Discursos João Paulo II 1990




                                                         

                                                         Janeiro de 1990



VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA JOÃO PAULO II

A CABO VERDE, GUINÉ-BISSAU, MALI E BURKINA FASO

DISCURSO DO SANTO PADRE

NA CERIMÓNIA DE BOAS-VINDAS


NO AEROPORTO DA ILHA DO SAL


EM CABO VERDE


Quinta-feira, 25 de Janeiro de 1990






Excelentíssimo Senhor Presidente da Assembleia Popular,
Senhor Bispo de Santiago de Cabo Verde,
Excelentíssimas Autoridades,
Senhoras e Senhores e caríssimos irmãos e irmãs,
Cabo-verdianos da Ilha do Sal,
Seja louvado nosso Senhor Jesus Cristo!

1. A fazer a vontade d’Ele, de Jesus Cristo, aqui me encontro, em Cabo Verde, para desejar-vos de todo o coração “graça, misericórdia e paz, da parte de Deus Pai”(2Tm 1,2). É ao mesmo tempo saudação, voto e prece esta palavra, com que o Bispo de Roma, sucessor de São Pedro, se apresenta hoje ao dilecto Povo cabo-verdiano, aqui na Ilha do Sal, e se apresenta à Igreja que peregrina em Cabo Verde.

Agradeço ao Senhor Presidente da República, que se fez representar pelo Senhor Presidente da Assembleia Popular; ao Senhor Bispo, também pelas devotas palavras de saudação; aos representantes da Autoridade nacional e local que vieram receber-me; e a todos vós, por este bom acolhimento: “Graça, misericórdia e paz”!

Sim! Está nisto o essencial do Dom, que Deus nos fez por Jesus Cristo no Espírito Santo, quando “...enviou o seu Filho, nascido de mulher, para que nós recebêssemos a adopção de filhos” (Ga 4,5): filhos de Deus e irmãos uns dos outros, não já inibidos pelo medo, mas livres na caridade, porque seguros de ser protegidos e amados por Deus, nosso Pai, destinados à herança da ressurreição e da vida eterna, por Jesus Cristo.

2. É este o núcleo do Evangelho, sempre actual, a ser compreendido e traduzido em vida, por todos os povos, onde quer que se encontrem, em todos os momentos da sua história, a nível pessoal e comunitário. E é com esta Mensagem que venho hoje, em visita e missão nitidamente pastoral e religiosa.

Gostaria de encontrar-me e conversar pessoalmente com cada um dos habitantes deste Arquipélago: dos que estão na pátria e dos muitos espalhados pelo mundo, na busca de dias melhores; gostaria de visitar cada família, cada comunidade, em todas as ilhas. Mas vós compreendeis: isso não me é possível. A minha estima, porém, através dos que aqui estão e que vou encontrar pessoalmente, dirige-se a todos os que não estão e gostariam de estar. Penso naqueles que trabalham, nos que estão retidos por obrigações de família e nos que não podem vir, por motivo de pobreza, de idade ou de doença. Que Deus os conforte, como eu quereria confortá-los, no amor de Jesus Cristo.

3. Eu desejava, há muito, conhecer Cabo Verde e os seus habitantes; por muitos motivos. Sublinho aqui, o de ser uma Cristandade antiga, às portas do Continente africano. Há séculos, caiu aqui a semente do Evangelho e os Cabo-verdianos foram “abrindo as portas ao Redentor”. Estou grato à Providência divina, que me permite fazer agora esse conhecimento directo, a convite do Senhor Presidente da República, que se fez intérprete do sentir deste dilecto Povo, na sua maioria católico, ao mesmo tempo que me convidava o Senhor Bispo da Diocese.

Venho, pois, com alegria, lançar mais uma semente de fé, esperança e caridade, num sulco já aberto há tempos, confiando na “chuva temporã e tardia” de graça de Deus, que torne fértil este terreno. Quer dizer, venho confirmar numa fé corajosa e irradiante estes meus irmãos e filhos de Deus, pelo Baptismo; estimular o seu testemunho e anuncio das “razões da própria esperança” na vida eterna; e exortá-los, enfim a demonstrarem, na vida e nas obras, serem bons irmãos em Cristo, amando a Deus sobre todas as coisas e amando o próximo, como o mesmo Jesus nos amou.

É sempre este o móbil das visitas pastorais, que tenho vindo a fazer aos diversos países do mundo: transmitir a Noticia das insondáveis riquezas da dimensão divina e humana da Redenção de Cristo, para que todos os homens se salvem e conheçam a verdade (1Tm 2,4), como é vontade de Deus.

4. E qual é o meu “recado” para vós, irmãos e irmãs da Ilha do Sal? Foi-me referido que, normalmente, a luz das ilhas deste Arquipélago é maravilhosa; e o nome da vossa terra, “Sal”, tem razão de ser e é sugestivo. Vós recebestes, com o Baptismo, um dom que não é somente para cada um de vós; foi-vos dado pelo Pai que está nos Céus, para ser enriquecido com novas graças: - na Confirmação ou Crisma e na Eucaristia - e para ser repartido. Quando comungais, vós dizeis praticamente que quereis viver aquela “e comunhão dos santos”, que professamos no Credo: o bem de cada um dos cristãos torna-se o bem de todos, e o bem de todos o bem de cada um.

