários grupos de peregrinos de língua inglesa

Desejo as boas-vindas aos Irmãos Cristãos que actualmente estão a fazer o seu tirocínio em Roma. Faço votos por que o vosso Curso de Renovação Espiritual vos dê vivo conhecimento do poder e da acção amorosa do Espírito Santo, o Espírito que é o Senhor e Dador de vida e desperta os nossos corações para um amor profundo ao nosso Salvador crucificado e ressuscitado. Queridos Irmãos, servi sempre o Senhor com gratidão e alegria dos corações.

Especiais saudações também para os neo-ordenados sacerdotes dos Oblatos da Virgem Maria, e para as suas famílias e amigos hoje aqui presentes. Recebestes na Ordenação sacerdotal um grande dom de Nosso Senhor Ressuscitado, dom que deve ser usado para o serviço dos outros. Com a ajuda da graça de Deus proclamai intrepidamente a Sua palavra e procurai construir sempre a Igreja na felicidade e no amor.

Desejo as boas-vindas aos visitantes que vieram a Roma em peregrinação de Juneau, no Alaska. A vossa presença aqui recorda-me a calorosa hospitalidade que recebi recentemente quando visitei Anchorage. Estou contente por terdes vindo e espero que a vossa visita a esta cidade intensifique o vosso conhecimento e amor de Deus.

Faço extensivas as minhas calorosas saudações também aos visitantes provenientes da Coreia que vieram esta tarde. Deus vos abençoe assim como às vossas famílias com a sua duradoura paz.

A vários grupos de peregrinos italianos

Uma afectuosa saudação desejo dirigir agora a todas as Religiosas presentes na Audiência, e de modo particular às participantes ao Curso de formação promovido pela União dos Superiores-Maiores da Itália e intitulado "Mater Divinae Gratiae": Às Irmãs Missionárias da Consolata, assim como às Clarissas Franciscanas Missionárias do Santíssimo Sacramento, que estão a preparar o seu Capítulo Geral.

Caríssimas irmãs, a vossa vinda a Roma e o vosso encontro com o Vigário de Cristo possam ser-vos de grande ajuda espiritual e de estímulo para viver, com empenho cada vez mais intenso, a vossa consagração, em união com Maria, no fervor do Espírito Santo.

Estão também presentes na Audiência os Sacerdotes e os Leigos participantes no "Curso Nacional de estudo para Animadores da Pastoral da Terceira Idade", promovido pelo Sector dos Adultos da Acção Católica Italiana.

Ao dirigir, também a vós, uma particular saudação, exprimo o meu vivo apreço quer aos Dirigentes da Acção Católica pela próvida iniciativa, quer a vós, participantes, pela sensibilidade que demonstrais diante do problema. De facto, o argumento que tratais é de importância capital hoje, na sociedade moderna, e uma pastoral inteligente e cordial para com os anciãos deve precisamente empenhar com seriedade todas as comunidades cristãs.

A minha Bênção vos acompanhe e vos encoraje.

Aos Doentes

Eis-me agora convosco, meus queridos doentes, que, em todos os encontros das quartas-feiras, sois sempre tão numerosos. Dirijo-me às crianças do Centro de "Assistência Italiana às pessoas que sofrem de espasmos" de Bosa Marina; aos jovens escolhidos pelo "Centro Italiano de Pesquisas para a auto-suficiência dos Deficientes", assim como ao grupo proveniente da Suécia e a todos os outros, aqui presentes, quase símbolo de todo o sofrimento que há no mundo.

Penso que às vezes vos parecerá inútil a vossa vida, e um peso a vossa presença: mas não é assim. Se considerarmos bem o caminho percorrido por Jesus na imolação do Calvário, aprendemos que a dor não é vã: Jesus não efectuou coisas vãs! E se escolheu o caminho da cruz, para dar de novo à humanidade a esperança do Céu, quer dizer que o caminho da cruz — o vosso caminho, o caminho também de todos os seguidores do Evangelho — é o que mais do que nenhum outro recolhe os tesouros da benevolência de Deus e da salvação.

E a quem cuida da vossa pessoa dirijo a viva recomendação de ter sempre presente o exemplo e o heroísmo dos santos, que desejaram servir Cristo nos doentes e nos necessitados, e enriqueceram de méritos incalculáveis a sua vida, consumada na mais alta das virtudes, no amor, Nossa Senhora faça crescer em todos, os preciosos sentimentos da fé, da esperança e da caridade. Uno de muito boa vontade a estes votos a minha Bênção



AUDIÊNCIAS 1981 - AUDIÊNCIA GERAL