Discursos João Paulo II 1983 - 16 de Fevereiro de 1983

VIAGEM APOSTÓLICA A COSTA RICA, NICARÁGUA, PANAMÁ,


EL SALVADOR, GUATEMALA, HONDURAS, BELIZE E HAITI


DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


DURANTE A ESCALA TÉCNICA


NO AEROPORTO DE LISBOA


2 de Março de 1983



Excelentíssimo Senhor Presidente da República,
Senhor Cardeal Patriarca de Lisboa e Irmãos no Episcopado,
Senhores Ministros e demais Autoridades,
Senhoras e Senhores,
queridos Portugueses,

1. Motivo de grande alegria para mim, pisar de novo, ainda que por breves instantes, a “Terra de Santa Maria”. Enche-me o coração um mundo de sentimentos e de gratas recordações, ao saudar-vos cordialmente, como há meses atrás: Seja louvado nosso Senhor Jesus Cristo!

Agradecido a Deus por este reencontro, para mim reencontro de amigos, quero agradecer-vos também a vós este delicado e caloroso acolhimento: agradeço a Vossa Excelência, Senhor Presidente da República, pela deferente presença pessoal, em quem saúdo, nesta hora, todo o dilecto Povo português; agradeço ao Senhor Cardeal Patriarca, Bispo desta amada Diocese de Lisboa, e aos meus Irmãos no Episcopado presentes, em quem saúdo a Igreja que está em Portugal; agradeço aos Senhores Ministros do Governo e a todas as Autoridades; e a quantos não posso nomear, mas que não deixarão de sentir-se abrangidos pela sincera estima da minha saudação e do meu “muito obrigado” a todos.

Lisboa! Portugal! “Terra de Santa Maria”! Estas evocações despertam em mim certa saudade, das jornadas intensas, mas consoladoras, da visita pastoral à Comunidade eclesial neste País, do meu encontro com Portugal e, talvez mais exactamente, com o homem meu irmão que aqui vive, algo mais do que anónimo elemento da cidade dos homens.

Por detrás do entusiasmo jovem, da cordialidade adulta e da estima e respeito geral, com que fui recebido então, procurei ver essa fraternidade no rosto de cada um dos portugueses, na comum “semelhança” do Criador de todos nós e no comum chamamento à Salvação; e quis dizer-lhes, primeiro que tudo, isso mesmo: todos somos irmãos; temos de nos amar fraternamente, vendo o nosso “próximo” em cada homem, sobretudo quando este sofre ou está ameaçado no próprio núcleo da sua existência e da sua dignidade; a isto nos impele o amor de Deus que, em Jesus Cristo, se nos revelou como Pai, “rico em misericórdia”.

2. Como primeiro responsável da mensagem de Cristo, que é acima de tudo uma mensagem de paz, vim até vós em atitude de diálogo, respeitador de tudo o que é humano. Mas da minha inesquecível peregrinação, essencialmente pastoral e religiosa e de carácter mariano, tenho bem viva a lembrança indelével da estadia em Fátima. Nesta breve paragem na “Terra de Santa Maria”, quero renovar o meu apelo a que seja ouvida a “Mensagem” que nos vem de Fátima, a qual coincide com a chamada do iminente Ano Jubilar da Redenção. Em eco à “Senhora da Mensagem”, eu repetia aí que a Redenção é sempre mais potente do que o pecado do homem e o “pecado do mundo”, que a Redenção supera infinitamente toda a espécie de mal que esteja no homem e no mundo. “Peregrino entre peregrinos”, tive então o ensejo de dizer, que vinha com o nome de Nossa Senhora nos lábios e o cântico da misericórdia de Deus no coração.

De novo em veste de peregrino, são idênticos os pensamentos que me guiam; e a boca fala da abundância do que vai no coração: o amor de Deus, rico em misericórdia; o poder da Redenção de Cristo; Nossa Senhora, Mãe da nossa confiança; e o amor e a paz entre os homens.