Por isso, o “recado” do Papa para vós é este: sede, cada dia mais, “luz do mundo” e “sal da terra” (Cfr. Mt Mt 5,13-14). Ou seja, procurai viver como cristãos responsáveis, testemunhando a dimensão social da própria adesão a Jesus Cristo e à sua Igreja, no modo de comportar-vos e tratar com os outros: procurai assumir as obrigações de discípulos do Reino, com o empenhamento no apostolado pessoal, que tem de ser como uma fonte aberta, que oferece a todos a “água a jorrar para a vida eterna” (Jn 4,14).

Para que se realizem os desideratos da minha visita pastoral e para nos sentirmos a Igreja-comunhão e a Igreja-família, que todos queremos honrar como bons irmãos, rezemos, a concluir este breve encontro, a oração da Família dos filhos de Deus, o “Pai nosso”.



VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA JOÃO PAULO II

A CABO VERDE, GUINÉ-BISSAU, MALI E BURKINA FASO

DISCURSO DO SANTO PADRE

NA CERIMÓNIA DE BOAS-VINDAS


NO AEROPORTO «FRANCISCO MENDES»


EM PRAIA (CABO VERDE)


Quinta-feira, 25 de Janeiro de 1990




Excelentíssimo Senhor Presidente da República,
Senhor Bispo de Santiago de Cabo Verde,
Excelências, minhas Senhoras e meus Senhores
e queridos Cabo-verdianos,

1. As palavras amáveis de boas vindas que acaba de me dirigir, Senhor Presidente, reforçam os sentimentos de gratidão, que comecei a experimentar na Ilha do Sal, pelo acolhimento caloroso que me está a ser dispensado. O convite que Vossa Excelência me fez, repetidamente, como o do Senhor Bispo da Diocese, para visitar o seu País, eram prementes; remontam há quase dez anos. Assim, é com alegria que hoje dou satisfação a tais instâncias.

Agradeço a presença de Vossa Excelência, que, depois de se ter feito representar na Ilha do Sal, me vem aqui receber. Agradeço a presença dos membros do Governo e das Autoridades, dos representantes diplomáticos, e da Igreja local, a fazer coroa ao seu Pastor. é-me grata também a participação de outras comunidades religiosas neste acto, em que se manifesta a conhecida hospitalidade cordial dos Cabo-verdianos, para os quais, das Ilhas de Sotavento às Ilhas de Barlavento, através dos presentes, vão as minhas melhores saudações.

2. As honras e a deferência com que sou recebido, peço licença para considerá-las dirigidas, para além de pessoa, à missão de que estou investido. As peregrinações, que tenho vindo a fazer pelo mundo, representam para mim um aspecto importante dessa missão, como sucessor de São Pedro. O carácter religioso e as finalidades estritamente pastorais, nesse meu itinerário de Fé, visam, sobretudo, despertar a consciência religiosa das pessoas e dos povos; e, ao mesmo tempo, repetir que a Igreja tem uma via para os problemas fundamentais do homem, para as suas incertezas, angústias e interrogações. Ninguém é obrigado a seguir essa via: mas é meu dever propô-la, porque mensageiro da salvação em Jesus Cristo, Redentor do homem.

Guia-me, assim, o desejo de ir ao encontro do homem situado num país determinado e com a sua circunstância concreta; é este homem, na plena verdade da sua existência, do seu ser pessoal, comunitário e social, que constitui sempre o caminho obrigatório da Igreja, peregrina no tempo. Todo o agir da Igreja converge no homem: no homem limitado em vários aspectos, mas, simultaneamente, ilimitado nos seus desejos e aspirações, e chamado a uma vida superior; no homem fraco e pecador, mas com vocação e iniludível apelo à vida eterna.

3. Como primeiro responsável do Evangelho de Cristo, enquanto estou colocado, por insondáveis designios da Providência, à frente da Igreja Católica, sou portador de uma mensagem e, pela parte que cabe no âmbito da minha missão, quero colaborar para que prevaleça no mundo o verdadeiro sentido do homem, do seu autêntico desenvolvimento e da indispensável solidariedade. Isto deve iluminar as sociedades e interpelar a inteira humanidade para se deixar impregnar cada vez mais pelo sentido de família.

A Igreja é movida pelo amor de Cristo, Redentor do homem; e não hesita em proclamar: “o homem não pode abdicar de si mesmo, nem do lugar e tarefa que lhe competem no mundo visível”; não pode tornar-se escravo das coisas - das riquezas materiais, dos prazeres desordenados, ou das desmedidas ambições de poder; como não pode ceder, perante sistemas ou ideologias que reduzam a sua dignidade de pessoa livre e responsável, de ser criado à imagem e semelhança de Deus. O homem não pode sufocar o chamamento à transcendência, como ninguém o pode amputar dessa sua dimensão. Em suma, o homem não pode ser entendido sem a sua abertura para Deus, com a derivante dimensão religiosa; e o mistério que ele constitui para si mesmo, só à luz de Cristo Redentor se poderá esclarecer e revelar.

4. Mas a missão da Igreja não se confina aos projectos humanos de bem-estar e felicidade temporais. É seu múnus fundamental e prioritário fazer com que os homens se encontrem com Jesus Cristo, com a salvação que Ele lhes oferece, ajudando-os a libertarem-se do pecado, sob todas as suas formas, individuais e colectivas; a Igreja quer ser para eles sinal de reconciliação e amor, contra todas as manifestações de desamor e divisão que ameaçam as sociedades.

Toda a actividade de Igreja procura, efectivamente, estar ao serviço da “civilização do amor”, sem utopias: quer dizer, ao serviço daquela civilização, de onde sejam banidas todas as discriminações, pretensamente baseadas em posições filosóficas, políticas ou religiosas, numa diferente posse de bens materiais ou de poder, na raça ou na cor. Guia-a sempre a firme convicção de que só o amor constrói, só o amor constitui aquele vínculo seguro e insubstituível, capaz de garantir o bem-estar da população e a estabilidade social num país.

5. Como é obvio, a Igreja está presente na sociedade através das suas organizações e, sobretudo, através dos seus fiéis. Estes, comprometidos na vida social do seu Povo, como imperativo dos princípios da fé e do amor cristão que professam, devem aplicar-se, com o exemplo e a acção, em elevar o nível da vida dos seus irmãos, “dentro” e a partir de dentro da própria Nação; não como quem “de fora” dá assistência ou presta uma colaboração.

No caso, são os Cabo-verdianos, os membros - homens e mulheres - de um laicado católico bem formado e responsável, os portadores dessa mensagem ao seu ambiente, para que aí, exercendo a própria actividade inspirados pelo Evangelho, concorram para a santificação do mundo, a partir de dentro, como o “fermento” (Cfr. Mt Mt 13,33); concorram para a conversão das mentes e dos corações à causa do homem; e concorram, enfim, para que se conformem com os desígnios divinos os critérios de julgar, os valores que contam, as linhas de pensamento, as fontes inspiradoras e os modelos de vida (Evangelii Nuntiandi EN 19).

6. Fiel ao seu Fundador Jesus Cristo - o Verbo de Deus incarnado, que quis participar da vida social dos homens... que santificou os laços sociais, antes de mais os familiares, se submeteu livremente às leis do seu país e quis levar a vida de um operário do seu tempo e da sua terra (Cfr. Gaudium et Spes GS 32) - a Igreja não pode alhear-se de tudo o que seja humano. Por outro lado, ela não pretende gerir as coisas temporais, nem substituir-se à acção própria dos responsáveis pelo governo dos Povos; também não propõe um modelo político, económico ou social, nem sequer uma “terceira via” entre sistemas contrastantes (Sollicitudo Rei Socialis SRS 41).

Não sendo “estrangeira” em parte nenhuma, ela preconiza, onde se encontra implantada, o desenvolvimento integral do homem todo e de todos os homens; e para isso contribui, na medida em que lhe é permitido e das suas possibilidades, como testemunham múltiplas iniciativas. Fá-lo sempre em plano de subsidiariedade, nos campos da educação, da saúde e da assistência. Para tanto, não reclama privilégios; pede simplesmente que se respeite o espaço de liberdade que lhe cabe e que é direito inalienável daqueles a quem ela procura beneficiar.

7. Destinados originariamente à todos os homens, os bens deste mundo não alcançarão jamais essa destinação universal, sem a indispensável colaboração na comunidade internacional, no quadro de uma ampla solidariedade, que abranja a todos e atenda prioritariamente aos menos favorecidos. Mas os próprios interessados nos benefícios não hão-de tornar-se servis; mantêm o dever da dignidade, na interdependência dos povos.

A solidariedade é possível, torna-se cada vez mais necessária e é mesmo um imperativo ético, como escrevi na Encíclica “Sollicitudo Rei Socialis”. No entanto, essa solidariedade, cativa-se, “merece-se”, de certa maneira, e tem de aceitar-se e viver-se com espírito de iniciativa, “sem estar à espera de tudo dos países mais favorecidos, e colaborando com os outros que se encontram em análoga situação... O desenvolvimento dos povos encontra a actuação mais indicada no esforço de cada Povo pelo próprio desenvolvimento em colaboração com os demais” (Sollicitudo Rei Socialis SRS 41).

8. Ao recordar estes pontos, desejo ao querido Povo cabo-verdiano um desenvolvimento autêntico, por uma solidariedade que leve à fraternidade, assentes nos direitos e liberdades fundamentais inseparáveis da dignidade do homem.

Lembrar tais direitos, sem os antepor aos direitos de Deus e sem deixar em silêncio os deveres que lhes correspondem, é para a Igreja questão de fidelidade ao Evangelho do seu Mestre e Senhor, na fidelidade ao homem. Para tanto, ela não cessa de inculcar a necessidade da hierarquia de valores, sobretudo em referência ao “ter” e ao “ser”, cônscia de que o “ter” de alguns pode redundar em detrimento do “ser” de muitos.

Peço a Deus que cada Cabo-verdiano veja sempre respeitada e respeite a dignidade da pessoa humana em si e nos demais, e possa dispor da suficiência dos meios indispensáveis para viver bem; e assim, cada vez mais se sinta ufano e amigo da sua terra natal.