3. Anelo longamente cultivado em prece, por um mundo mais pacífico, mais humano e mais fraterno, isto é, mais conforme com os desígnios de Deus Criador e Redentor, esta viagem pastoral que estou a realizar leva-me ao encontro dos homens meus irmãos, em Países muito queridos ao meu coração, que vai cheio de esperança: esperança em que o amor que está no Pai, pela acção do Filho e do Espírito Santo, manifeste no nosso mundo contemporâneo a sua presença, mais forte do que o mal, mais forte do que o pecado e mais forte do que a morte.

Desejaria que fosse sem sombras o horizonte desta esperança, que ilumina a oração de toda a Igreja pela América Latina. Mas se o meu coração sofre com todos os corações feridos pelo mal da violência, em qualquer parte do mundo, nele prevalece a confiança em Deus, “rico em misericórdia”, e o amor pelo homem, remido por Cristo. uma viagem de amor cristão, portanto, a que estou a fazer, que só visa ser reflexo e anúncio do Amor misericordioso de Deus.

4. É com a maior estima que reitero a cada filho desta dilecta Nação o convite a cultivar o amor fraterno na convivência humana. Com particular afecto exorto a Igreja que está em Portugal a elevar a Deus preces instantes, em união com o Papa, especialmente durante esta viagem pastoral, pelo triunfo do amor, da concórdia e da paz: paz nos espíritos, paz entre os homens e paz entre os povos. Confio na oração de todos, mais vai-me em particular pensamento carinhoso para os velhinhos, para os que sofrem e para as crianças. A Nossa Senhora e à oração das crianças inocentes confio o bom êxito desta peregrinação.

E com amizade cordial renovo votos sinceros pelas prosperidades crescentes do querido Povo português: prosperidades isentas de quaisquer sombras de desamor ou de violência; e sempre iluminadas pelo sentido do autêntico bem comum, da concórdia, da justiça e da paz, com respeito pela vida, dignidade e liberdade humanas, e ao serviço da grande causa do maior bem na inteira família humana. E destes meus votos faço prece, a implorar, por intercessão de Nossa Senhora de Fátima, para cada português, para cada família e para toda a Nação os favores e bênçãos de Deus misericordioso.



                                                           Maio de 1983

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS PADRES ALUNOS DO PONTIFÍCIO


COLÉGIO PORTUGUÊS DE ROMA


14 de Maio de 1983



Amados irmãos,
filhos de Portugal,
e queridos Padres alunos
do Pontifício Colégio Português em Roma,

Aqui congregados para a celebração da Eucaristia, por desejo vosso para mim grato, na mente e no coração temos, certamente, Fátima: com Nossa Senhora, vamos agradecer, no aniversário, a visita pastoral do Papa a Portugal e a sua peregrinação ao Santuário de Fátima.

Neste momento revivo convosco, não sem uma certa saudade, as gratas emoções que experimentei há um ano, sobretudo na Cova da Iria. Em vós, saúdo cordialmente a nobre Nação portuguesa e, com particular afecto, a Igreja que está em Portugal e que, sobretudo vós, caros Padres, aqui representais, como certeza de continuidade e esperança de mais e melhor, ao serviço da Redenção. Que para isso vos aproveite e, da vossa parte, aproveiteis a estadia em Roma; aproveite o vosso Sacerdócio vivido em sintonia com o Coração de Cristo e de Maria! E aproveite igualmente a vossa vida consagrada, caríssimas Irmãs presentes!

Ao iniciar a Santa Missa, quero comungar convosco e pedir que partilheis comigo tudo o que me levou a Fátima, confiando mais uma vez ao Coração Imaculado da Mãe de Cristo Redentor e nossa Mãe, as súplicas que aí formulei e continuam actuais: em favor do homem e do mundo, de Portugal e da Igreja, a pelo Sucessor de Pedro.