9. Desta “hierarquia” de valores, como é sabido, dimanam prioridades em ordem à satisfação das necessidades reais: a vida e a qualidade de vida, a segurança, a educação, o trabalho, a saúde, a habitação, a participação livre na vida colectiva, a expressão religiosa privada e pública, etc. Seja-me permitido lembrar, ainda, como prioridades a cultivar e a defender, o direito do nascituro à vida e os legítimos direitos dos pais quanto ao matrimónio segundo Deus criador, à fecundidade e à educação dos filhos, recebendo o necessário para criá-los dignamente. É bem conhecido quanto estas prioridades se acham alteradas e ameaçadas, hoje em dia, no mundo inteiro.

Senhor Presidente, minhas Senhoras e meus Senhores,

Estou confiante de que as boas qualidades do dilecto Povo cabo-verdiano, em comunhão com os esforços universais e guiado pelo sentido de responsabilidades e boa vontade daqueles sobre quem pesam deveres de iniciativa e de direcção racional dos processos de transformação e melhoramento da sociedade, hão-de saber superar os obstáculos na sua caminhada, para o desenvolvimento autêntico de todos os homens que habitam este país.

É uma participação livre mas co-responsável, educada e solidária, da parte de todos, que há-de fazer de Cabo Verde uma Nação, cada vez mais feliz e próspera. São estes os meus sinceros votos, ao mesmo tempo que imploro as bênçãos de Deus omnipotente sobre todo o dilecto Povo cabo-verdiano.





VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA JOÃO PAULO II

A CABO VERDE, GUINÉ-BISSAU, MALI E BURKINA FASO

DISCURSO DO SANTO PADRE AOS SACERDOTES,

AOS RELIGIOSOS, ÀS RELIGIOSAS,


AOS SEMINARISTAS E AOS LEIGOS


NA CATEDRAL DE PRAIA


Quinta-feira, 25 de Janeiro de 1990




Senhor Bispo
e caríssimos irmãos e irmãs!

O amor de Deus foi derramado nos nossos corações” (Rm 5,5).

E por isso, “Greja alguén qui ta sigui Cristo tudo hora e tudo lugar”.

1. Com esta palavra do Apóstolo, e com as palavras programáticas da vossa segunda Assembleia Diocesana, vos saúdo cordialmente a todos: sacerdotes, religiosos e religiosas, seminaristas e leigos comprometidos no apostolado.

Vós sois, em Cabo Verde, a “gente que segue Cristo, sempre e em toda parte”. Que o Espírito Santo, alma da Igreja, doador de todos os dons, e obreiro da unidade e da paz, esteja convosco, derramando cada vez mais e abundantemente o seu amor em vossos corações, e estreitando a vossa união fraterna.

É grande a alegria que sinto, por me encontrar aqui no meio de vós. Viestes das várias ilhas do Arquipélago, talvez com sacrifício, para vos encontrardes com o sucessor de Pedro, nesta Catedral, centro de comunhão e de irradiação apostólica da vossa Igreja local.

Conheço bem a vossa comunhão com a Igreja de Roma, a Igreja que “preside a assembleia universal da caridade”, e com o Papa, que é o Bispo que o Senhor lhe deu nestes tempos. Apesar das enormes distâncias, tornou-se possível vivermos, hoje, de maneira palpável, essa comunhão na Igreja una, santa, católica e apostólica.

Bendito seja Deus, que, na sua Providência, nos concede esta graça! Hoje, aqui, os nossos olhares se cruzam fraternamente na caridade; e os vossos rostos manifestam bem a alegria e a gratidão que este desejado encontro vos traz.

2. Vós, irmãos e irmãs, sois devedores de uma especial predilecção do Espírito de amor e de santidade. Ele vos escolheu, um a um, para uma especial missão de serviço, nesta comunidade eclesial, sob a orientação do vosso Pastor Diocesano, Dom Paulino do Livramento Évora, a quem agradeço as calorosas palavras de saudação.

Com satisfação, tomei conhecimento da Segunda Assembleia Diocesana, realizada aqui em Janeiro do ano passado. Ela fez-vos sentir com particular urgência, a co-responsabilidade eclesial, a todos os níveis. Além disso, ela pode considerar-se já como uma boa preparação do próximo Sínodo Especial que será dedicado aos problemas e às perspectivas da evangelização e do desenvolvimento eclesial na África.

A Igreja universal, una e única, subsiste nas várias Igrejas locais. E estas, hoje mais do que nunca, devem sentir e viver responsavelmente esta comunhão. Cada Igreja local desempenhará valida e frutuosamente a sua função activa e construtiva, na medida em que viver aqueles princípios universais de unidade na verdade, que animam a Igreja universal; na medida em que estes princípios se tornarem vida e testemunho, de modo a que resplandeça, tanto a unidade interna da Igreja local, congregada em torno do Bispo diocesano, quanto a sua unidade com a Igreja universal, guiada pelo Sucessor de Pedro.

3. Na Igreja local, nos seus membros, em vez de um uniformístico nivelamento, que é contrário à verdadeira realidade da Igreja, devem emergir todas as qualidades e dons próprios de uma Comunidade eclesial. Tudo, como sabeis, tem a sua fonte no “amor de Deus derramado nos nossos corações”, e exprime-se na “caridade, praticando a verdade, para crescer n’Aquele que é a cabeça, Cristo. É por Ele que o Corpo inteiro é coordenado e unido” (Cfr. Ef Ep 4,16), para ser “gente que segue Cristo sempre e em toda parte”.

Sendo, muito embora, um só o Espírito que distribui os dons carismáticos e ministeriais, verifica-se, no entanto, uma variedade maravilhosa. Mas tal variedade não pode tornar-se pretexto para divisões ou rivalidades; pelo contrário, constitui uma fonte de recíproca colaboração e de harmonia interna do Corpo místico de Cristo. A variedade das Igrejas locais, a tenderem assim para a unidade, demonstra, com maior evidência, a catolicidade da Igreja indivisa (Lumen Gentium LG 23).

4. Sei, caríssimos irmãos e irmãs, que a vossa realidade eclesial, apesar das suas dimensões quantitativamente pequenas, não deixa de apresentar diversidades. É um dado, de per si, enriquecedor, embora costume trazer também algumas dificuldades. Estas acabam por ser superadas, se nos lembrarmos que “os laços que unem entre si e mais ainda com Cristo os membros do novo Povo de Deus - que é a Igreja-Comunhão - não são os laços da "carne" ou do "sangue", mas sim os do espírito; e mais precisamente os do Espírito Santo, que todos os baptizados recebem (Cfr. Jo Jn 3,1)" (Christifideles Laici CL 19)”.

Assim, irmãos e irmãs, para se conseguir a convivência, a colaboração e a comunhão eclesial, a todos os níveis, as afinidades físicas, psicológicas e culturais, não desempenham um papel determinante, embora possam ser úteis.

É que o princípio da unidade e da harmonia do Corpo místico de Cristo não é simplesmente natural: é sobrenatural e de fé.

Oiçamos aqui o Divino Mestre: “Quem é a minha mãe, e quem são os meus irmãos? Todos aqueles que cumprem a vontade de meu Pai que está nos céus, esses é que são para mim, o irmão, a irmã, a mãe” (Cfr. Mt Mt 12 Mt 48-50); Mesmo que entre eles possa haver diferenças de raça, de origem, de cultura e de mentalidade. Sobre aquela base seguríssima, do comum cumprimento da vontade do Pai celeste, todas as nossas diferenças, em vez de constituírem obstáculos, até redundam num enriquecimento de nossa unidade e comunhão; mais ainda, acabam por constituir, elas mesmas, outros tantos valores, que podem e devem servir a causa da paz, da concórdia, e da mútua colaboração.

5. Para a edificação, a salvaguarda e o incremento da unidade eclesial, é necessário, portanto, que da parte de todos e no interesse de cada um, se dê a primazia aos princípios e aos fins verdadeiros da mesma unidade. Estes promanam da Revelação, situam-se na ordem sobrenatural e alimentam-se da escuta da Palavra de Deus e da fiel e responsável comunhão com os Pastores da Igreja. Assim, hão-de passar para segundo plano as opiniões pessoais e os interesses privados, que só poderão ter uma função legítima e útil, quando tiverem por base a aceitação sincera e generosa dos comuns princípios de fé.

Daqui deriva, além do mais, a necessidade de uma noção de Igreja que esteja verdadeiramente em conformidade com a doutrina católica, rejeitando-se conceitos secularistas ou classistas, que pouco tenham a ver com as linhas, as estruturas e as funções básicas que o divino Fundador da Igreja estabeleceu.

Para edificar essa unidade eclesial concretamente, não basta contentar-se com uma ideia plenamente ortodoxa da Igreja, nem com o facto de se desempenhar nela uma tarefa humana, conscienciosa e reconhecida. Isso está muito bem, e é necessário. Mas o que importa, acima de tudo, é que todos prestemos a devida atenção ao Espírito da verdade. “Foi num só Espírito que nós todos fomos baptizados, a fim de formarmos um só corpo”(1Co 12,13 cfr. Ef Ep 4,3). É Ele e só Ele, afinal, o Artífice da unidade da Igreja local, em si mesma a na única Igreja católica, com a sua dúplice dimensão: no tempo presente, e no mundo que há-de vir.

6. Todos sabemos que a vitalidade da Igreja não é fim a si mesma, está essencialmente ordenada para “fermentar”, animar e transformar o mundo com o Evangelho - Palavra e Graça - para que o mundo se salve, seja libertado do poder das trevas e nele se instaure o Reino de Deus.

A santidade pessoal na “Igreja evangelizada” é um pressuposto fundamental, é condição insubstituível, para que possa haver “Igreja evangelizadora”. Na união dos “ramos” com a “única videira” (Cfr. Jo Jn 15,5), está a fonte concreta e a medida infalível da operosidade apostólica e do dinamismo missionário da mesma Igreja. Só na medida em que a Esposa de Cristo se deixar amar por Ele e O amar, é que ela se tornará mãe fecunda no Espírito” (Christifideles Laici CL 17).