                                            

                                                     Setembro de 1983

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


A UM GRUPO DE JOVENS PORTUGUESES


Quinta-feira, 8 de Setembro de 1983



Amados irmãos e queridos jovens,
rapazes e raparigas, meus amigos.
Seja louvado nosso Senhor Jesus Cristo!

1. Acabastes de cantar: “ possível a Esperança!”. Olhando para vos, permiti-me o trocadilho: a esperança é real. A esperança sois vós! Muito obrigado pela visita e pela alegria que quisestes dar ao Papa, que quase “matou saudades” de Portugal e da sua briosa juventude. Muito obrigado ao meu Irmão Cardeal Dom António Ribeiro, Patriarca de Lisboa e aos Senhores Bispos, vossos Pastores. E obrigado à jovem que interpretou o sentir de todos. E sede bem-vindos, queridos jovens do Patriarcado de Lisboa e de Portugal.

Teria muitas coisas no coração para vos dizer; mas tenho que me limitar só a algumas, que me são ditadas pelo amor em Cristo com que desejo corresponder à vossa entusiástica amizade jovem.

2. Como recordais, certo dia um jovem como vós foi ter com o Senhor e expôs o próprio sonho de ideal. E conheceis a resposta interpeladora: se és coerente com os teus compromissos religiosos estás no bom caminho. E o rapaz pôde responder: “Sim, Senhor, tudo tenho cumprido”. Então Jesus “fitou-o com amor” e fez-lhe a proposta: se queres “ser mais”, liberta o coração, “arranjando um tesouro no Céu”. Depois, vem e arrisca (Cfr. Marc. 10, 17 ss).

Neste momento quisera, olhos nos olhos e coração a coração, ter com cada um de vós uma conversa análoga, sobre a coerência cristã, a liberdade de coração - a liberdade de filhos de Deus - e a decisão para arriscar. O ponto de referência seria a Cruz, marcada com o sangue redentor de Cristo ressuscitado, fundamento da nossa fé e desafio ao nosso amor. Estou certo de que chegaríamos à conclusão: “o Amor é possível”. Mais: o Amor é real; tem na história do homem um nome e uma forma: chama-se Jesus Cristo.

3. Vindes de Lisboa, de Portugal: “vejo” nas vossas mãos um “facho” resplandecente, recebido dos vossos antepassados. Nesta época de mutações profundas, quase um sismo na história escrita pelos vossos maiores, sois vós que, recolhendo os valores do passado, tereis de continuar a marcha: a edificação da sociedade de amanhã. A esperança é real: a esperança de Portugal, do Papa, da Igreja e do seu Fundador Jesus Cristo, sois vós! E como vamos fazer? a pergunta fundamental que viestes aqui formular, sedentos de ideal e cheios de boa vontade.

A resposta é sempre a de Cristo, o grande Vivente, o eternamente Jovem, o Ressuscitado: se sois coerentes com o vosso cristianismo, estais no bom caminho. Mas - direis - eu queria ser “um pouco de fermento capaz de levedar a massa” (Cfr. 1Co 5,6); e deparo com tantas forças de oposição e de rejeição e com uma indiferença opaca . . . “O que é que me falta ainda”, para dar à minha fé a eficácia apostólica, num mundo secularizado, materialista e fechado à transcendência?

A “senha” que vos deixei em Lisboa, vendo em vós “aliados naturais de Cristo” para a evangelização, como recordais, foi: “Assumir a missão, como resposta ao dom de Deus” que, em Cristo, nos chamou à Salvação. A fé cristã é sempre uma missão; e é por isso que é difícil. Para manter o vigor de “fermento” temos de nos deixar apossar daquela força de verdade e de amor que dimana da Redenção e plasma em nós o “homem novo”, capaz de transformar o mundo (Cfr. Homilia aos jovens 7, 14 de Maio de 1982, Lisboa).