A Igreja está presente neste mundo para, antes de mais, dar a conhecer a todos os homens o Evangelho do amor de Deus e o ideal do amor fraterno, em ordem à solidariedade e à comunhão de todos, na família humana. E os cristãos, respeitando os poderes constituídos, procurando viver em tudo os divinos ensinamentos, jamais menosprezarão os seus deveres de cidadãos honrados: como pais ou mães, como filhos ou filhas, como profissionais e trabalhadores exemplares.

Com a força interior da fé, poderão cumprir melhor os próprios deveres.

Há uma Carta, escrita no século segundo da era cristã na qual se apresenta já o comportamento do cristão na sociedade: a sua vida nada tem de excêntrico: e a sua doutrina não procede da imaginação fantasista de espíritos exaltados... Os cristãos são no mundo o que a alma é no corpo tão nobre é o posto que Deus lhes assinalou, que não lhes é possível desertar” (Epistula ad Diognetum: Funk 397-401, nn. 5-6).

7. Também aqui, em Cabo Verde, a Igreja, seguindo aliás na linha da sua própria tradição, continuará a colaborar na construção da sociedade cabo-verdiana, reconhecendo e encorajando as aspirações de justiça e de paz que encontra neste povo, com a sua secular sapiência e com os seus actuais esforços de promoção. De tal modo a Igreja está ligada à história desta Nação, que, eliminá-la ou desconhecê-la, seria mutilar o próprio património sócio-cultural do Arquipélago.

Não é da natureza da Igreja pretender sobrepor-se politicamente, ou aspirar a gerir os assuntos temporais. A sua contribuição específica, no que respeita ao bem comum, situa-se, antes de tudo, no campo da formação das consciências, em sintonia e coerência com as directrizes e exigências de uma ética humana e cristã: proclamar a lei moral e os seus imperativos, e denunciar, se necessário, os desvios e os erros, procurando sempre, e sobretudo, esclarecer e persuadir. Neste aspecto, um cuidado muito particular se deve pôr, para ajudar a formar uma autêntica consciência social cristã, em todos os níveis e sectores ( Discurso de Abertura na III Conferência Geral do Episcopado Latino Americano em Puebla, 7).

Esta presença e serviço, que é afirmar princípios e apontar caminhos, em ordem à recta formação das consciências, passa, naturalmente, pelas áreas de convivência com mais incidência sobre a formação da opinião pública e, consequentemente, da consciência social. Áreas que vão da escola à informação, da prática da caridade e entreajuda, em plano subsidiário, até à confirmação de tudo aquilo que é a Lei divina, com a qual deveriam conformar-se sempre as leis humanas. A Igreja está comprometida em tudo isto, porque acredita firmemente na dignidade do homem criado à imagem de Deus. Dignidade intrínseca a cada homem, a cada mulher, a cada criança, seja qual for o lugar que ocupe na sociedade.

8. A unidade entre vós torna-se particularmente necessária, perante certos problemas, que deveis sentir como problemas comuns e que terão, portanto, de ser encarados numa convergência de intentos, de forças e de estratégias.

Tomemos, por exemplo, o problema vocacional. Sei que, graças a Deus, vão aparecendo vocações para o sacerdócio e para a vida consagrada, masculina e feminina.

Muito me congratulo com os Institutos que tiveram a sabedoria e a iniciativa de abrir aqui, recentemente, casas de formação, para os jovens e as meninas que se apresentam, para discernirem o chamamento do Senhor e para Lhe responderem generosamente.

A todos esses jovens e moças, seminaristas ou aspirantes, exorto a orarem constantemente e a aprofundarem cada vez mais a própria opção, que se radica na consagração do Baptismo. E ainda a serem valentes, para que cresça em vigor aquela Igreja que os baptizou e os nutriu, com a graça de Cristo. E não deixem de dar “carta branca” ao Senhor!

Não Lhe regateiem confiança e generosidade! Ele, que iniciou a obra, há-de levá-la a bom termo. É nobre a missão que os espera! E grande será o merecimento se lhe forem fiéis!

Caríssimos irmãos e irmãs,

Quero, finalmente, deixar-vos a todos uma palavra de apreço, pelo bom trabalho que já estais a realizar, na edificação da Igreja, na promoção humana e em todos os demais campos. Exorto-vos a que continueis por esse recto caminho, com coragem, com esperança e com perseverança.

Nesta feliz circunstância do meu encontro convosco, quero desejar-vos que esteja convosco o Senhor Jesus Cristo e a sua imensa Bondade, para avançardes sempre, sem medo dos obstáculos. Ele venceu o mundo! Que vos acompanhe a sua Luz e a sua Graça, que para todos imploro por intercessão de Nossa Senhora da Graça, como é honrada e invocada nesta Catedral a Mãe do Redentor.

Ela, Maria, a Mãe da nossa confiança, chamada por Deus para a comunhão o mais perfeita possível com o seu Filho, nos alcance do Pai que está nos céus o crescimento no amor fraterno e no espírito de servir, solícitos “em conservar a unidade de espírito, mediante o vínculo da paz” (Cfr. Ef Ep 4,3). E a Virgem fiel, seja para todos Mãe, na nossa caminhada evangélica!

Com a minha Bênção afectuosa!





VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA JOÃO PAULO II

A CABO VERDE, GUINÉ-BISSAU, MALI E BURKINA FASO

DISCURSO DO SANTO PADRE

DURANTE O ENCONTRO COM OS JOVENS


NO PALÁCIO DOS DESPORTOS EM PRAIA


Sexta-feira, 26 de Janeiro de 1990




Jovens de Cabo Verde, rapazes e raparigas,
meus caríssimos amigos,

1. Sensibilizado pelo clima de entusiasmo festivo com que me acolhestes neste Palácio dos Desportos, retribuo as vossas saudações, exprimo-vos o meu afecto profundo e manifesto-vos a alegria que me inunda, por este encontro. Com ele, se conclui um dia intenso, tão rico de momentos em que a fé comum em Cristo, Senhor e Redentor da vida, se pôde manifestar e consolidar, mediante a partilha e o amor.

Nesta noite, dirijo-me a vós, caros jovens, com estas palavras do Apóstolo São Paulo: “Irmãos, fostes chamados à liberdade”, para viverdes, “pela caridade ao serviço uns dos outros” (Cfr. Gal Ga 5,13).

Esta mensagem dirigia-a, há muitos séculos, São Paulo aos cristãos da Galácia; mas ela contém uma resposta, plenamente actual, a certas interrogações, que também vós trazeis hoje nos vossos corações.

2. Não é verdade que sentis profundamente a fascinação da liberdade? E perguntais: qual será a melhor maneira de afirmarmos na nossa vida esse valor, de que depende a maturação plena da nossa personalidade?

É profundamente razoável esta vossa intuição. De facto, na perspectiva cristã, a vida é vocação para a liberdade, porque todo o ser humano traz em si a imagem de Deus, que é Liberdade Subsistente, e todos são chamados a participar na Redenção de Cristo, que é o supremo libertador do homem contra todas as forças do mal.

Todos os que aceitam o grande dom de ter Deus como Pai e Cristo como Redentor já não são escravos de nada. Quando acolhem Cristo morto e ressuscitado para a salvação do mundo, as pessoas ficam livres das angústias de um futuro incerto, e dos condicionamentos da natureza humana que o pecado tornou frágil e caduca.

3. A mensagem que vos trago, nesta tarde, caríssimos jovens que me ouvis, é esta: em Cristo - e não a fugir d’Ele - vós podeis ser livres. Se crescerdes numa amizade, diria, fraterna com Ele, o seu destino torna-se o vosso. E olhai que o d’Ele é um destino de liberdade. Se, pelo contrário, enveredais por um caminho distante d’Ele, já sabeis que ides parar a formas de verdadeira escravidão moral, escravidão essa que tanto mais vos acorrentará quanto menos advertida for. Importa, pois, que estejais prevenidos contra a influência subtil da moda corrente e da opinião dominante, que os meios de comunicação social vos apresentam. Existem cadeias invisíveis que embaraçam o espírito, tal e qual como aquelas correntes materiais que amarram o corpo.

Por isso, aqui vos repito a vós, nesta tarde, a sapiente e vigorosa advertência que Moisés fazia ao Povo de Israel: “Tende cuidado, para que o vosso coração não se deixe seduzir e, desertando, vos ponhais a servir outros deuses, e a prestar-lhes a eles a adoração” (Dt 11,16), que é devida ao único Deus e Senhor.

Esta severa admoestação do Antigo Testamento encontra um eco muito claro na palavra, não menos exigente, do Apóstolo São Paulo: “Foi para que fôssemos livres que Cristo nos libertou: permanecei pois, firmes; e não vos sujeiteis de novo ao jugo da escravidão” (Ga 5,1).

4. Caríssimos jovens, acolhei Cristo na vossa vida! Se caminhais com Ele, se O tomais por companheiro de viagem a indicar-vos o caminho, vós não andareis à cata de falsos valores, nem ireis atrás dos ídolos do êxito pessoal, do poder, da riqueza e do erotismo; mas orientar-vos-eis na direcção dos valores autênticos, sobre os quais se funda a verdadeira liberdade. Esta não provém do ter mais, mas do ser mais: ser verdadeiros homens e verdadeiras mulheres.

Vós já sabeis que a autêntica liberdade pressupõe o autocontrole, o domínio de si, graças ao qual se torna possível viver uma vida perfeita, santa e vitoriosa sobre o reino aviltante do pecado (Cfr. Rm Rm 6,12).

5. Estas minhas palavras, caríssimos jovens, colocam-se, como vedes, num contexto de fé. Conheço as objecções, que, no mundo de hoje, se levantam contra a fé. Também vós as ouvis. Formulam-nas aqueles que vivem ao vosso lado, vossos companheiros no estudo, no trabalho e nos divertimentos. Não vos deixeis atemorizar, nem renuncieis às vossas convicções; não malbarateis os ideais que vos foram transmitidos por aqueles, que, à luz da própria experiência, comprovaram a autenticidade da fé.