Não tenhais medo! Para enfrentar de maneira realista e confiadamente o desafio que vos é feito a participar de modo activo, como cristãos, na vida em sociedade, tendes sempre a “força” do Espírito Santo. Tomai disso consciência, pela oração, pela coragem da renúncia e pelo esforço generoso de fidelidade, pela prática da caridade e pelo trabalho honesto, santificado e santificador. Sede sempre o “homem novo” em graça de Deus, na convivência com os irmãos, unidos a vós por laços estáveis de vida cultural e social. “O Amor é possível!”.

4. Viria aqui ao caso repetir as concretizações que fazia há poucos dias para os vossos coetâneos da Inglaterra e do País de Gales, sobre a oposição que vos faz o mundo - no sentido que lhe dá o Apóstolo João - o qual vos qualificará, talvez, de sonhadores, ingénuos, atrasados, pouco esclarecidos ou até de reaccionários. Mas tende confiança: Jesus Cristo, Redentor do homem, venceu o mundo. E “o Amor é possível!”.

Não vos deixeis nunca seduzir por doutrinas ou ideologias onde não há espaço para o “mandamento novo”, para tudo o que é genuinamente humano: do direito à verdade, até à liberdade de segui-la. Procurai formar em vós o sentido crítico cristão, para saberdes discernir os contravalores culturais que certas ideologias tentam impor, e para dizer não ao ódio e à violência, a todos os níveis e sob todos os matizes. voto e programa a palavra do Concílio Vaticano II: “ preciso promover incessantemente a ordem social, baseada na verdade, construída sobre a justiça e vivificada pelo amor, procurando dar-lhe, com liberdade de todos, um equilíbrio cada vez mais humano” (Gaudium et Spes GS 26).

A opção por Cristo, Cristo verdadeiro, não é opção contra as realidades terrenas, mas é graça que lhes há-de conferir um sentido mais pleno, a desvendar aos homens nossos irmãos, na única família humana. Sem esperar que sejam eles, iludidos ou desiludidos, a vir pôr-se ao nosso lado, nos “caminhos de Emaús” deste mundo, temos que ser nós, cristãos, a tomar a iniciativa de caminhar juntos, saber conviver, até que se lhes abram também a eles os olhos e possam encontrar-se com Cristo (Cfr. Luc Lc 24,13 ss.).

5. E conseguireis isto tanto mais facilmente, quanto mais houver na vossa consciência de Igreja, una e única, a submissão ao Espírito que fala através dos Pastores da grande Comunidade. Está aqui o porto seguro, onde ancorar, na preparação e após o risco, pois a cada um de vós tocará alguma vez ouvir a palavra do Mestre: “Faz-te ao largo”, mesmo contra a “evidência” humana de ser esforço baldado (Cfr. ibid. 5, 4).

Parece ser tentação antiga, também entre vós, a contraposição mundo religioso e mundo profano, clero e laicado. A vós, meus amigos, cabe renovar, à luz do Concílio, a mentalidade ambiente, que só terá a lucrar com uma acrescida, lúcida e serena consciência de Igreja, a traduzir-se em “comunhão” e co-responsabilidade internas, e a irradiar amor e fraternidade na vida em sociedade.

A escola para isto, animada por uma catequese e pastoral adequadas, bem pode funcionar nas associações, nos movimentos e nos grupos eclesiais, que tiveram e continuam a ter, também no vosso País, um grande desenvolvimento e um louvável papel. Bastará lembrar a Acção Católica Portuguesa, que vai celebrar cinquenta anos de existência. A vossa generosidade e criatividade cabe a tarefa de secundar os desejos e as directrizes dos Pastores, para concretizar as mediações da vida eclesial em que se exprima a vossa fé, a espiritualidade laical, a chama apostólica e o espírito missionário.

6. Quisestes exprimir-me, entre outros, o anelo e propósito de ser pacíficos e a aspiração por um mundo mais pacificado. desejo dos homens de boa vontade, que todos querem ser afinal, que se deixe de pensar os problemas da paz em categorias exclusiva ou prevalentemente políticas e estratégicas. Decidir da paz e acabar com as guerras tem subjacente o complexo problema do desarmamento. E é trágico verificar que se discute continuamente para acabar com certos armamentos e depois se produzem novas armas.

Na Carta que escrevi sobre a Misericórdia divina, quis retomar e actualizar a imagem da nossa geração dada pelo Concilio, como uma geração marcada pela inquietude e pelo medo de que os meios inventados pelo homem possam, num determinado tipo de civilização, ser usados tragicamente contra o homem (Cfr. Dives in Misericordia DM 11). E, sem querer simplificar ou desconhecer os problemas apelava para a misericórdia, o amor misericordioso, capaz de dar forma às relações entre os homens, num espírito do mais profundo respeito por aquilo que é humano e pela fraternidade recíproca (cfr. ibid. 14).

Isto, porém, pressupõe o superar uma lógica que parece exigir sempre maior e mais aguerrida potência bélica para defender a paz; pressupõe o eliminar as hostilidades possíveis nas diversas dimensões da vida humana, por uma conversão das mentes e dos corações à verdade do homem, à luz da Redenção de Cristo. E isto não é académico, nem abstracto, nem “pacifismo”; é convicção justa, que em cada um se há-de tornar vida e empenho, assentes na oração, estudo e reflexão, em sintonia com a Igreja Mãe e Mestra. “O Amor é possível”.

E é pelo caminho do amor, com a alma inundada pelo sol da Páscoa, purificando-se e retomando constantemente vigor nas “fontes do Salvador”, pela reconciliação, que sereis construtores da paz.

7. Com a renovada certeza do afecto do Sucessor de Pedro e a sua bênção, extensiva às vossas famílias e a todos os jovens de Portugal, vamos concluir este encontro. Muito unidos em Cristo e procurando revestir-nos dos méritos da Redenção, cônscios da perenidade da palavra “sem mim nada podeis fazer”, vamos rezar como Ele ensinou: Pai Nosso.

E há Alguém que não podemos esquecer, hoje, dia dos Seus anos: a Mãe, Nossa Senhora. Convosco, em pensamento, volto a Fátima; e ao seu Coração virginal e materno, ao Coração Imaculado de Maria, que sob uma especial acção do Espírito Santo acompanhou toda a obra redentora e continua a palpitar de amor para com todos aqueles que o seu Filho Jesus abraçou e abraça continuamente, com amor inexaurível, de todos os povos e nações, vamos confiar os nossos propósitos e a nossa prece pelos jovens do mundo inteiro, rezando como filhos:

Ave Maria.





                                                     Outubro de 1983

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


A DOIS GRUPOS EM PEREGRINAÇÃO JUBILAR


Sexta-feira, 21 de Outubro de 1983



Caríssimos irmãos e irmãs de Portugal,

1. É com muita alegria que vos saúdo, nesta casa que é de todos os filhos da Igreja. A vossa presença me recorda que ao beijar, em Maio do ano passado, o chão da vossa terra, disse que esse gesto significava “amizade, pela amizade de que me via então rodeado” pelo Povo português. E depois de quatro dias de intensa vibração popular convosco, ao dizer o meu adeus pude assegurar que encontrei abertas as portas dos vossos corações. Por isso vos saudava: “Até à próxima”.

2. Viestes, neste Ano Santo da Redenção, como peregrinos à Cidade Eterna. Podeis sentir aqui, mais de perto, a força salvífica que animou, nestes 1950 anos, uma a uma, as gerações cristãs. Encontrais aqui o túmulo de São Pedro, que foi o primeiro a reconhecer Jesus de Nazaré como o Cristo, o Filho de Deus. E quando muitos dos seus discípulos o abandonaram, porque acharam dura demais a sua maneira de falar, Jesus se dirigiu aos doze apóstolos com uma pergunta decisiva: “Também vós quereis retirar-vos?”, Pedro respondeu em nome de todos: “Senhor, para quem havemos nós de ir? Tu tens palavras de vida eterna e nós acreditamos e sabemos que tu és o Santo de Deus”.