A fé não rebaixa a dignidade do homem. Pelo contrário, proporciona à nossa inteligência os elementos suficientes, para respondermos cabalmente às interrogações que nos angustiam. A fé leva-nos a conhecer a verdade definitiva das coisas, das pessoas e de Deus. Não nos afasta do mundo, dos demais irmãos e irmãs. Pelo contrário, aproxima-nos ainda mais dos seus problemas e esperanças. A fé genuína no Redentor não nos isola, não nos alheia do mundo e do género humano; pelo contrário, “favorece poderosamente o desenvolvimento da comunhão entre as pessoas, e leva-nos a uma compreensão mais profunda das leis da vida social, que o Criador gravou na natureza espiritual e moral do homem” (Gaudium et Spes GS 23).

6. Ao abraçar a fé, e ao deixar-se amar por Cristo Redentor, o homem não foge de si nem dos outros; reencontra-se em si mesmo e nos demais, enquanto descobre no Pai da vida o elemento fundamental que a todos irmana: a imagem de Deus impressa pelo Criador, desde as origens, e restaurada pelo Salvador, depois do pecado. À luz da fé, cada um de vós pode olhar para o outro como para um ícone, um retrato, ao menos potencial, de Cristo.

Permanecei, portanto, firmes na fé! Vivei-a com simplicidade e com sinceridade! Deixai que seja o próprio Jesus Cristo a definir a vossa existência e a orientar as vossas escolhas, de modo que as relações entre vós correspondam sempre, e sem lapsos de continuidade nem evasões, ao modelo de caridade do coração de Cristo.

7. Que mais vos recomendarei, jovens meus amigos?

Foi do Coração de Cristo, pelo qual aprouve a Deus reconciliar consigo todas as coisas (Cfr. Cl Col 1,20), que saíram estas palavras: “Vinde a mim todos os que estais cansados e oprimidos, e eu vos aliviarei... Aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração; e assim, encontrareis conforto para as vossas almas” (Mt 11,28).

Num mundo despedaçado por divisões, conflitos e antagonismos ideológicos, vós podeis sentir a ânsia de mudanças, podeis sonhar com um “mundo reconciliado”. Mas, primeiro, é preciso confrontar tais impulsos com o Coração de Cristo: “Aprendei de mim!”. É preciso ter um coração manso e humilde: um coração reconciliado com Deus, consigo próprio e com o mundo.

Esta reconciliação pode e deve encontrar a sua plena expressão no encontro com Cristo, como “mistério de piedade”, no sacramento da Penitência, que é caminho aberto pela misericórdia divina à vida reconciliada (Reconciliatio et Paenitentia, RP 22).

Depois, sede gratos ao Redentor do homem, pela vida e pelos dons com que vos cumulou. E não há modo melhor para exprimirdes essa gratidão do que uma assídua participação na Eucaristia. Nela, Jesus Cristo renova, connosco e para nós, a oferta de si mesmo ao Pai, em sacrifício de louvor, e a si nos incorpora. Com o Pão da vida, vivemos d’Ele e n’Ele (Cfr. Jn 6,57).

8. Que outra palavra esperais do Papa? Exorto-vos, caros jovens, a estardes atentos ao chamamento divino. Sirva-vos de exemplo a Bem-aventurada Virgem Maria. Ao mensageiro angélico que lhe trazia o anúncio da Redenção, que lhe respondeu ela? “Faça-se em mim segundo a tua palavra” (Lc 1,38). E, como bem sabeis, foi graças a esta aceitação que “o Verbo se fez carne” no seu seio.

Maria não se esquivou a um compromisso que lhe tomava a vida inteira. Com o seu sim - generoso e devoto - ela não se evadiu da existência; antes, penetrou nela ainda mais plenamente, assumindo todas as consequências de uma missão que a associava ao Verbo de Deus, na realização do mistério supremo da Salvação.

Como a Virgem Mãe de Cristo, também vós sois familiares de Deus e cidadãos deste mundo. Como Ela, “tende paz com Deus, por meio de Nosso Senhor Jesus Cristo” (Rm 5,1); deixai-vos guiar pelo Espírito, cujos frutos são “caridade, alegria, paz, paciência, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão e temperança” (Ga 5,22).

9. E é a Ela que, neste momento, desejo confiar-vos. A Maria Santíssima, a Mãe do Redentor; confiar-lhe a Ela, Mãe de Jesus e Mãe da Igreja, o futuro desta nação, cuja parte primordial sois vós, os jovens. Que Ela vos ajude a permanecer firmes na fé e a realizar a vossa “missão”, como baptizados, ao serviço do mundo.

E que Ela conforte os vossos coetâneos que sofrem por causa de doença, de deficiências, da incerteza pelo dia de amanhã, da falta de meios e, talvez, até da fome. Que todos tenham coragem e não se deixem rebaixar. A vida, o destino, a história presente e futura de um jovem, dependem da fidelidade àquela liberdade de filhos de Deus para a qual Cristo nos libertou.

Peço ao Deus de toda a misericórdia que ilumine a vossa mente e vos faça compreender qual é a esperança a que fostes chamados (Cfr. Ef Ep 1,18).

A minha Bênção Apostólica vos acompanhe sempre, vos encha de graça celestial, e alcance, para cada um de vós, a alegria de vos sentirdes perto de Cristo, e o conforto de experimentardes quanto Ele é o vosso Amigo.



Discursos João Paulo II 1990