Encontrais, aqui em Roma, também o túmulo de São Paulo, o grande apóstolo das gentes, que pôde dizer de si mesmo: “Já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim”. Encontrais ainda as catacumbas, que continuam a falar do heroísmo dos primeiros cristãos, mártires pela fé em Cristo. Encontrais numerosas igrejas a testemunhar, através dos séculos, uma fé viva e intrépida.

3. Caríssimos irmãos e irmãs, hoje o Sucessor de São Pedro vos confia esta mesma mensagem de fé dos Apóstolos, tão profundamente enraizada nesta cidade: aproveitai essa vossa peregrinação a Roma para aprofundar a fé em Cristo Redentor e o vosso empenho de vida cristã. Ao passardes pela Porta Santa, enriquecei-vos dos sentimentos de penitência, reconciliação e de fidelidade à Igreja. Levai para a vossa querida terra esta mensagem do Ano Santo da Redenção. Levai a alegria da salvação e da reconciliação. E a todos abençoo, de coração: Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo, Ámen.

* * *

Dear Brothers and Sisters in Christ,

It is a pleasure to greet the members of the Holy Year Pilgrimage from Miami, and I offer a special word of welcome to Archbishop McCarthy, Bishop Nevins and the many priests who have come as pilgrims to the Holy Land and to Rome. I am pleased, too, that Archbishop-elect De Paoli is able to be together with you in Rome before he sets out for his new mission in the service of the Holy See. It is a joy to meet with all of you during this year when you celebrate the XXVth anniversary of the founding of your beloved Archdiocese.

The providential coincidence of the anniversary celebration and the Jubilee of the Redemption causes us to reflect on the hand of God in human history, on the fact that our individual lives and our lives together are caught up in the redemptive love of Jesus Christ. Christ is the Alpha and the Omega, the beginning and the end. He is the Master of our lives and the Lord of history. Although we live in a world marked by suffering that stems from sin and evil, we have faith in Christ, and so we never lose hope. We place our confidence in the mercy of God, believing that God’s mercy is more powerful than evil, stronger than death.

Dear friends in Christ, as you return to Miami, may the peace of Christ reign in your hearts. And may you be messengers of Christian hope and joy to all you meet.

God bless you all.

                                           

                                                    Dezembro de 1983



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AO SENHOR HELDER DE MENDONÇA E CUNHA


NOVO EMBAIXADOR DE PORTUGAL JUNTO DA SANTA SÉ


POR OCASIÃO DA APRESENTAÇÃO


DAS CARTAS CREDENCIAIS


23 de Dezembro de 1983



Senhor Embaixador,

Merecem-me o mais vivo apreço e são motivo de esperança a delicadeza de sentimentos e nobreza de propósitos que manifesta, pessoalmente e da parte de Sua Excelência o Senhor Presidente da República Portuguesa, neste dia da apresentação das Cartas Credenciais, como Embaixador de Portugal junto da Santa Sé. Agradeço, penhorado; e queira ser intérprete do meu reconhecimento ao Senhor Presidente da República, também por tê-lo designado para esta alta missão, de representar aqui uma nobre Nação, nimbada de uma história gloriosa e que muito estimo.

Antes de enunciar os princípios orientadores da própria actuação, evocou vossa Excelência a Visita Pastoral que tive a alegria de fazer ao seu País, em cujo desenrolar teve intervenção pessoal, no exercício de elevadas funções. Permanece viva em mim tal experiência humana e religiosa; ela deu-me a medida da justeza com que um meu Predecessor, um dia, qualificou Portugal como “ Nação fidelíssima ” à Sé de Roma. Recordo gratamente as jornadas dessa peregrinação apostólica, sob os auspícios da Virgem Santa Maria, que culminou nos solenes actos religiosos que, juntamente com Portugal e o mundo cristão, celebrei no Santuário de Nossa Senhora de Fátima.

Foi a reviver as imagens desse encontro com Portugal e a sua arraigada tradição religiosa – de um Portugal simbolicamente orante e irmanado com o mundo ajoelhado, em torno do Romano Pontífice – que acompanhei as suas deferentes palavras.

Pude aperceber-me, por tais palavras, de que Vossa Excelência compartilha a ideia de a diplomacia ser acto de confiança nos homens: confiança na sua capacidade para a busca e comunhão da verdade, que há-de iluminar o esforço de todos no sentido de salvaguardar e promover a dignidade das pessoas e dos povos, na grande família humana, pela sempre inacabada tarefa de construção da justiça, da paz e da fraternidade.

Sem estima e amor do homem, de facto, a diplomacia como os demais serviços da nobre causa do homem, ficaria sem alma para encarnar o seu papel: ela pode bem constituir uma senda para favorecer a convivência harmoniosa e a prosperidade dos povos, sobre as bases firmes do direito natural e internacional; e sê-lo-á, servindo e animando a procura do bem comum e aquela solidariedade universal, que é demandada por situações e tensões concretas e exige hierarquização de interesses.

É com esta conhecida perspectiva que tenho o gosto de acolher o Representante de um Povo, a cujo modo peculiar de estar no mundo se sentem vinculados, por liames culturais, homens e povos de vasta área geográfica, que comunicam entre si e glorificam a Deus por meio da língua portuguesa. No seu modo de ser e nesse modo de estar no mundo aparecem marcas profundas da multissecular adesão ao Cristianismo e pertença à Igreja católica da maioria dos Portugueses, o que teve visível incidência em boa parte do seu património cultural.

Trata-se de algo precioso, a envolver, como roupagem, a nobre Nação lusíada, exigindo gravidade condigna e traçando rumos de futuro. Esta nobreza sem artifício, enquadrada no presente e vivida pelas gentes pacientes, trabalhadoras e honradas pos fidalgas tradições de Portugal, parece encontra-se em momento de procura, não isento de interrogações, como sói acontecer em todas as viragens históricas. No entanto, há que confiar em que os Portugueses serão capazes de conjugar esforços e dar-se as mãos, na construção do futuro próspero pelo qual todos aspiram, come dignidade e liberdade responsável.

Objecto de pressões de toda a espécie e, por vezes, pretexto para recusar a submissão à ordem objectiva estabelecida, esta liberdade responsável não prescinde de julgar as coisas à luz da verdade, de ver as exigências do bem comum e de ter em consideração os outros e de colaborar com eles, em solidária abertura para os destinos da inteira família humana. Em particular, não prescinde do respeito pelos bens e valores intangíveis que pertencem ao património espiritual universal; entre estes, saliento o bem da vida, direito intocável em todos os momentos da existência pessoal, acompanhado do direito ao acesso a tudo aquilo que é necessário para uma vida verdadeiramente humana.

Senhor Embaixador,

Renovando o meu apreço pelos protestos de querer o seu País prosseguir a sintonizar-se com os apelos da Igreja, no sentido do respeito pelos direitos dos homens e dos povos e no sentido de um inadiável reexame dos intercâmbios e entreajuda das Nações, desejo reafirmar admiração pelo que foi, pelo que é e pelo ideal que se traçou Portugal, de ser uma Nação moderna inserida na Europa e no mundo actual.

E desejo que o feliz desempenho da sua alta missão lhe proporcione alegrias e consolações, consolidando as tradicionais boas relações entre Portugal e a Santa Sé e dando-lhes eficácia. Para isso, encontrará Vossa Excelência aqui o acolhimento, respeito, compreensão e apoio que tem o direito de esperar. E peço, por fim que transmita os melhores cumprimentos ao Senhor Presidente da República; e formulo votos pelas maiores prosperidades de Portugal, sobre o qual imploro copiosas bênçãos de Deus.





Discursos João Paulo II 1983 - 16 de Fevereiro de 1983